Introdução
A fase da adolescência, no âmbito do ciclo vital e conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no Brasil, considera a pessoa com faixa etária entre 12 e 18 anos de idade. De acordo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há no país cerca de 24.033.747 adolescentes 1. Essa fase é perpassada por um sensível, complexo e singular processo de crescimento e desenvolvimento biopsicossocial, sendo uma fase marcada por uma transição entre a infância e a fase adulta 2-4, inclusive modificações determinantes e envoltas ao contexto social e ocupacional 5.
O envolvimento de qualquer pessoa com atos infracionais (criminalidade) pode ocorrer em qualquer período da vida, todavia, quando na adolescência, há a potencialização das situações de vulnerabilidade das repercussões posteriores, sobretudo do fenômeno social conhecido como genocídio negro (raça/cor) 6-8, visto que a maior parte dessa juventude reside nas periferias das cidades e são negros, sendo invisibilizados e marginalizados pela sociedade e Estado, sofrendo com a omissão e a violência, já que são as maiores vítimas e são os que mais morrem 9-12.
Acrescenta-se ao referido contexto, as iniquidades que passaram por construções históricas, culturais e estruturais, principalmente a racial, a qual marginaliza as famílias da base da pirâmide social, que no Brasil são em sua maioria pobres e negras e que possuem com baixa renda e escolaridade, o que torna tais adolescentes mais vulneráveis e com maior possibilidade de envolvimento com furtos e o uso de drogas ilícitas 13-14. Dessa forma, ao serem implementadas medidas socioeducativas e de reinserção social, o Estado precisa romper com as negligências na elaboração e implementação de políticas públicas voltadas a este grupo social, de forma a englobar as demais instâncias como acesso aos serviços de saúde, promoção à saúde, segurança, emprego e educação 7,12.
O ECA foi pensado, projetado e elaborado para acolher, garantir justiça social às crianças e adolescentes vulneráveis e primando por medidas socioeducativas que se ancoram também nos deveres que responsabilizam os jovens que cometerem infrações, sendo portanto, um estatuto completo. Tais medidas socioeducativas (advertência, prestação de serviços comunitários, reclusão até os 18 anos de idade e posterior reinserção social) deverão ser impostas ao adolescente que comete ato infracional, de modo que ele venha se responsabilizar e responder pela infração 11,13-14.
Outrossim, as demais situações de vulnerabilidades que compõem o cotidiano desses adolescentes envolvem fragilidades de vínculos afetivos como os familiares, iniquidade de acesso a bens e serviços públicos (saúde e educação), o que dificulta a participação em atividades de promoção à saúde desenvolvidas por profissionais de saúde em todos os níveis de atenção, responsáveis por destinar um cuidado integral e sistêmico, desde a prevenção de agravos e aqui e a assistência à família e ao adolescente, assim como na comunidade que ele está inserido 15-16.
A vulnerabilidade abrange a avaliação de três eixos conectados, individual (comportamentos e práticas associados ao grau e qualidade da informação), social (aspectos presentes na sociedade que devem favorecer a influência nas tomadas de decisões e no enfrentamento barreiras culturais) e programática (monitoramento de políticas pública de prevenção, promoção à saúde e cuidado, disponibilizados e garantidos pelo estado), no intuito de compreender e ponderar exposição das pessoas às doenças e agravos 17,18,19.
O Brasil tem registrado altos índices de violência, e entre 2005 e 2015, observou-se um aumento de 17,2% na taxa de homicídio de indivíduos entre jovens e adolescentes” 20. Salienta-se que as maiores taxas de homicídios acontecem em concomitância às áreas de vulnerabilidade social 8,21-22. Enquanto a taxa de homicídios de jovens em 2015 era de 60,9 para cada grupo de 100 mil jovens, o mesmo indicador para os homens jovens, sobretudo os negros, atingia neste ano a espantosa marca de 113,6 mil 20.
