Este estudo reflexivo tem como ênfase a instituição de longa permanência no acolhimento da pessoa idosa. A motivação para desenvolver tal reflexão surgiu da interação com pessoas idosas institucionalizadas e com a dinâmica de trabalho dos funcionários de tal instituição.
No Brasil, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, instituída em 2006, preconiza que as intervenções de saúde voltadas à pessoa idosa se constituem de abordagem multidisciplinar e multidimensional 1,2, devendo ser considerada a intensa relação entre fatores físicos, psicológicos, espirituais, sociais e ambientais capazes de influenciar na saúde dessa pessoa. Tal requerimento se justifica no sentido de prover não só o necessário à subsistência e segurança da pessoa idosa institucionalizada, mas igualmente promover sua autonomia, independência e relações com o mundo externo em sua cotidianidade.
Todavia, considerando a carga contextual em que se dá o processo de institucionalização em uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI), o qual é escoltado por transformações na vivência da pessoa idosa, emergiram algumas questões norteadoras para este estudo, sendo elas: Como foi para a pessoa idosa o início do seu processo de institucionalização na ILPI? Quais mecanismos de enfrentamento a pessoa idosa lança mão na vivência desse processo de institucionalização? Como acontece o processo de desconstrução do seu mundo-vida e sua reconstrução a partir da vivência em uma ILPI? Nesse sentido, tivemos como propósito refletir sobre a ILPI como alternativa no acolhimento das pessoas idosas brasileiras.
De tal modo, primeiramente discorremos sobre o envelhecimento populacional, seguido por uma breve perspectiva histórica da ILPI; finalizando com o processo de institucionalização da pessoa idosa nas mesmas.
O processo de envelhecimento
Nas últimas décadas têm-se presenciado maior preocupação em estudar e compreender, de forma mais intensa, o processo de envelhecimento e suas implicações, sejam individuais e/ ou sociopolíticas. Tal fato justifica-se, pois, no Brasil, bem como em todo o mundo, o envelhecimento populacional ocorre de maneira abrupta e rápida 3. O processo de envelhecimento iniciou-se em países desenvolvidos e tem constituído, contemporaneamente, um dos maiores desafios para saúde pública, principalmente em países subdesenvolvidos que ainda apresentam situações de pobreza e desigualdades sociais 4.
No Brasil, a pirâmide etária vem sofrendo um alargamento de seu ápice, devido à crescente população idosa, tendendo a uma retangularização 5 e, posteriormente, caminhará para a sua inversão. Projeções indicam que em 2020, o País Brasileiro possuirá um contingente superior a 30 milhões de pessoas idosas, alcançando a colocação de sexto país em número da população de idosos 6. Tal transição demográfica brasileira pode ser atribuída ao avanço tecnológico das distintas áreas humanas, mas principalmente a redução da taxa de fecundidade; o que promove uma diminuição no grupo etário jovem e, com isso, insurge o que se denomina de envelhecimento pela base 7.
Considerando o aumento da proporção de idosos por adultos, a longevidade da população, as dificuldades culturais e socioeconômicas relacionadas à pessoa idosa e seus cuidadores, ou mesmo a carência de um cuidador domiciliar, o comprometimento da saúde desse idoso e da família, os contraceptivos, a redução do tamanho das famílias, a inserção da mulher no mercado de trabalho, a falta de tempo na vida atual, e por consequência de conflitos familiares fazem com que a demanda por Instituição de Longa Permanência para Idosos seja crescente 8,9. Nesse contexto, a ILPI tornou-se alternativa importante de acolhimento de pessoas idosas, principalmente nos países em desenvolvimento, nos quais questões referentes ao tema ainda são tratadas de forma pouco resolutiva.
As Instituições de Longa Permanência
O surgimento das instituições para idosos teve seu início no Cristianismo, entre os anos de 520 e 590, pelo Papa Pelágio II, que transformou sua residência em um hospital para pessoas idosas 10. Na Idade Média, pessoas que prestavam serviços assistenciais aos pobres locados em hospitais eram consideradas caritativas - religiosos ou leigos - que além de buscarem a salvação de suas almas, tinham o propósito de separar os indivíduos que poderiam representar ameaças à saúde da população. Assim, as primeiras instituições já foram elaboradas pautando-se na assistência, na formação espiritual e também na exclusão social 11, uma vez que a criação das instituições respondia ainda a uma necessidade da época, na tentativa de solucionar a problemática da mendicância, da pobreza e das doenças. Com o passar do tempo, pessoas portadoras de situações semelhantes começaram a ser tratadas de modo isolado, originando espaços próprios, como leprosários, manicômios, sanatórios, orfanatos e asilos. A princípio, os asilos tinham a função de abrigar aqueles que não se enquadravam em outras instituições, como andarilhos e pessoas idosas. Somente no final do século XX, a denominação “asilo” passou a ser substituída por “Instituição para Velhos” 12. Contudo, o termo “asilo” continua sendo empregado nos dias atuais e com vestígios do significado primeiro de exclusão social, pois são reconhecidas como instituições voltadas ao abrigo de pessoas idosas que necessitem de um local para morar, alimentar-se e receber cuidados básicos 13.
