Introducción
Adolescência é considerada a fase do desenvolvimento humano mais saudável da vida. Entretanto, 70% das mortes evitáveis de adultos por doenças não transmissíveis estão vinculadas a fatores de risco que começam na adolescência (Organização Mundial da Saúde, 2016). Os e as adolescentes constituem um grupo prioritário para promoção da saúde em razão das intensas transformações cognitivas, emocionais, sociais e físicas características desse período. Nesta fase da vida, ocorre experimentação de novos comportamentos, que podem estar associados a fatores tanto de risco quanto de proteção para a saúde (Oliveira et al., 2017).
Segundo Bhutta et al. (2008), esta etapa da vida representa um momento estratégico para investir em esforços de proteção e promoção da saúde (Brasil et al. 2017; Senna & Dessen, 2015). Estudos evidenciam tal momento como estratégico, visto que os investimentos em saúde e educação à população de adolescentes impactam positivamente na saúde e bem-estar na própria adolescência, na idade adulta e na próxima geração. Este impacto se dá pelos benefícios econômicos e sociais que tais investimentos produzem, especialmente nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento (Patton et al., 2016; Sheehan et al., 2017).
Investir na saúde de adolescentes é, além de estratégico, um imperativo ético no reconhecimento e defesa de seus direitos de cidadania (Unicef, 2011). Internacionalmente, a saúde dos e das adolescentes tem ganhado, paulatinamente, relevância nas agendas e agências mundiais (Organização Mundial da Saúde, 2016; Organização Panamericana da Saúde, 2018), sendo inclusive contemplada, pela primeira vez, na Estratégia Global para a Saúde da Organização das Nações Unidas (2016-2030).
Nacionalmente, o ano de 2020 é emblemático por demarcar historicamente as principais conquistas da população infanto-juvenil no Brasil: registram-se os 30 anos da ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança (na qual se incluem os/as adolescentes) e da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente e, ainda, completa-se a primeira década de implantação das Diretrizes Nacionais de Atenção Integral à saúde de adolescentes e jovens (Brasil, 2010a). Essa trajetória convoca o país à interlocução crítica sobre a produção científica de seus avanços e desafios como contributo ao diálogo com os demais contextos latino-americanos (Machado, 2018).
Face à complexidade do tema de saúde do e da adolescente e da recente agenda pública norteadora das ações de atenção à saúde no mundo e no Brasil, a relevância do presente artigo consiste na sistematização da literatura brasileira sobre o tema, na estimativa de sua abrangência e na prospecção de lacunas e de potencialidades para novos estudos e investigações. Justifica-se o foco no contexto brasileiro de modo a destacar e resguardar os elementos de identidade e as singularidades dos dados produzidos no cenário do Sistema Único de Saúde. Assim, o presente estudo tem como objetivo mapear as características e tendências da produção científica sobre a atenção à saúde de adolescentes no Brasil.
Método
Estudo de revisão sistematizada de literatura do tipo scoping review conduzida em cinco passos: 1) identificação da questão de pesquisa; 2) identificação de estudos relevantes; 3) seleção de estudos; 4) extração de dados; 5) sumarização e relato de resultados (Arksey & O’Malley, 2005; Levac et al., 2010).
A questão de revisão buscou alcançar rigor, abrangência e relevância, qual seja: Quais são as características e tendências da produção científica acerca da atenção à saúde de adolescentes no Brasil? A busca foi desenvolvida em abril de 2018, no Portal Regional da Biblioteca Virtual em Saúde, e incluiu as seguintes bases de dados: Literatura Latino- Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Literatura Internacional em Ciências da Saúde (Medline), Índice Bibliográfico Espanhol de Ciências da Saúde (IBECS) e Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (Cinahl). As buscas das publicações indexadas pelas bibliotecas virtuais incluíram: Biblioteca Virtual em Saúde do Adolescente (Adolec Brasil), Biblioteca Cochrane, Scientific Electronic Library Online (SciELO), EBSCOhost e Web of Science. A ferramenta Google Acadêmico e as listas de referências da literatura relevante também foram verificadas.
Foram usados descritores/Mesh e palavras-chave de assunto: Health Services; Indicators; National Health Programs; Comprehensive Health Care; Health Status Indicators associados a Adolescent. As mesmas associações foram realizadas em português.
