Introdução
Em um mundo de adultos, comumente os jovens e as jovens têm seu protagonismo minimizando, sendo considerados como sujeitos vulneráveis e incapazes (Bácares, 2012). Porém, um novo cenário proporcionado pelo avanço da modernidade, abriu espaço para a infância e juventude serem analisadas e abordadas do ponto de vista teórico e político, já que são a base para processos de desenvolvimento, foi o que concluiu um estudo realizado no Peru (Araujo, 2010).
Coexistem no Brasil diversas juventudes (Novaes, Cara, Silva, & Papa, 2006). A condição social de ser jovem tem qualidades específicas que se manifestam de diferentes maneiras, resultantes das características históricas e sociais. Ser jovem, mesmo estando ligado a uma classificação etária -15 a 29 anos-, é estar imerso em uma série de identidades, posições e vivências (Novaes et al., 2006).
Dentro desta diversidade social, existe uma distinção importante para as discussões aqui propostas: juventude rural e juventude urbana. O jovem rural, diferentemente do urbano, tem como forma de inserção social o espaço rural, modelando sua concepção de vida e de mundo. Estes jovens são mais vulneráveis socialmente, vivendo em uma situação diferente, sob alguns aspectos, do que os do meio urbano, que acessam e têm oportunidades distintas, foi o que concluíram os estudo realizados no Sul do Brasil por Novaes et al. (2006), no Chile por Aguirre-Pastén, Gajardo-Tobar e Muñoz-Madrid (2017) e em nível de Brasil por Castro, Lima, Sarmento e Vieira (2013). No RS, bem como demais regiões do Brasil, o espaço urbano proporciona ao jovem a busca por trabalho melhor remunerado, melhores condições de vida, estudo e profissionalização. Já no espaço rural brasileiro, acentuam-se as dificuldades de vida no que tange as atividades relacionadas a este meio (Brumer, 2007; Castro et al., 2013). O jovem rural brasileiro coloca a migração como alternativa na busca por melhores infraestruturas e condições dignas de vida, estudo e trabalho (Novaes et al., 2006).
Por outro lado, os jovens e as jovens rurais têm vantagens comparativamente ao jovem urbano: maior qualidade de vida, convívio familiar, relações sociais de vizinhança, trocas culturais e de alimentos, etc., tornando-se um espaço propício para viver. Este aspecto contribui para a permanência do e da jovem no campo e fortalece o desejo de ser sucessor, como concluíram as pesquisas realizadas no Brasil por Troian e Breitenbach (2018a, 2018b).
Porém, essa dicotomia entre urbano e rural tem construído preconceitos e relações de subalternidade, em que se desvaloriza cultural e socialmente o morar e o trabalhar no campo (Magno, Doula, & Pinto, 2011). Ao realizarem um estudo em Buieié (um bairro rural no município de Viçosa/MG/Brasil), os autores Magno et al. (2011) identificaram que o problema de ficar ou sair do meio rural não se resolve apenas com ações relacionadas ao mundo do trabalho. Neste caso, a insegurança na infraestrutura e nos serviços, os limites em termos de trabalho e de estudo não motivaram os jovens a abandonar o mundo rural. A valorização de atributos de qualidade de vida, como sossego, tranqüilidade, ausência de barulhos e do trânsito, presença da família no local, justificaram o desejo de sustentação da casa no bairro e de valores tradicionais (Magno et al., 2011).
Acerca das migrações, Silva e Menezes (n. d.) as definem como de retorno, temporárias e circulares, podendo expressar uma saída definitiva do meio rural ou, também, ser uma alternativa para que os jovens e as jovens permaneçam em suas localidades (Menezes, 2012). A migração é um processo social, não apenas transferência de força-de-trabalho entre regiões menos desenvolvidas e mais desenvolvidas, em que os agentes sociais aparecem como seres passivos de um processo determinado exteriormente pela estrutura social, ou pelo processo de acumulação capitalista (Silva & Menezes, n. d.) A migração pode ser entendida também, como um ritual de passagem na vida dos jovens e das jovens que buscam sua autonomia (Woortmann, 1990), bem como consiste de uma experiência transmitida entre gerações (Menezes, 2002).
Já para Garcia (2003), a migração faz parte da origem da acumulação de recursos materiais e culturais. Exigiu sacrifício físico e psicológico, mas permitiu a muitos descendentes de pequenos proprietários escaparem da sujeição ao se estabelecerem como pequenos proprietários, comerciantes ou profissionais por conta própria, em suas regiões de origem (Garcia, 1990).
Também na Colômbia, a migração para o meio urbano de jovens rurais com maior nível de formação acadêmica é preocupante e requer estudos capazes de compreender a dinâmica migratória e as possibilidades para enfrentar e reverter este fenômeno (Jurado & Tabasura, 2012). Este problema afeta a atual dinâmica rural, além das perspectivas de evolução do mundo rural (White, 2012).
Ainda, a população universitária no Brasil vem crescendo, devido ao aumento da oferta de vagas e de instituições de ensino (Schleich, Polydoro, & Santos, 2006). O ambiente acadêmico é importante para o desenvolvimento do estudante e a educação superior pode ser promotora de mudanças nos mesmos (Astin, 1993; Schleich et al., 2006). Isso não é diferente para os jovens e as jovens rurais, o que instiga pesquisas no viés de compreender a tomada de decisão e as percepções de futuro dos jovens e das jovens filhos e filhas de agricultores que cursam a universidade.
Portanto, a questão que norteia essa pesquisa é: os jovens e as jovens, filhos e filhas de agricultores que estudam no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS)-Campus Sertão querem sair ou permanecer no campo1 a partir de seu ingresso nos cursos oferecidos no campus? E quais as motivações? Estes jovens e estas jovens querem ser agricultores sucessores nos negócios agropecuários familiares? Existe diferenciação entre gêneros quanto às motivações e perspectivas de permanência no campo e sucessão familiar na agricultura?
