A transição epidemiológica e demográfica vem sendo destaque nas discussões epidemiológicas e, frente ao novo perfil da população brasileira, percebe-se que o modelo de atenção à saúde não atende as demandas desse grupo que necessita de uma assistência poliárquica, transversal, voltada para o atendimento contínuo e integral das suas demandas 1,2. Essas transições têm ocorrido de forma lenta e gradativa não estando restritas ao Brasil, mas também sendo evidenciadas, historicamente, nos países industrializados.
Tais mudanças foram caracterizadas por uma redução das doenças infecciosas e parasitárias, em contrapartida, com o crescimento das doenças e agravos crônicos de ordem não transmissíveis, sendo destacadas as doenças do aparelho circulatório, que são uma das principais causas de morte no mundo pós-contemporâneo 3. Na sociedade moderna, é perceptível o recrudescimento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis, juntamente com a exacerbação da Carga Global de Doenças, sobretudo nos sistemas de saúde pública de países em desenvolvimento. Isso é particularmente evidente na população que enfrenta o processo de envelhecimento, incluindo os idosos senis. As mudanças clínicas e fisiológicas decorrentes do envelhecimento tornam-se mais pronunciadas à medida que a idade avança, mas começam a se manifestar desde o nascimento. O envelhecimento é um processo que afeta todos nós desde o momento em que nascemos, embora suas alterações clínicas se tornem mais visíveis por volta dos sessenta anos. Nesse estágio, observam-se essas mudanças com maior clareza, muitas vezes acompanhadas de doenças exacerbadas e complicações clínicas agudas, além das crônicas agudizadas.
O processo de envelhecimento da população está associado a múltiplos fatores de riscos e vinculados a diversas doenças, contribuindo para o aumento da morbimortalidade, incapacidades e invalidez, bem como pelo declínio da qualidade de vida (QV) e sobrevida, bem como diminuição dos Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP). Este fato é justificado pelo rápido processo de envelhecimento que corrobora para o incremento das doenças crônicas não transmissíveis, em especial no segmento da população com maior idade 4 e, o aumento da mortalidade da população jovem, sendo as causas externas como seu principal determinante, proporcionando assim, a modificação da pirâmide etária.
É evidente que o processo de envelhecimento no Brasil ocorreu de maneira gradual e, muitas vezes, desordenada, especialmente entre as populações que enfrentam situações de vulnerabilidade, que frequentemente, ficam à margem da sociedade. O crescimento acelerado da população idosa tem sido impulsionado por avanços nos cuidados clínicos em saúde, tecnologias médicas, medicamentos e a adoção de estilos de vida que promovem a saúde. No entanto, apesar desses avanços, as melhorias nas condições de vida e saúde dessa população ainda são insuficientes.
O envelhecimento da população demanda uma abordagem de gestão clínica do cuidado, envolvendo ativamente a pessoa idosa no processo de envelhecimento, bem como a participação da família, da comunidade e da sociedade em que estão inseridos. Isso tem resultado em mudanças nos perfis epidemiológicos, sociais, econômicos, demográficos e na prestação de serviços de saúde, contribuindo para uma melhoria na qualidade de vida, bem-estar em saúde, promoção do autocuidado, aumento da sobrevida, redução de incapacidades e invalidez, além de fortalecer a autonomia dos idosos. Tudo isso culmina na redução dos gastos onerosos associados às medidas puramente curativas.
Diante disso, o cenário epidemiológico tem confrontado com o atual modelo de atenção à saúde, pois o mesmo permanece inerte à transição epidemiológica, embasada em modelos assistenciais pragmáticos, hierarquizados, fragmentados, hospitalocêntricos, que buscam o curativismo na perspectiva da demanda aguda e crônica agudizada 5-7.
Acredita-se que a expansão do enfoque na clínica ampliada, especialmente no que diz respeito ao contexto epidemiológico, pode ser a chave para aprimorar e reorganizar os sistemas de saúde pública em muitos países em desenvolvimento. Isso, por sua vez, visa a aperfeiçoar a qualidade da assistência oferecida às populações. Além disso, as tecnologias de saúde desempenham um papel significativo na transformação da prestação de cuidados a essa população. Novas abordagens assistenciais exigem que os profissionais de saúde sejam cada vez mais capacitados e, clinicamente, competentes para desempenharem seu papel com compromisso e ética profissional diante das mudanças no perfil epidemiológico.
