Introdução
Parte das pesquisas que buscam mensurar, classificar e agrupar partidos políticos no Brasil tem como fonte de dados resultados eleitorais. Os partidos brasileiros são frequentemente classificados com base em variáveis, como quantidade de cadeiras na câmara dos deputados, número de cidades governadas, proporção de votos do eleitorado etc. (Berlatto, Codato e Bolognesi 2016; Dantas e Praça 2010; Ev e Melo 2014; Nascimento et al. 2016). Adicionalmente, estudiosos preocupados com o aporte financeiro dos partidos em períodos eleitorais tentaram responder como se dá a relação entre dinheiro e sucesso eleitoral ou como doadores investem em candidatos (Cervi 2010; Figueiredo Filho 2009; Horochovski et al. 2016; Mancuso 2015; Peixoto 2010; Sacchet e Speck 2012; Samuels 2001b; Speck e Mancuso 2011). Ainda que as variáveis de análise sejam diferentes, a dimensão pela qual se olha para os partidos é a eleitoral. O efeito da escolha pela mensuração eleitoral é encontrar apenas uma face dos partidos políticos (Andeweg 2011; Müller e Strøm 1999).
Diante desse quadro, o objetivo deste artigo é analisar a relação entre a organização partidária e os recursos que as legendas desfrutam disputando votos. Para isso, partimos de dois supostos. O primeiro circunscreve-se na impossibilidade da mensuração do partido a partir de seu desempenho competitivo. Os resultados eleitorais são, primordialmente, o output da relação entre estrutura partidária e recursos. Então, tomar o resultado eleitoral como proxy para entender como os partidos arrecadaram seus recursos para produzir determinado resultado sugere tautologia. O segundo suposto compreende que, para mensurar o potencial de um partido desempenhar positivamente nas eleições, é preciso recorrer à estrutura organizativa dele (Tavits 2012). A máquina que movimenta eleitores, cabos eleitorais, conexões e palanques, aquilo que mobiliza o recurso arrecadado. Precisamos saber, antes da urna, a capacidade da agremiação para que o doador enxergue ali um bom lugar para depositar seu investimento e para que o partido seja capaz de articular seus interesses ao competir com os pares.
Aqui é necessária uma ressalva. Apenas a dinâmica eleitoral não é capaz de revelar como partidos políticos se organizam ou como se estruturam no Brasil, ou seja, o party on the ground. Não é novidade que o voto no país é centrado no candidato e que os partidos políticos ocupam posição secundária na disputa eleitoral legislativa (Ames 1995; Carey e Shugart 1993; Mainwaring e Torcal 2005; Samuels 1999a). Desse modo, inferir acerca da organização partidária a partir somente da arena eleitoral limita as conclusões sobre a força das legendas como organizações.
É preciso saber não só quem paga a conta das campanhas eleitorais, mas também se os candidatos recebem de seus partidos conforme a estrutura partidária ou se o dinheiro privilegia um candidato - ou um seleto grupo de -, com a organização servindo como um acessório de candidaturas individuais (Alcántara 2016; Holtz-Bacha, Langer e Merkle 2014). Então, analisamos a relação entre a distribuição de recursos nas eleições para deputado federal no Brasil em 2014 e a estrutura organizacional dos partidos políticos.
Trata-se, portanto, de um aprofundamento da agenda de pesquisa sobre financiamento político, que tem demonstrado a preferência dos financiadores de campanha, especialmente empresas, por candidatos mais competitivos e que, no fim das contas, recebem mais votos e apresentam maiores chances de se eleger (Figueiredo Filho 2009; Horochovski et al. 2016; Mancuso, Horochovski e Camargo 2016). A questão que se coloca é se os partidos seguem a mesma dinâmica, de alocação assimétrica dos recursos, na distribuição do fundo partidário e de recursos advindos de doações - de empresas, pessoas físicas e outros partidos. Em resumo, priorizam-se a distribuição orgânica respeitando em alguma medida a estrutura organizacional da agremiação ou se privilegiam indivíduos.
Como primeiro passo, a estrutura organizacional é definida como a disposição formal do partido sob o território. É o hardframe no qual o partido investe e mobiliza seus rank and files e core voters, colocando em operação a busca por votos (Calvo e Murillo 2004; Freidenberg e Levitsky 2007; Sáez 2005; Scarrow 1996; Scarrow, Webb e Poguntke 2017b; Tavits 2012; Tavits 2013; Wills-Otero 2016). Será, a partir de um indicador mobilizado para mensurar tal estrutura, essa a variável de controle sob a qual se assentam duas hipóteses:
H1: os recursos de origem partidária, especificamente, serão distribuídos a fim de privilegiar os candidatos a despeito da estrutura organizativa;
H2: derivada da primeira, quanto mais estruturado estiver um partido organizacionalmente, mais equânime intrapartidariamente será a distribuição de recursos de campanha oriundos do partido político.
Do ponto de vista teórico, tais hipóteses apresentam em si duas discussões importantes e caras para os partidos políticos em sistemas eleitorais de lista aberta de alta magnitude (Riker 1982). Ambas focalizam o debate entre personalismo e partidarismo que envolve, desde os anos 1990, parte da produção acadêmica sobre o sistema político brasileiro (Carey e Shugart 1995; Coppedge 1997; Nicolau 2006; Samuels 1997; Samuels 1999a; Samuels 1999b). A fulcro do entrave se dá entre os partidos como atores capazes de controlar seus representantes na arena legislativa e incapazes de fazer o mesmo na arena eleitoral (Pereira e Mueller 2003). Nessa díade, as conclusões levaram um grupo de autores a assinalar a capacidade dos partidos políticos controlar seus candidatos (Amaral 2011; Braga 2007, 2010; Kinzo 2003; Meneguello 1998; Rodrigues 2002) e outro grupo a promulgar a fragilidade de nossas agremiações e o acento personalista destas (Ames 1995; Desposato 1997; Desposato 2006; Mainwaring 1991; Mainwaring e Torcal 2005).