O presente estudo teve como objetivo analisar as perspectivas de permanência no campo como agricultores sucessores familiares dos jovens e das jovens rurais que estudam no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS)-Campus Sertão. Especificamente, objetivou identificar o perfil destes jovens e destas jovens; os fatores que motivam ou desestimulam sua permanência no campo enquanto agricultores e agricultoras, sucessores e sucessoras familiares; e identificar a diferença entre gêneros quanto às motivações e perspectivas de permanência no campo enquanto agricultores e agricultoras sucessores familiares.
Este trabalho justifica-se tendo em vista que outras pesquisas apontaram que a qualificação profissional a partir do estudo, para os jovens e as jovens rurais, está se tornando uma porta de saída da propriedade. O melhor entendimento deste tema é importante, pois possibilita administrar os desdobramentos das decisões que serão tomadas pelas próximas gerações, bem como ampliar os horizontes para criação e organização de políticas públicas que envolvem os jovens e as jovens rurais, foi o que apontou estudo também realizado no Sul do Brasil por Matte e Machado (2016).
Esse estudo aporta novos conhecimentos no âmbito da juventude rural e sucessão familiar rural ao passo que se quantificam e detalham os comportamentos relacionados à permanência no campo e sucessão familiar. A pesquisa pode ser replicada em outros contextos ou regiões do país e do mundo, buscando validar ou comparar os resultados, bem como expandir os conhecimentos gerados pela e para a comunidade científica.
Referencial teórico: Jovens rurais e migração para o meio urbano
No Brasil o debate sobre a juventude rural ganhou centralidade, especialmente porque é uma categoria associada ao futuro do meio rural, responsável pela transformação social (Castro, 2009). No entanto, estudos realizados tanto no Brasil (Castro, 2009), quanto no Chile (Dirven, 2002), concluíram que esta juventude é permeada pela incógnita de «ficar» ou «sair» do meio rural, sendo esta uma decisão que envolve múltiplas questões.
Neste contexto, a identidade social do jovem rural brasileiro é construída num processo de diálogo entre o universo rural e os espaços urbanos, levando em consideração o tempo e o espaço (Castro, 2013). A categoria se apresenta como multifacetada e permeada por diferentes interesses e realidades, que é capaz de construir e se reconstruir enquanto atores sociais (Castro, 2009).
Isso ficou evidente no estudo realizado por Agudelo-Ramírez, Murillo-Saá, Echeverry- Restrepo e Patiño-López (2013) em Jarundí/Colômbia, ao concluírem que as formas de participação dos jovens e das jovens são multidimensionais e refletem as causas e apostas individuais e coletivas. Ao participarem de forma heterogênea e dão novo significado para práticas tradicionais, ao passo que se apropriam de elementos culturais do mercado. O estudo confirma a complexidade de formas que os e as jovens ocupam os espaços públicos e se configuram como cidadãos e cidadãs (Agudelo-Ramírez et al., 2013).
Outro estudo que reafirma a identidade social do jovem foi realizado por Fernandes (2018), o qual buscou identificar os saberes construídos pelas crianças em sua interação com o meio, na comunidade Vão de Almas, Território Quilombola Kalunga do município de Cavalcante/GO/Brasil. Neste grupo de afrodescendentes as crianças ocupam sua posição na divisão social do trabalho ao assumirem tarefas como contribuir nas atividades de subsistência. Como consequência, estas crianças e jovens têm potencial transformador e criativo na reinterpretação de sua própria cultura (Fernandes, 2018).
Já Magno et al. (2011) analisaram a construção de identidades a partir da representação social de um projeto artístico pelos jovens e as jovens de um bairro rural de Viçosa/ MG/Brasil. Os autores destacam como os jovens e as jovens dão um novo significado para a cultura, utilizando-a como resposta ao estigma que a sociedade urbana estabeleceu em relação ao local (Magno et al., 2011).
Estes estudos dão maior significado ao que já abordava Castro (2009) em seus estudos no Brasil e América Latina, quando afirma que a juventude, a partir da diversidade e auto representação, utiliza discursos e práticas para a construção de identidades sociais. Em contraponto a estes estudos, outras pesquisas realizadas no Brasil alertam que estes mesmos jovens carregam o peso de uma posição hierárquica de submissão, em um ambiente marcado por condições econômicas e sociais difíceis para a produção familiar (Castro, 2013; Redin, Silveira, Guimarães, & Santos, 2013).
Apesar de a juventude rural ser, muitas vezes, excluída no contexto rural, caracterizase como sujeitos do desenvolvimento, com maior capacidade de agregar mudanças e inovações (Espíndola, 2002). Além disto, são ativos de comunicação entre o mundo urbano e rural, tendo capacidade criativa, na resolução de problemas e tomada de decisões. Entretanto, as mudanças advindas dos processos de industrialização da agricultura e a urbanização das comunidades rurais acabaram tornando a realidade rural complexa e diversificada, fazendo com que os sujeitos do meio rural compartilhem características de transformações territoriais, ocupacionais, culturais e sociais, similares com os sujeitos do meio urbano (Aguirre-Pastén et al., 2017).
Um resultado destas transformações no Brasil são os movimentos migratórios, que respondem pelo processo de esvaziamento da população rural (Camarano & Abramovay, 1999). Historicamente, no Brasil, o fluxo migratório do meio rural para o meio urbano cresceu até 1980, quando 1/3 dos habitantes do meio rural passou a viver nos centros urbanos (Camarano & Abramovay, 1999).
Molotla (2018a), em estudo no meio rural do México, aponta para aumento da emigração, envelhecimento da população rural, diminuição do tamanho dos agregados familiares, maior presença de agregados familiares unipessoais e pluriativos. Concluiu ainda, que os jovens com nível mais alto de educação são aqueles que participam mais intensamente no mercado de trabalho rural não agrícola. Além disso, Molotla (2018a) ressalta que a transferência de terras da propriedade pode gerar conflitos entre as gerações mais velhas e mais jovens. Além disso, afirma que o esgotamento dos recursos humanos nas famílias rurais testará a persistência dessa forma de organização nas áreas rurais.
