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Revista Historia de la Educación Latinoamericana
Print version ISSN 0122-7238
Rev.hist.educ.latinoam. no.13 Tunja Dec. 2009
ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA: CONCEPÇÕES DE ÉTICA E CIDADANIA E A
CRISE NA EDUCAÇÃO COMUNITÁRIA DE CONFISSÃO LUTERANA
NO BRASIL NA DÉCADA DE 80
BETWEEN DISCOURSE AND PRACTICE: ETHIC CONCEPTIONS AND CITIZENSHIP IN THE
BRAZILIAN LUTHERAN CHURCH'S COMMUNITARIAN
EDUCATIONAL CRISIS IN THE 80'S
Dr. Alvori Ahlert1
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – Brasil
Grupo de Investigación HISULA
alvoriahlert@yahoo.com.br
Recepción: 26/07/2009
Evaluación: 02/09/2009
Aceptación: 14/09/2009
Artículo de Reflexión
RESUMEN
A partir de los conceptos de ética y ciudadanía, hemos realizado una lectura interpretativa de la crisis mencionada en los principales documentos normativos y que orientan la dirección de la Iglesia Evangélica de Confesión Luterana en Brasil (IECLB) y su red de escuelas asociadas (Red Sinodal de Educación). Hemos examinado las actas de la Junta de Educación de la IECLB y la Asociación Evangélica de Educación, algunos de los principales estudios y documentos que registran conferencias patrocinadas por la Junta de Educación, los manifiestos y los informes del Pastor Presidente de la IECLB al Consejo General de la IECLB. Estas interpretaciones nos permiten decir que la escuela evangélica de la confesión luterana ha experimentado una crisis de identidad, política, dirección y significado en los años 80, dando lugar a un distanciamiento entre las escuelas y las comunidades de mantenimiento y, en muchos casos de prácticas individuales y centralización del poder.
Palabras Clave: Ética, Ciudadanía, Educación, Crisis.
ABSTRACT
Based on concepts of ethics and citizenship, we have carried out an interpretative reading about the crisis mentioned in the main normative documents leading the direction of the Luteran Church in Brazil (IECLB) and its network of associated schools (Rede Sinodal de Educação). We have examined the minutes of Education Board of IECLB and the Evangelical Association of Education, some of the main studies and documents that record lectures sponsored by the Education Board, public manifestos and reports written by IECLB Pastor, President of the IECLB. These interpretations allowed us to say that schools of evangelical Lutheran confession have experienced a crisis of identity, policy, direction and meaning in the 80s, bringing about an estrangement between schools and communities of maintenance, or in many cases, individual practices and centralization of power.
Key Words: Ethics, Citizenship, Education, Crisis.
INTRODUÇÃO
É corrente nas comunidades e instituições da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil - IECLB o entendimento de que a ética seja um referencial importante da cultura luterana nos mais diferentes segmentos da sociedade. Este entendimento fundamenta-se na identidade construída ao longo da história. Exemplo disso é o posicionamento do Conselho de Educação ao responder à questão sobre o por quê das escolas se entenderem inseridas na IECLB: "Ser luterano é saber assumir posições corajosas pautadas num rigor ético."2
As transformações ocorridas dentro da IECLB ao longo da década de 80 também provocaram uma reestruturação e adequações nas escolas evangélicas, originando a Rede Sinodal de Educação, que atualmente se constitui de 59 escolas com cerca de 36.000 matrículas na Educação Infantil, Educação Básica e Ensino Superior.
No início da década de 80, foram instituídos o Conselho de Educação da IECLB e a Associação Evangélica de Educação afetos ao Departamento de Educação da IECLB com o objetivo de coordenar as ações da IECLB no campo da educação formal, ou seja, gerir sua política educacional. À Associação Evangélica de Educação e ao Conselho de Educação coube a análise da realidade escolar; o lançamento das bases do Departamento de Educação; o apoio à rede de escolas no seu posicionamento e inserção na realidade educacional do país; o acompanhamento das ações da Secretaria Executiva, entre outros.
Entretanto, nossa hipótese é de que esta importante rede de escolas comunitárias viveu uma crise de rumos e identidade na década de 80, com relação a suas concepções de ética e cidadania. A presente pesquisa inscreve-se no quadro referencial de pesquisa bibliográfica e análise documental que, segundo Gil, significa uma pesquisa exploratória e documental.
O desenvolvimento da pesquisa documental segue os mesmos passos da pesquisa bibliográfica. Apenas há que se considerar o primeiro passo consiste na exploração das fontes documentais, que são em grande número. Existem, de um lado, os documentos de primeira mão, que não receberam qualquer tratamento analítico, tais como: documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, contratos, diários, filmes, fotografias, gravações etc. De outro lado, existem os documentos de segunda mão, que de qualquer forma já foram analisados, tais como: relatórios de pesquisa, relatórios de empresas, tabelas estatísticas etc.3
Assim, nossa pesquisa se constitui numa leitura interpretativa sobre situações de crise nas escolas da Rede Sinodal de Educação referenciadas nos principais documentos normativos e orientadores da direção da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) e sua rede de escolas associadas (Rede Sinodal de Educação). Trata-se da análise das atas do Conselho de Educação da IECLB e da Associação Evangélica de Educação, alguns dos principais documentos que registram estudos e palestras patrocinados pelo Conselho de Educação, manifestos públicos e relatórios do Pastor Presidente da IECLB aos Concílios Gerais da IECLB. Desde um olhar sobre as concepções de ética e cidadania buscamos elucidar os principais elementos da crise que acompanharam esta rede ao longo da década de 80.