Portanto, trata-se de saber se as estruturas organizacionais importam para a distribuição de recursos nas eleições legislativas1. Partidos de aluguel, ou partidos que “tem dono”, não têm interesse em manter uma estrutura complexa para tomada de decisão, servindo apenas como rótulo oficial para que pequenos grupos utilizem os recursos sob o manto partidário a fim de promover interesses “egoístas”. Assim, partidos com parca estrutura seriam facilmente mobilizados em torno de poucos candidatos e os recursos partidários serviriam de esteira para a promoção de grupelhos e não da agremiação em si. Por outro lado, se um partido é organizado, possui uma burocracia robusta e profissional, filiados ativos, diretórios permanentes, espera-se que o recurso financeiro não seja sequestrado por um pequeno grupo de interessados em autopromoção. A interdependência entre as estruturas partidárias serviria de freio para a capitulação do recurso em nome do indivíduo (Gierzynski e Breaux 1994, 174-175).
Assim, espera-se que partidos com maior estrutura, com burocracia mais robusta, maior quantidade de filiados, órgãos especializados etc. não sofram com os desmandos de seus líderes, não fiquem reféns do sucesso eleitoral e sejam capazes de constranger a distribuição de recursos que beneficiem diferentes candidatos. Ainda que os partidos políticos privilegiem o sucesso eleitoral e invistam prioritariamente em candidatos aptos a atrair votos, partidos complexamente organizados tendem a equilibrar essa relação, descentralizando o recurso em diferentes perfis de contentores (Jacobson 1985).
Para testar as hipóteses, analisamos os 322 partidos brasileiros e seu comportamento nas eleições de 2014. Com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Câmara dos Deputados, sites dos partidos e contatos com as executivas partidárias, compilamos uma base capaz de refletir as principais características dos partidos políticos, desenhando sua ossatura organizativa. Em vez de focarmos nas grandes teorias sobre modelos de partido e mudança organizacional, propomos que explicações de médio alcance podem ser mais úteis para entender dinâmicas internas aos partidos políticos (Janda 1983). A variável dependente é composta de repasses que os partidos fazem a seus candidatos dos recursos oriundos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) e de doações realizadas às legendas e repassadas como receita de campanha para seus candidatos a deputado federal nas eleições legislativas nacionais de 2014.
1.Partidos políticos para quê?
É ocioso repetir o mantra de Eldersveld (1964) e Schattschneider (1942) sobre a importância e a centralidade dos partidos políticos nas democracias. Sabemos, pela literatura comparada, as funções primordiais das agremiações em organizar o debate, canalizar interesses, recrutar representantes e dirimir conflitos no governo. O problema é como os partidos fazem isso. Estudar cada uma dessas tarefas exigiria modelos teóricos e análises empíricas próprias. Assim, tentamos entender a forma com que os partidos políticos gerem a representação política alocando recursos entre os candidatos que os representarão na arena legislativa, ou seja, um lócus privilegiado para entender duas faces partidárias: organização e representação. Concomitantemente com o declínio da adesão e com a menor participação de filiados, crescem o financiamento partidário e o número de funcionários pagos pelo partido, o que torna central a questão de como se gasta o dinheiro (Katz e Mair 1995; Poguntke et al. 2016).
Observamos que estruturas e recursos do partido têm sido utilizados como proxy de força partidária. Alguns partidos são estruturados e operam de forma coesa; outros têm apenas a função de rótulo compartilhado por seus parlamentares, conferindo autonomia aos últimos. Para entendermos tal relação, a estrutura organizacional pode ser analisada a partir da aferição da autonomia ou da restrição da liderança, da centralização ou da dispersão de recursos e da descentralização ou da centralização territorial.
Especificamente, recursos podem ser medidos por sua fraqueza ou força financeira, dispersão ou concentração do financiamento, maior ou menor autonomia em relação ao Estado, robustez ou fragilidade burocrática (Poguntke et al. 2016; Tavits 2008; Tavits 2012; Webb e Keith 2017). Quanto mais forte o partido nesses aspectos, mais forte será sua estrutura organizacional.3 Partidos fortes organizacionalmente, por exemplo, dependem menos da popularidade e personalidade de candidatos individuais. Partidos fracos, alternativamente, são menos capazes de garantir a eleição de seus candidatos com base na reputação do partido (Tavits 2013). Espera-se que os partidos fortes distribuam, então, financiamento de forma mais equânime entre os candidatos, e os fracos, de maneira mais concentrada.
Os estudos que têm como dimensão de análise a estrutura organizacional a mobilizam, por um lado, como variável dependente, buscando explicar a estrutura dos partidos e o trade-off entre as dimensões organizacionais (recursos, estruturas e estratégias de representação) de forma comparada entre países, apontando como diferentes configurações institucionais levam a diferentes formas de organizar os partidos (Webb e Keith 2017). Por outro lado, quando tratada como variável independente, o objetivo é mensurar o impacto da força organizacional no desempenho eleitoral (Tavits 2013) e nos níveis de participação e representação política (Scarrow, Webb e Poguntke 2017a).
Para Mancuso (2015), a agenda brasileira sobre financiamento eleitoral organiza-se em torno de três temáticas: i) como os recursos afetam os resultados eleitorais - achados mostram a alta correlação entre recursos investidos e os votos obtidos (Lemos, Marcelino e Pederiva 2010; Mancuso 2012; Samuels 2001a; Samuels 2001b); ii) se as doações de campanha beneficiam os doadores por meio da atuação dos eleitos na produção de políticas públicas (Lemos, Marcelino e Pederiva 2010; Samuels 2001c) e iii) se os fatores explicam as contribuições e os gastos realizados na campanha, especialmente se candidatos e partidos são beneficiados pelo investimento eleitoral (Lemos, Marcelino e Pederiva 2010; Mancuso 2012). Os estudos costumam investigar os tipos de financiamento e gastos existentes de forma comparada, as vantagens dos tipos de financiamento (privado, público, misto), o desenho da regra eleitoral que rege o financiamento, a comparação entre financiamento público e o financiamento empresarial em períodos eleitorais e não eleitorais.
