INTRODUÇÃO
O sobrepreso e a obesidade são definidos como um acúmulo excessivo e anormal de gordura que pode impactar a saúde dos indivíduos (WHO, 2018). O sobrepeso indica um aumento do peso corporal em relação à altura (Gahtan et al., 1997). Já a obesidade é considerada uma doença endócrino-metabólica crônica e multifatorial (Duarte, 2007). Ambos são categorizados a partir do Índice de Massa Corpórea (IMC), medida que considera peso e altura, indicando o perfil antropométrico-nutricional. O ponto de corte para sobrepeso é de 25 kg/m² e para obesidade de 30 kg/m² (WHO, 2018). No contexto brasileiro, 18,9 % dos indivíduos apresentam obesidade, sendo que, entre as mulheres, a prevalência é de 18,7 % (Brasil, 2018). Dentre os fatores associados à etiologia do excesso de peso e da obesidade, destacam-se os psicológicos (Fagundes, Caregnato, & Silveira, 2016; Papadopoulos & Brennan, 2015), a exemplo da depressão e ansiedade (Almeida, Zanatta, & Rezende, 2012), baixa autoestima (Williams et al., 2015), modos de enfretamento desadaptativos (Mensorio, 2013), qualidade das relações interpessoais (Lima & Oliveira, 2016; Martins, 2012; Santos, 2010) e padrão de comportamento alimentar alterado (Figueiredo et al., 2014), geralmente relacionado à impulsividade (Pereira & Chehter, 2011), que costuma interferir na capacidade de julgamento, sobretudo no que diz respeito a escolha de hábitos saudáveis e ao consumo excessivo de alimentos (Leitão et al., 2013; Pfattheicher & Sassenrath, 2014).
Sabe-se que, ao se sentir capaz de cumprir metas, o indivíduo tende a sentir-se mais autoeficaz (Ferreira, Bakos, & Habigzang, 2015). Nesse sentido, a autoeficácia, definida como um julgamento que o indivíduo faz acerca de suas capacidades e habilidades atuais para agir em um domínio específico (Bandura, 1997), desempenha um papel de bem-estar e motivação frente à mudanças e na adesão ao tratamento do sobrepeso e da obesidade, quando associada a prática de exercícios físicos e a percepção de apoio social (Amorim, Coutinho, & Palmeira, 2016; Santos, 2010; Schwarzer & Renner, 2000). Por exemplo, o estudo realizado por Santos (2010), que objetivou avaliar os efeitos de um programa de intervenção interdisciplinar para mudar estilo de vida em um grupo de mulheres com compulsão alimentar, indicou que, após a intervenção, elas apresentaram melhora dos sintomas e da qualidade da alimentação. Dessa forma, é possível compreender a relação positiva existente entre autoeficácia e controle do comportamento alimentar, além de demonstrarem a importância das intervenções dirigidas para ampliar a confiança pessoal quanto ao controle do peso (Ferreira et al., 2015).
No mesmo sentido, supõe-se que as estratégias de enfrentamento também podem assumir importância no controle do comportamento alimentar que ocasiona sobrepeso e obesidade, podendo facilitar o processo de reeducação alimentar. Folkman e Lazarus (1980) definem as estratégias de enfrentamento como conjuntos de aspectos cognitivos e comportamentais utilizados para o enfrentamento de diferentes situações estressantes, de forma a tolerar as demandas internas ou externas que sobrecarregam os recursos pessoais. O enfrentamento possui duas funções estratégicas principais: 1) enfrentamento focado no problema, que se refere à maneira de lidar e planejar alternativas positivas de ação, utilizando estratégias cognitivas e comportamentais com o evento que está causando sofrimento; e 2) enfrentamento focado na emoção, que se refere à regulação da emoção, assim como apresentar evitação cognitiva ou comportamental e distanciamento a fim de aliviar o estresse. Geralmente, este último recurso é utilizado após uma análise de que nada mais poderia ser feito para alterar as ameaças ou danos do meio ambiente (Folkman & Lazarus, 1980).