1. Concepções de Ética e Cidadania na Rede Sinodal de Educação
A identidade ético-luterana conectada com a preocupação pela cidadania e pelo comunitário tem em Martim Lutero sua expressão fundadora para o pensamento contemporâneo na IECLB, em suas comunidades e escolas. Marie Veit, em sua visão crítica sobre a ética luterana, assim caracteriza este impulso ético-cidadão gestado no movimento da Reforma:
Contemplamos mais uma vez aquela visão alimentada por Lutero, principalmente nos primeiros anos da Reforma, nos anos do chamado "movimento evangélico": comunidades constituídas de cristãos palpitantes, que conhecem e lêem a Bíblia, que também têm uma boa formação para lidarem com "negócios, assuntos do mundo", que são capazes de julgar doutrinas e instruções que vêm "de cima", capazes e com o direito de destituir maus mestres – comunidades, das quais pode partir uma reconvalescença paulatina da igreja e da sociedade toda. Pois Lutero nunca perdeu de vista o todo da cristandade. Ele não tinha em mente grupinhos separados de piedosos, que cultivassem uma vida própria e desconhecessem uma responsabilidade global, abrangente. O que ele tinha em mente eram "ecclesiolae in ecclesia", pequenas igrejinhas na igreja, que deveriam começar a transformar o todo, como o fermento na massa de pão.4
Este pensamento veio ao Brasil através dos imigrantes alemães de confessionalidade luterana que aqui desenvolveram estruturas eclesiásticas a partir do apoio de pastores alemães, que ingressaram no país entre 1868 e 1886. Segundo o historiador Martin Norberto Dreher, "Estas estruturas foram importantes veículos da reivindicação de direitos de cidadania para os luteranos."5 Na segunda etapa da organização dos imigrantes luteranos, ocorrida por volta de 1919, com a era Dohms, já descrita anteriormente, deu-se um passo significativo na luta pelo direito à cidadania dos luteranos. "Busca-se a cidadania plena dos luteranos, respeitadas suas heranças culturais, sua germanidade, entendidas, teologicamente, como dádiva do Criador."6 Esta luta prosseguiu constante entre os luteranos em perídos extremamente difíceis, como o foi na era totalitária de Vargas, na qual as comunidades teuto–brasileiras foram obrigadas a mais e mais desenvolverem uma identidade compatível com a cultura brasileira em formação.
Portanto, as questões da ética e da cidadania são realmente valores que acompanham o pensamento luterano constituinte das comunidades e escolas evangélicas. Por isso, vamos buscar estes referenciais nos mesmos documentos que nos serviram de investigação sobre a concepção de educação desenvolvida ao longo da década de 80. No presente estudo buscamos identificar as principais referências relativas a estes conceitos nos documentos em análise. Assim, partimos do posicionamento do corpo docente da Faculdade de Teologia da IECLB sob o título "O Evangelho e Nós". Este texto chama os cidadãos luteranos para uma responsabilidade ético-social:
[...] - cooperar na estruturação da sociedade, insistindo em decisões que possibilitem a vida, e denunciando abusos de poder ou outras condições, que, dentro e fora da igreja, impedem a realização da vida;
Defender os marginalizados e oprimidos, auxiliando-os a manifestarem seus anseios e empenhando-se por mitigar o sofrimento existente nas situações injustas atuais.7
Da mesma forma, O Manifesto de Curitiba é um testemunho sobre a responsabilidade social dos cristãos, no qual se afirma que a orientação do evangelho não se dirige a um ser humano fragmentado, mas ao ser humano como um todo. "A mensagem da Igreja sempre é dirigida ao homem como um todo, não só à sua "alma". Por isso ela terá conseqüências e implicações em toda a esfera de sua vivência – inclusive física, cultural, social, econômica e política. Não tenderá apenas a regular as relações entre os cristãos, mas visará questões relacionadas com o bem comum."8
No nosso entender, tal posicionamento é uma clara afirmação em defesa da cidadania e da ética por parte dos evangélicos de confissão luterana. Defende-se a responsabilidade dos cristãos concernente ao físico, ao cultural, ao social, ao político e ao econômico, o que demanda uma consciência participativa nos rumos do país.
Na reunião ordinária de 22 e 23 de abril de 1983, O Conselho de Educação definiu justificativas para uma Pastoral de Educação, entre as quais destacamos: "Compromisso com o marginalizado (periferia); - compromisso com a educação (significado) – é compromisso com a causa libertadora do Evangelho de Cristo, que remete à ação ao mundo; é ativação de um processo de transformação da sociedade."9
A referida citação demonstra que, no início da década de 80, o Conselho de Educação ensaiava um projeto de Pastoral da Educação que deveria atingir as escolas da rede com o compromisso de formar para uma cidadania, que fosse pautada pela visão libertadora da mensagem cristã, para que este cidadão pudesse tornar-se ator da transformação da sociedade. E, para isso, na reunião seguinte, o Conselho definiu que era da escola a tarefa de "[...] dar ferramental para que como cidadãos saibam enxergar o governo, a liderança dentro de uma certa realidade; uma educação melhor, que tenha condições melhores para criticar o que existe."10
São efetivamente escassos os espaços em que os principais documentos em questão fazem referências explícitas à ética e à cidadania no seu intercruzamento com a educação. Mas um documento que expressa os sentidos da ética e da cidadania, conforme os referenciais construídos anteriormente, é o das Diretrizes de uma Política Educacional da IECLB. Numa leitura interpretativa sobre a luta pela ética e pela cidadania depreende-se que as diretrizes se assentam sobre este fundamento ao colocarem que as perspectivas norteadoras da política de educação deveriam levar em conta que,
A educação não se restringe às escolas, sejam comunitárias confessionais ou públicas. O processo educacional abrange a vida como um todo e as pessoas em todas as suas dimensões. Assim, limitar a proposta educacional da IECLB ou qualquer proposta educacional ao setor formal das escolas, significaria legitimar e reforçar a tendência da sociedade tecnológica de instrumentalizar o ser humano. Por isso, uma proposta educacional responsável abrangerá necessariamente uma série de espaços: o lar (Lutero, por exemplo, redigiu seu Catecismo Menor para uso familiar), a própria comunidade eclesial (culto infantil, juventude evangélica, círculos de estudos bíblicos, grupos de mulheres e de homens, etc.), os meios de comunicação e assim chamada educação popular.11
Este entendimento mostra que a educação não se reduz à educação formal escolar, mas extrapola os limites escolares perpassando todas as instâncias organizadoras da vida humana como a família, a comunidade eclesial até os meios de comunicação. Para isso o documento propõe a educação popular como forma de capacitar o ser humano para o exercício de seus direitos e deveres e para a organização de participação consciente nos organismos onde se luta pela cidadania.