Os critérios de inclusão foram os seguintes: artigos originais, realizados no Brasil, publicados em português ou inglês, sobre a atenção à saúde de adolescentes, cujos participantes de pesquisa fossem os próprios e as próprias adolescentes, os e as profissionais de saúde e/ou os gestores e gestoras, ou pesquisas com dados secundários. Os limites cronológicos da adolescência adotados para este estudo seguem padrões definidos pela Organização Mundial da Saúde e pelo Ministério da Saúde, ou seja, entre 10 e 19 anos de idade. O critério de exclusão foi: artigos cujos participantes de pesquisa foram apenas os familiares. Para sistematizar o processo de inclusão dos estudos, optou-se pela metodologia Prisma Extension for Scoping Reviews (Prisma ScR) (Tricco et al., 2018). A identificação resultou em 1945 produções nas bases de dados, e em 29 a partir da lista de referência dos artigos incluídos. As produções indexadas em mais de uma base de dados foram incluídas uma vez, evitando repetição. A seleção foi realizada por meio da leitura dos títulos e resumos; e a elegibilidade pela leitura do texto na íntegra. A inclusão totalizou 72 artigos como corpus de análise (figura 1). Para os artigos que não foram encontrados disponíveis integralmente nas bases de dados, esgotaram-se as estratégias de acesso ao texto na íntegra, por meio de contato com os próprios autores e instituições de origem dos estudos.
Para a etapa da extração dos dados foi utilizado um instrumento estruturado no Microsoft Excel, que propiciou o mapeamento das características (procedência geográfica e editorial) e das tendências (ano de publicação, tema, método e recomendações). Os dados foram extraídos de forma duplo-independente, e para os dissensos foi contatado um terceiro revisor. A análise dos dados buscou sumarizar e relatar os resultados. Para tanto, os dados extraídos foram agrupados por convergência, de acordo com a questão de revisão, e sintetizados. Os resultados da revisão foram descritos quantitativa e qualitativamente e discutidos.
Resultados
Características da produção científica sobre a atenção à saúde de adolescentes no Brasil
O mapeamento das características das 72 produções científicas sobre a atenção à saúde de adolescentes no Brasil, que foram incluídas nesta scoping review, apontou que a procedência editorial se concentra em periódicos específicos da saúde do e da adolescente, da saúde coletiva e da enfermagem. A procedência geográfica mostrou uma distribuição espacial dos cenários de pesquisa com maior concentração de produções no Sudeste e Nordeste.
Quanto à procedência editorial, os estudos foram publicados em 35 periódicos científicos, de todas as regiões do Brasil. Quatro periódicos concentraram 52.7 % das produções: Ciência & Saúde Coletiva (n=17; 23.6%), vinculada à Associação Brasileira de Saúde Coletiva; Adolescência & Saúde (n=10; 13.9%), editada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro; Revista Gaúcha de Enfermagem (n=7; 9.7 %), publicada pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; e Escola Anna Nery Revista de Enfermagem (n=6; 8.3%), mantida pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Quanto à procedência geográfica, prevaleceram a região Sudeste (33.3%), seguida pelas regiões Nordeste (29.2%), Sul (22.2%), Centro-Oeste (5.6%) e Norte (2.8%). Os Estados que publicaram o maior número de estudos foram Rio de Janeiro (13), Ceará (13) e Rio Grande do Sul (12).
Tendências da produção científica sobre a atenção à saúde de adolescentes no Brasil
O mapeamento das 72 produções científicas sobre a atenção à saúde de adolescentes no Brasil apontou tendências de caráter temporal, temático, metodológico e de recomendações. A tendência temporal e temática foi sintetizada em sete categorias, apresentadas por ordem de prevalência e de distribuição na série histórica (tabela 1).
A análise destes resultados mostrou uma tendência ascendente de produções, na série histórica. A primeira publicação incluída nesta revisão foi do ano de 2006. Na distribuição temporal das produções, o primeiro (2006-2008) e segundo (2009-2011) triênios registraram uma publicação cada. Houve um incremento significativo nos triênios seguintes, com 31 (2012-2014) e 39 publicações (2015-2017), respectivamente.
Tendências temáticas
A tendência temática da produção científica sobre a atenção à saúde de adolescentes no Brasil apontou sete categorias: saúde sexual e reprodutiva, fatores e comportamentos de risco, ações de atenção e promoção da saúde, violências, saúde bucal, HIV e saúde mental.
