Sugere-se que a estrutura social das cidades pode influenciar no contàgio do vírus. Porém, são incipientes os estudos que avaliam o comportamento deste vírus nas regiões periféricas, e como a distribuição socio-espacial de realidades como a do Brasil, podem interferir no comportamento do cidadão e, conse- quentemente, na disseminação do vírus.
Introdução
O ano de 2020 inicia-se com uma parcela significativa dos esforços científicos mundiais voltados em apoiar as ações de compreensão e combate a um vírus conhecido, em escala global, a pouco mais de quatro meses: o novo coronavírus, causador da COVID-19 (Zhang et al., 2020), com os primeiros casos reportados na China. Um vírus que destaca-se pelo sucesso adaptativo observado em relação à sua capacidade de dispersão e contágio (Liu et al., 2020), e que pode estar associado à situação ambiental atual. Cientistas de instituições do mundo [entre elas A United Nations Environment Programme - UNEP, 2016] alertam para o agravamento das ameaças à saúde a partir da degradação ambiental, do avanço das atividades humanas sobre habitats silvestres, que para além de agravar as mudanças climáticas, tem disseminado epidemias (Munster et al., 2020).
Com ocorrência observada em 188 países no mundo, a COVID-19 já resultou na notificação de 5'923,432 de infectados e 5'923,432 mortes, dados de 29 de maio de 2020 (Johns Hopkins Center for Systems Science and Engineering, 2020), gerando significativa transformação nas dinâmicas territoriais, principalmente das cidades que são os espaços de concentração populacional e de grande proximidade comunitária. A América Latina é detentora do epicentro da pandemia em maio de 2020, e dadas as características territoriais, principalmente no contexto das desigualdades sociais observadas, compreender as dinâmicas urbanas é fundamental para a proteção à vida, principalmente dos mais frágeis.
Ainda que o conhecimento científico sobre inúmeros aspectos acerca do novo coronavírus seja considerado insuficiente (Fauci, Lane e Red-field, 2020), é possível ressaltar sua capacidade em provocar mortes nas populações vulneráveis (Walker et al., 2020), a equivalência dos sinais e sintomas da COVID-19 a outros vírus respiratórios e sua dispersão rápida e ampliada.
Dada a exitosa capacidade de disseminação do COVID-19, medidas de distanciamento social têm sido aplicadas com o objetivo de reduzir o valor do número efetivo de contaminação, essas medidas evitam a transmissão tanto de casos sintomáticos quanto assintomáticos, provocando o achatamento da curva de propagação da epidemia e postergando o seu pico. Em escala mais ampla, esse distanciamento, como um menor número de infectados, reflete na capacidade aumentada de atendimento dos serviços de saúde, garantindo tempo hábil para elaboração de condutas clínicas adequadas e desenvolvimento de vacinas (Anderson et al., 2020). As medidas de isolamento social demandam condutas sociais colaborativas, que podem variar conforme crenças que venham a gerar resistência social, conforme mostra o estudo de Costa, (2020) e infraestrutura adequadas para que as pessoas, ao acatar as recomendações das agências regulatórias de saúde, tenham condições de praticar as distâncias mínimas. Nesse sentido, dentre os grupos vulneráveis, aqueles que se encontram em assentamentos precários devem ser considerados prioritários para ações de enfrentamento ao coronavírus.
Em se tratando de um cenário socioespacial de segregações como o das cidades brasileiras e observado também em outras cidades na América Latina, de desigualdades locais com extrema precariedade e insuficiência de serviços de saneamento básico, a coordenação eficaz de ações é primordial. Essas ações devem unir diagnósticos do meio, conhecimento científico, decisões com vistas a melhorar a capacidade de atendimento e agilidade no reconhecimento das dinâmicas de contágio, e isso pode significar proteção à vida. Estudar características populacionais e compreender claramente a vulnerabilidade, pode auxiliar na tomada de decisões institucionais e dos organismos de gestão, principalmente como forma de atuar preventivamente.