Dessa forma, questiona-se: quais as situações de vulnerabilidades vivenciadas por adolescentes que cometeram atos infracionais, evidenciadas na literatura? Para ajudar responder a esse questionamento, objetivouse analisar as situações de vulnerabilidades vivenciadas por adolescentes que cometeram atos infracionais, apontadas pela literatura.
Materiais e métodos
Trata-se de um revisão integrativa de literatura, a qual pautou-se na identificação, seleção e avaliação crítica de publicações em periódicos consideradas relevantes, a fim de proceder com a análise diversos resultados oriundos de estudos (teóricos, experimentais ou empíricos), seguindo as seguintes etapas: escolha do tema, formulação do problema de pesquisa, elaboração de um plano de trabalho, definição de descritores, identificação e localização nas bases de dados, compilação e fichamento, categorização e análise dos resultados dos artigos incluídos 23.
Utilizou-se como base de dados a Scientific Eletronic Library Online (Scielo), Biblioteca Virtual em Saúde (Portal BVS) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline). Os filtros aplicados foram o período de publicação dos artigos (entre 2009 a 2019), coerência com a área de vulnerabilidade social, adolescente e criminalidade (jovens infratores) e a língua em que os artigos foram publicados, considerando-se a língua portuguesa, textos completos e gratuitos.
A utilização do “método de pesquisa integrada” adotado nas bases de dados ocorreu com “todos os índices” e “todas as fontes”, no intuito de se obter uma busca ampliada e minuciosa em títulos, resumos e textos. O emprego dos descritores booleanos “vulnerabilidade” AND “adolescentes” AND “infração” AND “criminalidade” possibilitou alcançar 1.198 resultados (artigos), considerando a totalidade das quatro bases de dados. Todavia, ao serem conferidos os títulos e os tipos de estudos apresentados foram excluídos 1.052 textos, alcançando-se 100 documentos distintos, por serem repetidos ou se apresentarem apenas no formato de resumos, teses ou dissertações.
Em seguida foram lidos a partir dos títulos, resumos e palavras-chave para avaliar a adequação ao objeto de estudo, com foco na situação de adolescentes do Brasil, de modo a responderem a questão norteadora e atenderem aos critérios de inclusão e exclusão (discordância do objeto e superficialidade referencial textual à vulnerabilidade de adolescente, envolvido direta ou indiretamente com a criminalidade). Os artigos utilizados envolveram as seguintes temáticas para a seleção do acervo analisado: adolescentes, vulnerabilidade social, violência, drogas, crimes. Nesse sentido foram aproveitados 33 artigos, conforme figura 1.

Fonte: dados dos autores.
Figura 1 Fluxograma detalhado da seleção sistemática dos artigos incluídos no estudo. 2009 a 2019. Guanambi, Brasil, março de 2020.
Após leitura minuciosa das 33 referências foi construído um quadro sinóptico integrativo e sistemático dos artigos, com o intuito de facilitar síntese dos resultados e informações mais relevantes dos artigos, bem como facilitar a visualização dos resultados, conforme o atendimento à questão norteadora. O quadro contém a sistematização das principais informações: manuscrito (com o código de identificação), título, tipo do estudo e país envolvido e situações de vulnerabilidade.
Posteriormente os resultados foram submetidos à análise de conteúdo semântica, que permitiu a interpretação dos resultados, iniciada com uma leitura flutuante, depois uma leitura crítica do material selecionado para classificação dos códigos e unidades de texto para a construção de inferências e interpretações. Posteriormente, procedeu-se a análise temática, descritiva e qualitativa, que permitiu identificar as semelhanças e divergências semânticas nos conteúdos dos resultados interpretados e, por fim, foram elencadas as categorias temáticas 24.
Resultados
As 33 publicações incluídas no estudo estão apresentadas no quadro sinóptico a seguir, organizados quanto ao código de identificação, título, tipo de estudo e situações de vulnerabilidades evidenciadas nos resultados, conforme apresentação no Tabela 1.