Uma área ainda inexplorada no estudo sobre financiamento é a análise de eficácia ou ineficácia das estratégias do gasto eleitoral de partidos e sobre a relação entre investimento e sucesso eleitoral comparada entre as legendas. Ademais, os estudos estão centrados hoje:
nas doações diretas para as candidaturas, mas a Justiça Eleitoral registra também as doações para os comitês e, a partir de 2010, para os partidos. A parte de doações para comitês e partidos que é repassada para a contabilidade das candidaturas entra na conta dos estudiosos, mas a parte que é investida diretamente por comitês e partidos geralmente não entra na conta, embora também afete potencialmente o desempenho eleitoral dos candidatos. (Mancuso 2015, 178)
Em resumo, o papel dos partidos políticos como doadores e atores estratégicos se dissolve nos estudos de financiamento dos candidatos e seu desempenho individual. A relação entre o dinheiro do partido, sua operação e o uso desse recurso como estratégia partidária é pouco analisada. Alguns analisam a distribuição de recursos partidários e focalizam o fundo partidário, como esse recurso público é distribuído entre os partidos4 e pelos partidos. Braga e Bourdoukan (2009) estudam as duas perspectivas de distribuição e suas implicações para a estruturação da organização partidária e competição política, sob um prisma histórico das mudanças legais e estatutárias na forma de distribuição intra e entre os partidos. As agremiações realizam a distribuição de recursos de formas diferentes. Há partidos que os concentram em nível nacional, como o Partido dos Trabalhadores (PT), enquanto outros, como o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) adotam estratégia mais descentralizada de distribuição (Botassio 2017).
Shaefer (2018) utiliza a distribuição realizada do Fundo Partidário pelas agremiações como indicador de centralização e nacionalização dos partidos. Identifica uma tendência centralizadora em nível nacional e, quando distribuído, o recurso aos diretórios estaduais tende a assumir duas formas: a) mais equânime entre os estados ou b) concentrados em estados específicos, com distribuição em estados onde há membros da executiva nacional e/ou lideranças do partido com projeção interna na organização. A distribuição parece estar correlacionada com o aporte financeiro dos partidos, quanto “mais recursos, mais distribuição”. Os estados com maior presença organizacional ou eleitoral são privilegiados quando esse tipo de recurso é distribuído, passando pela influência dos membros da executiva nacional nos estados e seu grau de parlamentarização.
Dado o pequeno número de trabalhos, sabemos relativamente pouco sobre a forma que partidos brasileiros destinam seus recursos financeiros - públicos e privados. Entre esses trabalhos, pode-se citar o de Mancuso, Horochovski e Camargo (2016) sobre as eleições de 2014. Os autores mostram que os partidos arrecadam recursos de diferentes maneiras: partidos de grande porte, independentemente de ideologia, e pequenos e médios partidos de direita concentram a maior parte das doações de pessoas jurídicas, fonte dominante do financiamento eleitoral no Brasil, até sua proibição em 2015; pequenos partidos de esquerda dependem quase que exclusivamente de recursos do Fundo Partidário. Ainda, confirmam a tendência das agremiações distribuir seus recursos dentro de suas fileiras internas, seja para candidatos, seja para diretórios e comitês, pouco destinando recursos para outros partidos, mesmo os coligados. No entanto, a pesquisa não foca a distribuição interna dos recursos partidários entre seus candidatos.
Internacionalmente temos um volume um pouco maior de trabalhos, ainda que o tema seja incipiente. Harbers (2014), sobre o México, analisa a distribuição dos recursos públicos de três partidos. Também em perspectiva multinível, argumenta que o governo descentralizado desincentiva a nacionalização dos partidos, uma vez que, estes, interessados em eleger governos locais, direcionam recursos aonde apresentem histórico de melhor desempenho e são mais competitivos, distribuindo incentivos apenas em lugares específicos e solapando, assim, sua nacionalização. Sobre o Japão, Carlson (2012), ao analisar a distribuição e as consequências do fundo público dos partidos, identifica uma distribuição equânime entre os candidatos, sem grandes diferenças entre os incumbents e os desafiantes. A razão seria a preocupação dos líderes nacionais em evitar possíveis conflitos intrapartidários.
As pesquisas que discutem a distribuição realizada pelos partidos estão concentradas nos Estados Unidos. Gary Jacobson (1985) analisa as estratégias dos partidos ao distribuir recursos controlados por sua organização para, em tese, alcançar interesses coletivos. A hipótese do autor é de que os partidos distribuem de forma racional, com o objetivo de aumentar o número de assentos no legislativo nacional. O autor mostra que o Partido Republicano alcançou um sistema de distribuição de recursos mais centralizado, focado em candidatos competitivos e conquistou um maior número de cadeiras, enquanto o Partido Democrata descentralizou seus recursos e conquistou número menor de cadeiras.
Herrnson (1989) examina as estratégias dos partidos, também nos Estados Unidos, de distribuição de recursos em campanhas parlamentares. Identifica que os membros da direção nacional dos partidos consideram a competitividade, a competência dos candidatos e as questões conjunturais, como o interesse em aumentar a base do partido em uma determinada região, a pressão por parte dos parlamentares do partido e a qualidade da organização da campanha para tomar a decisão de como destinar verba às direções locais dos partidos.