A educação popular merece uma atenção toda especial, pois há inúmeros indícios de que no momento histórico em que vivemos seja precisamente ela que possibilita, como nenhuma outra, a integração das variadas dimensões da vida num processo comunitário e aberto, no qual as populações marginalizadas e oprimidas recuperam, via formação prática e teórica contextualizada, sua capacidade de organização e de luta em favor da sobrevivência e de condição mais humanas de vida. Por isso, mesmo as atividades educacionais desenvolvidas a nível eclesial, devem também ter o componente de animação a uma participação conscientemente assumida nas variadas formas de movimento popular.12
Esta preocupação com a ética e cidadania pode ser entendida como uma construção histórica que sempre esteve presente entre evangélicos luteranos. O envolvimento da IECLB com o debate sobre a Nova Constituição do Brasil confirma isto. O Relatório do Pastor Presidente ao XV Concílio Geral Ordinário informa que
Houve manifestações diversas, no Jornal Evangélico, no periódico 'INFORMAÇÃO IECLB' e outros órgãos. A 'Constituinte' foi matéria de debates em Concílios Distritais, Conferências Pastorais e seminários, entre os quais merece menção especial aquele promovido pelo CONIC, no Rio de Janeiro, em setembro deste ano. A fim de agilizar os estudos e incentivar a participação do povo evangélico–luterano em evento de tamanha relevância decidiu-se criar comissões ou grupos regionais 'que acompanhem o processo da Constituinte e sejam centros catalizadores dos estudos realizados por grupos locais e os canalizem para endereçosconfiáveis da Constituinte a ser eleita em 15 de novembro' (INFORMAÇÃO IECLB, 75, abril 1986, p. 8). Permito-me solicitar fazer uso destes canais e assim marcar presença no processo. É um dever democrático e um serviço a Deus.13
E, de uma forma muito clara e incisiva, este relatório pontua as justificativas e a necessidade de a Igreja envolver-se na construção da cidadania em seu país. É oportuno reproduzir aqui estas justificativas:
É claro que a elaboração de uma nova Constituição é antes de mais nada um assunto político. Diz respeito à sociedade e aos princípios que ela aceita como normativos. Uma Constituição determina os valores com que uma sociedade se compromete, define os direitos e os deveres dos cidadãos, estabelece a forma de seu governo. Isto é relevante para todo cidadão brasileiro, também para a Igreja. A Constituinte decidirá em boa medida sobre o futuro da nação. Por isto a Igreja não pode se desinteressar. Tem o dever de testemunhar ao mundo a vontade de Deus. Conseqüentemente fará questão de, através da Constituição, ver assegurada uma ordem civil e social que esteja em conformidade com os propósitos do Deus Criador. Tal ordem deve garantir a vida e o bem-estar de todos e deve ser promotora da paz e da justiça. Uma Constituinte sempre é um momento decisivo na vida de um povo, e a Igreja aí não pode negar seu serviço.14
Com a aprovação da Nova Constituição do Brasil, em 1988, um dos órgãos informativos da IECLB acolheu a nova Constituição com o posicionamento do Pastor Presidente, Gottfried Brakemeier, o qual argumenta, "[...] que esta Constituição precisa ser acolhida dentro de uma ética orientada no espírito da lei e não só na sua letra. Esse espírito deverá traduzir-se agora nas respectivas leis complementares e numa disposição para cumprir os seus propósitos."15
O mesmo informativo reconhece que a nova Carta Magna significa a organização da cidadania em defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana.16 Isso evidencia uma preocupação significativa com a ética e a cidadania por parte da direção da Igreja enquanto especificidades a serem assumidas e vivenciadas pelos evangélicos luteranos. No contexto da direção da rede de escolas, o Relatório –1992, da Direção–Executiva, afirma "o comprometimento ético"17 como um dos pontos fundamentais para a trajetória da escola evangélica para a década de 90. Neste relatório, também foram explicitados os papéis para os níveis que compreendem a educação básica. Essa distinção foi considerada como condição de sobrevivência para as escolas.
Houve época em que o ensino primário formava o cidadão. Hoje, o ensino de 1º grau tem a mera função de integrar o homem ao seu meio. Não temos mais condições de dizer que o ensino de 1º grau esgota aquilo que denominamos a formação do cidadão; daí a necessidade de universalizar, ou, ao menos, ampliar significativamente, a oferta do ensino de 2º grau no Brasil.18
Para isso, o 2o grau deveria dar especial atenção para a formação ética desse cidadão.
O ensino de 2º grau precisa ser capaz de romper a planura do comum e do medíocre. O aluno que sai do 2º grau precisa estar em condições de compreender as dinâmicas sociais, ter o domínio sobre a tecnologia e não somente da tecnologia, precisa ter desenvolvido o gosto estético, ser capaz de um manejo adequado dos recursos de comunicação, especialmente a língua portuguesa e, sobretudo, precisa ter construído o seu senso ético.19
Este compromisso ético é entendido como condição para o fazer da escola evangélica, para que sua ação não se transforme em mero ativismo. Neste sentido, o relatório ainda afirma a existência de uma ética evangélica luterana que deve ser visível na escola evangélica20 sem, no entanto, explicitar o conteúdo dessa ética.