Tabela 1 Quadro sinóptico com a produção científica segundo título, tipo de estudo e situações de vulnerabilidades. Guanambi, Brasil, março de 2020.

Fonte: dados dos autores.
Ressalta-se que para a análise do conteúdo semântico dos resultados dos 33 artigos, foram realizadas as decodificações das unidades de sentido, por meio das semelhanças semânticas dos conteúdos interpretados e, posteriormente, emergiram as quatro categorias de análise, organizadas em uma tabela, com a distribuição dos artigos (segundo a identificação nos quadros sinópticos) que contribuíram com a composição de cada uma delas (Tabela 2).
Tabela 2 Distribuição dos artigos, conforme identificação dos manuscritos no quadro sinóptico 01, para a composição das quatro categorias de análise. Guanambi, BA, Brasil, 2020. (n=33)

Fonte: dados dos autores.
Destaca-se na Tabela 2 que a categoria que obteve o maior número de aproveitamento dos artigos incluídos, para a revisão foi a categoria dois, num total de 14 artigos; seguida das demais categorias, as quais contaram com o aproveitamento de 13 artigos cada uma.
Discussão
A discussão dos resultados ocorrerá de forma descritiva e contextualizada, conforme as situações de vulnerabilidades vivenciadas por adolescentes que praticaram atos infracionais e dentro das categorias emergidas nos resultados dos artigos presente no quadro sinóptico.
Relações familiares conflituosas
A família é uma forma de organização social que possui peculiaridades diversas, e, na maioria das vezes, marcadas pelos hábitos culturais da sociedade à qual pertence. A instituição familiar pode constituir-se num núcleo solidário, com laços de cordialidade e afetividade, ou, em contraposição, estruturarse sem estas características, com laços afetivos frágeis. Seja qual for a configuração afetiva, os integrantes da família são influenciados, de maneira positiva ou negativa, pelas vivências aí experienciadas 25,26,27.
Neste contexto, as práticas e eventuais reincidências de atos infracionais efetuados por adolescentes podem ser coibidos ou controlados pelo potencial protetivo a partir do qual são concebidas a sua relação com a figura paterna. Ao sofrerem privação da presença do pai, os adolescentes tornam-se suscetíveis à adoção de condutas antissociais. Eles são considerados, desse modo, como indivíduos desprotegidos, percepção que advém da ausência paterna ou da sua implicação com drogas ilícitas e do uso abusivo do álcool 17,27-30.
Dentre os conflitos familiares mais relevantes, associados às infrações cometidas por adolescentes, destacam-se: discórdias e hostilidades constantes entre o casal, ou no relacionamento entre pais e filhos, desavenças intensas e reiteradas entre irmãos, ausência de afetividade nas relações familiares como um todo, bem como a existência de um integrante da família adepto de posturas antissociais e que também esteja envolvido no âmbito criminal. Estudos evidenciaram que, em se tratando do envolvimento de familiares com drogas ilícitas, os mais mencionados foram: pai, irmãos e tios 5,27-28.
Objetivando lidar com o contexto familiar e social marcados por situações de violência e vulnerabilidade, muitos adolescentes lançam mão do uso do álcool e das drogas ilícitas. Para este grupo etário, tais substâncias o ajuda a “fugir” ou “defender-se” da realidade familiar opressora. Além disso, o uso de narcóticos e álcool favorece, aos adolescentes, a exteriorização de temas não debatidos na conjuntura familiar, devido às barreiras que se formam, em consequência das agressões, violências e ausência de diálogo percebidas no lar 13,31.