Sendo a saúde uma composição de fatores físicos, psicológicos e sociais (Rodrigues, 2015), o entendimento quanto à vulnerabilidade social apresenta-se como estratégia importante para o conhecimento desses fatores, e facilita a indicação de dinâmicas urbanas e discrepâncias do território. A "vulnerabilidade é uma das problemáticas mais relevantes dessa epidemia" (Nunes, 2020, p. 3), e assim, discute-se desde a vulnerabi-lização das comunidades humanas à fragilidade das estruturas urbanas. Embora todos sejam vulneráveis ao contágio, a vulnerabilidade é diferenciada. Nesse sentido, o presente trabalho buscou estabelecer uma metodologia capaz de definir a vulnerabilidade a partir da criticidade de populações frente ao coronavírus como forma de instrumentalizar a tomada de decisões em escala municipal. Para tanto, foram definidas variáveis que demonstram aspectos que ampliam a exposição das populações a fim de determinar graduações da vulnerabilidade por análise fatorial, conforme adaptado de Tavares et al., (2018) e de Cutter, Boruff e Shirley (2003), referências em estudos da vulnerabilidade social no contexto de desastres.
Os casos avaliados para o desenvolvimento da metodologia apresentam núcleos populacionais que se caracterizam-se pela precariedade, sendo via de regra impactadas pela ocupação de áreas ambientalmente sensíveis, deficitárias em infraestrutura como serviços de saneamento, e população de baixa renda. Esse contexto é facilmente identificado na América Latina, demonstrando os desafios territoriais. O presente estudo pode servir de referência para diferentes áreas, uma vez que assumiu a escala dos setores censitários, e assim, oportuniza a tomada de decisões a partir das particularidades do território. Também, por envolver um caráter multidisciplinar, o estudo parte da integração de componentes que buscam explicar os fenômenos sociais com alinhamento aos instrumentos das ciências humanas e exatas, e, portanto, se aproxima da realidade identificada nos contextos urbanos, oportunizando respostas mais efetivas para a emergência em questão. Em suma, esse estudo teve por objetivo avaliar a vulnerabilidade social a partir de características da população, como estratégia de indicar determinantes locais que podem ampliar as chances de dispersão e contágio do coronavirus. São apresentados os métodos, com detalhe para o estudo de caso, os procedimentos adotados no estudo, análise dos principais resultados e considerações sobre a vulnerabilidade.
O Estudo de Caso
Foram selecionados três municípios do sul do País que apresentam forte interconexão, cujas barreiras formais são ultrapassadas pelas dinâmicas populacionais e proximidade entre as atividades socioeconômicas (Novo Hamburgo, São Leopoldo e Campo Bom, ver Figura 1).
Destaca-se que esses municípios estão localizados em um polo do setor coureiro calçadista, que foi elemento de atratividades de um contingente grande de famílias de áreas rurais ou pequenos municípios do estado do Rio Grande do Sul, principalmente nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Fato esse que corresponde a uma condição de expansão urbana desigual, na qual, o planejamento urbano não foi fomentado por políticas de inclusão social, resultando em diversos núcleos gentrificados, com ocupação de áreas frágeis ambientalmente, como margens de rios, encostas, que hoje estão apontadas como áreas de riscos de desastres. Esse fator histórico que constitui os locais estudados, pode explicar a expressividade de áreas densamente ocupadas, em especial nas periferias e que, atualmente, no enfrentamento à emergência em saúde pública vivenciada com o novo coronavirus, expõe as vulnerabilidades socioespaciais em questão.
Procedimentos
Determinação das Variáveis de Análise
A fim de estabelecer as variáveis que pudessem definir as características e categorizar a escala de vulnerabilidade ao contágio do novo coronavírus, foram acessados dados públicos disponíveis em bases de dados do IBGE, considerando os setores censitários estabelecidos para o ano de 2010.
