Introdução
Asucessão da propriedade familiar na agricultura compreende um processo sucessório de vários anos em que a responsabilidade, a propriedade e a mão de obra na unidade de produção passam dos agricultores genitores para o sucessor. Durante este processo de sucessão, o sucessor recebe mais responsabilidade no trabalho e na tomada de decisões e é socializado em ideias de como cultivar e gerenciar a propriedade (Burton, 2012).
A continuidade da propriedade familiar decorre do sucesso neste processo sucessório (Silvasti, 2003), pois a sucessão molda as práticas agrícolas e assegura a continuidade da fazenda e da agricultura (Joosse & Grubbström, 2017). A sucessão é um momento crucial no desenvolvimento da propriedade, em que a família decide se a propriedade continuará de sua posse, ajustando atividades desenvolvidas (Joosse & Grubbström, 2017). Portanto, a sucessão tem efeito direto no desempenho econômico da fazenda (Inwood & Sharp, 2012).
Quando o controle gerencial da propriedade é transferido para uma pessoa fora da família, os novos agricultores proprietários, sem laços familiares e que não foram submetidos aos processos de socialização, podem afastar-se de práticas agrícolas praticadas anteriormente. Ou seja, a transferência agrícola não familiar contribui para uma mudança no desenvolvimento agrícola e agrário (Joosse & Grubbström, 2017).
A transferência de conhecimento entre gerações, faz com que os agricultores sejam contemplados como principal exponente do território rural, da sua história, ambiente e tradições, o que assegura a manutenção da paisagem e do patrimônio cultural (Bertoni & Cavicchioli, 2016b). Em algumas regiões do mundo, sobretudo nas áreas marginais e menos produtivas, as baixas taxas de sucessão familiar podem resultar em abandono permanente da terra e da atividade agrícola, com perda de paisagem (Bertoni & Cavicchioli, 2016b).
Portanto, a transferência intergeracional é uma questão complexa e atual, que leva em consideração questões sociais e de sustentabilidade agrícola. Porém, a ênfase indevida aos aspectos econômicos acarretou em uma visão simplificada dos aspectos que interferem na tomada de decisão das famílias rurais (Conway et al., 2016). Por isso, a presente pesquisa explorou os aspectos que contribuem na decisão dos e das jovens rurais do Rio Grande do Sul (RS) em ficar ou sair do campo, levando e consideração a situação contemporânea de êxodo rural, a forte presença de sujeitos do gênero masculino no campo, envelhecimento da população rural e sucessão geracional na agricultura.
Destarte, a presente pesquisa partiu da seguinte problemática: os e as jovens rurais do RS estão projetando seu futuro profissional no campo e pretendem serem sucessores de seus pais na gestão e trabalho desenvolvidos nos estabelecimentos agropecuários de seus familiares? Quais os fatores que condicionam estas decisões?
Se objetivou, a partir de pesquisa com 743 jovens rurais do RS, identificar se eles estão projetando seu futuro profissional no campo e se pretendem ser sucessores na agricultura. Especificamente, buscou-se: a) pesquisar se estes jovens planejam ser sucessores nos estabelecimentos agropecuários de seus pais; b) quais fatores condicionam a decisão de permanecer no campo como sucessor ou a de buscar outras perspectivas de vida. Esta pesquisa pode servir de base para elaborar ações capazes de modificar, amenizar ou adaptar a dinâmica demográfica, a fim de melhorar o futuro social e econômico das regiões rurais. Ainda, pode contribuir em ações políticas e organizacionais, uma vez que o estudo gera informações que têm potencial para subsidiar a criação de políticas agrícolas e sociais e orientar a tomada de decisões nas propriedades rurais que precisam planejar o processo sucessório.
Referencial Teórico
Sucessão familiar e o jovem rural
O jovem rural, pelo contexto em que está inserido, encontra dificuldades que não são comuns aos e as jovens urbanos, como menor acesso a oportunidades de trabalho, estudo e serviços de saúde e lazer (Novaes et al., 2006). Devido à essas dificuldades, as atrações do meio urbano, como estudo e oportunidades de profissionalização, fazem com que o jovem rural no Brasil se coloque em rota de fuga, almejando as condições de vida, estudo e trabalho do meio urbano (Castro et al., 2013).