Gierzynski e Breaux (1994), em uma análise próxima a que desenvolvemos aqui, examinam o papel da estrutura partidária no financiamento de candidatos. Como o dinheiro é distribuído depende da origem do recurso. O recurso vindo do partido político colaboraria para um maior equilíbrio da competição, “that a greater role for parties in financing elections would result in a more equitable distribution of campaign money and a greater level of competition in legislative campaigns” (Gierzynski e Breaux 1994, 172).
Os autores ainda alegam que há diferenças nos objetivos entre a organização partidária e um doador não partidário no que tange à elaboração de políticas. Dado que essas fontes privadas são a maior fatia de financiamento, a distribuição é realizada de forma desigual, favorecendo os incumbents, alvo dos financiadores não partidários. Os que já possuem recursos recebem mais recursos, enquanto candidatos distantes do Estado são negligenciados. As organizações partidárias podem colaborar com os novatos e os desafiantes, a fim de tentar derrubar os titulares, ou contribuir com candidatos “who have no chance of winning in order to lay the foundations of future competitive races” (Gierzynski e Breaux 1994, 174). No entanto, essa distribuição é mais igualitária conforme o partido possua recursos para isso: “Consequently, when party organizations are more active and have greater resources, the distribution of campaign money should be relatively more equitable meaning the gap between incumbent and challenger revenue should be smaller” (Gierzynski e Breaux 1994, 174).
Os partidos teriam papel fundamental para equilibrar, segundo os autores, a competição entre incumbents e desafiantes. Analisando o modo como as organizações partidárias e não partidárias alocam seus recursos por tipo de candidato, concluem que a probabilidade das organizações partidárias contribuir com os candidatos em caso de disputa competitiva é maior em comparação com o financiador não partidário. Em alguns estados, a contribuição partidária a candidatos desafiantes era muito mais alta do que a contribuição de indivíduos, empresas e outros financiadores não partidários. Ambos os doadores (partidários e não partidários) depositam mais dinheiro em disputas mais acirradas, no entanto o partido prioriza desafiantes e o doador não partidário, o candidato à reeleição. O aumento do financiamento partidário aumentaria a média de votos de desafiantes e diminuiria a discrepância que há entre os dois grupos de candidatos, equilibrando a competição nos Estados Unidos, ainda que parcialmente.
2.Materiais e métodos
Com dados disponíveis no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na câmara dos deputados, nos sites dos partidos e pesquisa de campo junto às agremiações, mensuramos a estrutura organizacional dos partidos tomando variáveis de Scarrow, Webb e Poguntke (2017b) e Tavits (2013).
A estrutura organizacional é a base com a qual os partidos políticos partem para se organizar, distribuir poder internamente e fazer contato com a sociedade e com o Estado. Diferentemente das teorias de grande alcance, a ideia é que mudanças de médio alcance, principalmente nas estruturas elementares dos partidos políticos, possam revelar padrões incrementais que as legendas executam e modificam pontualmente (Harmel e Janda 1994; Harmel 2002; Janda 1970, 1980; Scarrow 1996; Scarrow, Webb e Poguntke 2017b; Webb e Keith 2017). Não estamos procurando entender a dinâmica de modelos de partido e tipologias que retratam movimentos tectônicos das legendas e sistemas partidários, mas sim oferecer uma compreensão das bases das quais cada legenda parte para lidar com as dimensões representativa e governamental, ainda que pontuado em uma eleição.
Assim, as variáveis que compõem a estrutura organizacional dos partidos políticos brasileiros são as nove apresentadas abaixo:5
i) extensão organizacional: tamanho da executiva (ou do diretório nacional, quando não possui executiva) do partido. Mensurada pela quantidade de cargos - e não de pessoas - que cada partido tem em sua direção. Revela a capacidade do partido de mobilizar uma organização ampla e manter uma base de trabalho com posições profissionais e remuneradas (Scarrow, Webb e Poguntke 2017b);
ii) capilaridade territorial: é a porção do território de um país onde o partido se faz presente. Quanto mais o partido ocupa o território, mais fácil mobilizar eleitores, angariar votos e dispor de trabalhadores capazes de fazer valer o partido nas bases geográficas eleitorais (Panebianco 2005; Tavits 2012). É mensurada pela proporção de órgãos partidários em relação ao total de municípios brasileiros;
iii) inflexão organizativa: trata-se da replicação da estrutura nacional do partido em suas unidades subnacionais. A replicabilidade de tal estrutura indica a capacidade do partido em montar estruturas complexas e criar correspondência decisória na relação do partido nacional com suas subunidades (Panebianco 2005). Para medir essa variável, escolhemos dez estados brasileiros e verificamos se as executivas ou os diretórios estaduais apresentavam a mesma hierarquia dos nacionais. Esse espelhamento aponta a capacidade do partido ter estrutura de comando eficiente nas ações e nas decisões estratégicas. Um partido que replica toda a estrutura teve como pontuação um nessa variável, enquanto um partido que replicou nenhuma estrutura, zero;
iv) members ratio: refere-se à capacidade da legenda de mobilizar seus filiados ou contar com eles para a mobilização do voto (Scarrow, Webb e Poguntke 2017b; Tavits 2012). Quanto mais filiados um partido possui, maior sua capacidade de amealhar votos na sociedade. A variável foi mensurada pela proporção de filiados de cada partido em relação ao total de eleitores do Brasil em 2014;
v) flexibilidade: mensurada a partir da idade do partido desde sua fundação,6 tem como objetivo mostrar que o partido é um label que perdura no tempo a despeito das mudanças em sua composição, no governo ou nas regras eleitorais, e que os eleitores podem identificá-lo como um player na disputa democrática ao longo do tempo (Daza 2005; Lupu 2017; Randall e Svåsand 2002);