Neste sentido, para atendimento das necessidades desse grupo populacional se faz necessária a substituição do modelo fragmentado de atenção à saúde pelas redes de atenção à saúde, uma vez que, a atual situação evidencia a necessidade em aumentar a interação entre os demais setores da saúde e suas esferas em busca de um modelo poliárquico, que desconstrói o modelo verticalizado 7. Atualmente e nos próximos anos, a abordagem centrada nas necessidades da população pode ser a escolha mais eficaz. Essa abordagem desempenha um papel fundamental na promoção da saúde dessa população, pois tem a capacidade de atender de maneira efetiva às demandas apresentadas pelos sistemas de saúde, tanto a curto, médio quanto a longo prazo.
Os impactos causados pela transição transcendem a estrutura assistencial, pois atingem o modelo de formação profissional em saúde, o que exige das instituições de ensino superior a modificação do plano político pedagógico, visando a aproximação dos profissionais da prática comunitária. Isso permite a convivência com os principais determinantes em saúde, bem como, à reflexão de quem será o público assistido pelos profissionais no dia a dia 8.
Diante da problemática, objetiva-se com o presente estudo discuti a formação do profissional em saúde frente à transição epidemiológica.
MÉTODO
Trata-se de uma reflexão teórica realizada por meio de publicações entre os períodos de 1997 e 2015, através do levantamento bibliográfico na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) onde foi possível encontrar artigos científicos disponíveis nas bases de dados Lilacs (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), BDENF (Base de Dados em Enfermagem), Index Psicologia, utilizando os descritores cadastrados no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) "Transição Epidemiológica" e "Rede de Assistência"; "Perfil Epidemiológico" e "Formação Profissional" com inter-relação do operador booleano and. Foram consultadas as bases da Web of Science e Scopus, porém, em ambas, não foram encontrados nenhum artigo com os descritores supracitados.
RESULTADOS
A partir dos descritores selecionados encontrou-se 6 artigos, sendo 5 com os descritores "Transição Epidemiológica" e "Rede de assistência" e 1 "Perfil Epidemiológico" e "Formação profissional". notou-se uma quantidade incipiente de artigos que abordassem a temática em questão.
DISCUSSÃO
O cenário de saúde no Brasil e no mundo vem modificando ao longo dos anos causando um impacto nos indicadores de saúde e apontando para novas demandas assistenciais. Porém, depara-se com a fragilidade do ensino superior em saúde e do sistema de saúde, que apresentam falhas na adaptação curricular e na ampliação da rede de atendimento em saúde, respectivamente. Remete, então, à constatação da existência de um sistema de saúde do século XX, com profissionais do século XXI com muitas especialidades e pacientes do século XXII, com demandas distintas e específicas.
Nesse contexto, os artigos elencados foram lidos, criticamente, no intuito de compor a discussão da temática em questão. Assim, emergiram as seguintes categorias temáticas, visando a sustentar o desenvolvimento desta reflexão teórica: problemática da transição demográfica e epidemiológica; fragmentação da atenção à saúde; e Formação profissional frente à transição demográfica e epidemiológica.
Problemática da transição demográfica e epidemiologia
No Brasil, o crescimento acelerado da população idosa, tem gerado impactos significativos na sociedade. O sistema de saúde é o que mais tem sido afetado sendo justificado pela precariedade encontrada na infraestrutura necessária para responder as demandas desse grupo etário e isso inclui instalações, programas específicos e recursos humanos inadequados, quantitativamente e qualitativamente. Envelhecer não é mais privilégio de poucos, é uma realidade até mesmo nos países mais pobres 9,10.