Ao colocar a migração como alternativa para o futuro, o processo de sucessão geracional na agricultura é comprometido (Brumer, 2007; Castro, 2009; Castro et al., 2013; Novaes et al., 2006). Uma baixa taxa de sucessão nos negócios da agricultura induz a um menor número de agricultores, o que pode ter implicações para a indústria, campo, uso da terra e sustentabilidade das comunidades rurais (Ingram & Kirwan, 2011). Ainda, a falta de interesse dos e das jovens para permanecer na agricultura, pode influenciar no tamanho das propriedades rurais, abandono de terras em regiões longínquas e redução dos índices agrícolas, os quais caracterizam a agricultura europeia, à exemplo do que ocorre na União Europeia (UE) (Raggi et al., 2013).
A problemática fica mais complexa ao se constatar que a idade dos agricultores interfere na tomada de decisões das empresas agrícolas (contataram Zagata & Sutherland, 2015 na UE). A média de idade dos membros familiares responsáveis por decisões na propriedade é um indicador das características estruturais da mesma (Burton, 2006). Os jovens e as jovens rurais quando estão na gestão dos estabelecimentos têm atitudes e crenças na direção de uma agricultura sustentável e eficiente e se preocupam mais com o bem-estar animal, comparativamente aos gestores não jovens (Laepple & Van Rensburg, 2011; Lobley et al., 2009; Mann, 2005; Van Passel et al., 2007). Os jovens agricultores geram mais valor para a agricultura do que os agricultores mais velhos. Por isso, eles podem representar a base promotora do desenvolvimento rural (Zagata & Sutherland, 2015). Ainda, o valor agregado líquido agrícola por unidade de trabalho anual atinge os melhores valores nas empresas geridas por jovens agricultores na produção (Hlouskova & Prasilova, 2020).
A escassez de jovens na gestão das propriedades rurais não se deve unicamente aos atrativos urbanos, mas também, por problemas no processo sucessório. O processo sucessório de uma propriedade familiar envolve a passagem da responsabilidade dos negócios e da própria propriedade do agricultor mais velho, para o agricultor sucessor. De maneira gradual, as posições hierárquicas deveriam ir se modificando e o sucessor ascendendo no trabalho e nas tomadas de decisão que envolvem a propriedade (Fischer & Burton, 2014). Neste processo, o sucessor passa a ter mais autonomia e a participar de decisões sobre o que e como cultivar, por exemplo (Joosse & Grubbström, 2017). A continuidade da propriedade rural familiar está condicionada ao sucesso dos processos sucessórios envolvidos (Silvasti, 2003).
Contudo, no Brasil são encontradas dificuldades no processo sucessório de algumas famílias rurais. Isto é tanto resultado quanto causa da existência de maiores níveis de migração para o urbano de jovens e, especialmente, jovens mulheres (Galindo, 2019). São várias as explicações para o êxodo contemporâneo seletivo dentre a população jovem rural brasileira, destacando-se: expansão de serviços urbanos; desvalorização do trabalho realizado pelos agricultores; falta de autonomia e oportunidades na agricultura que possibilitem os jovens trabalharem independentemente da gestão dos pais; invisibilidade do trabalho dos jovens; escassez de políticas que incluam os jovens da agricultura (Brumer, 2004; Galindo, 2019; Siliprandi, 2011; Silva & Neto, 2017).
Em contraponto a isto, estudos na Itália apontam alguns fatores que contribuem para um processo sucessório positivo: características territoriais e socioeconômicas são determinantes da probabilidade de um sucessor potencial assumir o patrimônio, em que áreas mais urbanizadas e ricas têm contexto favorável para a sucessão (Bertoni & Cavicchioli, 2016a); ser parte de um setor inovador e trabalhar em um ambiente estimulante e dinâmico incentiva os jovens a permanecerem no setor agrícola (Bertoni & Cavicchioli, 2016a); em propriedades rurais mais lucrativas é mais provável que a sucessão ocorra (Lobley et al., 2009). Por isso, as políticas públicas devem visar melhorias do capital humano e aumentar a inovação na agricultura, a fim de tornar as oportunidades para os jovens na agricultura mais atrativas comparavelmente a outros setores (Bertoni & Cavicchioli, 2016a).