A saúde sexual e reprodutiva foi a temática predominante, com ênfase na gravidez na adolescência e seus temas correlatos, como interrupção, aleitamento, pré-natal, parto e puerpério. Destacaram-se pesquisas acerca da atenção ao ciclo gravídico-puerperal e estudos de percepção, voltados às adolescentes e aos e às profissionais de saúde.
Quanto aos objetivos dos 19 estudos que abordaram o tema da saúde sexual e reprodutiva, destacaram-se alguns: caracterizar o perfil das adolescentes grávidas com relação às questões sociodemográficas, gestacionais e de informação/utilização de métodos contraceptivos (Pinto & Oliveira, 2013); discutir a atuação dos e das profissionais de saúde em relação à maternidade, na perspectiva das mães adolescentes abrigadas (Penna et al., 2013); analisar as percepções de adolescentes sobre apoio social na maternidade (Braga et al., 2014); avaliar conhecimento, atitude e prática de puérperas adolescentes em Alojamento Conjunto sobre o aleitamento materno exclusivo (Santos et al., 2016); analisar os aspectos relacionados à gravidez na adolescência na área de abrangência de uma equipe de saúde da família (Buendgens & Zampieri, 2012; Cortez et al., 2013; Original et al., 2017); avaliar a atenção ao parto na ótica de adolescentes (Enderle et al., 2012); compreender a experiência e as necessidades de cuidado das adolescentes em situação de abortamento (Faria et al., 2012); e avaliar a qualidade da atenção pré-natal e puerperal a adolescentes (Vilarinho et al., 2012).
Na segunda categoria, nomeada de fatores e comportamentos de risco acerca do adolescer saudável, foram classificados 14 artigos (Beserra et al., 2017; Carneiro et al., 2017; Cassarino-Perez & Dell’Aglio, 2015; Cunha et al., 2015; Lopez & Cristina, 2013; Marques et al., 2012; Oliveira et al., 2017; Paulos et al., 2010; Pereira et al., 2013; Pereira et al., 2017; Pinto et al., 2017; Santos et al., 2017; Sousa et al., 2014; Teixeira et al., 2017). Estudos de base populacional foram realizados para associar comportamentos e hábitos como sedentarismo, uso de tabaco e uso de álcool a variáveis como qualidade de vida e autocuidado. Estudos de percepção e de prevalência de doenças crônicas e obesidade complementaram as temáticas abordadas nessa categoria.
A terceira categoria, com onze artigos (Brasil et al., 2017; Calaça et al., 2013; Claro et al., 2006; Duarte et al., 2013; Ferreira et al., 2016; Lopez & Cristina, 2013; Marques et al., 2012; Matias et al., 2013; Queiroz et al., 2012; Santos et al., 2012), refere-se às ações de atenção e promoção da saúde no âmbito da atenção primária sob enfoque das relações entre equipes, adolescentes e território. O Programa Saúde na Escola e a avaliação de serviços foram objeto de três artigos.
As violências contra adolescentes foram abordadas em dez artigos, sendo uma temática recorrente em toda a série histórica. A violência doméstica foi prevalente em dois estudos (Leite et al., 2016; Lobato et al., 2012), seguida pelas tipologias violência sexual e violência psicológica. A violência institucional (escola, abrigos e socioeducação) também foi abordada. Dentre os objetivos dos estudos, destacam-se: investigar a associação da violência psicológica na adolescência a fatores sociodemográficos (Abranches et al., 2013); relatar experiências de violências vividas em três diferentes contextos: família, rua e unidades de acolhimento (Botelho et al., 2015); analisar a violência por parceiro íntimo na adolescência (Brancaglioni et al., 2016); analisar os impactos do abuso sexual na adolescência sobre variáveis relacionadas à saúde mental (Fontes et al., 2017); analisar as ações relatadas a profissionais da atenção básica no enfrentamento da violência doméstica contra crianças e adolescentes (Leite et al., 2016; Lobato et al., 2012); e descrever as características das violências praticadas contra os e as adolescentes (Malta et al., 2017).