A escolha da variável idade como principal característica para a definição de grupos de risco se deu a partir da análise de um dos primeiros estudos publicados a partir do caso da China, o qual avaliou 191 pacientes infectados em Wuhan (entre 29 de dezembro de 2019 e 31 de janeiro de 2020) (Chen et al., 2020). Nesse estudo, foram estabelecidos fatores de risco de mortalidade e pior prognóstico a partir da comparação de parâmetros clínicos e fisiológicos entre os pacientes que sobreviveram (137) e os que vieram à óbito (54). Dentre os parâmetros clínicos, fisiológicos e epidemiológicos avaliados, valores altos para o escore de avaliação de falência orgânica sequencial (SOFA score) e para níveis de dímero D, bem como a idade avançada (63-76 anos) diferiram estatisticamente entre os grupos, sendo considerados os indicativos primordiais a conduta clínica a ser adotada (Zhou et al., 2020). Os dados do comportamento de transmissão do vírus, observados neste estudo de coorte (média de 20 dias de transmissão) reforçam a necessidade de isolamento social por períodos prolongados, especialmente entre os grupos de risco apontados pelo estudo.
No sentido de atualizar os dados referentes aos grupos etários obtidos (variável idade) no ano de 2010, foram estimadas perdas anuais a partir dos dados de "Óbitos por residência por faixa etária e município" da base de dados do sistema DATASUS. Os dados compilados nesse banco de dados públicos abrangem os anos até 2017. Para estimar o valor médio de mortes para os anos de 2018 e 2019 observou-se o total anual de cada ano, e estes dados foram utilizados para corrigir os dados censitários de 2010 para a população apontada como grupos de risco, por faixa etária. Com isso, estima-se que 15% da população apontada como grupo de risco por faixa etária (dados censitários de 2010) possa ter vindo a óbito até a presente data. A estimativa percentual de vivos em 2020 foi elaborada a partir de registros de óbitos disponibilizado pelos municípios. Os grupos etários criados foram organizados em períodos de 9 anos, a contar pessoas a partir de 40 anos, sendo a composição dos grupos: 40 a 49 anos; 50 a 59 anos; 60 a 69 anos; 70 a 79 anos; 80 a 89 anos; 90 a 99 anos.
A determinação da vulnerabilidade, foi baseada principalmente pelo modelo de Tavares et al (2018), desenvolvido pelo Centro de Estudos Sociais - CES de Coimbra, em Portugal, com ênfase nos desastres naturais. Este modelo busca compor a vulnerabilidade social a partir de indicadores, os quais devem ser separados em duas dimensões: a criticidade, também compreendida como os elementos que demonstram a vulnerabilidade das pessoas, e a capacidade de suporte, voltada a demonstrar a vulnerabilidade do território. Os referidos autores consideram que conhecer a vulnerabilidade social de um dado local contribui para melhores estratégias de gestão dos riscos, governança e resposta aos desastres. Para esse estudo, compreende-se que analisar a criticidade pode ser a estratégia adequada para compreender o território e indicar potenciais locais de maior fragilidade frente ao contágio, na pandemia.
A escala de estudo definida precisava se valer de informações coletadas com periodicidade satisfatória e compreensível como melhor estratégia para apontar a distribuição espacial de grupos mais vulneráveis. Deste modo, a escala escolhida foi o setor censitário, que apresenta satisfatório nível de detalhamento de informações, já que é definido como unidade territorial que varia entre 250 e 350 domicílios, em espaços urbanos (Tavares et al., 2018).
Das variáveis disponíveis na base de dados do censo de 2010 foram selecionadas 51, de 918 setores censitários dos três municípios. Existem diversas variáveis que podem ser explicativas da vulnerabilidade social (Nery, Souza, Adorno, 2019), e para esse estudo selecionou-se as seguintes temáticas, orientada pela bibliografia especializada, para a definição das variáveis: renda, idade (Kraemer et al., 2020), saneamento básico (World Health Organization, 2020), densidade populacional e precariedade da habitação (Tavares et al., 2018). Dentre os dados dos setores censitários selecionados, algumas variáveis tiveram seus valores transformados em percentuais, tendo sido todas variáveis normalizadas a partir do cálculo de z scores.