É possível afirmar que existem fatores que fortalecem e que prejudicam a permanência dos jovens no meio rural (Troian & Breitenbach, 2018). Servem de estímulo ao trabalho do jovem no campo o vínculo familiar, as melhorias de condições de trabalho e de renda e a realização de uma gestão compartilhada entre pais e filhos. Por outro lado, a existência de conflitos, o processo sucessório tardio e sem planejamento e a falta de políticas públicas para o fortalecimento da agricultura familiar podem desestimular a permanência do jovem no meio rural (Oliveira et al., 2021).
A questões de gênero, quantidade de terra, educação e políticas agrícolas, bem como as normativas culturais e tradicionais de gênero dificultam os planos de sucessão (Troian & Breitenbach, 2018). Somado a isso, destaca-se que se as famílias não tiverem filhos do sexo masculino, a probabilidade de sucessão diminui 31%. Por isso, considerado um cenário de fertilidade decrescente, ao aderir aos papéis tradicionais de gênero, se limita a probabilidade de que uma propriedade continue com sucesso através das gerações (Arends-Kuenningy et al., 2020).
A quantidade de área também afeta e propriedades com mais de 100 hectares têm maior probabilidade de ter um sucessor familiar do que propriedades menores. Também, aqueles agricultores com educação universitária têm menos probabilidade de passar suas propriedades para os filhos, comparativamente com agricultores com menos educação. As taxas de sucessão podem ser maiores se ocorrer participação em políticas agrícolas, como o Pronaf, bem como programas governamentais que fornecem crédito subsidiado e incentivam as famílias a fazer planos de sucessão (Arends-Kuenningy et al., 2020).
Aspectos como renda satisfatória, acesso a capital, tecnologias e equipamentos na propriedade são determinantes para o maior interesse dos jovens para a permanência no meio rural (Boscardin et al., 2020). Por outro lado, quando existe estrutura material precária e condições de vida e trabalho na agricultura difíceis, a permanência de jovens no meio rural e a construção social de sucessores na agricultura familiar é comprometida (Marin, 2020).
Não obstante estes aspectos destacados, o que também incentiva a permanência dos jovens na agricultura como sucessores é a forte conexão com a área de origem, que está emaranhado em padrões intricados de história familiar, propriedade da terra e redes familiares de laços ininterruptos (Stockdale & Ferguson, 2020).
Metodologia
A presente pesquisa se caracteriza como quantitativa, a qual se deu a partir de coleta de dados utilizando questionários fechados e a porvindoura tabulação e análise estatística. Somado a isto, utilizou-se a pesquisa bibliográfica e teórica para autenticar, justificar, ilustrar e esclarecer os dados quantitativos (Creswell, 2007).
A pesquisa foi conduzida no segundo semestre de 2018 e primeiro semestre de 2019. O público alvo foram jovens de 13 e 21 anos, filhos de produtores rurais, estudantes do ensino médio de escolas municipais, estaduais e federais de todas as regiões do Rio Grande do Sul, Brasil, fatores estes considerados para inclusão dos participantes. Este público alvo foi escolhido considerando uma tendência existente desde 1940, de que o jovem rural vem saindo cada vez mais cedo do meio rural e migra em direção às cidades próximas (Castro et al., 2013). A faixa etária escolhida decorre da alteração histórica brasileira, intensificada a partir da década de 1990, no processo migratório no meio rural, a qual colaborou para diminuir a idade dos jovens que saem do campo, aumentando a migração rural-urbana de jovens com menos de 20 anos (Camarano & Abramovay, 1999; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2010).
Além disso, a fase em que os jovens estão cursando o ensino médio é crucial na vida deles, pois, finalizado o ensino médio, tradicionalmente os jovens tomam a decisão acerca da profissão que vão seguir. É o momento de definir se irão fazer faculdade, quais cursos escolherão, se vão optar por uma área ligada ao agronegócio e onde buscarão desenvolver o futuro profissional (Breitenbach & Corazza, 2017).