A saúde bucal foi abordada em toda a série histórica, totalizando oito artigos (Alwadi & Vettore, 2017; Araújo et al., 2017; Barros et al., 2015; Carvalho et al., 2011; Ely et al., 2016; Figueiredo & Peres, 2017; Noro et al., 2014; Secco et al., 2017), com ênfase no ano de 2017, que concentrou quatro das publicações. Estudos quantitativos predominaram nesse campo temático. Mais especificamente, os estudos analisaram a prevalência de cáries dentárias (Araújo et al., 2017; Barros et al., 2015) e a percepção dos e das adolescentes sobre saúde bucal (Araújo et al., 2017); testaram as associações entre fatores escolares, ambientais e individuais e a qualidade de vida relacionada à saúde bucal (Alwadi & Vettore, 2017); relacionaram a saúde bucal a variáveis sociais e econômicas (Figueiredo & Peres, 2017); e analisaram a autopercepção da saúde bucal (Carvalho et al., 2011), a prevalência de dor de dente (Noro et al., 2014), a atenção à saúde bucal de adolescentes privados de liberdade (Secco et al., 2017) e o impacto das equipes de saúde bucal na saúde bucal de adolescentes (Ely et al., 2016).
A temática de adolescentes vivendo com o vírus da imunodeficiência humana (HIV) foi contemplada em cinco artigos, dos quais três foram publicados em 2013 (Mesquita & Torres, 2013; Motta et al., 2013; Moura et al., 2013). Estudos qualitativos de avaliação dos serviços e atendimentos predominaram, cujos objetivos principais foram: identificar a atuação da equipe multiprofissional de saúde na atenção integral ao e à adolescente vivendo com HIV (Mesquita & Torres, 2013); conhecer a percepção e a vivência em relação ao tratamento antirretroviral do e da adolescente com HIV (Motta et al., 2013); investigar as lacunas entre o conhecimento sobre o HIV e o comportamento sexual de adolescentes do ensino médio (Moura et al., 2013); relacionar a percepção de saúde do e da adolescente que vive com HIV a possíveis estratégias para reduzir a propagação do vírus (Sehnem et al., 2015); e conhecer a percepção de jovens com HIV diagnosticados na adolescência acerca do aconselhamento recebido na ocasião do teste (Taquette et al., 2017).
A última categoria, emergente a partir de 2016, foi a saúde mental, com quatro artigos (Gonçalves et al., 2016; Kantorski et al., 2017; Lima et al., 2017; Paula et al., 2017), sendo que dois abordaram o uso de substâncias psicoativas e os demais tematizaram a rede de atenção psicossocial e o autismo.
Tendências metodológicas
A análise da tendência metodológica da produção científica sobre a atenção à saúde de adolescentes no Brasil contemplou a abordagem, instrumento, método de análise, população e cenário. A distribuição foi relativamente uniforme entre as abordagens quantitativa (n=38, 50.6 %) e qualitativa (n=32; 44.4%), e dois estudos utilizaram ambas abordagens (n=2; 2.7%) (Carvalho et al., 2011; Secco et al., 2017). Dentre os estudos qualitativos, dois foram pesquisa-ação, e os estudos quantitativos foram, majoritariamente, transversais descritivos. No que se refere ao instrumento de coleta de dados, o questionário foi o prevalente (n=29; 40.2%), seguido da entrevista (n=20; 27.7%).
Os métodos de análise empregados foram: análise estatística (n=30; 41.6%), análise de conteúdo (n=19; 26.3%), análise de discurso (n=12; 16.6%), análise descritiva (n=5; 6.9%), análise temática (n=3; 4.1 %), análise de correspondência múltipla (n=2; 2.7%) e análise narrativa (n=1; 1.3%).
Quanto aos participantes de pesquisa, a maioria dos estudos foi realizada com a população de adolescentes (n=56; 77.7%), abrangendo um número total de 179 951 adolescentes, de forma direta e indireta. Um estudo (n=252) incluiu adolescentes e responsáveis (Abranches et al., 2013), e em dez estudos (n=788) os participantes foram profissionais da saúde (Brasil et al., 2017; Buendgens & Zampieri, 2012; Calaça et al., 2013; Ferreira et al., 2016; Lobato et al., 2012; Queiroz et al., 2012; Santos et al., 2012; Secco et al., 2017; Taquette et al., 2017; Tôrres, Nascimento, & Alchieri, 2013). Ainda, os estudos apresentaram outros participantes, como: um membro de Governo, dois membros da comunidade de especialistas e cinco membros da sociedade civil (Lopez & Cristina, 2013); 22 profissionais de educação (Brasil et al., 2017); duas estagiárias de nutrição (Santos et al., 2012); e 13 CAPSi (Lima et al., 2017).