O Documento N.2 elaborado pelo Conselho de Educação e que trata das atribuições e compromissos do Conselho Escolar na administração da escola evangélica, tambémdedica um capítulo sobre o Conselho "Escolar e a Ética."21 O texto inicia com a etimologia do termo para, em seguida, afirmar que a ética não significa uma lista de normas e condutas, mas "[...] muito mais uma atitude frente à vida, uma forma de explicitar – no concreto – os valores que "movem as pessoas."22 Por isso o cumprimento de um código como os Dez Mandamentos já não poderia mais ser entendido como uma ação ética, afirma o documento. Também, insiste em que a ética não deveria ser aplicada a terceiros e cita como exemplo a cassação do mandato do presidente Fernando Collor de Mello em 1992. Por isso, propõe-se a construção de um conceito de ética a partir de uma abordagem psicanalítica fundamentada em Erich From; a partir de uma abordagem naturalista fundamentada em Albert Schweitzer, como um desejo de viver; a partir de uma aproximação teológica fundamentada no apóstolo Paulo, que coloca o critério do amor ao próximo (ágape) como o único critério para a vivência da ética. Em resumo,
Uma ética (psicanalítica) que, em primeiro lugar, nos sensibilize em relação aos conflitos que, verdadeiramente, existem dentro de cada pessoa. Tais conflitos não se resolvem com leis e mandamentos de conduta. Com isso só se consegue aproximar-se dos "fariseus" ou tornar-se "maniqueista". Uma ética (naturalista) que, em segundo lugar, seja capaz de afirmar a liberdade e, em conseqüência, a responsabilidade. O que se faz ou se deixa de fazer tem reflexos sobre a realidade que nos envolve.
Uma ética (teológica) que, em terceiro lugar, reconheça que a liberdade somente se plenifica em Cristo que veio avisar que não estamos sujeitos a nada. Uma ética (social) que, em quarto lugar, resulte numa atitude de serviço ao outro.23
Embora estas concepções resgatem alguns elementos bíblicos, elas não alcançam o conceito de ética que a própria Direção–Executiva da Rede Sinodal de Educação havia proposto em seu Relatório 1992, ou seja, a afirmação de uma ética luterana. No nosso entender, com a concepção de ética acima referida, não se mantém a perspectiva do referencial da ética luterana que perdurou longos séculos e que na década de 80 ainda buscava seu espaço nas consciências dos evangélico–luteranos. Incorreu-se, assim, numa ética pessoal e individualista, própria do liberalismo político levado ao extremo pelo movimento neoliberal, que na década de 80 infiltrou-se em todos os poros da sociedade brasileira, especialmente na política e na educação.
O mesmo se dá com a concepção e prática da cidadania. Os documentos analisados denotam que o conceito de cidadania foi gradativamente desaparecendo da preocupação das principais instâncias que representam o setor educacional da IECLB já nos primeiros anos da década de 90. Esta avaliação é atestada por uma pesquisa sobre o perfil do docente das escolas evangélicas, publicada pelo Conselho de Educação em 1996. Esta pesquisa constatou que o perfil do, "[...] professor da escola evangélica é um típico cidadão de classe média, cujos valores giram em torno da estabilidade da familia, do cuidado da prole, da constituição de garantías para uma vida tranqüila e segura, como a aquisição de casa própria, a dotação do lar de equipamentos capazes de facilitar o dia-a-dia, etc."24
Este professor acredita que uma das suas mais importantes tarefas seja a de "[...] preparar o futuro cidadão (46%)."25 Afirma que ética e cidadania (31%), e ecologia (26%) sejam os temas que mais professores estariam dispostos a trabalhar;26 que a fé cristã é um guia ético fundamental para 47%27 ; que a questão social é a segunda maior preocupação (30%), por causa da, "[...] (pobreza absoluta de grande parte da população, a instabilidade política e econômica do país, a agressão ao meio ambiente, a violência instalada nas cidades, a má qualidade, em geral, da escola brasileira e o descaso com que os pais tratam a educação dos filhos)."28
Mas, apesar dessa consciência, um percentual muito pequeno afirmou participar de atividades sindicais ou afins e de se envolver em atividades que caracterizam uma cidadania participativa. Segundo a pesquisa, "[...] a taxa de 43,4% de professores que não participa de nenhuma atividade de caráter social ou de ação coletiva é bastante elevada, e de certa forma incongruente com o elevado auto-conceito que o professor demonstra."29
A referida pesquisa concluiu que o professor da escola evangélica é um indivíduo com tendência ao isolamento30, que se entende economicamente incluído na sociedade de consumo, "[...] usufrui intensamente as comodidades do mundo moderno,"31 além de culturalmente se entender bem informado com um significativo volume de leitura e profissionalmente experiente e satisfeito com sua razoável estabilidade de emprego.
No nosso entender, ainda que os dados não possuam comparações com épocas anteriores, a pesquisa em análise demonstra que, no geral, o professor da escola evangélica é um sujeito individualizado e individualista, afinado com uma cultura neoliberal, uma das características do contexto temporal em que a pesquisa foi realizada. A própria pesquisa atesta isso ao afirmar que o profesor.
Socialmente, é um cidadão retraído, mais dirigido para o interior do próprio lar. Tanto a intensidade de sua participação em atividades sociais, como as ênfases que dá no que considera sejam suas principais preocupações apontam para isso.32
Além dessa limitada atividade social, a pesquisa ainda mostra um precário envolvimento com as comunidades religiosas. Em se tratando de uma escola confessional comunitária, que atrás de si tem uma comunidade mantenedora, ao contrário do que as conclusões da pesquisa querem fazer entender, consideramos que 7,7%33 de envolvidos em atividades de liderança nestas comunidades denuncia uma relação bastante tímida destes professores com a prática comunitária, a qual poderia ser intensa, considerando-se sua condição de líder comunitário como professor.