O uso do ato de comer em excesso como uma forma de enfrentamento de emoções negativas tem sido associado ao início da obesidade (Pervanidou & Chrousos, 2011), isto é, gatilhos internos e externos se relacionam ao ato de comer compulsivo e a alimentação é utilizada como enfrentamento de dificuldades/estresse (Deluchi, Souza, & Pergher, 2013). Indivíduos com sobrepeso/obesidade apresentam uma tendência a utilizar o alimento como uma estratégia para enfrentar a sua ansiedade e lidar com as dificuldades no trabalho, sentindo um alívio imediato (Lima & Oliveira, 2016). Percebe-se que escolhas inadequadas das estratégias de enfrentamento, além de afetarem o comportamento alimentar, causam piora no estado emocional (Pirutinsky, Rosmarin & Holt, 2012). Conforme o estudo desenvolvido por Figueiredo et al. (2014), 80 % das participantes mulheres referem perceber alteração no apetite quando se sentem estressadas e angustiadas, sendo que destas, mais da metade percebem o aumento do consumo de alimentos calóricos frente a conflitos pessoais. Ainda, Mensorio e Junior (2016), em uma revisão da literatura, apontaram que as estratégias para enfrentar os problemas acarretados pelo excesso de peso e obesidade devem acontecer pela modificação das atitudes, intervenções em aspectos emocionais e sociais, bem como no encorajamento da resolução com foco no problema.
Em vista da importância de que os aspectos emocionais e também cognitivos influenciam a adesão aos tratamentos nutricionais e na prevenção de doenças metabólicas, o presente estudo teve como objetivo descrever os níveis de autoeficácia em resistir ao desejo de comer e as estratégias de enfrentamento de problemas utilizadas por mulheres com sobrepeso e obesidade que estavam em atendimento nutricional em um serviço-escola interdisciplinar. Além disso, também se avaliou a relação entre as variáveis investigadas com a idade e o IMC das participantes. Enfatiza-se a importância de desenvolver intervenções focadas na mudança cognitiva individual, que tendem a favorecer o aumento do nível de autoeficácia, auxiliando nas escolhas de estrategias de enfrentamento mais efetivas.
MÉTODO
Delineamento
Trata-se de um estudo descritivo e correlacional, de corte transversal e abordagem quantitativa (Sampieri, Collado, & Lucio, 2013).
Participantes
Participaram desta pesquisa 24 mulheres com sobrepeso (45,8 %; n = 11) e obesidade (54,2 %; n = 13), que tinham idades entre 23 e 74 anos (M = 53.16; DP = 14.60) e realizavam tratamento nutricional em um serviço-escola interdisciplinar vinculado a uma universidade da região metropolitana do Rio Grande do Sul. Como critério de inclusão foi considerado o IMC, contemplando os pontos de corte para sobrepeso e obesidade que são de 25 kg/ m² e 30 kg/m², respectivamente (WHO, 2016). Foram excluídas as pacientes gestantes, além dos homens, crianças e adolescentes. A caracterização da amostra pode ser visualizada na Tabela 1.
Frequência | Porcentagem | ||
---|---|---|---|
Escolaridade | E. F. Incompleto | 9 | 37,5 % |
E. F. Completo | 7 | 29,2 % | |
E. M. Completo | 2 | 8,3 % | |
E. Técnico | 1 | 4,2 % | |
E. S. Incompleto | 3 | 12,5 % | |
E. S. Completo | 2 | 8,3 % | |
Casada | 14 | 58,3 % | |
Estado Civil | Solteira | 4 | 16,6 % |
Divorciada | 4 | 16,6 % | |
Viúva | 2 | 8,3 % | |
Situação Ocupacional | Aposentada | 11 | 45,8% |
Desempregada | 6 | 25% | |
Empregada | 5 | 20,9% | |
Autônoma | 2 | 8,4% | |
2 Salários | 7 | 30,4% | |
1 Salários | 4 | 17,4% | |
3 Salários | 4 | 17,4% | |
5 Salários | 4 | 17,4% | |
4 Salários | 3 | 13% | |
8 Salários | 1 | 4,3% | |
41 a 60 anos | 9 | 37,5% | |
Idade | 61 a 74 anos | 8 | 33,3% |
23 a 40 anos | 7 | 29,1% |
Instrumentos
Questionário de Dados Sociodemográficos e Clínicos (adaptado de Matos & Bellé, 2011)
Instrumento utilizado para dados de caracterização da amostra tais como idade, situação conjugal, situação ocupacional, renda e escolaridade e dados clínicos como peso, altura, IMC, uso de medicação, presença de doenças, histórico de doenças na família, realização de psicoterapia.