Quanto ao cenário das pesquisas, foram prevalentes o da Atenção Primária à Saúde (n=30; 41%), as escolas (n=24; 33%) e o ambiente hospitalar (n=10; 14%). Os estudos também foram realizados em outros serviços e instituições (n=8; 11%): rede ambulatorial, instituições de abrigo, serviço de atendimento especializado ou em domicílio e serviço especializado de Diabetes. Destaca-se que as produções científicas sobre a atenção à saúde de adolescentes no Brasil reconhecem limitações na condução das pesquisas. Tais limitações foram sintetizadas em sete tópicos: 1) amostras de tamanho pequeno ou amostras enviesadas em termos de seleção dos participantes; 2) escopo limitado das produções referentes a estudos de localização única; 3) generalização dos resultados; 4) obrigatoriedade do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos pais para entrevistar os e as adolescentes; 5) falha no instrumento de coleta (por vezes não específico para a população investigada); 6) dificuldade de recrutar a participação dos e das adolescentes; e 7) informações fornecidas por fontes secundárias. A falta de estimativas de causa e efeito em pesquisas transversais também foi reconhecida como uma fraqueza. Um total de 28 (38.8%) estudos não forneceu informação sobre as limitações.
Tendências das recomendações para Pesquisas, Políticas Públicas e Saúde
As produções científicas (n=31; 43%) utilizaram-se de seus resultados para apresentar recomendações, as quais foram sintetizadas no quadrilátero: pesquisas; políticas públicas e ações em saúde; gestão dos serviços; e formação profissional. Essa síntese reconhece que estes eixos são interdependentes, e foi sistematizada para expressar as lacunas do conhecimento e/ou as possibilidades de investimento.
Tais recomendações foram direcionadas aos pesquisadores, ao planejamento e execução de políticas públicas e aos gestores e gestoras de saúde, nas diferentes esferas de atenção. Apenas algumas implicações foram direcionadas à formação dos e das profissionais da saúde. Sugestões para pesquisas futuras envolveram amostras maiores e novos cenários, bem como propósitos de investigação, desenhos e métodos (figura 2).
Discussão
A produção brasileira sobre saúde de adolescentes é recente (Sehnem & Arboit, 2020), e se intensifica a partir da implantação das Diretrizes Nacionais para a Atenção Integral à Saúde de Adolescentes propostas pelo Ministério da Saúde em 2010, tendo como lócus privilegiado de estudo o âmbito da atenção primária à saúde. Sua divulgação concentrouse em periódicos ligados ao campo da saúde coletiva e às universidades públicas.
Os resultados evidenciaram os seguintes temas principais, por ordem de ocorrência: saúde sexual e reprodutiva, fatores e comportamentos de risco, atenção/promoção da saúde, violências, saúde bucal, HIV e saúde mental.
As temáticas recorrentes e a utilização da abordagem quantitativa, que são características da epidemiologia tradicional, remetem a discussão ao campo polêmico da concepção da adolescência e dos e das adolescentes como fase e população de risco à saúde, justificando-se, dessa maneira, o olhar biomédico e preventivista nas análises e na condução das questões de pesquisa em alguns trabalhos. Essa perspectiva também foi constatada em outros estudos (Kann et al., 2018; Moura et al., 2018).
A tendência de estudos voltados à identificação de comportamentos de risco e à avaliação de conhecimento, atitudes e práticas também foi observada na temática prevalente, isto é, no âmbito da saúde reprodutiva de adolescentes, ainda que em menor proporção. Estes enfoque e ênfase secundarizam temas relevantes, como a abordagem dos direitos sexuais e os métodos para seu exercício seguro, a diversidade sexual e de gênero, o acesso à educação sexual, e a proteção à violência sexual, ainda que os principais participantes de pesquisa escolhidos tenham sido os próprios e as próprias adolescentes de forma direta e indireta.