2. Crise em Escolas Evangélicas de Confissão Luterana nas Décadas de 80
A expressão dos documentos pesquisados nos mostra um ideal afinado com a emancipação da vida e a integração entre os povos. Mas no contexto diário das escolas luteranas esta ¿percepção se faz presente? Será que o ¿trem da história passou? Percebe-se um enfraquecimento dos movimentos populares abafados pelo afã do consumo que é individualista e produtor de lixo, como se fossem números descartáveis que permitem a metáfora de que seus consumidores em breve também serão lixo quando não tiverem mais condições de consumo. A que nível esta reflexão está presente nos projetos políticos pedagógicos das escolas e nas reuniões de trabalho e planejamento? Estas questões pontuam uma possível crise que atinge toda a sociedade e inúmeras escolas.
A partir do estudo sobre os referenciais da educação na obra de Martin Lutero, Walter Altmann provoca o leitor a uma reflexão sobre a condição da escola comunitária em nossos dias, afirmando que "Esta elitiza-se cada vez mais, correndo o sério risco de terminar numa verdadeira perversão de suas origens e propósitos iniciais."34 O autor aponta para uma realidade que mostra a existência de uma crise na relação histórica da escola atual com suas origens e propósitos construídos ao longo dessa história que elucidamos em nossa investigação. Por isso, faz-se necessário entender esta crise para que a escola evangélica reencontre este elo perdido com os princípios educacionais de suas origens e propósitos iniciais.
Considerando o período histórico que compreende nossa pesquisa, analisaremos as atas e os documentos que nos têm servido de suporte naquilo que eles evidenciam os elementos dessa crise. E ela aparece inicialmente na reunião ordinária do Conselho de Educação, realizada em 24 e 25 de outubro de 1981. Nela um dos conselheiros se manifesta sobre a questão teológica da IECLB em sua relação com a rede de escolas.
O Conselheiro Lermen manifestou-se sobre a problemática teológica que atinge atualmente nossa Igreja, posicionando-se no sentido de que a escola seja o instrumento, dentro da Igreja, onde deve ser ensaiada uma atitude mais crítica, ensinando-se as crianças a necessidade e o direito de questionamento de todo e qualquer assunto.35
A manifestação desse conselheiro subentende que existiram dificuldades da escola evangélica em absorver os trabalhos das concepções teológicas libertadoras e emancipadoras que começavam a se configurar neste período, já abordados acima através dos textos O Evangelho e Nós e O Manifesto de Curitiba. O mesmo livro de atas registra outros momentos em que elementos de crise foram debatidos: "Percebe-se muitas vezes que escolas estão se desviando do propósito da escola evangélica, ocorrendo uma verdadeira miséria interna."36 A partir dessa manifestação, o Conselho dedicou um momento de Tribuna Livre, na qual surgiram os seguintes posicionamentos:
O conselheiro Sarlet mostra-se preocupado pelo fato de sentir a ausência total da IECLB no trabalho das escolas de bairros vendo-se que a Igreja luterana e católica procuram cada vez mais espaço. O Prof. Fleck atribui este fato à má preparação dos estudantes de Teologia na área pedagógica, uma razão pela qual muitos pastores se omitem, por desconhecimanto. É preciso um preparo para se engajar no problema. Falta um que fazer concreto e uma estrutura concreta que apóia este que fazer.37
Denota-se aqui uma dificuldade com relação à formação teológica entre a IECLB e a Direção-Executiva da rede de escolas, evidenciada pela acidez das colocações. Isto também é perceptível entre o Departamento de Educação e a IECLB. Segundo a ata do Conselho de Educação da reunião de 15 de março de 1986, há reclamações de que "A veiculação do Departamento não está clara."38 Essa dificuldade na relação entre essas instâncias se aprofundou na análise que o Conselho de Educação fez em agosto de 1986 do XVI Congresso Nacional da Escola Evangélica.
Ouviu-se manifestações de que o representante da IECLB não correspondeu. O próprio Conselho de Educação sentiu que a ausência do Presidente da Igreja no congresso que acontece bienalmente, não se justifica. A cobrança dos congressistas, neste sentido, revela que a escola evangélica está reclamando uma posição clara da Igreja. E neste contexto compreendemos que a participação do presidente da Igreja torna-se fundamental.39
Estas referências acima mostram que, na primeira metade da década de 80, existiu uma falta de sintonia entre a IECLB e as instituições representativas da rede de escolas. Lothar Carlos Hoch, em conferência na Faculdade de Teologia da IECLB, em 1983, afirma que "[...] estamos vivendo uma crise muito séria no que diz respeito à educação."40 Ele desdobra esta afirmativa em três momentos, caracterizando a existência da crise em nível global, nível nacional e nível da IECLB. Hoch resgata a importância que a educação teve na história da IECLB e passou a questionar se a educação oferecida pelas escolas evangélicas luteranas estava adequada às necessidades de combater a injustiça e a desigualdade social.
Na esfera das escolas evangélicas, o próprio Conselho de Educação da IECLB se pergunta, se o atual projeto educativo luterano está dando resposta aos problemas e desníveis sócio-econômicos brasileiros. E chega à conclusão de que 'as escolas luteranas de hoje, por mais comunitárias que sejam as suas intenções [...] são escolas elitizantes [...] que atendem ao establishment, a elite do momento' (8). Constata, outrossim, que 'salvo algumas poucas exceções, as tradicionais escolas particulares estão correndo o perigo de se colocar num atrelamento ideológico, político partidário, via dependência económica.41
Hoch aponta para o processo de elitização a que a escola comunitária estava sendo submetida. No nosso entender, isso mostra que, no início da década de 80, estas escolas se tornaram alvo de privatização, uma vez que, com a abertura política em processo, as políticas públicas passariam a sofrer cada vez mais pressão pela base social num sentido de uma universalização da educação básica. Por isso, as elites intensificaram seus ataques sobre as escolas comunitárias para torná-las reféns de seu poder econômico e, assim, privatizá-las. Em sua reunião ordinária, em junho de 1987, o Conselho de Educação fez referências muito explícitas sobre a crise financeira.