Na América Latina e Colômbia, como consequência da migração dos jovens e das jovens rurais, resulta a estagnação demográfica, o envelhecimento da população e o aumento da idade média da população rural, o que afeta as atividades produtivas à medida que se diminui a oferta de mão-de-obra (Comisión Económica para América Latina y el Caribe-Cepal & Organización Iberoamericana de Juventud-OIJ, 2004; Jurado & Tobasura, 2012).
Existe ainda, a preferência do homem em detrimento da mulher em permanecer no meio rural, uma vez que o trabalho agrícola é visto como «sacrifício», sendo as mulheres influenciadas a sair do campo (Redin et al., 2013). O trabalho do homem rural é mais reconhecido se comparado ao trabalho da mulher rural, que geralmente é subordinado ao trabalho do homem, sendo reconhecido apenas como ajuda. Este cenário pode ser visualizado tanto no Brasil, quanto em países do exterior, como, por exemplo, Estados Unidos da América (Abramovay, Silvestro, Cortina, Baldissera, Ferrari, & Testa 1998; Brumer, 1988; Brumer, 2004; Buttel & Gillespie, 1984).
Outros estudos realizados em nível de RS (Redin, 2009; Redin & Silveira, 2012) e Brasil (Castro, 2013) apontaram como fatores importantes e norteadores do baixo interesse que os jovens e as jovens têm em permanecer no meio rural: desinteresse pelo trabalho na terra e a atração pelos centros urbanos na esperança e busca por melhores condições de vida; falta de gestão da economia familiar e a baixa expectativa de renda neste tipo de agricultura; intenção de buscar por melhores opções de infraestrutura, lazer e serviços públicos; dificuldade de reprodução das pequenas famílias rurais; e, tensões que surgem nas relações de autoridade na família. Isto fomenta a dualidade «ficar ou sair» do campo e são fatores determinantes para o êxodo rural da juventude (Castro, 2013; Redin & Silveira, 2012; Redin, 2009).
Complementar a isso, Matte, Spanevello, Lago e Andreatta (2019), ao discutir a reprodução socioeconômica de propriedades agropecuárias familiares no contexto da região Norte e Sul do RS, apontam como fatores que influenciam e orientam a permanência ou saída das propriedades rurais de jovens, filhos e filhas de agricultores e agricultoras familiares: fatores familiares, fatores estruturais das propriedades, e fatores estruturais do meio rural. Ainda, os autores concluíram que uma das causas da falta de interesse dos jovens em permanecer no campo é à dificuldade dos atuais gestores repassarem o patrimônio e os negócios à próxima geração e, com isso, ocorre a sucessão tardia nas propriedades.
Por outro lado, Strate e Conterato (2019), em pesquisa realizada em propriedades de pequeno porte no Vale do Taquari/RS, afirmam que as políticas públicas de fomento para a implantação e fortalecimento dos Arranjos Produtivos Locais são estratégias para fortalecer a agricultura familiar. Tais estratégias são capazes de aumentar a autonomia dos agricultores, estimular a heterogeneidade da produção, gerando renda, desenvolvimento de novos produtos, diversificando as atividades produtivas e melhoria dos processos de desenvolvimento e sucessão rural.
Complementar a isso, Troian e Breitenbach (2018b), em pesquisa sobre jovens e juventudes rurais no Brasil, concluem que existe uma carência de ações no sentido da valorização da juventude rural, bem como de proporcionar condições melhores de permanência no campo. As autoras citam, dentre outras necessidades, a formulação de planos de sucessão familiar que permitam autonomia social e econômica aos jovens rurais, bem como a importância de incluir o jovem rural em planos e metas de políticas públicas do Estado, além de projetos de instituições diversas.
Dentre estas, pode-se destacar o papel das instituições de ensino superior nesse processo de sucessão rural e permanência no campo. Heisler, Renk e Bonamigo (2018) realizaram estudo com famílias rurais da microrregião de Pinhalzinho/SC/Brasil, e constataram que a expansão do Ensino Superior aumentou as oportunidades, uma vez que o acesso do jovem à educação acontece em todas as localidades do meio rural. Em alguns casos, o ingresso do jovem em um curso superior tem o apoio moral e financeiro dos pais. Não são raros os casos em que os filhos e filhas dos agricultores e agricultoras familiares puderam ter acesso ao Ensino Superior e, após a conclusão, fixaram residência no meio rural.
O conhecimento formal melhora a gestão dos recursos financeiros e, por consequência, melhora o desenvolvimento das atividades rurais, possibilitando ao trabalhador do campo ampliar o horizonte de suas análises (Heisler et al., 2018). Como já constatou Molotla (2018b) no México, a escolarização deve ser promovida entre a população rural.
Metodologia
Essa pesquisa caracteriza-se como quantitativa, a qual envolve dados e resultados que podem ser mensurador em números, classificados e analisados, se baseando em técnicas estatísticas (Richardson, 1989). A pesquisa quantitativa, neste estudo, se relaciona com coleta de dados in loco a partir de questionários fechados e a posterior tabulação e análise estatística. O uso da quantificação na coleta e análise das informações, com técnicas estatísticas, permite evitar distorções nos resultados, na análise e interpretação, o que gera maior margem de segurança (Diehl, 2004).
O público alvo da pesquisa foi os jovens e as jovens rurais estudantes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS)-Campus Sertão. Esta instituição de ensino está localizada no município de Sertão, Mesorregião Noroeste Rio-Grandense (Figura 1). O IFRS Campus Sertão existe desde 1957, quando era Escola Agrícola de Passo Fundo e posteriormente foi nomeado como Escola Agrotécnica Federal de Sertão (1993). A partir de 2008, com a criação dos Institutos Federais de Educação, passou a ser um dos Campi do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS, 2019).
O IFRS Campus Sertão oferece cursos técnicos nas modalidades: Integrado, Subsequente e concomitante ao Ensino Médio, Superiores e de Pós-Graduação. Quando da realização da pesquisa, no período de novembro de 2017 a fevereiro de 2018, contava com um quadro total de alunos matriculados nos cursos de Ciências Agrárias de 1046.