Por outro lado, constatou-se, sobretudo nos estudos qualitativos, que a preocupação com os determinantes sociais da saúde (DSS) e o olhar do próprio participante acerca dos fenômenos pesquisados representaram 44% do corpus desta revisão. Um estudo (Sousa et al., 2018) reforça essa constatação, indicando que é necessário um enfrentamento das vulnerabilidades vivenciadas pelos e pelas adolescentes, numa perspectiva capaz de valorizar os condicionantes sociais do processo saúde-doença, considerando que essa população é vista a partir de seus aspectos multifacetados e socialmente determinados.
Dessa forma, foram identificados artigos que transversalizaram em suas variáveis e análises as desigualdades sociais e seus impactos na determinação social da saúde da população adolescente, bem como estudos interessados em conferir visibilidade à percepção dos e das adolescentes. Os modos de ser e viver a adolescência em suas dimensões de classe, renda, gênero, idade, cultura e etnia são fundamentais na pesquisa em saúde, pois tais determinantes influenciam de maneira decisiva a qualidade de vida dos sujeitos e suas percepções sobre prevenção, autocuidado e, ainda, o que se entende por ser saudável (Carceller- Maicas, 2018; Ruotti et al., 2011; Sehnem & Arboit, 2020; Senna & Dessen, 2015).
Os resultados dos estudos também corroboram essa assertiva, na medida em que apontaram práticas reducionistas e necessidade de investimento na rede de serviços e na qualificação dos e das profissionais de saúde para a atenção específica às necessidades dos e das adolescentes. A população em questão constitui um grupo com pouco investimento na saúde, não sendo ainda uma prioridade na formação de futuros e futuras profissionais de saúde na atenção ao e à adolescente. Nos serviços de saúde, também há necessidade de investir em ações de educação permanente (Bouzas & Jannuzzi, 2017).
Destaca-se, ainda, a referência dos artigos ao trabalho interprofissional e intersetorial como indispensáveis à atenção integral à saúde de adolescentes. Em outras palavras, reivindica-se o entendimento de que a saúde não depende apenas dos serviços de saúde. Ainda, destaca-se a importância da articulação intersetorial das políticas na promoção da saúde, à luz dos determinantes sociais da saúde relacionados à população adolescente, e em especial a articulação intersetorial entre educação, assistência social e segurança pública (Organização Mundial da Saúde, 2016; Organização Panamericana da Saúde, 2018).
A proposição de cuidados à saúde do e da adolescente é um processo complexo e multifatorial, uma vez que o contexto social influencia os padrões de comportamento e as condições de acesso à informação e à saúde. Nessa direção, alinharam-se as implicações práticas e recomendações de novas pesquisas, situando os desafios e cenários a serem trabalhados, tanto do ponto de vista da qualidade e equidade da oferta de serviços, quanto da continuidade dos estudos. Ambas dimensões refletem o atual estágio de cobertura do SUS para com esse segmento populacional, estágio este que ainda se encontra em fase incipiente se comparado às demais políticas voltadas a outros ciclos vitais, como a saúde da criança, da mulher e do idoso.
Essa realidade não é uma exclusividade do sistema brasileiro de saúde. É recente o reconhecimento global das necessidades e direitos à saúde integral de adolescentes e jovens que, por serem considerados pessoas saudáveis, não têm atenção específica à saúde, a não ser na saúde reprodutiva, mas ainda de forma fragmentada e muitas vezes discriminatória (Brasil, 2010b; Organização Panamericana da Saúde, 2018; Patton et al., 2016).
Na maioria dos países, muitos e muitas adolescentes e jovens encontram obstáculos legais e econômicos e ambientes hostis ao acesso e ao uso dos serviços de saúde, como quebra de sigilo, juízo de valor, discriminação e desaprovação, relacionados à atividade sexual e ao uso de drogas. O acesso aos serviços de saúde também é afetado pela política de financiamento dos sistemas de saúde, barreiras geográficas e disponibilidade de pessoal de saúde (Santos et al., 2019).
Isso posto, pesquisas para compreender os fatores determinantes e as barreiras que continuam restringindo o acesso de muitos e muitas adolescentes aos serviços de saúde são necessárias (Organização Mundial da Saúde, 2016).