Desde o início da década de 60 a população brasileira vem assistindo a modificação da pirâmide etária, o estreitamento progressivo da base da pirâmide populacional, devido a redução das taxas de fecundidade. A problemática com o controle da mortalidade infantil e doenças transmissíveis não permitiu o desenvolvimento de estratégias eficazes voltadas para prevenção e o tratamento das doenças crônico-degenerativas e suas complicações. Nesse período os idosos estavam desamparados em relação ao sistema público de saúde e previdência social. Isto permitia acúmulo de sequelas, incapacidades, perda de autonomia e de QV 11.
A assistência ao segmento etário de idosos tem sido acompanhada pela atual crise global do sistema de saúde, bem como, pelo reduzido número de profissionais de saúde com competências específicas para tratar esta população que habitualmente vem apresentando demandas crescentes e dificuldades na correta identificação do risco de adoecer e morrer precocemente 9. A maioria dos idosos experimenta efeitos deletérios em idades mais avançadas, o que demanda cuidados de saúde mais intensivos e um maior sincronismo entre os profissionais de saúde. A fragmentação dos serviços de saúde se torna cada vez mais proeminente no atendimento a essa parcela da população. Nesse cenário, é essencial que os profissionais de saúde se envolvam de maneira mais comprometida.
Esses profissionais devem basear suas práticas em evidências científicas confiáveis, capacitando-se para tomar decisões precisas e orientadas pelos problemas de saúde enfrentados por essa população que está envelhecendo e, consequentemente, necessita de assistência de qualidade. Isso visa a garantir que a qualidade de vida e da saúde sejam alcançadas de acordo com as necessidades específicas dessa população em constante crescimento.
Nesta perspectiva, o crescimento desse grupo populacional tem impactado a rede de serviços de saúde, uma vez que recursos técnicos e humanos são escassos devido em parte, às instituições brasileiras de ensino na área da saúde que não se adaptaram ao atual perfil demográfico e epidemiológico, deixando de oferecer subsídios teóricos necessários em seus cursos de graduação que contemplem a demanda dessa população 9. Torna-se profícuo, promover a elaboração de políticas públicas na área da saúde e da educação que possam servir como apoio para a formação contínua dos profissionais de saúde, indo além da simples expansão das habilidades clínicas. Isso visa permitir que esses profissionais estejam mais bem preparados para oferecer assistência integral, equitativa e igualitária às populações, alinhada com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS).
É importante ressaltar que o perfil demográfico e epidemiológico deve ser constantemente reavaliado ao longo do tempo, a fim de identificar novos processos de transição epidemiológica na saúde. Isso pode ter um impacto positivo na saúde da população, permitindo a adaptação das políticas e práticas de saúde para atender às necessidades de saúde emergentes.
O Brasil tem assumido características de um país longevo, com maior carga de doenças incapacitantes e aumento do uso dos serviços de saúde, ou seja, o país encontra-se repleto de enfermidades complexas que geram gastos onerosos e algumas limitações funcionais para população, como é o caso das doenças crônicas que acabam perdurando por anos e causam ao mesmo tempo, aumento na demanda dos serviços de saúde pelos idosos e, consequentemente, crescimento nas taxas de internações, com maior tempo de ocupação do leito hospitalar 10.
Neste Contexto, torna-se desafiante a organização do setor de saúde, com vistas ao melhor atendimento direcionado para atenção à população idosa. Além disso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que as políticas públicas se direcionem a esta faixa etária. Para tanto, devem considerar os determinantes da saúde durante todo o seu ciclo vital, abarcando desde sua vida social, econômica, comportamental, pessoal, cultural, como também, o ambiente físico e o acesso aos serviços 10.
Fragmentação da atenção à saúde
Atualmente, é evidente que a ausência de um planejamento adequado das intervenções de saúde, juntamente com as mudanças demográficas e epidemiológicas, são fatores primordiais que contribuem para o surgimento e a persistência de crises nos sistemas de cuidados de saúde em todas as nações desenvolvidas. Por outro lado, nos países em desenvolvimento, a crise se manifesta, sobretudo, devido à presença de uma carga de doenças dupla ou até tripla, e também pela forma como as respostas sociais são moldadas em resposta às necessidades das populações. 12.