Para obtenção de dados empíricos foi utilizado como ferramenta de pesquisa questionário fechado, aplicado em sala de aula, contemplando os níveis acadêmicos ensino médio técnico, subsequente ao ensino médio e ensino superior. A pesquisa buscou contemplar a totalidade de estudantes do IFRS Campus Sertão com origem e laços com o campo. Os jovens e as jovens deveriam se autodeclarar como rurais. O número de respondentes totalizou 386 jovens, 36.9 % dos estudantes. O questionário foi dividido em sete blocos de perguntas, conforme Quadro 1.
Os procedimentos seguidos pela pesquisa foram os mesmo descritos por Babbie (2003): 1) coleta e quantificação de dados; 2) os dados coletados foram armazenados em um banco de dados; 3) realizou-se análise após a coleta para confirmar uma teoria de comportamento social. No passo 1 a coleta de dados foi realizada utilizando questionário. Nos passos 2 e 3 utilizou-se o programa estatístico PSPP. O PSPP é um programa estatístico livre que se apresenta como alternativo ao programa estatístico SPSS (Statistical Package for Social Science for Windows). A fase 3 contou com os resultados da pesquisa e com os dados e informações obtidos na pesquisa bibliográfica.
Para o presente trabalho realizou-se análises estatísticas univariadas (estipulando a frequência de variáveis) e bivariadas (teste chi-square). Para a análise bivariada foram cruzados os dados de perfil dos jovens e das jovens e das propriedades com as demais questões. Foram cruzados os seguintes aspectos: gênero versus envolvimento/participação nas atividades gerenciais; gênero versus níveis de interesse do jovem em ser o gestor; gênero versus ser o sucessor; gênero versus permanecer na propriedade ou no meio rural; gênero versus buscar emprego e morar na cidade; gênero versus qual a participação nas tomadas de decisões na propriedade; gênero versus qual a participação nas atividades da propriedade; cursos versus níveis de interesse do jovem em ser o gestor; cursos versus ser o sucessor; cursos versus permanecer na propriedade ou no meio rural; cursos versus buscar emprego e morar na cidade; cursos versus qual a participação nas tomadas de decisões na propriedade; cursos versus qual a participação nas atividades da propriedade; gênero versus incentivo dos pais para cursar faculdade; gênero versus incentivo da mãe para permanecer na propriedade; gênero versus incentivo do pai para permanecer na propriedade.
A partir do teste chi-square, que considerou a relação dos dados de perfil dos jovens e das jovens com as demais questões de estudo, foi possível investigar a relação entre gênero e motivações e perspectivas de permanência no campo e interesse na sucessão familiar.
Descrição da região de realização da pesquisa
A pesquisa foi desenvolvida no município de Sertão, Rio Grande do Sul, município sede do IFRS-Campus Sertão. Porém, a região de abrangência da pesquisa compreende o Sul do Brasil, de onde se originam os jovens rurais que estudam na instituição. A maioria dos estudantes vem do Estado do Rio Grande do Sul, especialmente das mesorregiões Noroeste Rio-Grandense (localização do IFRS-Campus Sertão) e Nordeste Rio-Grandense.
Também contempla estudantes originados da mesorregião Oeste Catarinense em Santa Catarina e Centro-Oriental Paranaense no Estado do Paraná. Estas regiões caracterizam-se por maior igualdade na distribuição das terras (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2006) e as áreas agrícolas caracterizam-se por áreas de lavoura, com domínio e predomínio agrícola. Uma comparação dos anos de 1995 a 2006 aponta intensificação da ocupação agrícola na área de estudo, com transformações nos padrões de produção agropecuária, consequência da modernização da agricultura (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2006). Atualmente, a região Sul possui, dentre as cinco Regiões do Brasil, a segunda maior área e produção do país de soja e milho, ficando atrás apenas da região Centro-Oeste (Companhia Nacional de Abastecimento, 2019).
A Região Sul tem sua estrutura econômica influenciada pela imigração de europeus não ibéricos e de seus descendentes. Estes, por sua vez, pertenciam a áreas coloniais onde se praticava a agricultura com base na pequena e na média propriedade (Brumer, 2004). Dentre as regiões geográficas do Brasil, a região Sul é a terceira com maior número populacional (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010). A colonização europeia, por sua vez, acaba sendo influente além das questões econômicas, nas questões sociais e culturais da região Sul.
Resultados
Perfil dos jovens e das jovens e respectivas unidades de produção agropecuárias
Conhecer as características dos jovens e das jovens é o primeiro passo para possibilitar ações de transformação no campo. A tabela 1 possibilita analisar o perfil dos estudantes e das estudantes jovens rurais do IFRS Campus Sertão participantes da pesquisa.
A maioria dos cursos ofertados pertence ao ramo agrícola (tabela 1). Para o jovem se manter no meio rural, realizando atividades agrícolas e gerenciando as unidades de produção agropecuárias (Upas) é fundamental a oportunidade do estudo em áreas ligadas a agricultura. Assim podem se profissionalizar e tratar as propriedades como empresas. Quando observada a tabela 1, verifica-se que os estudantes são a maioria do sexo masculino e estão na faixa etária de 14 a 20 anos.
Ainda, a pesquisa levantou dados para caracterização das propriedades que os e as jovens estão vinculados, especialmente a área, classificação entre familiares e não familiares, localização em relação à sede do município e núcleo familiar (tabela 2).
No estado do Rio Grande do Sul (RS), 85.7 % das propriedades agrícolas são da agricultura familiar (Grando, 2011). Na situação estudada, a representatividade de agricultores familiares foi menor, 76.0 %, mas ainda indicando que o acesso ao ensino técnico e superior atinge de forma importante a agricultura familiar. Para a classificação das propriedades rurais às quais os jovens e as jovens estão vinculados, enquanto familiares ou não familiares, utilizou-se como base a Lei n. 11 326 (República Federativa do Brasil, 2006) que define agricultor familiar quem pratica atividades no meio rural e atende aos requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família.