No Brasil, o contexto de fragilidade programática e os vazios assistenciais na atenção à saúde de adolescentes, além de produzirem iniquidades, também desestimulam iniciativas, recursos e investimentos no campo da pesquisa e inovação. Tal invisibilidade das necessidades de saúde da população adolescente pode ser uma das razões pelas quais as violências e acidentes, em seus determinantes e expressões, que representam as maiores causas de morbimortalidade entre adolescentes no Brasil (Brasil, 2018; Cerqueira et al., 2018; Leite et al., 2016), tenham sido abordadas em apenas dez estudos. Esses indicadores epidemiológicos, em que pese a realidade das subnotificações das violências, estão disponíveis nas bases de dados nacionais, inclusive desagregados por faixa etária e sexo, como recomendam as agendas globais (Kann et al., 2018), e são fundamentais para estudar fenômenos preocupantes como o bullying e cyberbullying, a autoagressão, o casamento infantil, a gravidez precoce e o juvenicídio, que acometem de forma dramática e recorrente a população adolescente brasileira (Kantorski et al., 2017).
Outra fonte relevante para embasar investigações, apesar de sua periodicidade ser eventual, é a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, editada em 2009 e 2015. A última edição foi realizada com dois planos amostrais distintos, sendo os resultados da amostra 1 disponíveis para Brasil, Grandes Regiões, Unidades da Federação e Municípios. A atenção à saúde do e da adolescente necessita contemplar as especificidades regionais e investir em estratégias de saúde e de formação de profissionais que tenham como ponto de partida a realidade de vida e a participação dos e das adolescentes (Ochoa, 2019).
Considerando, ainda, que as Diretrizes Nacionais de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes no Brasil foram implantadas em 2010, avançar em pesquisas que fortaleçam as bases de evidências, bem como monitorem e avaliem suas ações e programas, são fundamentais e podem contribuir à sua consolidação enquanto política pública. Nessa perspectiva, a pesquisa clínica e a revisão sistemática das evidências são essenciais para desenvolver e atualizar intervenções eficazes e combater desafios emergentes, e são recomendadas pelas agências mundiais (Organização Mundial da Saúde, 2016; Organização Panamericana da Saúde, 2018).
Esses desafios e lacunas precisam pautar as agendas da produção científica brasileira, sob pena de reprodução de estudos abstraídos de legitimidade social quanto à sua aplicabilidade e contribuição na formulação de políticas e para a tomada de decisões. Ademais, no Brasil, as condições precárias de vida e saúde de adolescentes e jovens denunciam sua vulnerabilidade, o que exige um olhar ampliado para o horizonte de políticas informadas que efetivamente os cuidem e os protejam.
Assim sendo, conceber a adolescência e juventude como objeto focal da política pública e de produção científica exige uma abordagem informada por evidências, integral, interprofissional e multisetorial, não só no reconhecimento dos sujeitos em seus direitos, mas também na incorporação de suas reais necessidades nas pautas políticas, de formação profissional e de produção e divulgação do conhecimento. Esses foram os principais desafios identificados pela presente revisão.
Cabe ainda ressaltar algumas limitações desse estudo, como o idioma de inclusão, mas que também pode ser justificado referindo-se ao inglês como idioma universal da ciência moderna. No entanto, o impacto da diversidade cultural pode sofrer com essa limitação. Portanto, as autoras e os autores reconhecem que importantes pesquisas publicadas podem ter sido omitidas usando essa estratégia de busca.
Considerações Finais
O mapeamento das características e tendências das produções científicas sobre a atenção à saúde de adolescentes no Brasil apontou um quantitativo ascendente de publicações. Entretanto, a tendência temática revelou que os sete temas sintetizados, apesar de convergentes ao conjunto de assuntos recorrentes à epidemiologia tradicional, indicaram que persiste a visão da adolescência como fase do desenvolvimento humano e como população de risco. Portanto, há necessidade de incluir temáticas emergentes e prioritárias, coerentes com a tendência de recomendações das produções que prospectou lacunas na Gestão, Assistência, Formação e Investigação, como a atenção à saúde mental e digital dos e das adolescentes, a prevenção da violência letal e a avaliação dos determinantes sociais da saúde desta população.
A tendência metodológica mostrou lacuna de estudos de intervenção e de caráter participativo, inclusive envolvendo os próprios e as próprias adolescentes como participantes das pesquisas. Além disso, houve limites amostrais, devido às questões éticas de pesquisa com esta população e às barreiras de recrutamento, que implicam na necessidade de discussão de estratégias com populações de difícil acesso.