O envelhecimento da população traz consigo o aumento da prevalência de doenças crônicas, consequentemente, aumenta-se o número de pessoas que necessitam de cuidado e de apoio das organizações de saúde. Somando-se a isso, problemas complexos de saúde atingem em maior proporção os idosos, que se confundem frente à variedade de serviços ofertados e o fluxo assistencial que terão que enfrentar para receber uma assistência especializada. O sistema de saúde almeja integrar os cuidados no intuito de atender as necessidades dessa população que envelhece e que adoece cronicamente 13.
No cenário das situações de saúde do país é cada vez mais comum a presença das condições de cronicidade. Por esse motivo, não é possível analisar a situação de saúde com eficiência, efetividade e qualidade, uma vez que, os sistemas de saúde estão organizados de forma fragmentada gerando o distanciamento entre o sistema de cuidados de saúde e a situação de saúde. Somado a isso, o sistema tem priorizado as condições agudas ou as condições crônicas agudizadas 12,14.
As mudanças nas condições de saúde, juntamente com outros elementos, como avanços científicos, tecnológicos e econômicos, influencia a evolução do sistema de cuidados de saúde. Portanto, em qualquer período e em qualquer sociedade, é crucial manter uma harmonia entre a condição de saúde e o sistema de cuidados de saúde. Quando essa harmonia é quebrada, como está ocorrendo atualmente em escala global e no Brasil, surge uma crise nos sistemas de cuidados de saúde 12.
O sistema de atenção à saúde carece de interação entre os demais programas de saúde. Neste contexto, os sistemas são ineficazes, de modo que não permitem a continuidade da prestação de atenção à saúde nos níveis primários, secundários e terciários, ao mesmo tempo contribuem para que não ocorra comunicação entre si, impactando na qualidade da assistência e saúde da população 12, tendo como exemplo o aumento dos casos de doença renal no país e de doenças cardiovasculares país.
A fragmentação vigente só será superada quando mudanças forem propostas a partir da implantação de redes de atenção à saúde, na perspectiva de responder às condições agudas e de cronicidade. E para isso, é necessário que haja coerência entre a situação de saúde e do sistema de cuidados de saúde de tripla carga de doenças, em especial, as doenças crônicas de elevada prevalência, e do mesmo modo com o sistema de atenção à saúde 12,14.
As redes de atenção à saúde são organizações que funcionam como uma cooperativa de forma interdependente e poliárquica, tendo como base uma missão e objetivos comuns, na qual existem trocas de recursos e a junção dos níveis de saúde, primário, secundário e terciário. Essas redes estão alicerçadas na perspectiva da atenção integral e com intervenções promocionais, preventivas, curativas, cuidadoras, reabilitadoras e paliativas, que são norteadas a partir da atenção primária à saúde. É valido salientar, que estas ações ocorrem de acordo às necessidades de saúde da população 5,12. Os profissionais de saúde devem repensar a maneira como abordam o cuidado da saúde das populações, uma vez que essas comunidades estão enfrentando necessidades de saúde urgentes e reais. Para isso, é crucial que os profissionais compreendam os caminhos terapêuticos que a maioria da população segue e atuem de forma resolutiva, oferecendo soluções sem causar grandes danos à comunidade. Isso é especialmente relevante para a população idosa, que muitas vezes é negligenciada pela sociedade e considerada vulnerável devido à sua escolaridade limitada e condições econômicas desfavoráveis, além de sofrem ação das iniquidades em saúde.
São organizadas a partir de uma população que se localiza em territórios singulares e são compostas por famílias cadastradas, registradas em subpopulações por riscos sócio-sanitários. Contudo, vê-se a importância de se conhecer e registar a população total com auxílio de sistemas de informação confiáveis, mas conhecer apenas a população total, não basta. O autor frisa a importância de se dividir a população em subgrupos por fatores de riscos e por condições de saúde 12.
A estrutura operacional também faz parte da organização das redes de atenção à saúde e é interligada pelos diferentes nós das redes e pelas ligações materiais e imateriais. No entanto, são compostas por cinco eixos: o centro de comunicação à atenção primária à saúde; os pontos de atenção secundários e terciários; os sistemas de apoio; os sistemas logísticos e o sistema de governança da rede de atenção à saúde 5,12.