Questionário de Estilo de Vida, Peso e Eficácia (Weigth Efficacy Lifestyle Questionnarie WEL) (Bellace, 2005; Clark, Abrams, Niaura, Eaton, & Rossi, 1991)
Instrumento utilizado para avaliação do quanto a paciente se julgava capaz de lidar com aspectos relativos ao cuidado de sua saúde e ao controle de seu peso. Esse instrumento é composto por 20 itens de autorelato e inclui cinco subescalas, a saber: 1) manejo de emoções negativas (ansiedade, depressão, irritabilidade, frustração); 2) disponibilidade (autocontrole em determinadas situações em que o alimento é ofertado); 3) pressão social (oferta de alimentos por outras pessoas), 4) desconforto físico (dor e desconforto corporal); e, 5) atividades positivas (atividades de lazer). Cada subscala apresenta quatro itens, que são respondidos com base em uma escala do tipo Likert de 10 pontos (0 = “Não estou confiante de maneira nenhuma que poderei resistir ao ato de comer” a 10 “ Estou confiante que eu poderei resistir ao ato de comer”). Os escores mais altos indicam maior autoeficácia em resistir ao desejo de comer em demasia em várias situações e circunstâncias. Para utilização neste estudo, o inventário foi traduzido para o português por dois tradutores bilíngues. A comparação das duas versões permitiu o exame da acurácia da versão em português e obteve-se indicativos de propriedades psicométricas adequados, com valor de alpha de Crombach de 0.94.
Escala Modos de Enfretamento de Problemas EMEP (Seidl, Trócolli, & Zannon, 2001)
Instrumento que examina estratégias de enfretamento frente a eventos estressores. Ela é composta de 45 itens, respondidos com base em uma escala do tipo Likert de cinco pontos (1 = Eu nunca faço isso a 5 = Eu faço isso sempre), que são divididos em quatro subescalas que expressam cognições e comportamentos, a saber: 1) focalização no problema (utilização do sistema cognitivo e comportamental para lidar ou manejar a situação estressora de modo adequado, com 18 itens; α = 0.84); 2) focalização na emoção (enfrentamento do evento estressor a partir de reações emocionais negativas, respostas de esquiva e culpabilização de si mesmo, com 15 itens; α = 0.81); 3) práticas religiosas e pensamento fantasioso (comportamentos e pensamentos religiosos para auxiliar no enfretamento de uma situação, com 7 itens; α = 0.74); e 4) busca de suporte social (procura de apoio social informacional, emocional e instrumental, com 5 itens; α = 0.70). Neste estudo, a escala total apresentou alpha de Cronbach de 0.69, enquanto as subescalas apresentaram alphas de 0.87 (focalização no problema), 0.74 (focalização na emoção), 0.27 (práticas religiosas e pensamento fantasioso) e 0,62 (busca de suporte social). A escala que obteve baixo índice de confiabilidade não foi considerada nas análises. Os escores mais altos sugerem maior utilização de cada estratégia indicada pelo instrumento (Santos, 2010).
Procedimentos Éticos e de Coleta e Dados
Esse estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS (CEP 11/076). Após, analisou-se os prontuários das pacientes em tratamento nutricional, juntamente com a equipe vinculada à nutrição, no intuito de identificar aquelas que cumpriam com os critérios de inclusão para compor a amostra. Em seguida, as mulheres selecionadas foram contatadas por telefone ou pessoalmente e convidadas a participar do estudo. Enfatizou-se que a participação era voluntária e anônima, indicando os demais cuidados éticos implicados à pesquisa. Os instrumentos foram aplicados pela primeira autora no período de junho a agosto de 2012, em encontros individuais com duração de 30 a 60 minutos, realizados em uma sala disponibilizada pelo serviço-escola.