O número total de escolas (rurais e urbanas) que ofereciam o ensino médio no ano de 2018, no Rio Grande do Sul, era de 1449, sendo 1085 estaduais, 6 federais, 27 municipais e 331 particulares. O número de matrículas iniciais de alunos cursando o ensino médio neste período era de 323 999, sendo 284 890 matriculados em escolas estaduais, 1299 em escolas federais, 4253 em municipais e 33 557 em particulares. Já o ensino médio de modalidade integrado contava com 23 389 alunos, em uma distribuição de 10 630 em escolas estaduais, 12 316 em escolas federais, 290 em escolas municipais e 153 em particulares (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2018).
Buscando a representatividade dos jovens rurais que cursam o ensino médio nas 28 regiões dos Coredes (Conselhos Regionais de Desenvolvimento) do RS, foram aplicados questionários em 56 municípios do estado (dois municípios por região do Corede) e 56 escolas de ensino médio rurais e urbanas, selecionadas intencionalmente para que fosse contemplada uma em cada município e representando dois municípios para cada região.
Para obtenção de dados empíricos foi utilizado como ferramenta de pesquisa um questionário fechado, seguindo as etapas propostas por Babbie (2003): 1) os dados foram coletados e quantificados; 2) as informações angariadas foram reunidas em um banco de dados; 3) foi realizada análise dos dados no sentido de uma teoria de conduta social.
O questionário foi aplicado nas salas de aula das escolas participantes, considerando a totalidade de estudantes jovens rurais cursando o ensino médio nas escolas selecionadas. Para participar da pesquisa os jovens das referidas escolas deveriam se autodeclarar como jovens rurais, ou seja, aqueles cuja realidade havia envolvimento com o meio rural, de forma direta, vivendo na agricultura ou tendo uma fonte de renda na família que provém das atividades agrícolas. O número de respondentes totalizou 743 jovens. A fase (1) de busca de dados foi realizada por questionário dividido em sete blocos: Bloco 1 -Perfil dos jovens; Bloco 2 -Perfil da propriedade; Bloco 3 -Estudo e sucessão rural; Bloco 4 -Incentivo e sucessão rural; Bloco 5 -Gestão, trabalho e sucessão rural; Bloco 6 -Condicionantes da permanência ou não no meio rural.
Na fase (2) as informações foram tabuladas no Microsoft Excel® e na fase (3) utilizouse o programa estatístico PSPP para as análises estatísticas. As análises estatísticas realizadas foram: a) análise descritiva: foi calculada a frequência das variáveis contempladas em cada uma das questões realizadas; b) análise bivariada: teste Qui-Quadrado.
Se utilizou o teste Qui-Quadrado de Pearson para determinar a correlação de duas variáveis categóricas nas tabelas cruzadas, e avaliar a existência de independência entre duas variáveis qualitativas. Foram cruzadas todas as variáveis entre si. No teste de independência do Qui-Quadrado, as hipóteses são assim definidas: H0: Não há correlação entre variáveis; H1: Existe correlação entre variáveis. O resultado do teste Qui-Quadrado foi avaliado ponderando a significância para rejeitar a hipótese H0 de p≤0,05.
Na fase (4) foi realizada análise e discussão dos resultados. A discussão foi embasada em pesquisas já desenvolvidas (referencial teórico), buscando corroborar ou contrastar com os resultados da presente investigação.
Resultados e discussão
Os resultados da pesquisa serão apresentados e discutidos na sequência, organizados em três seções. Inicialmente será discutido o perfil dos jovens e das propriedades rurais de suas famílias, na sequência apresenta-se como os jovens rurais planejam seu futuro profissional e, por fim, são destacados os fatores que motivam ou desmotivam os jovens a permanecerem no campo e serem sucessores.
Perfil dos jovens e propriedades rurais participantes da pesquisa
Essa seção se destina a apresentar o perfil e as características dos jovens rurais e respectivas propriedades rurais. Isso possibilita compreender melhor os resultados da pesquisa e realizar análises. Na tabela 1 se apresentam o perfil dos jovens que participaram da pesquisa.