Análise e avaliação da questão financeira das escolas – O CE refletiu sobre a crise nas escolas comunitárias evangélicas e trocou idéias e posicionamentos. Na visão do CE estas crises são históricas – sempre existiram – o que está em maior crise é o espírito comunitário e este compromisso é necessário que seja reavivado – que a escola esteja engajada no trabalho da comunidade comoparte da mesma. É necessário que vejam que toda força política está na comunidade. Parece que tudo está direcionado para acabar com o comunitário em todos os sentidos e há um grande direcionamento para o individualismo epara a "massa" – porque os dois desestruturalizam. É necessário encorajar as escolas para que busquem apoio ao DE junto com as comunidades, como também o CE visitar estas escolas.42
O Conselho de Educação reconheceu esta crise econômica, mas, sabiamente, mostrou que a questão nuclear da crise não era a questão econômica, mas a crise da identidade comunitária e do espírito comunitário. Identificou-se um abandono pelas causas luteranas da escola comunitária. O Conselho também reconheceu, em sua análise, que a força política está na comunidade e que, por isso, a escola deveria voltar-se novamente para a sua origem, a comunidade.
Estas posições acima referidas são uma afirmação de que, na década de 80, existiu uma crise na escola comunitária. Tais posições evidenciam que havia uma crise econômica, sim, mas que ela era antes decorrente da perda do vínculo entre a escola comunitária e a comunidade. Portanto, houve certa perda de identidade, pois, com o enfraquecimento do vínculo, perdeu-se também a própria dimensão da concepção luterana de uma educação libertadora e emancipadora do ser humano. Trata-se de uma educação sempre caracterizada como uma formação de um ser humano consciente, responsável socialmente, politicamente crítico e um cidadão ativo na transformação de uma sociedade injusta e opressora. Trata-se exatamente daquilo que Lothar Carlos Hoch afirmou em seus questionamentos ao tratar dessa crise, perguntando se não "[...] nos faltou como Igreja de Jesus Cristo no Brasil uma orientação evangélica luterana mais firme e ousada no sentido de preservar a herança reformatória de propiciar educação a todos, especialmente aos mais negligenciados e esquecidos?"43
Em síntese, podemos afirmar que, na década de 80, a escola comunitária evangélica luterana desenvolveu uma crise econômica. Mas que esta crise econômica, além de ser originada pela conjuntura econômica e política do país, foi também uma crise de identidade na medida em que não se estabeleceram, a partir da IECLB e dos órgãos representativos das escolas, ações e políticas claras que dessem um rumo bem definido para as comunidades da IECLB e suas escolas na questão da educação formal. Assim, não ocorreu uma suficiente ressignificação ao conteúdo ético e cidadão da educação comunitária luterana presente na história cultural da IECLB.
Talvez tenha sido esta percepção que motivou o Conselho Diretor da IECLB à elaboração das diretrizes para uma política educacional da IECLB no início da década de 90. No entanto, como já afirmamos anteriormente, a própria forma como este documento foi elaborado, sem um processo de um envolvimento mais amplo de todos os concernidos, este documento tornou-se um documento dentre outros. Assim, questionamos se naquele período realmente existiu uma relação orgânica entre as comunidades confessionais e as escolas, e se as referidas diretrizes foram trabalhadas e usadas para o restabelecimento do vínculo entre essas duas grandezas.
Outro elemento que também pode caracterizar essa crise nas escolas da rede foi o modelo de gestão política das instituições, como, por exemplo, na questão do preenchimento de cargos nas escolas e nos órgãos representativos das instituições. O documento editado pelo Conselho de Educação da IECLB sobre o Conselho Escolar, que orienta sobre as atribuições e compromissos na administração geral da escola evangélica, no item que trata da escolha do diretor de uma instituição comunitária, ataca a democracia direta, denominando-a, ironicamente, de "assembleísmo"44, e faz a defesa da democracia representativa, ou liberal burguesa, como única democracia viável para as escolas na escolha dos cargos.
"A democracia moderna funda-se nos princípios da representação e do estado de direito, ou da ordem legal. Uma instituição como a escola tem o seu processo decisório estabelecido em Regimento, que para vigorar, passa por uma série de instâncias de exames e aprovação. Assim, uma assembléia da Entidade Mantenedora elege uma Diretoria. A Diretoria representa, a partir desse momento, os membros que compõem a assembléia e, legitimamente, passa a decidir pelos destinos da instituição."45
O referido documento ainda defende que os cargos de diretor, de professor e de pastorado escolar não são cargos eletivos, mas funções, combatendo, assim, os reclamos históricos da comunidade escolar pública por eleições diretas para diretor. No nosso entender, trata-se de uma posição centralizadora e antidemocrática. O Conselho de Educação apenas reconhece que a escolha de um diretor, e no nosso entender isso se justifica também para outros cargos na escola comunitária por ser escola pública não-estatal46 deve ouvir o corpo docente da escola com quem este diretor irá trabalhar.47 Lamentavelmente não se faz nenhuma referência à comunidade escolar neste contexto: mantenedora, pais/mães e corpo técnico-administrativo. Aqui queremos concluir lembrando o texto de Martin Lutero, "Fundamento e motivação da Escritura para o direito e a autoridade de uma assembléia ou comunidade cristã julgar sobre toda doutrina, chamar, nomear e demitir professores"48 no qual afirma que, "[...] nenhum bispo deve nomear a alguém sem a escolha, vontade e convocação por parte da comunidade. Deve antes confirmar o eleito e convocado da comunidade."49 Acreditamos que esta afirmação significa uma proposição muito atual para a busca de mais democracia na condução das questões comunitárias, especialmente no âmbito da escola evangélica, pública não-estatal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um dos elementos que contribuiu para as concepções de ética e cidadania da rede de escolas foi o posicionamento ético, social e político da IECLB através do Manifesto de Curitiba, que significou uma posição corajosa frente a uma realidade de opressão, tortura, mordaça, terror e medo. Este documento fez a defesa de uma educação democrática e integral para o ser humano.