Procedimentos de Análise de Dados
Para estatística descritiva foram utilizadas as distribuições absolutas (n) e relativa (%), bem como as medidas de tendência central e dispersão (média, mediana e desvio padrão) com o estudo de normalidade pelo teste de Kolmorogov-Smirnov, que indicou uma distribuição normal dos dados. Assim, a correlação entre os escores foi calculada a partir do coeficiente de correlação de Pearson. A classificação da magnitude das correlações considerou o indicado por Dancey e Reidy (2005). Foi utilizado o programa estatístico SPSS 22.0 (Statistical Package for Social Science) e adotou-se o nível de significância p < 0.05.
RESULTADOS
As participantes representavam 51 % dos pacientes em atendimento nutricional no serviço-escola interdisciplinar. A maioria delas apresentou sobrepeso (45,8 %; n=11), seguido de obesidade I (29,2 %; n=7), obesidade II (16,7 %; n=4) e obesidade III (8,3 %; n=2), conforme a classificação da APA (2006), que considera níveis de obesidade, a saber: obesidade I (IMC de 30 kg/m² à 34,9 kg/m²); obesidade II (IMC entre 35 kg/m² à 39,9 kg/m²); e obesidade III (IMC acima de 40 kg/m²).
No que se refere às condições clínicas associadas ao sobrepeso, as participantes apresentaram hipertensão (50 %), dislipidemias (29,2 %), diabetes (23,8 %), doenças cardiovasculares (12,5 %) e bulimia (4,2 %). Quanto à prevalência de transtornos mentais, 65 % delas disse não apresentar diagnóstico, mas 30,4 % informaram ter depressão. Dentre as medicações contínuas utilizadas estavam: psicofármacos (60,9 %), anti-hipertensivos (58,3 %) e antidiabéticos (21,7 %), medicação para a tireóide (17,4 %) e outros tipos (34,8 %).
Quanto ao motivo pelo qual as mulheres buscaram atendimento no serviçoescola, a maioria indicou queixas quanto ao peso corporal (41,7 %). Os demais motivos que influenciaram a busca foram: melhorar saúde e bem-estar (37,5 %) e tratamento de doenças clínicas (20, 9 %). Em relação ao tempo de tratamento, a média foi de 14.70 meses (DP = 17.74). Dentre elas, 45,8 % também estavam sendo atendidas pela equipe da Psicologia. Conforme demonstra a Tabela 2, é possível observar que as participantes apresentavam maior média no fator atividades positivas, o que indica autoeficácia quanto ao controle alimentar diante de atividades prazerosas, sobretudo de lazer (M = 7.34; DP = 6.45). Além disso, as participantes também obtiveram média elevada no fator desconforto físico, que diz respeito à autoeficácia em controlar sua alimentação diante de alguma sensibilidade física, como a dor (M = 7.12; DP = 7.87). Tais fatores apareceram seguidos de pressão social, relativa à fatores ambientais, como a oferta de comida por outras pessoas (M = 6.43; DP = 8.95); disponibilidade relacionada à situações em que o alimento está muito acessível (M = 5.67; DP = 9.78); e emoções negativas, tais como ansiedade, irritabilidade, depressão ou frustração (M = 5.51; DP = 9.44).
Quanto às estratégias de enfretamento apresentadas, o fator enfrentamento voltado ao problema apresentou maior média, indicando uma tendência à utilizarem cognição e comportamento para manejarem o estresse de modo adequado (M = 3.87; DP = 11.76). As demais estratégias de enfrentamento empregadas foram sucessivamente suporte social (M = 3.23; DP = 4.43) e enfrentamento focado na emoção (M = 2.65; DP = 8.70). Vale destacar que na maioria dos recursos investigados, as participantes apresentaram escores altos.