Considerada à distância existente entre a sede das propriedades rurais e o meio urbano, a maioria está a menos de 10 km. Esse aspecto é positivo, uma vez que, no Brasil, existe precariedade de infraestruturas de estradas e baixa disponibilidade de transportes no campo (Scott, Cordeiro, & Menezes, 2010). Acerca do núcleo familiar, a maioria das propriedades é composta por unidades familiares de até 4 pessoas.
Para fins de categorização dos termos utilizados de forma recorrente nesse artigo, buscamos definir os conceitos de agricultura familiar e agronegócio, tomados como base para as discussões da pesquisa. A expressão agricultura familiar emergiu no contexto brasileiro a partir de meados da década de 1990. Porém, apenas em 1996, com a criação do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) que a categoria ganhou legitimação no cenário social e político brasileiro (Schneider, 2006).
O termo agricultura familiar é utilizado neste estudo com base em Schneider (2006). O autor tem uma compreensão mais abrangente da agricultura familiar, citando como características a natureza familiar das atividades agrícolas, que estão assentadas nas relações de parentesco e de herança existentes entre seus membros, permitindo agilidade nas decisões e ações.
Já o termo agronegócio emergiu das transformações e circunstâncias da modernização na agricultura, em que as fazendas deixaram de ser autossustentáveis e passaram a ter função comercial (Mendonça, 2015). O conceito de Agribusiness se originou em 1957 na Universidade de Harvard, pelos pesquisadores John Davis e Ray A. Goldberg. Estes definiram agronegócio como o resultado de um processo que envolve as operações de produção e distribuição de suprimentos agrícolas, de produção nas propriedades rurais, armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir deles. O conceito reconhece que a agricultura não pode ser considerada isolada dos demais processos de fabricação de alimentos, sendo parte de uma grande rede de agentes econômicos (Neves, Zylbersztajn, & Neves, 2005).
Considera-se que os conceitos de agricultura familiar e agronegócio não são contrastantes (Silva & Breitenbach, 2013). Associam-se ao termo agronegócio as mais diversificadas formas de agricultura e de estabelecimento rural, independente de tamanho, forma de exploração ou tipo de comercialização (Silva & Breitenbach, 2013).
Motivações e condicionantes para permanência ou saída dos e das jovens do campo e para o interesse ou não em serem sucessores familiares
Nessa pesquisa, 79.3 % dos jovens e das jovens (66.3 % das jovens e 83.7 % dos jovens) têm participação com atividades de gerenciamento da propriedade. Os jovens do sexo masculino participam significativamente mais do que as jovens do sexo feminino (teste chi-square= 0.000). Este resultado vai ao encontro da pesquisa de Breitenbach e Corazza (2017), realizada no município de Alto Alegre/RS/Brasil, que concluiu que o maior interesse dos jovens do sexo masculino no gerenciamento da propriedade e nas atividades operacionais coincide com o maior interesse em permanecer na propriedade. Na presente pesquisa, a maioria dos jovens e das jovens tem participação nas atividades desenvolvidas na propriedade, bem como demostram interesse em ser o gestor e ser o sucessor da propriedade, assim como pretendem permanecer nesta e/ou no meio rural (Tabela 3).
Foi constatado um interesse maior de 50% dos jovens e das jovens pesquisados em permanecer no campo, ser sucessor e gestor das propriedades rurais. Ainda que exista um nível alto de interesse em permanecer no meio rural, observa-se diferença entre os gêneros. As mulheres, em maioria, não pretendem permanecer no meio rural.
A complexidade de gestão do campo exige pessoas profissionalizadas para gerenciar as propriedades. Estudando as chances de sucesso no campo são maiores (Breitenbach, 2014). No caso estudado (Tabela 3), 54.7 % dos e das jovens (73.5 % das jovens e 48.3 % dos jovens) pretendam continuar estudando e ingressar em uma faculdade ou pós-graduação. Após a faculdade, 45.1 % pensam em voltar ao meio rural (35.7 % das jovens e 48.3 % dos jovens) e 27.2 % estão medianamente interessados (29.6 % das jovens e 26.4 % dos jovens).
Para o fortalecimento de escolas do ramo agrícola, um estudo realizado na Argentina por Caputo (2002) concluiu que os e as jovens devem valorizar a educação como forma de ampliar oportunidades de vida, ainda que muitos acreditem que a aprendizagem sobre as práticas do trabalho do campo devam vir predominantemente do convívio familiar, em casa. Portanto, a escola proporciona o aprendizado padronizado, devendo abordar cada vez mais as especificidades do campo, contemplando a realidade do ambiente rural (Caputo, 2002).
Dentre os principais motivos que interferem na opção do jovem rurais estudantes do IFRS Campus Sertão em ficar ou sair do campo, destacam-se os apresentados no Quadro 2. Os quesitos analisados foram elencados devido sua importância e respaldo em pesquisas científicas realizadas em distintas regiões do Brasil, como as de Castro et al. (2013), Breitenbach e Corazza (2017), Brumer (2007), Spanevello e Lago (2007), Spanevello (2008), Carvalho, Santos, Júnior e Ferrer (2009) e Prediger (2009). Eles são apresentados em ordem de maior frequência, tendo como base as respostas dos 386 jovens rurais participantes da pesquisa, estudantes do IFRS Campus Sertão.
A pesquisa demonstrou que aspectos subjetivos como a ligação emocional e os laços familiares têm importante influência para a permanência dos jovens e das jovens no meio rural e interesse em serem sucessores.
As dificuldades e incertezas encontradas no meio rural, bem como a existência de mais de uma geração na mesma propriedade - fato este que pode comprometer ou adiar a passagem de patrimônio e a sucessão da propriedade - permanecem como principais fatores/motivos para a saída dos jovens e das jovens das propriedades.