O núcleo de comunicação das redes de atenção à saúde é representado pela atenção primária à saúde, que desempenha um papel crucial na mediação dos fluxos e refluxos do sistema de cuidados de saúde. É fundamental reformular a atenção primária à saúde para alcançar resultados positivos nas redes de atenção à saúde. Isso implica no desenvolvimento de capacidades essenciais, como a resolução de mais de 85% dos problemas de saúde, a coordenação eficiente dos fluxos e refluxos entre os diferentes componentes da rede, bem como o acolhimento e a responsabilização da população, de acordo com as diretrizes sanitárias e econômicas 5,12,15.
Neste mesmo contexto da estrutura operacional, os pontos de atenção secundários e terciários são eixos responsáveis por oferecer serviços mais especializados, na qual os serviços terciários tendem a assumir um papel mais tecnológico, dentro ponto de vista espacial, quando relacionados aos serviços secundários. Por outro lado, todos os níveis de atenção são importantes quando possuem objetivos comuns para se alcançar as redes de atenção à saúde, dentro da perspectiva de redes poliárquicas 5,9,12,16.
Serviços comuns nas redes de atenção à saúde são executados com o auxílio de um sistema de apoio, com o objetivo de abranger todos os pontos de atenção à saúde, englobando áreas como diagnóstico e tratamento, farmacêutica e sistemas de informação em saúde 10,12,16.
Por meio do sistema logístico, as tecnologias de informação desempenham o papel fundamental de assegurar a organização das informações, dos produtos e das pessoas dentro das redes de cuidados de saúde e nos sistemas de apoio. Contudo, por meio do sistema de governança, é possível administrar todos os elementos das redes de cuidados de saúde, permitindo o desenvolvimento da capacidade de gestão, que é um pré-requisito essencial para planejar, supervisionar e avaliar o desempenho dos gestores e da organização. Desta forma, torna-se viável alcançar os objetivos e metas em curto, médio e longo prazo, bem como promover políticas institucionais que buscam incorporar a missão e a visão. 5,8,10,11,16. Neste contexto, os sistemas de saúde se caracterizarão como um elo entre as coordenações da atenção básica com a população e suas subpopulações. Eles oferecerão suporte para que possam organizar o funcionamento das redes de atenção à saúde em um determinado território e possam expandir-se de forma capilarizada para outros serviços de saúde, seguindo uma abordagem regionalizada, descentralizada e resolutiva. Isso ocorrerá sem a presença de interferências nas barreiras assistenciais na saúde, graças a uma rede interligada, sistematizada, hierarquizada e organizada por meio de seus serviços. O objetivo é garantir um fluxo contínuo por meio de suas ações de referência e contra-referência.
Nesse sentido, o sistema se caracterizará como um elo entre as coordenações da atenção básica com a população e suas subpopulações, oferecendo subsídios para que possam organizar o funcionamento das redes de atenção à saúde.
As evidências científicas trazem em sua literatura boas recomendações em relação às redes de atenção à saúde que em suma podem melhorar a qualidade clínica, os resultados sanitários, a satisfação dos usuários, assim como reduzir os custos dos sistemas de atenção à saúde 5,12.
Formação profissional frente à transição demográfica e epidemiológica
A formação acadêmica tradicional em saúde voltada para a instrumentalização e/ou ensino de um ofício, apresenta um atraso em relação aos conteúdos programáticos diante da atuação prática, sendo esse, influenciado por um modelo assistencial curativista focado na terapêutica farmacológica, negligenciando o cuidado na prevenção de agravos e manutenção da integridade no envelhecimento, enquanto processo 15.
O envelhecimento da população e o aumento da expectativa de vida tem estimulado a necessidade de mudança no modelo clínico-assistencial e na formação profissional. Uma vez que novas competências estão sendo discutidas nos ambientes acadêmicos com relação à interdisciplinaridade, críticas são cada vez mais frequentes quando se constata uma produção de conhecimento cada vez mais fragmentado 15.