Análise dos Dados
A análise fatorial pelo método de componentes principais dos dados censitários foi realizada no pacote estatístico SPSS, versão 25 (IBM Corp, 2017).
As variáveis que não atingiram valores superiores a 0,6 a partir da análise da matriz do coeficiente de Pearson não foram consideradas para a análise fatorial.
Análise de Componentes Principais (APC) é uma formulação matemática usada na redução da dimensão de dados. Assim, a técnica APC permite identificar padrões nos dados e expressá-los de uma maneira tal que suas semelhanças e diferenças sejam destacadas. Ao total, 21 variáveis foram selecionadas para análise, tendo se concentrado em cinco dimensões.
Na avaliação das variáveis foi adotado o critério de Kaiser Meyer Olkin (KMO), com significância do teste de Bartlett para a matriz e análise dos resultados a partir do método Varimax.
Cálculo do escore de cada uma das FAC (ScoreFAC) pela soma algébrica de todos os escores de cada variável (ScoreVAR), levando em conta somente os escores maiores que 0.5 e menores que -0.5:
Onde: NFAC é o número de fatores resultantes da APC e NVAR é o número de fatores resultantes da APC
2. FACSET de cada setor é resultante da multiplicação cada setor é resultante da multiplicação dos valores de territorial (setor censitário) pelo escore resultante da etapa anterior
Onde: NSET é número total de setores analisados. Loadings são os respectivos autovalores de cada setor obtidos na etapa do APC
3. Vulnerabilidade de cada setor, via soma algébrica das FAC obtidas no passo anterior
4. Vulnerabilidade de cada setor é normalizado entre 0 e 1:
Onde: é o valor absoluto máximo encontrado para o índice de vulnerabilidade entre todos os setores analisados
A análise espacial dos dados encontrados em foi realizada por meio de software de geoprocessamento (ArcGIS-ESRI) utilizando como base geográfica os arquivos tipo shapefile com a malha dos setores censitários do Censo de 2010 (IBGE, 2010) associada às informações provenientes das tabelas de dados dos resultados do universo, agregados por setor censitário. Com a associação destas tabelas e dos dados estatisticamente tratados e normalizados aos shapefiles foi possível a visualização da distribuição espacial dos diferentes graus de vulnerabilidade da população à COVID-19 na menor entidade espacial disponível, o setor censitário.
Resultados
A vulnerabilidade social a partir da criticidade ( foi composta por 21 variáveis, que por meio de análise fatorial, permitiram estabelecer cinco fatores (FAC), ou dimensões para análise, sendo os cinco autovalores superiores a um. Essas 21 variáveis resultaram de um conjunto total de 51 variáveis previamente selecionadas. Os cinco fatores explicam 65.77% da variância, com um KMO de 0.877 e as comunalidades (variância que a variável compartilha com as demais variáveis em análise) superiores a 0.6. Esses valores indicam que os dados são adequados para a análise fatorial.
Na Tabela 1, é possível observar as variáveis ao compor as dimensões ou agrupamentos (ou clusters). Na Tabela 2 são apresentadas as características dos fatores com relação às variáveis que resumem, além de apresentar os valores de ScoreFAC Pode-se afirmar que as nove variáveis apresentadas na FAC 1 tiveram uma forte associação e assim explicam que a densidade com relação ao número de pessoas que ocupam as habitações e renda inferior à um salário-mínimo, estão correlacionados e explicam em conjunto um padrão nos locais em análise. A FAC 1 explica 30.37% da variância total. Na FAC 2 (explica 16,19 % da variância total) é observado que as seis variáveis que tratam sobre o número de pessoas com mais de 50 anos, agregados em faixas etárias de 10 anos cada, se uniram e formaram mais uma dimensão dos dados. Para compor a FAC 3, observou-se que duas variáveis se associaram e explicam 8.99% da variância total: uma que trata de domicílios que são cedidos e podem ser caracterizados como possível local de uso transitório, e a outra variável, com informações de famílias que apresentam rendimentos entre um e dois salários-mínimos.