Mínimo | Máximo | Média | DP | ||
---|---|---|---|---|---|
Autoeficácia | Atividades Positivas | 10 | 36 | 7.34 | 6.45 |
Desconforto Físico | 9 | 36 | 7.12 | 7.87 | |
Pressão Social | 5 | 36 | 6.43 | 8.95 | |
Disponibilidade | 3 | 36 | 5.67 | 9.78 | |
Emoções Negativas | 1 | 36 | 5.51 | 9.44 | |
Enfrentamento | Foco no Problema | 44 | 87 | 3.87 | 11.76 |
Suporte Social | 7 | 24 | 3.23 | 4.43 | |
Foco na Emoção | 26 | 54 | 2.65 | 8.70 |
A correlação de Pearson foi realizada para identificar a relação entre os modos de enfrentamento e o estilo de vida, eficácia-peso, contemplando também a idade e o IMC. Houve associação positiva moderada a forte entre focalização no problema e autoeficácia frente a avaliação de disponibilidade (r = 0.50; p < 0.05), emoções negativas (r = 0.47; p < 0.05), desconforto físico (r = 0.48; p < 0.05), atividades positivas (r = 0.56; p < 0.01) e pressão social (r = 0.53; p < 0.01). A focalização na emoção se associou negativamente de forma moderada com emoções negativas (r = -0.64; p < 0.01), desconforto físico (r = -0.46; p < 0.05), e pressão social (r = -0.41; p < 0.05). Não foram observadas associações entre as demais variáveis.
DISCUSSÃO
Os resultados do estudo indicam que as participantes apresentaram níveis altos de autoeficácia quanto ao controle alimentar, assim como de enfrentamento, especialmente com foco na cognição e comportamento, na maioria dos fatores avaliados. Tais dados se configuram como positivos para a adesão ao tratamento nutricional, uma vez que podem influenciar a motivação e manejo do estresse que tende a influenciar recaídas (Ferreira et al., 2015; Rivero, 2011; Schwarzer & Renner, 2000). No mesmo sentido, as participantes exibiram bons níveis de autoeficácia para controle alimentar diante de atividades prazerosas, desconforto físico e pressão social. A literatura enfatiza a importância das atividades de lazer para auxiliar no controle alimentar, compreendendo que a autoeficácia possui como característica a motivação, intervindo na busca de resultados desejáveis, como, por exemplo, na prática de exercícios físicos (Rivero, 2011; Santos, 2010). Por outro lado, a condição de desemprego e a baixa renda das participantes, não confirmam se o engajamento em atividades prazerosas costuma ser regular. Já no que se refere ao desconforto físico, pode-se pensar na influência do uso de medicações e na adesão a outros tratamentos para doenças que apresentavam ou pelo próprio excesso de peso. Neste caso, o resultado poderia indicar que a comida não representaria uma forma de enfrentamento direto a esse problema.
Já no que tange a pressão social, o dado indica uma possível crença na capacidade de recusar o alimento quando ofertado por outra pessoa. O estudo realizado por Martin, Dutton e Brantley (2004) investigou a pressão social após uma intervenção psicoterápica junto a pacientes com sobrepeso e indicou aumento nos escores da escala WEL após a intervenção e maior perda de peso quando os participantes apresentavam menores níveis de autoeficácia pré-intervenção. No entanto, os participantes que indicaram maiores níveis de autoeficácia pré-intervenção apresentavam menor perda de peso pós intervenção. A hipótese levantada pelos autores é de que as situações de risco envolvendo pressão social eram subestimadas pelas pacientes, sobretudo antes da intervenção. Assim, pondera-se que as participantes do presente estudo possam estar acreditando mais na própria capacidade de resistir a essas pressões do que realmente são capazes.
As mulheres também apresentaram baixa autoeficácia frente à disponibilidade dos alimentos e ao controle das emoções negativas. Tais dados podem estar associados ao fato de 75 % delas serem casadas e atuarem como donas de casa, além de algumas apresentarem sintomas depressivos ou diagnóstico de depressão, os quais têm sido apontados pela literatura como influencias negativas sobre o excesso de peso. O casamento tem sido relacionado com a modificação dos comportamentos alimentares sociais e com o consumo de alimentos de alto teor calórico (ABESO, 2009-2010). Por exemplo, Baumgartel et al. (2017) encontraram associações entre o estado civil casado com a prevalência de fatores de risco ligados à alimentação inadequada, pouca atividade física e tabagismo. A presença de sintomas depressivos em indivíduos com sobrepeso e obesidade também tem sido associada a busca de prazer e conforto na comida, provocando intenso sofrimento devido à falta de controle alimentar (Almeida, Savoy, & Boxer, 2011; Figueiredo et al., 2014).