Diante das novas demandas da população evidenciadas pela transição epidemiológica, surge uma disparidade entre a realidade da saúde da população, com o agravamento dos seus Determinantes Sociais da Saúde (DSS), e o que é abordado e discutido nas instituições de ensino superior. Nesse contexto, é imperativo considerar novos modelos de assistência às necessidades sociais em saúde, uma vez que esses determinantes desempenham um papel crucial no processo de determinação da saúde-doença-cuidado.
Acredita-se que compreender o perfil demográfico e epidemiológico, identificar os problemas de saúde mais prevalentes e incidentes, bem como as condições de vida e saúde, são ferramentas epidemiológicas essenciais para promover a saúde. Isso pode ser realizado por meio de práticas de promoção à saúde que estejam alinhadas com as necessidades específicas da população. Essas ações exigem o comprometimento dos profissionais de saúde, que devem considerar para além da clínica, de forma abrangente os aspectos bio-psico-socioeconômicos e culturais que afetam as comunidades em que atuam. Dessa forma, eles podem colaborar de maneira integral, complementando suas ações para melhorar a saúde da população e promover o envelhecimento ativo e saudável. Isso se baseia em incentivar estilos de vida que sejam protetores da saúde das pessoas.
Essa desconexão tem gerado um contingente de pessoas que tem seus atendimentos em saúde negligenciados por falta de qualificação teórico-técnico 16 favorecendo ao aumento dos agravos crônicos não transmissíveis como: A Hipertensão Arterial Sistêmica, o Diabetes Mellitus, a Doença Renal Crônica e outras condições sensíveis ao processo de saúde-doença, frequentemente, recebem pouca atenção na atenção primária à saúde. Isso resulta em complicações agudas ou crônicas agudizadas, que acabam impactando negativamente os serviços de saúde pública.
Numa ação isolada, American Geriatrics Society 17-19 propõe que a gerontologia e a geriatria sejam integradas no currículo nas formações médicas e em saúde ao longo das séries e que a habilitação para atuar no campo da geriatria seja considerada pré-requisito para atestar a formação em medicina. Nesse intento, a OMS assinala que apesar de toda evidência da transição epidemiológica e, em países que apresentam um acelerado crescimento da população idosa, a inserção da geriatria e gerontologia no currículo dos profissionais de saúde ainda não se mostra como prioridade, corroborando para o aumento dessa lacuna. Pode-se inferir que, em muitos países em desenvolvimento, as autoridades públicas demonstram uma preocupação insuficiente em relação aos desafios associados ao envelhecimento de suas populações. Isso se evidencia pelo aumento significativo no perfil de morbimortalidade, incapacidades e internações hospitalares devido às Doenças Crônicas Não Transmissíveis, que, em sua maioria, afeta, predominantemente, os idosos. É fundamental que os cuidados clínicos geriátricos sejam amplamente discutidos e disseminados nas instituições de ensino, nos serviços de saúde e nas comunidades, de modo a alinhar a formação profissional com as necessidades ideais de práticas clínicas, habilidades e competências que se adequem ao perfil epidemiológico da população em questão.
Porém, a sensibilização e implementação dos currículos devem contemplar a todas as áreas do conhecimento e profissões que compõem a equipe de saúde. Nesse sentido, a formação em saúde deve ser voltada para a necessidade da sua população baseada em dados epidemiológicos e as prospecções da situação saúde. Mesmo diante das estratégias utilizadas pelas escolas em suprir essa carência acadêmica através do aumento da carga horária de prática nas unidades básicas de saúde, a ausência da disciplina formalizada de gerontologia, abordando os seus aspectos orgânicos, culturais, sociais e históricos, corrobora com o despreparo dos profissionais, aumentando, assim, as taxas de morbidade e mortalidade 15,16.
A graduação não habilita adequadamente seus discentes e futuros profissionais, deixando a cargo da pós-graduação a resolução das lacunas geradas ao longo da formação, o que se torna um grande desafio, pois contrariando a lógica, o profissional, além de ter que se empoderar da teoria negligenciada, deve se apropriar e se instrumentalizar dos novos conteúdos a serem ministrados. Em outras palavras, atualmente formam-se especialistas com o conteúdo básico que deveria constar da graduação somada aos fragmentos do treinamento que seria específico da pós-graduação 15,16. A fragmentação da assistência à saúde tem suas raízes na formação dos profissionais de saúde, que muitas vezes reflete a presença de diversas disciplinas independentes, frequentemente desconectadas do processo de ensino-aprendizagem e do contexto de saúde e doença da população. Isso, por sua vez, tem um impacto considerável nos serviços de saúde pública.