Tal posicionamento veio na seqüência de um manifesto dos docentes da Faculdade de Teologia, que, em 1978, também haviam se pronunciado em favor de uma educação libertadora, que promovesse aprendizagens colocadas na inter-relação entre o estudo teórico e a prática eclesial dentro da realidade brasileira.
Uma consciência libertadora, que foi se construindo ao longo das décadas de 70 e 80, também atingiu a vida das escolas luteranas. Por isso, uma das primeiras ações da Secretaria Executiva da Rede e do Conselho de Educação foi a realização de uma pesquisa sobre a visão que os Obreiros e comunidades da IECLB tinham das escolas evangélicas. E o resultado foi a exposição de críticas contundentes contra a elitização da escola evangélica. Isto provocou uma reação do Conselho de Educação no sentido de buscar uma concepção de educação para a sua rede de escolas. E as primeiras posições sobre essa concepção foram firmadas pelo Conselho de Educação que propôs uma educação que proporcionasse o desenvolvimento das potencialidades dos alunos; o desenvolvimento da capacidade de pensar; a busca da verdade e do caráter; que provocasse transformações do ser humano e da sociedade; que ligasse o conhecimento como a verdade e a afetividade. Esta concepção deveria impulsionar a sociedade para um processo emancipador e libertador. Para isso, a educação deveria ser planejada a partir da realidade, o que pressupõe o envolvimento da comunidade escolar e eclesial e um currículo construído a partir da realidade.
Estas concepções foram ratificadas e aprofundadas através de palestras que permitiram vincular estas concepções ao resgate dos princípios luteranos de educação para que a educação pudesse atingir especialmente os mais necessitados e marginalizados. Uma educação integral, formadora da pessoa toda, em todas as esferas de sua existência, que promovesse o desenvolvimento comunitário e que contribuísse para o desenvolvimento de um pensamento crítico e autônomo contra uma realidade ideologizada e escravizante. Tais posições levaram à proposição de uma educação popular, a ser construída de baixo para cima, isto é, a partir da base, para que o saber do povo pudesse expressar e articular seus anseios por emancipação e libertação. Tais posições foram desenvolvidas ao longo do ano de 1985, com o Tema da IECLB: "Educação: compromisso com a verdade e a vida." O referido tema do ano permitiu o debate dos grandes temas nacionais da educação, como o acesso à educação e o compromisso com uma educação libertadora por meio de uma práxis dialética, portanto processual.
Havia, até este momento, uma relativa congruência entre as lideranças e obreiros eclesiásticos da IECLB e o Conselho de Educação no tocante aos conceitos e tarefas da educação evangélica de confissão luterana. Neste período, o Conselho chegou a emitir um posicionamento favorável à educação popular. Propôs a educação como formação de um ser humano crítico, solidário e livre, capaz de exercer a denúncia da injustiça, o anúncio da Boa Nova do Evangelho e o serviço ao próximo, ao outro.
Entretanto, o vínculo entre as comunidades mantenedoras e suas escolas foi se fragilizando, creditado na época à quebra da homogeneidade social, econômica e cultural sentida com intensidade em meados da década de 80. Reclamou-se uma definição mais clara para os objetivos da escola evangélica e sobre os grupos com os quais ela deveria atuar prioritariamente.
Na mesma direção se posicionaram os Concílios Gerais, órgãos máximos decisórios da IECLB constituídos por representantes das paróquias e comunidades, defendendo uma educação de base popular que confrontasse a realidade brasileira, e desenvolvesse a formação de um ser humano participativo, ético, honesto e lutador contra a corrupção.
Todas estas ações levaram a um posicionamento do Conselho de Educação com vistas ao processo da Constituinte brasileira em construção na segunda metade da década de 80 quanto à área da educação. Por meio de um documento emanado do XVI Congresso Nacional de Professores Evangélicos, reafirmaram-se os objetivos e diretrizes para a formação de um ser humano íntegro, crítico, participativo e solidário, bem como a reivindicação do reconhecimento da escola comunitária no sistema educacional do país.
Somente no início da década de 90, o Conselho Diretor da IECLB, juntamente com um representante do Conselho de Educação, aprovou as diretrizes de uma política educacional da IECLB. Este documento justificou, teológica e biblicamente, a responsabilidade da Igreja para com a educação. Propôs uma educação transformadora da realidade socialmente injusta, através da integração da escola, família e Igreja; o desenvolvimento da formação integral do ser humano; o fortalecimento dos laços de solidariedade; do favorecimento da liberdade, da honestidade e de compromissos responsáveis com uma vida familiar, profissional, social e comunitária; e uma educação como condição permanente e sempre inacabada.
Entretanto, os limites dessas diretrizes estão no próprio processo de construção, no qual toda a riqueza de participação comunitária experienciada pelos debates do tema da IECLB sobre educação não foram aprofundadas através de um processo democrático mais amplo, participativo de todos os luteranos. Assim, esse documento não ajudou suficientemente as escolas e comunidades mantenedoras a fortalecer seus vínculos e significar na prática a riqueza das concepções de educação, ética e cidadania nele contidos. E o principal sintoma desse processo veio logo em seguida com a decisão do Conselho Diretor da IECLB em desligar o vínculo deste com a rede de escolas, dando autonomia absoluta à rede de escolas. A partir daí enfraqueceram-se cada vez mais os elos entre a Igreja e suas comunidades com a rede de escolas evangélicas. Tal distanciamento contribuiu para o enfraquecimento da identidade luterana na rede das escolas, levando-as, em muitos casos, para práticas individualistas e centralizadoras do poder.