A espera pela passagem tardia de patrimônio de pai para filho pode ser desmotivador ao jovem, pois pode ser afligido pelo pensamento de não possuir outra perspectiva de vida, a não ser esperar pelas terras do pai, foi o que também concluiu uma pesquisa realizada na Irlanda por Arensberg e Kimball (1968). Estes aspectos, entre outros, também são apontados por Castro et al. (2013), em pesquisa com jovens rurais no Rio de Janeiro; Puntel, Paiva e Ramos (2011) que trabalharam com jovens da região do vale do Rio Pardo/RS; Breitenbach e Corazza (2017) em pesquisa com jovens rurais no município de Alto Alegre/RS; Espíndola (2002) que contextualizou sobre os jovens rurais na América Latina; e Aguirre-Pastén et al. (2017) em estudo na zona sul do Chile.
Além disto, a falta de momentos de lazer no meio rural se mostra como um fator importante na decisão dos jovens e das jovens. O acesso à informação e a inclusão digital, que possibilita a comunicação interpessoal, é um fator cada vez mais reivindicado pela juventude brasileira, podendo ser considerado um fator aliado na escolha entre ficar e sair do campo (Scott et al., 2010).
Considerados os objetivos específicos da pesquisa, que incluíam identificar diferenças entre gênero e cursos no desejo de permanecer no campo e serem sucessores(as), o quadro 3 apresenta os cruzamentos de variáveis realizados, as correlações identificadas e o valor do teste chi-square. O Teste chi-square, feito a partir do programa estatístico PSPP, é utilizado para definir se há associação entre as variáveis qualitativas e se a associação é estatisticamente significativa. Se o valor de «p» for menor ou igual ao nível de significância de 0.05 há associação estatisticamente significativa entre as variáveis, ou seja, existe uma dependência entre elas.
A análise quantitativa e a associação entre as variáveis são consideradas um diferencial da presente pesquisa. Utilizou-se este teste estatístico para buscar compreender quais aspectos estavam relacionados/associados com a perspectiva (maior ou menor) dos jovens e das jovens permanecerem no campo e serem sucessores e sucessoras familiares na agricultura. A partir deste teste, também foi possível responder um dos objetivos específicos da pesquisa, ao verificar se existe uma associação entre a variável «gênero» e as demais variáveis analisadas, tais como «interesse em permanecer no campo», «interesse em serem sucessores familiares», «interesse em serem gestores», etc.
A partir deste diferencial metodológico, foi possível afirmar (quadro 03) que as jovens mulheres participantes da pesquisa têm significativamente menos interesse em permanecer no meio rural, em serem sucessoras na agricultura e em serem gestoras das propriedades rurais dos pais. Complementar a isso, as jovens mulheres rurais que estudam no IFRS Campus Sertão são significativamente menos incentivadas pelos pais a permanecer no meio rural e participam significativamente menos nas decisões relacionadas à propriedade dos pais. Consequentemente, elas participam e se interessam significativamente menos que os jovens homens rurais nas atividades gerenciais e de produção agropecuária da propriedade.
Portanto, como as jovens mulheres rurais são menos incentivadas a permanecer no meio rural e têm menos oportunidade de participar nas decisões da propriedade, possivelmente isto impacta no seu menor interesse em serem sucessoras.
Por outro lado, a pesquisa concluiu que os jovens homens rurais que estudam no IFRS Campus Sertão têm significativamente maior envolvimento nas atividades rurais e significativamente maior interesse em continuar no meio rural. Dentre os e as jovens entrevistados(as), são os jovens do sexo masculino que recebem maior incentivo paterno para permanecer no campo.
A presente pesquisa também identificou (quadro 03) que os e as jovens rurais do IFRS Campus Sertão que realizam cursos das ciências agrícolas têm significativamente maior interesse em permanecer no campo e participam mais das atividades de gestão e produção nas propriedades dos pais, comparativamente aos que estudam em cursos de outras áreas. A análise estatística mostrou ainda, que estes estão significativamente mais interessados em permanecer no campo e serem sucessores familiares.
Discussão
Corroborando com os resultados da pesquisa, os jovens e as jovens com maior nível de estudo em áreas ligadas a agricultura, tanto ensino médio quanto profissionalização e especialização, têm uma probabilidade maior (26.69 %) de sucessão familiar do que um jovem sem esta característica. Esta conclusão foi de Cavicchioli, Bertoni, Tesser e Frisio (2015) ao examinar a sucessão intrafamiliar na Itália, e também de Sili, Fachelli e Meiller (2016) na Argentina.
Ainda, a realidade de escolas agrícolas mostra que a escolha de uma profissionalização logo cedo parte da iniciativa pessoal do jovem ao buscar autonomia e determinar a profissão que almeja para o futuro (Silva, Pelissari, & Steimbach, 2013). O interesse dos e das jovens por áreas agrícolas também surge pelas crescentes oportunidades de emprego na área, uma vez que a necessidade da mão de obra aumenta em consequência de crescentes expansões das fronteiras agrícolas (Silva et al., 2013).
No entanto, como resultado importante da presente pesquisa, concluiu-se que a desigualdade de gênero existente nos cursos das ciências agrárias ainda é observada. Embora as jovens do sexo feminino venham conquistando maior espaço, para as quais por muito tempo coube apenas a responsabilidade pelo ambiente doméstico, ainda há predominância de jovens do sexo masculino nestes cursos. Outras pesquisas realizadas em nível de Brasil podem auxiliar na compreensão deste resultado ao atestarem que as jovens com formação na área das ciências agrárias encontram maiores dificuldades para conseguir emprego na área de formação (Oliveira, Gaio, & Bonacim, 2009; Szöllösi & Dias, 2017).
Complementar a isso, as atividades agropecuárias desenvolvidas no campo geralmente fazem parte do cotidiano dos jovens e das jovens rurais desde cedo e isto é determinante para permanecer no campo e serem sucessores. Estes, mesmo estudando, auxiliam os pais para o desenvolvimento da propriedade rural nos tempos vagos (Aguirre- Pastén et al., 2017). Na América Latina a incorporação de trabalhos e atividades rurais no cotidiano de crianças e jovens do campo é importante para preservar a complexidade da estrutura social (Kessler, 2005).