vi) complexidade organizacional: trata-se da interdependência entre as unidades do partido e da especialização que a organização possui para tratar de temas específicos e demandas dos eleitores. Em cada partido foram observados órgãos especiais, como secretaria de mulheres, secretarias de movimentos sociais, vice-presidência de relações internacionais, ou alas da legenda, como a ala jovem, a ala empreendedora. A interdependência se trata da incapacidade decisória de um único membro do partido ou de uma única seção burocrática. Quanto mais órgãos dedicados a funções específicas, mais a organização funciona como uma instituição e depende de uma integração entre suas partes (Huntington 1968; Iñaki 2011; Sigelman 1979). A especialização mostra a disposição do partido em manter vínculos com setores específicos da sociedade e ter contato formal com as bases sociais e eleitorais do partido (Billie 1997; Janda 1970; Randall e Svåsand 2002);
vii) justaposição parlamentar-partidária: diz respeito à autonomia do partido com relação a seus representantes eleitos. Quanto menos o partido depende de sua arena representativa, mais a agremiação pode se preocupar com as questões alheias à estrutura de governo e priorizar a autonomia organizativa. É mensurada a partir da proporção de membros da executiva que não ocupam assentos representativos de qualquer natureza - quanto mais membros do partido com cargos eletivos, maior a justaposição e menor a autonomia (Daza 2005);
viii) centralidade organizativa: não basta que o partido esteja presente com seus candidatos apenas no período eleitoral, a presença de diretórios permanentes é importante para que a organização seja reconhecida como uma instituição capaz de mobilizar votos, participar de governos e canalizar expressões para além do interstício eleitoral. Assim, a presença de uma estrutura centralizada em estruturas permanentes é fundamental para que a institucionalização da organização ocorra (Tavits 2013). Aqui mensuramos pela proporção de diretórios partidários permanentes7 em relação ao total de órgãos partidários;
ix) profissionalização: é aquilo que Key (1949) e Tavits (2012) chamam atenção sobre a necessidade de contar com pessoal remunerado e especializado para executar funções no partido. Desde funções elementares e assessórias até funções centrais, como a presidência da legenda. É a dimensão que Scarrow, Webb e Poguntke (2017b) salientam como mantenedora da organização partidária e executora da distribuição de recursos de poder e materiais na organização. Mensuramos pela quantidade de funcionários que cada partido possui no gabinete da liderança do partido na câmara baixa brasileira e pela quantidade de funcionários presentes nas folhas de pagamento das executivas nacionais dos partidos.
O tabela 1 resume as variáveis e os indicadores empíricos utilizados para mensurar a estrutura organizacional dos 32 partidos que disputaram o pleito parlamentar nacional de 2014.
Variável | Indicador | Forma de mensuração |
---|---|---|
i) Extensão organizacional | Dimensão da executiva nacional do partido | Cargos existentes na executiva nacional de cada partido |
ii) Capilaridade territorial | Cobertura territorial do partido | Número de órgãos partidários por município em cada unidade da federação |
iii) Inflexão organizacional | Replicabilidade da executiva nacional | A partir da executiva estadual, verifica-se o quanto ela se aproxima em extensão e especialização da nacional |
iv) Razão de membros | Potencial mobilizador do partido | Filiados por N de eleitores no ano eleitoral |
v) Flexibilidade | Capacidade de adaptação do partido ao ambiente | Idade do partido em anos |
vi) Complexidade organizacional | Especialização das atividades do partido | Quantidade de órgãos especializados presentes na estrutura do partido |
vii) Justaposição parlamentar-partidária | Independência da organização com relação à arena representativa | Proporção de membros da executiva que não ocupam cargo eletivo |
viii) Centralidade organizativa | Dimensão de órgãos fixos do partido capazes de servir como referência de atividade partidária nos períodos não eleitorais | Quantidade de diretórios municipais pelo total de órgãos do partido (comissões interventoras, comissões provisórias e diretórios municipais) |
ix) Profissionalização | Material humano do partido para mobilização e execução das atividades partidárias | Número de funcionários que trabalham no escritório central do partido e nos escritórios parlamentares da legenda |
Fonte: elaboração própria.
Para a aplicação do indicador de estrutura organizacional, normalizamos os valores das variáveis em escala variando de zero a um.8 A partir disso, fizemos uma média aritmética dos valores em que cada somatório de cada partido foi dividido pelo total de variáveis coletadas (nove). Os dados coletados apontam que o indicador apresenta consistência interna aceitável, com alfa de Cronbach = 0,640,9 de modo que não precisamos proceder à purificação da variância do índice.
Com o indicador em mãos, partimos para correlacioná-lo com a distribuição dos recursos, operacionalizando, portanto nossa segunda hipótese. A correlação de Pearson, nesse sentido, serve para mensurar se os dados estão relacionados, a força dessa relação e sua direção. Não pretendemos, por ora, mostrar qual é o mecanismo de distribuição do financiamento advindo do partido, isso será feito ao testar nossa primeira hipótese. Mas o certo é que, ao olharmos ambas as relações, podemos afirmar que uma opera em detrimento da outra, justamente como sugere a literatura internacional.
3.Resultados e discussão
Nesta seção, testamos empiricamente nossas hipóteses a partir do indicador de estrutura organizacional. A partir dele, testamos a distribuição dos recursos que os partidos repassaram para seus candidatos. Antes, apresentamos os índices de estrutura organizacional dos partidos brasileiros (tabela 2).