A maioria dos jovens rurais que participaram da pesquisa são homens, na faixa etária de 13 a 16 anos. A maior quantidade de jovens do gênero masculino no meio rural já é uma realidade apontada pelo censo populacional brasileiro de 2010 (IBGE, 2010). Ainda, a pesquisa pode indicar que os jovens rurais que cursam o ensino médio têm atrasos para a conclusão do mesmo, uma vez que 46.7 % têm idade entre 17 e 21 anos, idade acima do esperado para a conclusão desta etapa escolar. Isto pode se relacionar com um histórico de menor escolarização da população rural e de desvalorização dos estudos no campo (Breitenbach & Corazza, 2017).
A tabela 2 apresenta o perfil das propriedades agrícolas e núcleos familiares em que os jovens estão relacionados, representado pela distância que estas propriedades se encontram do meio urbano, área de terra total e o número de irmãos no seu núcleo familiar.
A terra é o principal recurso de produção e reprodução de sucessivas gerações na agricultura (Jurado & Tobasura, 2012) e esta pesquisa aponta que a maioria dos jovens (52.5 %) pertence a propriedades em que a área não ultrapassa 40 ha, ou seja, estabelecimentos familiares. Para definição do termo agricultura familiar, utilizou-se a Lei nº 11 326 (Brasil, 2006). Esta é uma realidade observada em todo Estado e Brasil, uma vez que 80.5 % e 77.0 %, respectivamente das propriedades agrícolas são consideradas agricultura familiar (IBGE, 2017).
Ainda, 71.5 % destas propriedades se localizam a uma distância de até 10 km do meio urbano. Essa proximidade do urbano possibilita rápido acesso aos recursos encontrados na cidade como comércio e lazer, além de facilitar escoamento da produção e abastecimento de insumos.
Também se constatou redução no tamanho dos núcleos familiares, uma vez que 88.1 % dos jovens têm apenas um ou dois irmãos ou é filho único. Isto é contrastante com as gerações passadas dos pais e avôs destes jovens que, em geral, pertenciam a famílias numerosas (Prediger, 2009). As famílias rurais vêm reduzindo o tamanho, o que vem sendo correlacionado com perspectivas positivas de sucessão rural. A partir da redução do número de filhos na propriedade, ocorre um aumento de 15.5 % na probabilidade de permanência destes jovens no ramo agrícola, assumindo a propriedade familiar (Cavicchioli et al., 2015; Simeone, 2007).
Jovens rurais e o futuro profissional na agricultura
Essa seção apresenta o interesse que os jovens rurais têm em permanecer na propriedade e no meio rural, em ser o gestor e sucessor da propriedade rural, seu envolvimento e interesse acerca da propriedade, bem como a motivação que os pais dão aos filhos para cursar faculdade e permanecer no campo (tabela 3).
Pouco menos da metade dos jovens têm interesse em permanecer no campo e na propriedade rural da família (47.9 %) e em ser o sucessor da propriedade rural dos pais (45.2%). Por outro lado, os dados mostraram que pouco menos da metade dos jovens rurais do RS querem ficar no campo e serem sucessores. Em estudo realizado também no RS, Breitenbach y Corazza (2017) constataram que 50% dos jovens tinham interesse em serem sucessores da propriedade dos pais.
Apesar das diferenças culturais, destaca-se o exemplo da Islândia, em que as comunidades rurais vêm diminuindo ao longo do tempo, especialmente pelas oportunidades ocupacionais encontradas no meio urbano e o desejo dos adolescentes em viver em outro lugar no futuro, que não o rural. No ano de 1992 um total de 60% dos jovens rurais esperava migrar para a cidade e em 2003 este número passou para 69% (Bjarnason & Thorlindsson, 2006). Semelhante ao resultado da presente pesquisa, no Marrocos 47 % dos jovens afirmam que deixar o meio rural não é uma opção para o futuro, especialmente pelas responsabilidades que assumem no meio rural e a preferência pelo trabalho agrícola. Por outro lado, 36% demostram alto interesse em ir para a cidade em busca de estudo e trabalho (Giuliani et al., 2017).