Já no Brasil Colônia, o Conde de Resende instituiu no Rio de Janeiro, em 1794, a Casa dos Inválidos, destinada a proporcionar aos soldados idosos uma velhice digna e tranquila 10. Sequencialmente, o Asilo São Luiz Para A Velhice Desamparada, fundado em 1890, foi a primeira Instituição para pessoas idosas, também no Rio de Janeiro, colaborando à visibilidade da velhice 14.
Define-se asilo, do grego ásylos e pelo latim asylu, como uma casa de assistência social onde são recolhidas pessoas pobres e desamparadas, como mendigos, crianças abandonadas, órfãos e pessoas idosas 15. Devido à denominação ampla e na tentativa de minimizar aspectos negativos, como rejeição e pobreza, da designação “asilo”, no início do Milênio a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) desencadeou um movimento para o uso da expressão “Instituição de Longa Permanência para Idosos”, a qual passou a vigorar definitivamente a partir da Resolução 283 da SBGG, em 2005 16.
ILPI é definida como estabelecimento para atendimento integral institucional, cujo público-alvo é pessoas de 60 anos ou mais, dependentes ou independentes nas atividades de vida diária, que não dispõem de condições para permanecer com a família ou em seu domicílio 17. Ou ainda, como instituição governamental ou não governamental, que apresenta caráter residencial e visa o domicílio coletivo de indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos, com ou sem suporte familiar, promovendo condições de liberdade, dignidade e cidadania 18.
Já Goffman 19 a classifica como uma Instituição Total, caracterizada como “... um local de residência e trabalho onde indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada”. Para Veras 20, esse modelo asilar caracteriza-se por retirar os indivíduos do convívio da sociedade, estigmatizando-os como doentes. Embora existam definições a respeito das funções e obrigações da ILPI, a influência dos aspectos negativos na vivência das pessoas idosas institucionalizadas encontra-se implícita na maioria delas, solicitando uma reestruturação desse ambiente que tem se tornado o mundo-vida de uma demanda crescente de pessoas idosas.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em um levantamento realizado entre 2006 e 2009, o território brasileiro contava com 3 548 ILPI, a maior parte delas filantrópicas, com um total de 96.781 residentes, sendo a população feminina representante de 57,3 % desse total. Conquanto seja preconizada a institucionalização de pessoas acima de 60 anos na ILPI, cerca de 12% do total apresentavam idade inferior a essa. Cada ILPI abrigava 28 habitantes em média, sendo assim essa considerada uma ILPI pequena. Assim, o Brasil dispunha de um total de 109.447 leitos, dos quais aproximadamente 90 % encontravam-se ocupados, indicando que as instituições estavam operando com quase toda sua capacidade 21. Os Estados com maior proporção de pessoas idosas residentes em ILPI são Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Goiás 22.
Além da classificação da ILPI conforme seus recursos financeiros, essa também pode ser diferenciada segundo o grau de especialização do atendimento, conforme indicado no Quadro 1 23, o que interfere na elaboração da assistência à saúde. Isso pode ser observado na oferta das atividades lúdicas, que promovem a integração das pessoas idosas e oportunidades de exercerem seu papel social, pois se relacionam diretamente ao grau de independência dos idosos, sendo menor a oferta de atividades quanto maior o grau de dependência das pessoas. Dessa forma, enfatizam-se as intervenções por agrupamentos das pessoas idosas segundo o grau de dependência, a fim de estimular uma vivência mais próxima àquela anterior à institucionalização daqueles considerados independentes.
O Processo de Institucionalização em uma ILPI
Alguns fatores são determinantes na institucionalização da pessoa idosa, entre eles, viuvez, morar sozinho ou ausência de companheiro, ausência de cuidador domiciliar, aposentadoria com rendimento baixo, suporte social precário, aumento de gastos com a saúde, estágios terminais de doença, alto grau de dependência física, necessidades de reabilitação 8,24,25. O Art. 229 da Constituição Federal defende que família, sociedade e Estado devem amparar as pessoas idosas 26,27, bem como o Art. 3o, do Estatuto do Idoso, prevê o atendimento às pessoas idosas por meio de suas próprias famílias 1. Igualmente, conflitos intergerações e familiares acabam por promover a transferência dessa pessoa idosa do âmbito familiar para uma ILPI.
Tradições familiares sempre trouxeram consigo relações familiares intensas, nas quais as gerações mais novas eram incumbidas dos cuidados com as mais velhas, permitindo que a pessoa envelhecesse no seu ambiente de costume. A partir da entrada da mulher no mercado de trabalho - pois esta sempre foi associada ao cuidado da família - e a redução da fecundidade, os círculos familiares têm sofrido uma redução e, por consequência, faz com que as pessoas idosas tenham que adaptar-se a nova realidade, após a vivência de uma vida inteira no seio familiar. Tal segregação familiar anterior ao processo de institucionalização pode ser o primeiro conflito que a pessoa idosa terá que enfrentar até a decisão final pela institucionalização. Nesse contexto, além do trauma da institucionalização em si, a pessoa idosa traz consigo, também, os traumas e conflitos que culminaram nesse processo.