PT | 0,674 | PRP | 0,31 |
PTB | 0,516 | PR | 0,309 |
PSDB | 0,51 | PTC | 0,304 |
MDB | 0,48 | PHS | 0,295 |
Progre | 0,458 | PRTB | 0,285 |
PSB | 0,455 | PSL | 0,284 |
PCdoB | 0,438 | Psol | 0,28 |
PDT | 0,43 | Avante | 0,279 |
PPS | 0,425 | Pros | 0,27 |
DEM | 0,422 | PMN | 0,268 |
PSC | 0,403 | PCO | 0,245 |
PV | 0,411 | SD | 0,244 |
PRB | 0,36 | Pode | 0,24 |
PSD | 0,356 | PCB | 0,22 |
DC | 0,326 | Patri | 0,217 |
PSTU | 0,325 | PPL | 0,201 |
Fonte: Laboratório de Partidos e Sistemas Partidários (LAPeS-UFPR).12
A interpretação dos dados de estrutura organizacional se dá apenas comparativamente. Apesar de o indicador variar de zero a um, não há um modo de dizer que os partidos são mais ou menos estruturados em absoluto ou abstrato. A pontuação é sempre relativa ao país e ao tempo em que as legendas se inserem. Ocorre de forma relativa, já que a distribuição de forças, como filiados ou diretórios, é estratégica e depende da competição com os pares. Portanto, o que podemos ver na tabela 2 é uma ordenação simples e decrescente dos partidos políticos brasileiros no ano de 2014. Observa-se que não há um grande bloco de partidos estruturalmente fortes e outro de partidos fracos. Há um continuum em que o partido mais estruturado, o PT, possui mais do que o triplo do último colocado, o PPL. Com exceção do PT em relação aos demais, não se nota diferença de mais de um décimo no indicador de estrutura organizacional.
Além disso, observamos que os partidos dificilmente chegam próximos ao valor máximo. As legendas tendem a se posicionar abaixo de 0,5, o que não é, como dissemos, um valor absoluto, mas aponta que os partidos estão concentrados na parte “baixa” da estrutura organizacional. Realizada a mensuração da estrutura organizacional dos partidos políticos brasileiros em 2014, passemos para a análise dos recursos partidários recebidos pelos candidatos a deputado federal nesse ano.
Os recursos somaram R$ 35,21 milhões, ou seja, cerca de 22 % do total do fundo em questão, quantia expressiva, considerando-se a quantidade de cargos em disputa e a centralidade das eleições majoritárias para os partidos (Melo 2010). Com raras exceções, os partidos, independentemente de porte e posição no espectro ideológico, claramente direcionam seus recursos para poucos candidatos a deputado federal e sua partilha é claramente desigual (tabela 3).
Partido | PJ (R$) | PJ (%) | FP (R$) | FP (%) | PF e outras (R$) | PF e outras (%) | Rec. total (R$) | Rec. Total (%) |
DEM | 26,177,251.16 | 7,08 | 3,141,000.00 | 10.04 | 415,669.23 | 2.45 | 29,733,920.39 | 7.11 |
PCdoB | 14,243,824.27 | 3,85 | 1,359,965.00 | 4.35 | 3,103,285.42 | 18.30 | 18,707,074.69 | 4.48 |
PCB | 0.00 | 0,00 | 0.00 | 0.00 | 4,250.00 | 0.03 | 4,250.00 | 0.00 |
PCO | 0.00 | 0,00 | 7,138.60 | 0.02 | 1,568.19 | 0.01 | 8,706.79 | 0.00 |
PDT | 1,689,808.01 | 0,46 | 1,636,092.10 | 5.23 | 206,778.39 | 1.22 | 3,532,678.50 | 0.85 |
Patri | 1,989,454.33 | 0,54 | 832,307.69 | 2.66 | 115,578.03 | 0.68 | 2,937,340.05 | 0.70 |
PHS | 746,274.38 | 0,20 | 0.00 | 0.00 | 107,601.91 | 0.63 | 853,876.29 | 0.20 |
MDB | 55,536,331.48 | 15,02 | 448,951.10 | 1.43 | 2,256,808.59 | 13.31 | 58,242,091.17 | 13.93 |
PMN | 2,243,870.60 | 0,61 | 178,808.85 | 0.57 | 40,720.04 | 0.24 | 2,463,399.49 | 0.59 |
Progre | 55,068,254.30 | 14,89 | 4,847,822.00 | 15.49 | 1,288,442.00 | 7.60 | 61,204,518.30 | 14.64 |
PPL | 1,296,632.66 | 0,35 | 0.00 | 0.00 | 122,716.88 | 0.72 | 1,419,349.54 | 0.34 |
PPS | 4,460,932.20 | 1,21 | 644,615.36 | 2.06 | 161,988.20 | 0.96 | 5,267,535.76 | 1.26 |
PR | 28,004,053.73 | 7,57 | 12,640,500.00 | 40.40 | 613,973.35 | 3.62 | 41,258,527.08 | 9.87 |
PRB | 2,004,153.25 | 0,54 | 1,296,763.58 | 4.14 | 327,345.78 | 1.93 | 3,628,262.61 | 0.87 |
Pros | 3,910,887.09 | 1,06 | 3,698.49 | 0.01 | 392,881.08 | 2.32 | 4,307,466.66 | 1.03 |
PRP | 519,386.00 | 0,14 | 0.00 | 0.00 | 70,395.60 | 0.42 | 589,781.60 | 0.14 |
PRTB | 428,044.80 | 0,12 | 19,451.18 | 0.06 | 28,851.53 | 0.17 | 476,347.51 | 0.11 |
PSB | 10,016,034.75 | 2,71 | 367,229.54 | 1.17 | 240,041.11 | 1.42 | 10,623,305.40 | 2.54 |
PSC | 4,717,615.86 | 1,28 | 642,000.00 | 2.05 | 258,690.38 | 1.53 | 5,618,306.24 | 1.34 |
PSD | 23,170,837.68 | 6,27 | 551,725.15 | 1.76 | 693,780.67 | 4.09 | 24,416,343.50 | 5.84 |
PSDB | 39,611,253.62 | 10,71 | 257,413.20 | 0.82 | 1,492,276.41 | 8.80 | 41,360,943.23 | 9.89 |
DC | 296,662.50 | 0,08 | 8,689.51 | 0.03 | 86,289.39 | 0.51 | 391,641.40 | 0.09 |
PSL | 662,135.00 | 0,18 | 319,626.52 | 1.02 | 136,293.55 | 0.80 | 1,118,055.07 | 0.27 |
Psol | 5,300.00 | 0,00 | 52,436.02 | 0.17 | 58,255.85 | 0.34 | 115,991.87 | 0.03 |
PSTU | 0.00 | 0,00 | 0.00 | 0.00 | 250,111.79 | 1.48 | 250,111.79 | 0.06 |
PT | 51,352,464.11 | 13,89 | 241,767.50 | 0.77 | 2,046,560.67 | 12.07 | 53,640,792.28 | 12.83 |
Pode | 91,314.02 | 0,02 | 225,482.23 | 0.72 | 336,790.31 | 1.99 | 653,586.56 | 0.16 |
PTB | 18,081,269.06 | 4,89 | 118,596.80 | 0.38 | 744,376.06 | 4.39 | 18,944,241.92 | 4.53 |
PTC | 65,828.00 | 0,02 | 1,530.00 | 0.00 | 10,652.00 | 0.06 | 78,010.00 | 0.02 |
Avante | 1,381,717.35 | 0,37 | 225,176.00 | 0.72 | 106,406.05 | 0.63 | 1,713,299.40 | 0.41 |
PV | 4,596,658.39 | 1,24 | 617,876.74 | 1.97 | 567,332.05 | 3.35 | 5,781,867.18 | 1.38 |
SD | 17,411,521.93 | 4,71 | 600,706.96 | 1.92 | 667,235.25 | 3.94 | 18,679,464.14 | 4.47 |
Total | 369,779,770.53 | 88,46 | 31,287,370.12 | 7.48 | 16,953,945.76 | 4.06 | 418,021,086.41 | 100.00 |
Fonte: elaboração própria com dados do Repositório de Dados Eleitorais do TSE.