Já a FAC 4 explica 5.44 % da variância e foi formada por apenas uma variável, sendo a informação 'ausência de banheiro' caracterizada por explicar essa dimensão, não se associando com as demais variáveis. Essa informação sinaliza para a precariedade no acesso à higiene básica, comprometendo as condições de saúde. A quinta e última FAC (4.78% da variância explicada), demonstrou a associação direta das variáveis: domicílios particulares permanentes em outra condição de ocupação, que podem ser compreendidas como ocupações irregulares, mais a variável rendimento nominal mensal dos domicílios particulares improvisados. Em função dos sinais (positivos no caso desses dados), observa-se que todas as variáveis se movem para a mesma direção (Tabela 1).
As cinco dimensões resultantes foram analisadas e distribuídas espacialmente de forma a demonstrar as diferentes características sociais do território usado como estudo de caso, com a atribuição de escalas de vulnerabilidade a partir do desvio padrão, para as unidades de análise territoriais (setores censitários). Na Figura 2 são apresentadas as informações que configuram as cinco dimensões da vulnerabilidade.
As dimensões resultantes da análise fatorial permitiram compor o mapa com a classificação da vulnerabilidade social, e indicam as distinções a partir dos setores, sendo possível visualizar os pontos críticos com relação aos atributos que ampliam a vulnerabilidade social das populações (Figura 3).
É possível observar maior incidência de setores com extrema, muito alta ou alta vulnerabilidade no município de Novo Hamburgo, que é o maior município em aspectos populacionais dentre os três do estudo de caso. Também destaca-se que, a partir dessa análise, e dada a relevância atribuída ao fator idade na COVID-19 para a definição de grupos de risco, teve-se como preocupação estimar a população residente nos setores censitários que são considerados como de extrema e muito alta vulnerabilidade social. Assim sendo, foram contabilizados um total de 1,046 pessoas no município de Campo Bom, 7,183 pessoas em Novo Hamburgo e 5,153 pessoas em São Leopoldo, todos esses com mais de 50 anos de idade. Considerando os achados até o momento, é reforçada a necessidade de isolamento prolongado para grupos de risco, em especial para aqueles com idade avançada (Mug et al., 2020).
Conclusões
Pode-se afirmar que este trabalho apresentou um método importante para indicar territórios que devem ser alvo de ações orientadas à minimizar o impacto da dispersão do vírus, e assim, resultar em menores danos sociais às comunidades urbanas. Para evitar um pico de contaminação, o presente estudo apresenta cenários com informações que serão preponderantes para o estabelecimento de ações eficazes por parte dos gestores, principalmente naqueles locais onde o vírus ainda não atingiu com expressividade.
Os dados analisados e distribuídos espacialmente evidenciaram as distinções nas características populacionais e nos padrões sociais, sendo reflexo de um contexto típico das desigualdades presentes nas cidades brasileiras. A heterogeneidade dos espaços urbanizados, vista a partir dos setores censitários, demonstrou ser uma escala de análise satisfatória quando observadas as recomendações da Organização Mundial da Saúde de tomar conhecimento das realidades e designar ações locais para evitar o contágio e enfrentamento, além de planejar estratégias de gestão no combate à pandemia.
A análise fatorial oportunizou a redução da complexidade na compreensão dessas características populacionais. O agrupamento de informações expressou dimensões sociais que denotam aspectos auxiliares na compreensão da vulnerabilidade social em escala local. Os resultados indicam que a partir desse conjunto de informações, as intervenções devem observar que existem prioridades territoriais, e que se isso não for levado em consideração, pode ampliar a vulnerabilidade em saúde.
Sugere-se que a estrutura social das cidades pode influenciar no contágio do vírus. Porém, são incipientes os estudos que avaliam o comportamento deste vírus nas regiões periféricas, e como a distribuição socio-espacial de realidades como a do Brasil, podem interferir no comportamento do cidadão e, consequentemente, na disseminação do vírus. A carência de saneamento básico revela um cenário de potencial risco de transmissão por via fecal-oral (Wu et al., 2020), (Zhang et al., 2020) e, nesse aspecto, ressalta-se a importância da FAC 4 que apontou para a ausência de banheiro nos diferentes locais dos municípios.