Em relação às estratégias de enfrentamento, ressalta-se que o enfrentamento focado no problema se destacou, sugerindo que as participantes usavam estratégias comportamentais e cognitivas voltadas ao planejamento de alternativas positivas. Tais dados são importantes no que se refere a indivíduos com sobrepeso e obesidade, pois têm sido estudados como estratégias que podem atuar como facilitadoras ou dificultadoras do processo de perda de peso e adesão a tratamentos.
A utilização do enfrentamento focalizado no problema está relacionada ao sentimento de bem-estar e saúde (Davies, Bekker & Roosen, 2011). Essa estratégia também foi encontrada em mulheres que tiveram um bom enfrentamento da cirurgia bariátrica, visando resolver a situação e não evitar ou anular o estressor (Rezende, 2011). No presente estudo, o enfrentamento direcionado ao problema também pode ser corroborado pelo motivo da procura do serviço, relacionado ao desejo de redução de peso. Oliveira, Lorenzatto e Fatel (2008) verificaram que as pessoas que buscam atendimento nutricional por conta própria reconhecem a necessidade de uma ajuda especializada para a solução de suas possíveis doenças. Nesse sentido, as estratégias de enfrentamento satisfatórias se associam ao manejo e aceitação das dificuldades que surgem ao longo do tratamento (Mensorio & Junior, 2016).
As estratégias menos utilizadas foram o enfrentamento relacionado ao suporte social e o enfrentamento com foco nas emoções. O apoio social compreende informação e auxílio de qualquer ordem, proporcionado por pessoas/grupos, que ocasionam efeitos emocionais/comportamentais positivos (Valla, 1999). Observa-se que indivíduos com sobrepeso e obesidade apresentam maior vulnerabilidade a não receber apoio social, assim como tendem a buscar menos por ele, principalmente com relação à família, pois, em muitos casos, apresentam resistência a incentivar dietas alimentares estabelecidas (Lacerda, Rocha, & Lopes, 2014; Oliveira, Rostila, Leon, & Lopes, 2013; Oliveira & Silva, 2014) ou a promover mudanças de padrões e hábitos (Oliveira & Silva, 2014; Rossi, Moreira & Rauen, 2008). Entretanto, quando há o suporte social e emocional familiar, diminui-se a possibilidade da ocorrência da ingestão compulsiva (Mason & Lewis, 2016).
A menor utilização de estratégias com foco nas emoções, por sua vez, pode ser considerada como um fator positivo já que este dado indica que o enfrentamento da crise não ocorre a partir de reações emocionais negativas, respostas de esquiva e culpabilização de si mesmo (Leitão et al., 2013; Lima & Oliveira, 2016; Tomaz & Zanini, 2009). Além disso, as respostas de esquiva diante dos problemas podem reduzir após a realização de um processo psicoterapêutico (Cade et al., 2009) e 45,8 % das participantes do estudo estavam em acompanhamento psicológico.
Os estados de humor são importantes desencadeadores de atitudes alimentares inadequadas (Figueiredo et al., 2014; Rocha & Costa, 2012), uma vez que envolvem emoções negativas que podem contribuir para a compulsão alimentar e para o aumento do peso (Pervanidou & Chrousus, 2011). Luppino et al. (2010), em revisão sistemática e metanálise, indicam que a obesidade se constitui como um risco para o desenvolvimento de depressão. Entretanto, os altos níveis de autoeficácia e estratégias de enfrentamento focadas no problema, bem como a realização de tratamento psicoterápico por parte das participantes, poderiam atuar como fatores moderadores da depressão e seus efeitos, assim como o próprio uso de antidepressivos. Enfatiza-se que os resultados obtidos em acompanhamentos estão relacionados à múltiplos fatores. Assim, autoeficácia e enfrentamento podem interagir com o estresse, moderando seus efeitos e auxiliando positivamente na adesão aos tratamentos, sem, no entanto, determinarem per se a modificação do comportamento alimentar (Epstein & Schlesinger, 2004).