A tabela 3 apresenta a distribuição dos recursos que os partidos repassam aos candidatos a deputado federal. Há uma nítida preponderância de pessoas jurídicas como fontes de tais recursos, com mais de 88 %. O Fundo Partidário, majoritariamente composto de recursos públicos, aparece em um distante segundo lugar, com menos de 7,5 %. Os recursos oriundos de pessoas físicas representam 4 % do total repassado aos candidatos a deputado federal, ou seja, 22 vezes menos que os recursos oriundos de empresas. Até 2014, o financiamento eleitoral era preponderantemente empresarial, seja por meio de doações diretas, seja doações indiretas, intermediadas pelos partidos, como as por ora analisadas.
E internamente? Os partidos concentram ou desconcentram recursos? Para responder, calculamos o coeficiente de Gini para mensurar a distribuição interna dos recursos partidários,14 ou seja, do dinheiro que cada sigla repassa para os seus candidatos. Como resultado, as agremiações abastecem as campanhas de seus candidatos a deputado federal de modo muito desigual. A concentração de recursos em poucos pode ser observada na tabela 4, que apresenta os coeficientes de Gini das agremiações. Invariavelmente, os candidatos apoiados com recursos oriundos de seu partido político são dirigentes ou incumbentes altamente competitivos, independentemente do porte ou da estrutura do partido. A vantagem aqui é ter uma medida comparativa independente do montante de recursos arrecadados por cada partido ou do numerário distribuído por diferentes fontes. O que importa é saber em que medida partidos que possuem maior estrutura concentraram mais ou menos recursos, se eles respondem à organização ou a candidatos únicos ou a pequenos grupos. À exceção do PCO, todos os partidos atingiram índices superiores a 0,80.
Partido | Candidatos | Candidatos financiados (N) | Candidatos financiados (%) | Gini |
DEM | 178 | 64 | 35,96 | 0.892710361 |
PCdoB | 83 | 4 | 4,82 | 0.930200686 |
PCB | 59 | 34 | 57,63 | 0.933994706 |
PCO | 11 | 9 | 81,82 | 0.181900835 |
PDT | 322 | 119 | 36,96 | 0.914432799 |
Patri | 293 | 13 | 4,44 | 0.989954827 |
PHS | 301 | 39 | 12,96 | 0.973191718 |
MDB | 378 | 224 | 59,26 | 0.884445915 |
PMN | 165 | 79 | 47,88 | 0.951395179 |
Progre | 186 | 103 | 55,38 | 0.813846619 |
PPL | 69 | 7 | 10,14 | 0.997705989 |
PPS | 128 | 42 | 32,81 | 0.93950055 |
PR | 201 | 96 | 47,76 | 0.861288003 |
PRB | 264 | 77 | 29,17 | 0.943508156 |
Pros | 95 | 30 | 31,58 | 0.934109836 |
PRP | 271 | 29 | 10,70 | 0.967180047 |
PRTB | 253 | 68 | 26,88 | 0.970407007 |
PSB | 410 | 132 | 32,20 | 0.91762439 |
PSC | 189 | 27 | 14,29 | 0.967617997 |
PSD | 176 | 66 | 37,50 | 0.849043393 |
PSDB | 329 | 158 | 48,02 | 0.91312618 |
DC | 227 | 47 | 20,70 | 0.973949945 |
PSL | 213 | 58 | 27,23 | 0.923687474 |
Psol | 425 | 59 | 13,88 | 0.948993339 |
PSTU | 89 | 61 | 68,54 | 0.785835341 |
PT | 395 | 182 | 46,08 | 0.85866638 |
Pode | 246 | 25 | 10,16 | 0.987406031 |
PTB | 266 | 123 | 46,24 | 0.962491733 |
PTC | 232 | 30 | 12,93 | 0.975800074 |
Avante | 137 | 37 | 27,01 | 0.967524267 |
PV | 324 | 86 | 26,54 | 0.972518335 |
SD | 159 | 71 | 44,65 | 0.897369231 |
Total | 7.074 | 2.199 | 31,09 (média) |
Fonte: LAPeS-UFPR e TSE.