É evidente que a introdução de disciplinas integradas nos currículos dos cursos da área da saúde, que promovam a colaboração entre diferentes profissões e enfoquem o trabalho multiprofissional e Inter profissional, talvez seja a solução para combater a fragmentação na prestação de assistência por parte dos profissionais nos serviços de saúde, pensando-se no contexto dos cuidados clínicos ampliados e compartilhados, entre profissionais de saúde, pacientes, familiares, comunidade e sociedade.
Desde a graduação os profissionais de saúde são estimulados constantemente a negligenciar a complexidade das organizações, uma vez que são orientados optarem por ações de fragmentação e a na escolha de uma especialização, os levando a exercerem uma prática de cultura sem valores ao longo da atenção à saúde. Nessa Perspectiva, é necessário incrementar novos valores sociais, orientar os currículos de formação de forma integrada das disciplinas, bem como, acrescentar disciplinas nas áreas das ciências sociais e da prevenção nos estágios iniciais da graduação, no sentido de mudar a cultura profissional dos estudantes através do desenvolvimento de conhecimento e habilidades de comunicação que serão aplicadas na sua vida profissional, constantemente 20.
Avanços nos sistemas de saúde têm sido evidenciados, mas, mesmo assim, ainda é possível se deparar com a fragmentação dos serviços e ações desenvolvidos nestes cenários. A complexidade do sistema em si, nos revela a dificuldade de se alcançar a integralidade na atenção a saúde, uma vez que envolve diversas fontes de financiamento e especialidade profissionais, diversos níveis de atenção (primária, secundária e terciária), sem contar com a disparidade estrutural e de recursos tecnológicos existentes nesse sistema 21.
Diante dos novos enfoques teóricos e das demandas de produção tecnológica no âmbito dos sistemas de saúde surgiram novas exigências para o perfil profissional e os currículos institucionais, no intuito de contemplar as novas demandas evidenciadas pelo perfil epidemiológico e demográfico de cada região do país 22.
Não obstante, o novo perfil epidemiológico tem exigido novas formas de trabalho em consonância com o modelo de atenção à saúde vigente, no sentido de atuar de forma mais adequada no processo de determinação da saúde e doença das populações 23. Nesse contexto, é essencial promover uma nova abordagem ao perfil demográfico e epidemiológico, envolvendo formuladores de políticas de saúde pública, pesquisadores e profissionais da saúde. É necessário fomentar a criação de novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos na área da saúde, com o propósito de sistematizar novas abordagens de fazer e pensar em saúde, direcionadas especificamente para a crescente população idosa no Brasil. Essa população envelhece cada vez mais, muitas vezes sem perspectivas de alcançar a tão desejada saúde e qualidade vida e é fundamental que essas diretrizes estejam em consonância com os princípios orientadores do Sistema Único de Saúde (SUS).
É reconhecido que o processo de saúde-doença nessa fase da vida é extremamente complexo, com o surgimento de várias doenças de múltiplos sistemas que afetam o corpo envelhecido. Frequentemente, a abordagem dessas condições requer a colaboração de diversos profissionais de saúde que atuem de forma ampliada e compartilhada para restabelecer a saúde da pessoa idosa. Portanto, as novas diretrizes devem enfatizar a formação dos profissionais de saúde com foco na defesa da vida e na promoção do SUS, interconectados com o perfil epidemiológico da população.
Além disso, é crucial fortalecer as diretrizes de Integração Ensino-Serviço-Gestão-Comunidade como uma maneira de alcançar diversas populações em diferentes contextos e fases da vida, levando em consideração o perfil demográfico e epidemiológico específico a que estão expostas, com seus riscos, vulnerabilidades e iniquidades em saúde. Isso ajudará os profissionais a atuarem de forma mais eficaz, com competências clínicas e habilidades necessárias, com o objetivo de interromper a cadeia epidemiológica das doenças que afetam a saúde da população brasileira, e possivelmente também a saúde global.