Este vácuo de rumos e planejamentos, sem uma identidade luterana clara e bem definida para a educação na IECLB, provocou, no final dos anos 90, a realização de uma Pré-Consulta sobre Educação Formal, patrocinada pela IECLB e pelo Conselho de Educação. Este evento veio ratificar com clareza que a rede de escolas perdera sua identidade luterana, seus princípios educacionais historicamente construídos desde a Reforma Luterana. As proposições assumidas nesta Pré-Consulta já não conseguiram alcançar a clareza e a força dos posicionamentos políticos, sociais e econômicos anteriores, uma característica da postura luterana. Da mesma forma, não conseguiram se aproximar de uma concepção mais clara de educação outrora construída e divulgada. Perdeu-se a convicção emancipadora e libertadora da educação.
O documento também aceitou o distanciamento entre a escola comunitária e sua comunidade mantenedora como um fato natural. Isso reforçou, de certa forma, a política implementada no início da década de 90 quando se firmou a independência da rede de escolas, o que permitiu uma centralização do poder na rede de escolas e um esvaziamento da participação comunitária na escola comunitária pública não-estatal.
1 Doutor em Teologia, Área Religião e Educação, pelo Instituto Ecumênico de Pós-Graduação (IEPG), da Escola Superior de Teologia (EST), São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil (2004). Mestre em Educação nas Ciências, pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI), Ijui, Rio Grande do Sul, Brasil (1998). Professor Adjunto da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE campus de Marechal Cândido Rondon, onde ensina sobre Fundamentos da Educação. Membro do Grupo de Extensão e Pesquisa em Educação Física Escolar (GEPEFE) e do Grupo de Pesquisa "Cultura, Fronteia e Desenvolvimento Regional". Membro associado da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE). Membro do HISULA.
2 IECLB, Conselho de Educação. Ata N. 63, 17 e 18 de setembro de 1999, linhas 134 e 135.
3 GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5 ed. São Paulo, Atlas, p. 66.
4 VEIT, Marie. Uma visão crítica da ética luterana. Estudos Teológicos. 19 (3), São Leopoldo: Faculdade de Teologia, p. 134-142.
5 DREHER, Martin Norberto. Os impasses do germanismo, p. 67.
6 Ibídem, p. 68.
7 O EVANGELHO e nós, (1978), p. 62
8 O MANIFESTO de Curitiba. (2001), p. 1.
9 IECLB, Conselho de Educação. (1981-1985): Livro de Atas, folha 30.
10 IECLB, Conselho de Educação. (1981-1985): Livro de Atas, folha 39.
11 IECLB, Diretrizes para uma política educacional da IECLB, p. 2.
12 IECLB, Diretrizes para uma política educacional da IECLB, p. 2.
13 IECLB, Relatório do Pastor Presidente ao XV Concílio Geral, Rio de Janeiro, 15 a 19/ 10/1986, p. 13.
14 IECLB, Relatório do Pastor Presidente ao XV Concílio Geral, Rio de Janeiro, 15 a 19/ 10/1986, p. 13.
15 IECLB, Informação IECLB, p. 1.
16 Cf. IECLB, Informação IECLB, p. 4.
17 DIREÇÃO-EXECUTIVA, Relatório-1992, p. 150.
18 DIREÇÃO-EXECUTIVA, Relatório-1992, p. 151.
19 DIREÇÃO-EXECUTIVA, Relatório-1992, p. 151.
20 Cf. DIREÇÃO-EXECUTIVA, Relatório-1992, p. 152.
21 Cf. IECLB, Conselho de Educação, Conselho Escolar, p. 47-51.
22 IECLB, Conselho de Educação, Conselho Escolar, p. 48.
23 IECLB, Conselho de Educação. Conselho Escolar, p. 48.
24 IECLB, Conselho de Educação. Professor: um perfil, p. 13.
25 IECLB, Conselho de Educação. Professor: um perfil, p. 21.
26 IECLB, Conselho de Educação. Professor: um perfil, p. 21.
27 IECLB, Conselho de Educação. Professor: um perfil, p. 22.
28 IECLB, Conselho de Educação, Professor: um perfil, p. 23.
29 IECLB, Conselho de Educação, Professor: um perfil, p. 25.
30 IECLB, Conselho de Educação, Professor: um perfil, p. 25.
31 IECLB, Conselho de Educação, Professor: um perfil, p. 27.
32 IECLB, Conselho de Educação, Professor: um perfil, p. 27.
33 IECLB, Conselho de Educação, Professor: um perfil, p. 24.
34 ALTMANN, Walter. Lutero e a libertação. São Paulo: Ática, São Leopoldo: Sinodal, p.207.
35 IECLB, Conselho de Educação, Livro de Atas (1981-1985), folha 18 verso.
36 IECLB, Conselho de Educação, Livro de Atas (1981-1985), folha 29.
37 IECLB, Conselho de Educação, Livro de Atas (1981-1985), folha 29.
38 IECLB, Conselho de Educação, Livro de Atas (1985-1988), folha 9.
39 IECLB, Conselho de Educação, Livro de Atas (1985-1989), folha 15.
40 HOCH, Lothar Carlos, Impulsos da reforma luterana para a atuação da IECLB na área da educação, p.108.
41 HOCH, Lothar Carlos. Impulsos da reforma luterana para a atuação da IECLB na área da educação, p.110.
42 IECLB, Conselho de Educação, Livro de Atas (1985-1989), folha 26 verso.
43 HOCH, Lothar Carlos. Impulsos da reforma luterana para a atuação da IECLB na área da educação, p.111.
44 Cf. IECLB, Conselho de Educação, Conselho Escolar, p. 45-46.
45 IECLB, Conselho de Educação, Conselho Escolar, p. 45.
46 Cf. AHLERT, Educação privada e educação comunitária: contribuições para um debate polêmico e necessário, p.196-224.
47 Cf. IECLB, Conselho de Educação, Conselho Escolar, p.46.
48 LUTERO, Martinho, Pelo Evangelho de Cristo. Porto Alegre/São Leopoldo: Concórdia/ Sinodal, p.93-202.
49 LUTERO, Martinho, Pelo Evangelho de Cristo. Porto Alegre/São Leopoldo: Concórdia/ Sinodal, p.200.
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