Ao passo que estes e estas jovens são inseridos nas atividades gerenciais e operacionais da propriedade, contribui para sua participação no processo de tomada de decisões dentro da propriedade dos pais. Além disso, Matte e Machado (2016), em pesquisa na região Sul do Brasil, consideram este um aspecto importante para permanência do jovem no campo e sucessão familiar. À medida que participam nas atividades da propriedade, aliado a um nível maior de estudo na área agrícola, os jovens e as jovens são influenciados a valorizar o trabalho na agricultura e permanecer no campo (Cavicchioli et al., 2015). Corroborando com os dados da presente pesquisa, em estudo realizado na região central do RS, Prediger (2009) concluiu que, em contraste com a geração dos pais, em que predominavam famílias numerosas, os jovens e as jovens da atualidade compõem grupos familiares cada vez menores. Na Itália a probabilidade de um jovem assumir a propriedade familiar aumenta (15.5 %) à medida que diminui o número de jovens presentes na propriedade (Cavicchioli et al., 2015; Simeone, 2007). Já no Brasil, famílias pequenas conseguirão melhorar sua renda com a mecanização na agricultura (Alves, Lopes, & Contini, 1999). Este fato acaba gerando uma demanda por tecnificação, a qual pode ser suprida pelos filhos que estão em busca de qualificação e têm interesse em retornar para o meio rural. Em contrapartida, pesquisa também realizada no Brasil, concluiu que a tendência em famílias rurais numerosas é que os filhos mais novos tenham mais incentivo para buscar alternativas de vida fora do meio rural (Carneiro, 1998).
A presente pesquisa tinha como um dos objetivos definir as motivações dos e das jovens rurais para ficar e sair do campo e serem ou não sucessores familiares nos estabelecimentos agropecuários. Neste contexto, existe um dilema entre os fatores motivadores para deixar o campo e os incentivos para permanecer nele. Os mesmos dependem do contexto social e econômico familiar, mas também do processo de sucessão da terra, foi o que apontou pesquisa realizada na América Latina (Kessler, 2005).
Os resultados da presente pesquisa, apresentados na sessão anterior, apontaram que laços familiares e afetivos são importantes motivações para ficar no campo. A população das áreas rurais, na América Latina e Caribe, possui laços familiares típicos, sendo capazes de preservar valores e tradições (Durston, 1998). Além disso, estudos realizados na Colômbia (Jurado & Tobasura, 2012) e na América Latina (Romero, 2012), incluindo o Brasil (Brumer, Souza, & Zorzi, 2002), concluíram que estas populações rurais valorizam as relações de apoio e interesse pelo outro, sendo um ambiente de potencialidades e recursos em que a terra é o principal elemento que os une e o motivo de produção e reprodução de sucessivas gerações.
A fim de reforçar esses aspectos motivadores, estudo realizado no RS apontou que uma alternativa é a organização em grupos ou associações como uma forma de motivação que, além de gerar momentos de lazer no campo, proporciona, por exemplo, encontros para prática de esportes (Redin, 2009).
Destaca-se que um dos resultados mais relevantes da presente pesquisa aponta para a distinção entre gêneros quanto ao interesse em permanecer no campo e ser sucessor. Os jovens do sexo masculino recebem maior incentivo paterno para permanecer no campo e, consequentemente, as jovens do sexo feminino têm menor envolvimento nas atividades rurais e menor interesse em continuar no campo e em serem sucessoras. Isso confirma a preferência dada aos homens para permanecer na agricultura, visualizada historicamente na primazia dada a eles no momento de aquisição de terras, partilha de heranças e privilégio no mercado fundiário. Esse resultado foi encontrado também por Deere e Léon (2003) em estudo realizado em países da América Latina.
O gênero condiciona uma posição de poder e, até certa forma, de opressão e privilégio, foi o que concluiu um estudo realizado no Pontal de Paranapanema por García (2004). As barreiras de gênero impedem a plena participação das jovens mulheres nas decisões dentro da propriedade, bem como restringem o interesse destas em participar das atividades agrícolas e ter maiores interesses para permanecer no meio rural.
Na América Latina as jovens rurais do sexo feminino, no geral, enfrentam discriminação, sobrecarga de trabalhos domiciliares sem remuneração ou sem reconhecimento, dificuldade e preconceito impostos no acesso à propriedade e obstáculos à sua autonomia, o que faz terem menos interesse em permanecer no campo (Kessler, 2005; Scott et al., 2010; Zapata-Donoso, 2003; Zapata-Donoso, 2008). Contudo, elas tendem a possuir um nível maior de estudo, o que pode ser identificado como uma forma positiva destas se inserirem socialmente e superar as barreiras que as são impostas (Kessler, 2005; Zapata-Donoso, 2003; Zapata-Donoso, 2008). A maior parte dos jovens que se encontram empregados na agricultura familiar são homens, aponta estudo realizado na Argentina por Román (2003) e na América Latina por Durston (2000). As mulheres encontram mais dificuldades para a participação no trabalho no meio rural, acarretando em situação desvantajosa para elas (Kessler, 2005).
Por fim, o IFRS Campus Sertão pode estar contribuindo positivamente como promotor do desenvolvimento local, ao passo que estimula o retorno do jovem ao campo como gestor e sucessor rural. É destacada a importância dos cursos relacionados à área agrícola para a continuidade dos estudantes na propriedade (Schleich et al., 2006). Mesmo a população acadêmica sendo considerada heterogênea, acaba sendo surpreendida por questões complexas e multidimensionais do futuro, o que pode corroborar para a decisão de ficar/voltar ou sair do campo (Almeida & Soares, 2003; Schleich et al., 2006).