O atual perfil epidemiológico no Brasil é fruto de uma longa e constante mudança do cenário do setor saúde associado a falhas assistenciais oriundas da formação profissional centrada no tecnicismo, desconectada do cenário da saúde. Esse padrão epidemiológico tem sido uma constante na trajetória da população brasileira ao longo dos séculos, acumulando registros de problemas graves de saúde que afetam a população por meio de doenças agudas e crônicas agudizadas. Acredita-se que essa tendência persiste em crescimento, dada a recorrência da morbimortalidade, das sequelas e das incapacidades decorrentes de condições sensíveis, especialmente as relacionadas às Doenças Crônicas Não Transmissíveis.
A epidemiologia, como disciplina transversal, desempenha um papel crucial no entendimento da evolução do perfil epidemiológico. Além disso, ela revela problemas de natureza social, juntamente com suas iniquidades de saúde, bem como a distribuição dos problemas de saúde, ao mesmo tempo em que identifica os fatores determinantes da saúde em diversas populações ao longo de suas vidas, especialmente na população idosa. Esses insights podem fornecer informações clínicas e epidemiológicas específicas que servem de base para políticas públicas de saúde. Isso se aplica tanto à definição de cuidados clínicos direcionados para a pessoa idosa quanto à formulação de políticas governamentais, em cooperação com outros agentes envolvidos no processo de saúde-doença-cuidado, contribuindo assim para a tomada de decisões clínicas em saúde.
A assistência prestada à população pelos profissionais deve estar fundamentada no tripé: redes de assistência, demanda da população e formação profissional. O equilíbrio entre esses aspectos deve ser constante visto que, a modificação de um elemento afeta diretamente nos demais gerando prejuízos assistenciais. Nessa perspectiva, os setores saúde e educação devem reduzir as distâncias buscando o sinergismo das ações visando a assistência integral à população, não apenas no atendimento direto às demandas assistenciais, mas também, no acompanhamento dessa população para o envelhecimento saudável e ativo, de modo a garantir a disseminação de práticas promotivas e educativas de saúde na população brasileira de forma geral.
A formação dos profissionais de saúde precisam ser (re) pensadas diante da evolução deste novo cenário epidemiológico. Isso se deve à necessidade de manter os profissionais atualizados com as novas tendências e os diferentes perfis da população, integrando aspectos clínicos, sociais, econômicos, políticos e culturais que influenciam a saúde da comunidade. Isso implica em repensar a abordagem da prestação de cuidados de saúde de acordo com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), sem se ater somente às práticas clínicas de vigilância à saúde, para além de uso de protocolos clínicos e ações programáticas.
O envelhecimento da população requer que os profissionais de saúde sejam capazes de oferecer cuidados clínicos ampliados em alinhamento com as políticas de saúde pública e o perfil epidemiológico, bem como práticas dialógicas, com o objetivo de abranger um número cada vez maior de pessoas. Isso envolve a avaliação dos serviços de saúde, a satisfação dos usuários, a implementação de intervenções, bem como o monitoramento e o rastreamento das condições de saúde da população e a vigilância à saúde.
A análise reflexiva, no contexto do conhecimento científico discutido, tem como objetivo oferecer suporte para as decisões relacionadas à prática clínica direcionada ao cenário epidemiológico no processo de envelhecimento. Além disso, busca contribuir para a formulação de políticas públicas custo-efetivas, baseadas na produção de cuidados clínicos em saúde. Esses desafios são enfrentados por formuladores de políticas públicas, gestores, pesquisadores, população de forma geral (os que se beneficiam) e profissionais de saúde.
Para isso, se faz necessário a modificação do currículo dos profissionais de saúde adicionando disciplinas que venham aproximar aspectos importantes para a formação na gerontologia, com vistas às diversas perspectivas de atenção à saúde. Não obstante, é necessário que haja um remanejamento das vagas de especialização, sendo essas centralizadas na análise da situação saúde, ou seja, baseadas na demanda da população e, não, regidas somente pelas questões mercadológicas e capitalistas ♠