A ausência de diálogo no âmbito familiar acerca de questões relacionadas à sexualidade, contribuindo para a prática do abortamento inseguro, colocando em perigo tanto a vida quanto a integridade física das adolescentes que a ele são submetidas. Muitas vezes essas adolescentes abortam devido ao abandono praticado por seus parceiros ou porque as mesmas desconhecem a identidade do genitor. Tem-se também que, em muitos casos, a gestação indesejada decorre de violências sexuais por elas sofridas, sobretudo, no âmbito doméstico 4-5,32-33.
Muitas adolescentes que praticam atos infracionais veem no abortamento uma alternativa à interrupção da gestação não planejada, sobretudo se esta gravidez for resultante de estupro, o qual é praticado, geralmente, por parceiro íntimo, por um familiar ou conhecido da família, e, até mesmo, por pessoas que ocupam o mesmo espaço em que elas cumprem medidas socioeducativas 34-36. A maioria, entretanto, não comunicam a violência sofrida, o que eleva as subnotificações de violência perpetrada contra esse público. Abortamento inseguro e violência, quando associados, apresentam um risco de morte de 2,5 em mulheres jovens 35.
Decerto, a gestação precoce traz à luz situações de vulnerabilidade, que podem decorrer da ausência de conhecimento adequado dos adolescentes. Esse déficit de informações relaciona-se, muitas vezes, à falta de acesso às ações e serviços de saúde, às práticas dialógicas insuficientes entre pais, familiares e adolescentes. Em contrapartida, sabe-se que, em grande medida, pais e familiares de adolescentes que cometem infrações são vítimas de desigualdades sociais históricas, que os expõe a baixo nível de escolaridade, dificultando, assim, as orientações e esclarecimentos prestados aos seus filhos. Deste modo, percebe-se que a incidência de abortamento inseguro é mais proeminente entre as adolescentes menos favorecidas 33,35.
Envolvimento com álcool e drogas
Nota-se que os adolescentes ofensores que respondem a processos diante do Estado, associam o uso da bebida alcoólica como justificativa da sua conduta. Com o acesso direto a compra, não sendo impedidos, mesmo diante da proibição legal para menores de idade, acaba-se tornando um costume frequente com amigos em ambientes de lazer fora de casa e longe da família 13,37-38.
No contexto familiar, nota-se que jovens que se relacionam com pessoas que fumam, bebem ou fazem uso de drogas ilícitas, inclinamse a manifestar estes comportamentos, tal qual atitudes agressivas e ilegais, bem como as preocupações com a imagem corporal 3,31-32,39. Esses comportamentos associamse, também, com à procura de prazer que os adolescentes projetam na bebida, de tal maneira que a diversão desejada nas festas esteja vinculada tão somente ao uso do álcool ou a uma dispersão da realidade 11,38,40-41.
Visto que o exercício de atos infracionais advém do vício descontrolado da droga ou da ligação direta ou indireta com o tráfico, a exposição da maior parte desses adolescentes diz respeito a parcela mais vulnerável da sociedade, mais pobres, que enfrentam maiores dificuldades na sua inserção no mercado de trabalho formal, vendo esta opção como a mais próxima do seu contexto de vida 13-14,21,23,42. Frisa-se também, que a incumbência dos adolescentes do tráfico é secundária, assim eles têm mais chances de serem apreendidos, ou até mesmo mortos pela polícia, na função de “aviões”, levantes da droga 38-39,42.
Percebe-se, portanto, que a falta de comunicação com e entre os familiares, pode acompanhar às experiencias de consumo de drogas pelos adolescentes. Além dessas razões, pesquisadores afirmam ainda, que a ingestão de bebidas alcoólicas e o uso do tabaco entre os adolescentes, encontra-se também um fator biológico que facilita a dependência destas substâncias psicoativas, assim como o acesso fácil dessa substância 6,39.
Situações sociodemográficas desfavoráveis
No Brasil, diante do cenário de desigualdade social, as famílias encontram dificuldades de acessar o cumprimento de ações básicas de suporte e proteção social aos seus integrantes mais exposto. A vulnerabilidade social, que torna precário o acesso ao trabalho, redução da renda e baixa escolarização, afeta diretamente a história da família e os cuidados com as crianças e adolescentes 17,22,42.