No tocante a relação entre a autoeficácia ao resistir ao ato de comer e as estratégias de enfrentamento utilizadas, constatou-se que as estratégias focalizadas no problema, que se relacionam ao engajamento na mudança ou manejo da situação estressora, relacionaram-se positivamente e de forma moderada com a percepção de autoeficácia em resistir ao ato de comer diante da disponibilidade, emoções negativas, desconforto físico e em atividades positivas e sob pressão social. Exemplos de estratégias focalizadas no problema relativas ao sobrepeso e obesidade podem ser a prática de exercícios físicos, redução das porções de alimentos, entre outros. Tais comportamentos devem ser reforçados quando o paciente está em tratamento e adaptados conforme a realidade do paciente (Santos, 2010) e o estágio de mudança em que se encontra (Ludwig, Susin, Bortolon, Boff, & Oliveira, 2016), o que aumenta a adesão ao tratamento e pode estar associado a maior percepção de autoeficácia frente ao controle do ato de comer, como este estudo parece demonstrar.
As estratégias focalizadas na emoção, que objetivam regular a resposta emocional ativada pelo evento estressor, sendo associados a estratégias de afastamento do estímulo que ocasiona o estresse, mostraram-se negativamente associadas e de forma moderada à autoeficácia frente a emoções negativas, ao desconforto físico, e à pressão social. Assim, corrobora-se a literatura, que associa o uso desse tipo de estratégia com obesidade, transtornos alimentares e comportamento alimentar inadequado (Tomaz & Zanini, 2009; Santos, 2010).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando que os aspectos psicológicos e ambientais interferem na escolha dos alimentos, na manutenção do sobrepeso e da obesidade e na adesão a tratamentos nutricionais e de saúde, visto que interferem na mudança comportamental (Silva, 2016; Fagundes, Caregnato, & Silveira, 2016; Papadopoulos & Brennan, 2015), conclui-se, diante dos resultados deste estudo, em especial o maior enfrentamento focado no problema e a menor autoeficácia em resistir ao alimento frente a emoções negativas, a importância de os indivíduos desenvolverem estratégias voltadas para o entendimento dos aspectos emocionais e cognitivos, bem como, da capacidade de enfrentar situações estressoras no tratamento. Também se ressalta a importância da avaliação da autoeficácia como auxílio para determinar a prontidão e o estágio de mudança comportamental (Clark et al., 1991).
No presente estudo, é preciso ponderar que o tempo de tratamento relativamente alto e o atendimento interdisciplinar podem ter contribuído para os níveis regulares de autoeficácia, utilização de estratégias de enfrentamento focadas no problema e suporte social. Nesse sentido, os achados demonstram as potencialidades de um trabalho conjunto entre profissionais de nutrição e psicologia, bem como de outras áreas quando há presença de doenças crônicas ou agudas associadas. O serviço-escola no qual esta pesquisa foi realizada tem desenvolvido ações neste sentido baseadas nos pressupostos da Entrevista Motivacional (Miller & Rollnick, 1991) e do Modelo Transteórico da Mudança (Prochaska, DiClemente, & Norcross, 1992).
Por fim, destacam-se as principais limitações do estudo, tais como: o número reduzido de participantes e a utilização de uma escala para medir o nível de autoeficácia que tem pouca difusão nacional. Por outro lado, os resultados encontrados sugerem algumas características das pacientes com excesso de peso que buscam por atendimento nutricional, ampliando o repertório de estudos sobre o tema que ainda é bastante reduzido na literatura cientifica brasileira. Para futuros estudos sugere o desenvolvimento e avaliação de intervenções que busquem ampliar as habilidades (estratégias comportamentais e cognitivas) e crenças relativas ao controle alimentar frente à disponibilidade de alimentos e às emoções negativas, a fim de assegurar uma melhor adesão ao processo terapêutico.