Como aponta a tabela 4, a maioria dos partidos brasileiros concentrou recursos em poucos nomes, com coeficientes de Gini que chegaram acima de 0,99, quando apenas um único candidato (no caso do Patri e PPL, o presidente da agremiação) utilizou praticamente todo o recurso partidário para sua campanha eleitoral. O gráfico 1 apresenta a correlação entre o coeficiente de Gini dos partidos e o índice de estrutura organizacional (IEP).
Como mostra a reta da correlação, as duas variáveis apresentam vetor positivo, mas fraco. Mesmo para padrões de comportamento de instituições políticas, normalmente mais fluidas do que outras (Peters 2012), não é possível dizer que há qualquer relação entre a estrutura organizacional dos partidos e a forma com que eles distribuem recursos financeiros à nominata eleitoral. Diferentemente dos partidos nos Estados Unidos, em que as organizações com maior aporte costumam distribuir mais recursos àqueles que não são apoiados pelos financiadores privados (Gierzynski e Breaux 1994), e dos partidos do Japão, em que há uma distribuição equânime entre os candidatos às eleições proporcionais (Carlson 2012), os partidos brasileiros, independentemente de sua força organizacional, financiam apenas poucos candidatos, promovendo o que Schaefer (2018) sugere como “listas fechadas”, impulsionadas aqui pela direção nacional do partido, que investe em um grupo seleto de indivíduos.
Se não há relação entre a estrutura organizacional e a concentração de recursos, parece que a primeira não desempenha um papel decisivo na distribuição de um recurso de poder cada vez mais escasso e importante nas eleições nacionais, o dinheiro. Os dados sugerem que os partidos políticos brasileiros operam uma lógica que leva menos em conta o peso da organização partidária e mais o investimento nos nomes disputando as eleições. Os partidos passam a ser atributos dos candidatos, e não o inverso (Alcántara 2016). O coeficiente de Gini elevado é elemento robusto para chegar à tal conclusão. Contudo, testamos uma explicação alternativa baseada na lógica da reprodução eleitoral dos candidatos nos partidos.
Operacionalizamos um indicador de número efetivo de financiados (NEF). A lógica é a mesma consagrada por Laakso e Taagepera (1979). Reconhecemos a limitação do uso do número efetivo como uma medida de concentração ou dispersão, mas a quantidade de financiados em escala numérica é útil para comparações com outras variáveis. Se os partidos resolvem financiar poucos candidatos proporcionalmente à sua capacidade e se concentram em poucos nomes, a estratégia estaria focada em garantir ou ampliar as bancadas de modo que o recurso partidário-eleitoral fosse um instrumento dos candidatos e não do partido político em si.
Correlacionamos o NEF com a quantidade de cadeiras que cada partido conquistou nas eleições de 2014. Os resultados estão no gráfico 2.
Diferentemente da correlação entre o coeficiente de Gini e o IEP, dessa vez a correlação é quase perfeita (r = 0,924, com intervalo de confiança de 99 %). O que o dado revela é a estratégia partidária em escolher um número limitado de candidatos para receber os recursos do partido, o que implica mecanicamente cadeiras no parlamento. A lógica de uso dos recursos partidários nas eleições parece resultar na alocação monetária a partir da chance eleitoral que cada candidato possui. Chama atenção o fato de essa correlação apresentar esse grau de força, mostrando que só recebe dinheiro quem tem voto para chegar à Câmara dos Deputados e/ou quem conseguiu se eleger foram aqueles apoiados pelo partido. Tal achado reforça o método pelo qual a concentração em poucos nomes se traduz, em alguma medida, em menoscabo da organização partidária, justamente em face de uma estratégia acertada para eleger bancadas, ainda que os partidos saibam da limitação de cadeiras possíveis de serem conquistadas. Os recursos partidários no Brasil são, portanto, atributos de candidatos específicos e não um investimento da organização em promover incentivos coletivos ou equilibrar a competição (Alcántara 2016; Gierzynski e Breaux 1994). Ainda que essa seja uma estratégia partidária, o foco é garantir que indivíduos competitivos conquistem cadeiras para o partido e não que o partido conquiste cadeiras para os indivíduos.
Considerações finais
Resultados apontam para a rejeição de nossas duas hipóteses (H1 e H2). Ao contrário do que pensávamos inicialmente, o maior grau de estruturação dos partidos políticos brasileiros não se converte numa distribuição menos desigual de recursos. Os resultados assinalam uma característica importante do sistema partidário brasileiro, ao menos na disputa pelas cadeiras na Câmara dos Deputados.
Os partidos apresentam concentração de recursos de campanha em poucos candidatos, invariavelmente nos mais competitivos e que compuseram a lista dos eleitos nas eleições de 2014. Frisamos que tal dinâmica já fora diagnosticada para o financiamento empresarial e, como vimos, vale para o financiamento partidário, independentemente do grau de estruturação dos partidos. À exceção do PCO, todas as agremiações agem da mesma forma, o que sinaliza para a pouca utilidade prática de se reduzir o financiamento privado como medida de redução das assimetrias, especialmente as internas, sem que isso venha acompanhado de dispositivos institucionais que obriguem os partidos a distribuir seus recursos de maneira mais equitativa.
O diagnóstico positivo que se faz dos partidos políticos brasileiros nos anos 1990 e na primeira década dos 2000 parece levar em conta apenas o papel dos líderes como sinônimos personificados das organizações que conduzem ou então do comportamento legislativo - e principalmente o efeito deste - como um sinal de que o sistema partidário brasileiro é robusto. Evidenciamos neste trabalho que os partidos se aglutinam em torno de alguns poucos mandatos ao arrepio de qualquer constrangimento organizacional. A fragmentação partidária, que parece não ser o principal problema para a condução de políticas públicas no Brasil, talvez não o seja à medida que os partidos existam como rótulos legais para promover candidaturas personalistas.