Estudos apontam que, diante do cenário atual das famílias em situação de vulnerabilidade social, a dificuldade de acesso ao trabalho e baixa renda, são fatores vulnerabilizadores que desencadeiam outros problemas sociais noutras áreas da vida, tais como, acesso ao lazer, cultura, habitação, transporte e, até mesmo, aos serviços de saúde, que se tornam determinantes e necessários ao desenvolvimento da vida humana. Sendo assim, com tais fatores, há uma contribuição para que o adolescente procure outros meios para conquistar o que almeja, devido as privações que fora exposto, como as infrações 17,21,30,40.
O trabalho na adolescência está, na maior parte, ligado às baixas condições econômicas, como forma de garantir mais renda que supra as necessidades básicas pessoais e familiares, servindo como auxílio nas despesas e compra de bens de consumo 11,15. Devido ao trabalho infantil, nota-se uma evasão escolar, o que é mais um agravante, pois fortalece o ciclo da péssima escolarização o qual incide na precarização das atividades laborais, que gera uma redução do convívio com pessoas da sua rede social, provocando um desgaste físico e mental 30-32.
Como, de um lado o convívio com amigos interfere na construção da identidade, personalidade e outro atributos positivos, de outro modo, há uma inclinação grupal que culmina na influência, suscitando a ampliação da exposição das situações de vulnerabilidade. Esta situação leva-os a cometer infrações. Todavia, destaca-se aqui que o distanciamento dos adolescentes e dos pais, perpassa por problemas socioeconômicos, visto que a há uma ausência imposta por terem que trabalhar, cujos serviços além de precários e os sobrecarrega 6-7,30.
Destarte, o processo de tornar-se vulnerável ou estarem vulnerabilizados, manifesta-se pela dificuldade de acesso aos bens materiais, simbólicos, culturais e essenciais, diante de uma população invisibilizada pelo Estado e marginalizada socialmente, em distintas possibilidades e situações, que se transformam em violências cotidianas, as quais os adolescentes vulneráveis vivenciam 8-9,39.
Vulnerabilidade programática e a ausência do Estado
A noção de “vulnerabilidade” remete a uma perspectiva de debilidade e indefensabilidade, que acaba por reverberar nas condições de saúde do indivíduo, ainda que não haja um quadro de doença evidente, visto que suas condições psicológica, social ou mental tendem a estar abaladas. Este termo é muito utilizado pelos setores da saúde e da assistência social, especialmente ao referiremse a pessoas de menor poder aquisitivo 8-9. As circunstâncias de iniquidades sociais fortalecidas pela negligência do Estado, marcados pela distinção no usufruto de direitos por parte dos cidadãos, da mesma forma que é mostrado pela ausência das políticas sociais 15,23,43.
O elemento programático da vulnerabilidade, é reverberado pelo Estado responsável pelos contextos de vulnerabilidade que estão inseridos as pessoas, também remete aos serviços de saúde, bem como à forma como estas instituições atuam na minimização das condições que tornam as pessoas vulneradas. Aqui cabe evidência ao trabalhador de saúde da atenção primária, cujo objeto de trabalho concentra-se em ações de promoção da saúde e prevenção de doenças e agravos, promovendo, assim, a reinserção social dos sujeitos. A atuação desses profissionais enseja na implementação das políticas e facilitar a interação entre setores públicos, como a educação, justiça, cultura, bem-estar social 9,15,44-46.
A oportunização de chances de desenvolvimento pessoal e social, não deve ser perdida de vista ao se implementarem as medidas socioeducativas, as quais não podem restringir-se, tão somente, à responsabilização penal dos adolescentes que cometem atos infracionais. Há que se considerar que, conforme orienta a Lei, o adolescente é uma pessoa em desenvolvimento, cidadão de direitos, devendo, portanto, ter acesso à assistência à saúde, que deveria ser ofertada nos espaços de aplicação das medidas punitivas 9,31,44-45.