Pessoas idosas apresentam-se como sujeitos influenciados e modificados por sua cultura, suas vivências e histórias de vida. O próprio envelhecimento ocorre de maneira particular a cada um, que constrói uma maneira singular de compreender e vivenciar sua velhice. Entretanto, a institucionalização tende a refrear seus internos a um estilo de vida de valorização do coletivo perante o individualismo, pautando-se no estabelecimento de regras, na redução da rede social, do trabalho e da independência financeira, que levam a pessoa idosa não só a adaptar-se às mudanças de espaço físico, mas sim desviar o planejamento de sua vida de forma repentina e severa 28. Assim, tal processo pode promover, na pessoa idosa, grandes transformações do ponto de vista pessoal e do seu papel social. Essa transformação, por vezes radical, é marcada pela perda da liberdade, pelo abandono dos filhos, pela ansiedade quanto à condução do tratamento pela equipe de saúde, além da aproximação da morte, entre outros sentimentos e situações específicas 29. Goffman 19 indica que tal transformação desencadeia, inicialmente, uma “mortificação do eu”, que suprime tanto a concepção de si mesmo quanto da cultura que traz consigo, originárias de sua vida familiar e civil na sociedade. Deste modo, a pessoa idosa que antes de ser institucionalizada construía seu mundo-vida em meio à sociedade, à família, a um ambiente produtivo e independente, com dinâmicas próprias, necessitará reinventá-lo a partir do momento em que passa a residir em uma ILPI, desconstruindo-o e construindo-o conforme a nova vivência, com o afastamento familiar e social, com a limitação da produtividade, na ausência de perspectivas e segundo a dependência e obediência dos profissionais da instituição.
A partir de então, se faz imperativo a ativação de mecanismos de reorganização pessoal que reestruturem o indivíduo idoso às regras da instituição, às rotinas diárias e às proibições que, uma vez acatadas, favorecem um convívio aparentemente harmonioso. Perante essas mudanças, as pessoas idosas podem lançar mão de táticas de adaptação, que emergem como respostas às novas regras ambientais. Dentre as estratégias pessoais de enfrentamento mais empregadas, destaca-se o afastamento da situação - desatenção aos acontecimentos; a intransigência - não cooperação à instituição; a colonização - vislumbrar a instituição como algo melhor que as experiências negativas do mundo exterior; a conversão - aceitação total do papel de institucionalizado; a viração - combinação de várias táticas visando reduzir o sofrimento e, por fim a estratégia de imunização, na qual o mundo institucional, ou seja, o novo mundo-vida é adotado pela pessoa idosa como habitual e sem novidades 19.
No contexto do envelhecimento da população brasileira, sem dúvidas, a ILPI ocupa um espaço necessário e relevante na assistência à pessoa idosa, principalmente àquelas com limitado suporte familiar. Entretanto, existem lacunas em sua estrutura e organização que refletem insatisfação das próprias pessoas idosas e até mesmo da sociedade.
Quando se busca um local para viver, a escolha é favorecida pela possibilidade da instituição não ser somente um abrigo, todavia de aproximar-se, o máximo possível, de um lar. Destarte, compete aos profissionais da ILPI manter seu ambiente, não somente o mais agradável possível à pessoa idosa, mas sobretudo com possibilidades reais de atender suas necessidades biopsicossocioespirituais. Mas como implementar tais intervenções voltadas à população idosa desconhecendo as repercussões da desconstrução e construção do seu mundo-vida na ILPI?
Outro aspecto a ser buscado são as estratégias de enfrentamento, as quais os profissionais devem saber distingui-las e, caso sejam eficazes, apoiá-las e fortalecê-las, a partir dos significados que a pessoa idosa atribui a tais estratégias. Caso essas não sejam eficazes, também é premente que os profissionais as identifiquem para implementar intervenções que objetivem estimulá-las para que alcancem eficácia.
A prática de intervenções mais assertivas pode promover a proximidade entre pessoas idosas e equipe, bem como o resgate da individualidade dessas. A individualidade é resgatada no momento em que conseguimos apreender a realidade dos institucionalizados a partir de suas próprias perspectivas, reconhecendo aquilo que eles realmente esperam da ILPI.
Assim, compreender o significado da vivência da pessoa idosa residente em uma ILPI possibilita ao profissional ampliação de conhecimento, seja referente às avaliações clínicas, aos diagnósticos ou às intervenções, tanto quanto na pesquisa, a fim de proporcionar segurança à pessoa idosa e melhorias na sua qualidade de vida. As falas dessa pessoa idosa encontram-se impregnadas de valores e experiências adquiridas ao longo da vida de cada um e são eles que determinam profundamente sua maneira de perceber e entender os significantes ao seu redor •