Conclusões
Respondendo às questões que nortearam o estudo, destaca-se que: a) Boa parte dos jovens e das jovens filhos e filhas de agricultores, estudantes do IFRS Campus Sertão se sentem motivados a permanecer no campo e serem sucessores nas propriedades dos pais; b) Os fatores que mais motivam a permanecer no campo: ligação emocional, valorização das tradições familiares, seguido do incentivo financeiro; c) As ações em nível de propriedade que mais interferiram na motivação dos jovens e das jovens em permanecer no campo e serem sucessores foi a inserção destes, desde cedo, nas atividades de gestão e produção da propriedade rural, dando autonomia para participar, aprender, se interessar e criar vínculos emocionais e profissionais com o campo e a agricultura; d) Se constatou significativa diferença de interesse em permanecer no campo entre gêneros, uma vez que as jovens do sexo feminino têm mais interesse em migrar para o meio urbano; e) O que contribui para justificar a diferença de gênero são os aspectos culturais do meio rural em que os homens são mais valorizados nas atividades agropecuárias e recebem mais autonomia para gerir e trabalhar no campo.
A perspectiva dos jovens e das jovens rurais que estudam no IFRS Campus Sertão, acerca de permanecer no meio rural se mostrou positiva, uma vez que 50.8 % pretende continuar na propriedade dos pais, tendo interesses em ser gestor e/ou sucessor na unidade de produção. No entanto, é observada uma diferenciação de gênero e os jovens homens têm maior interesse na sucessão familiar rural, enquanto as jovens mulheres, em sua maioria 60.2 %, projetam seu futuro no meio urbano. O cerne desta questão se inicia dentro das famílias, quando os pais incentivam mais os filhos homens para que permaneçam na propriedade, participem das atividades gerenciais e operacionais, cabendo à filha mulher o estímulo para estudar e procurar uma forma de vida fora do meio rural.
O perfil dos estudantes da pesquisa também aponta um público majoritariamente masculino, resultante de cursos que são na maioria das ciências agrárias. A instituição de ensino analisada busca eliminar qualquer distinção, bem como contribuir para reduzir as diferenças de gênero no que tange ao público que recebe, ou mesmo a migração ruralurbana e as preferências de sucessão rural por parte dos jovens do sexo masculino.
Porém, o cenário ainda aponta menor interesse das jovens pelos cursos das ciências agrárias, pela permanência no campo e pela sucessão. O IFRS pode, a partir dos resultados dessa pesquisa, pensar ações, projetos e programas que fomentem a inclusão das discussões de gênero.
Busca-se explicar esse cenário, parcialmente, tomando por base outras pesquisas e publicações acerca desta problemática. Isso pode ser reflexo de uma cultura ainda machista no campo, nas ciências agrárias e nos empreendimentos relacionados ao agronegócio. Nestes setores, as mulheres enfrentam desafios de gênero para a plena participação na força de trabalho (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, 2011). No Brasil estes setores preterem a mão-de-obra feminina, seja a partir da não contratação, contratação por menores salários ou para trabalhos aquém do que sua qualificação poderia exercer (Georgino, 2008; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2016). Embora o cenário ainda esteja longe de ser o ideal, ele está em mudança. Discussões estão sendo traçadas e as mulheres estão aumentando sua inserção no agronegócio brasileiro e na agricultura familiar.
De modo geral, contribuiria para o sucesso da sucessão rural, se os jovens e as jovens fossem iniciados mais cedo na gestão das propriedades a partir da maior participação nas tomadas de decisões. Especialmente as jovens do sexo feminino, para as quais é pouco oportunizada a participação na gestão e nas atividades produtivas. Como discutido, quem tem a oportunidade de participar nas atividades de gestão e de produção desde cedo, tem mais chance de ser sucessor.
Aliado a estes fatores, conclui-se que a ligação emocional, bem como a valorização das tradições familiares, são fatores fundamentais quando os jovens e as jovens pensam em ficar no campo. Por isso, se os pais buscarem se profissionalizar para que a passagem do patrimônio e da gestão da propriedade seja feita antecipadamente e não apenas após a morte de um deles, as chances de permanência de um dos filhos como sucessor aumentam.
Vislumbra-se uma mudança positiva no perfil sucessório para o futuro do campo. Os filhos com maior grau de estudo e informação, por interesses próprios, assumem e conjecturam o campo como profissão e passam a projetar seu futuro no campo. Para obter realização profissional e qualidade de vida.
Para futuros estudos, destaca-se a importância de relacionar o protagonismo dos professores nesse processo de permanência e sucessão na agricultura, os quais podem motivar ou conduzir os alunos a caminhos profissionais que os distancie ou os aproxime da propriedade rural. Exemplo de estudo envolvendo professores e sua influência nas decisões dos estudantes pode ser visualizado em Castillo-Vergara e Álvarez-Marín (2016). Estes autores concluíram que em Coquimbo/Chile os professores e o ambiente escolar são importantes influenciadores da capacidade empreendedora dos alunos. Outro exemplo é o estudo de Beltrán-Véliz e Osses-Bustingorry (2018) que investigou a atuação dos professores na transposição didática do conhecimento cultural indígena «mapuche» no Chile. Os professores precisam estar preparados para trabalhar com currículos flexíveis, estarem abertos para a ótica da cultura local, profissionalizar o ensino em diversos contextos culturais, preparando cidadãos críticos e reflexivos, que apliquem os conhecimentos na vida cotidiana (Beltrán-Véliz & Osses-Bustingorry, 2018).
Diferente destas pesquisas referenciadas, a não consideração da atuação dos professores no processo de decisão dos jovens foi um limitante da presente pesquisa. Portanto sugere-se, para a continuidade da investigação ou replicação em outras realidades, que uma pergunta relacionada a esse tema seja incluída. Esta não teria o intuito de avaliar professores, mas identificar a influência destes profissionais na formação e escolhas dos e das jovens rurais estudantes.
Por fim, os autores deste artigo deixam um agradecimento ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Campus Sertão, pelo apoio institucional na realização da pesquisa e a todos os jovens e as jovens que participaram do estudo e se dispuseram contribuir respondendo ao questionário.