Estudos realizados anteriormente, com outras cepas do coronavírus SARS, demonstraram a resistência deste grupo de vírus durante semanas sob diferentes condições em ambiente aquático, assim como no esgoto doméstico (Casanova, 2009). Considerando as evidências de excreção fecal para o SARS-CoV e o MERS-CoV, e a sua capacidade de permanecer viável em condições que possam facilitar a transmissão fecal-oral, é possível que o SARS-CoV-2 também possa ser transmitido por essa rota. A possibilidade de transmissão fecal-oral do SARS-CoV-2 tem implicações, especialmente em áreas com ausência de saneamento básico (Yeo, 2020), e isso reforça a necessidade de observação das diferentes dimensões da vulnerabilidade das populações. Sob outra perspectiva, a principal em evidência já comprovada de disseminação da COVID 19, a estrutura das residências em ambientes periféricos é relativamente pequena e, consequentemente, a distância entre os indivíduos é menor (mapa), o que aumenta a possibilidade de contágio pelo deslocamento do fluxo de ar (Ong SWX et al., 2020).
Sendo a proteção à vida a centralidade da discussão deste trabalho, não se poderia deixar de lembrar que as características habitacionais geram outros comprometimentos à saúde, já que sub habitações em um contexto de famílias numerosas, podem agravar os níveis de estresse, gerando ansiedade e outros transtornos (Ozamiz-Etxebarria et al., 2020).
Dentre os grupos mais vulneráveis, em contextos de precariedade, exclusão e risco, deve-se adotar estratégias diferenciadas, além de prioridades necessárias para ações efetivas de minimização do contágio, já que esses terão menor capacidade de enfrentamento da doença. O estudo teve como abordagem a escala do setor censitário, que se mostrou importante para demonstrar as distinções dentro dos próprios bairros. Em uma análise nessa escala, cabe destacar o que menciona um achado de Alfonso-Avila et al., (2019) que destaque a necessidade, dentre outros aspectos, de avaliar as percepções e necessidades dos indivíduos, que no caso da pandemia, podem ser fator diferencial no sucesso das medidas que envolvem comportamento social.
A forma como a população vai aderir às medidas de isolamento e prevenção são tão ou mais importantes que as medidas governamentais implementadas para esse fim. Estratégias de comunicação confiáveis e efetivas para manter a população informada são consideradas vitais, inclusive como suporte para gerenciar questões econômicas (Anderson et al., 2020).
Desde o primeiro momento, essa investigação teve como direcionamento anseios típicos das ciências sociais e humanas, apoiadas pelas estratégias das ciências tecnológicas: responder como a ciência pode contribuir na minimização do contágio. Analisa-se que a produção do espaço, em especial dos espaços urbanizados, é fruto de processos caracterizados por múltiplas desigualdades, ausência de planejamento urbano e deficiência de políticas públicas sólidas, que por consequência fragilizam as estratégias em saúde, principalmente quando não são observadas essas peculiaridades territoriais, resultando em perdas e prejuízos ainda maiores à vida humana.
Embora os estudos indicam a necessidade de observação das faixas etárias da população para determinação de grupos de risco, em especial atenção aqueles que apresentam idade superior a 60 anos, destaca-se que outras características da população podem influenciar no agravamento ao contágio e comprometimento dos casos.
Por fim, salienta-se que a metodologia demonstrada pode ser facilmente adotada em diferentes escalas e regiões do Brasil, e também em outros países, se o objetivo for identificar as vulnerabilidades das populações, sendo que poderá haver a necessidade de inclusão ou exclusão de variáveis, dadas as distinções das características sociais. Também, para além de um esforço em caráter preventivo ao contágio, esse caminho metodológico pode ser um importante aliado no estabelecimento de critérios para futuros planos de retomada gradual das atividades e redução das medidas de distanciamento social.