Uma análise do ECA permite perceber um avanço do Estado no que tange ao adolescente autor de ato infracional, uma vez que este Estatuto instaura o direito à proteção, à defesa e ao processo legal, além de preconizar que as medidas punitivas incorporem um caráter socioeducativo 3,29,36,47. A adoção dessas medidas socioeducativas, com as perspectivas de proteção, promoção da saúde e da vida e ações emancipatórias, representam, ainda, um entrave à gestão pública. No tocante à sociedade moderna, estes adolescentes são percebidos como “anormais”, que devem enquadrar-se na ordem, mas, ainda assim, em condição de abandono e invisibilidade social 33-34,45.
Os adolescentes que estão cumprindo ações socioeducativas ocupam territórios estigmatizados, marcado por estigmas e ostensiva presença policial 23,48-50. Os jovens encarcerados, na sua maioria são negros, moradores de zonas urbanas de condições financeiras insuficientes, sujeitando-os ao esquecimento do Estado brasileiro 51. É uma ação afirmativa carcerária, termo que caracteriza o estado penal norte-americano que compõe um amplo processo de criminalização, mas no caso das iniquidades acentuadas no Brasil, promovem o privilégio das classes abastadas e o encarceramento da pobreza 29,40,42-43.
Conclusão
Conclui-se que as quatro categorias revelaram que os artigos mostraram que a maioria dos adolescentes infratores vivenciam diversas situações de vulnerabilidade associadas a convivência familiar complexas como problemas afetivos e relacionais, desestruturados, algumas que experienciam a violência familiar, bem como falta de proteção do genitor/pai. Além disso, tais jovens em muitos momentos encontram-se envolvidos direta ou indiretamente com drogas lícitas, ilícitas e/ou álcool, contribuindo para que eles se envolvem com atos infracionais como uma forma de conseguir meios para fazer o uso. Outro fator que contribui para a manutenção da vulnerabilidade e que favorece a entrada desse grupo de pessoas na criminalidade é o envolvimento com o tráfico de drogas (em muitos casos como ‘avião’, como vendedor ou até mesmo traficante), sendo esse um meio para acessar bens de consumo, que a situação sociodemográfica pouco favorecida (baixo nível de escolaridade e renda escassa) não lhes possibilita. Destarte, a revisão dos artigos apontou que há ausência do Estado para proteger e garantir promoção à saúde dos adolescentes e seus familiares, com o auxílio de mecanismos como a implementação de políticas públicas mantém esses adolescentes vulneráveis. Essa negligência estatal dificulta que esses jovens sejam reinseridos socialmente, potencializando tantas outras situações de vulnerabilidade.
Este estudo aponta estratégias para que profissionais de saúde analisem as situações de vulnerabilidades enfrentadas por adolescentes que cometem infrações, e por meio dessas situações, poderão elaborar um plano de cuidado com vistas na promoção da saúde, prevenção, reabilitação e reinserção social. Outrossim, os profissionais poderão assistir esses jovens na minimização dos agravos à saúde e, assim, ajuda-los a serem realocados na sociedade e na comunidade (tanto para o acesso aos serviços de saúde, quanto educacionais ou o mercado de trabalho), visto que são estigmatizados e marginalizados pela sociedade.
Por fim, as limitações desse estudo residem na lacuna teórica, pois são poucos artigos publicados que abordam a temática que fazem associação entre vulnerabilidade de adolescentes, criminalidade (atos infracionais) e as necessidades apresentadas por eles. Devese destacar que urge priorizar pesquisas que tangenciem o olhar para os enfretamentos a serem adotados para/por adolescentes infratores e que sofrem de iniquidades potencializadas pela negligência do Estado.