A disponibilidade de sucessores é determinante na viabilidade de uma propriedade rural. Este fator impulsiona investimentos e motiva o agricultor a melhorar seu processo de gestão, tendo influência direta sobre o crescimento da fazenda. Isto pode ser visualizado em pesquisas na Estônia, na Áustria e na Bélgica (Calus et al., 2008; Glauben et al., 2002; Viira et al., 2014). Na Irlanda, Conway et al. (2017) reiteram que um planejamento sucessório insatisfatório pode levar a resultados destrutíveis na agricultura familiar.
No que tange ao estímulo dos pais para o jovem ficar no campo, se constatou maior incentivo paterno do que materno. Os jovens também destacaram que se sentiriam mais motivados a ficar na agricultura se fosse maior o apoio dos pais e o incentivo financeiro.
O fato de o jovem estar em contato direto com os pais, permite a este ser mais influenciado por eles em suas decisões (Gazolla & Schneider, 2007). Breitenbach y Corazza (2017) já constataram no RS/Brasil que a influência dos pais, aliada à afinidade dos filhos com o trabalho rural, são importantes dentro de um processo gradual de sucessão.
Já a motivação dos pais para que os jovens ingressem na faculdade é alta e apenas 4.3 % dos filhos não se sente motivados pelos pais para cursar faculdade. Complementar a isso, a maioria dos jovens rurais têm interesse em ingressar em uma faculdade (64.3 %), mas a minoria deles pretende fazer um curso da área de ciências agrárias (23.6%) ou fará um curso superior com intenções de retornar para o campo (28.7%). Por outro lado, existe um percentual de indecisos (36.1%) que podem mudar o cenário de sucessão rural, bem como as novas possibilidades e oportunidades podem interferir nas suas decisões.
A educação almejada no meio urbano pelos jovens rurais tem impacto sobre o calendário de sucessão, ao passo que dificulta ou retarda esse processo (Suess-Reyes & Fuetsch, 2016). Porém, a existência de maior percentual de jovens interessados em cursar uma faculdade não é necessariamente um impeditivo para que permaneçam no campo, especialmente se a área de estudo for relacionada ao agronegócio. Pesquisas na Europa e Argentina já concluíram que a realização de cursos relacionados à área das ciências agrícolas tende a sustentar um positivo índice de sucessão rural (Cavicchioli et al., 2015; Fuetsch & Suess-Reyes, 2017; Glauben et al., 2009; Sili et al., 2016). Já o jovem que sai para estudar em áreas não ligadas diretamente ao agronegócio torna o processo de sucessão mais lento (Glauben et al., 2009).
Considerando o grande aparato tecnológico e de informação disponível para o meio rural, além da complexidade do processo de gestão, é fundamental a profissionalização dos agentes do campo (Alves, 2013; Ferrari et al., 2004). Pesquisa no Brasil e na Estônia apontam que os agricultores que possuem maior nível de conhecimento e experiência são menos propensos a sair da agricultura e têm mais chances de sucesso no campo (Breitenbach, 2014; Viira et al., 2014).
O maior nível de educação dos pais constitui uma forma de capital intelectual que pode aumentar as chances de sucessão das explorações familiares (Barros et al., 2002; Suess Reyes & Fuetsch, 2016). Isto contrasta com a situação atual do RS em que a maioria dos produtores agrícolas do Estado (34.86%) concluiu apenas o ensino primário, 30.38% concluíram o ensino fundamental e 11.67 % o ensino médio (IBGE, 2017).
Os jovens foram ainda questionados quanto ao atual interesse nos aspectos gerenciais da propriedade, incentivo dos pais para sua permanência no campo, bem como se estes aspectos os fariam ter maior interesse em permanecer no meio rural e na propriedade (tabela 3). Se constatou que a participação dos jovens na tomada de decisões dentro da propriedade é mediana para 51.3% deles e nenhuma para 20.6%. Já a participação no trabalho das atividades agrícolas é maior, uma vez que 48.1% dos jovens têm total participação e 41.4% mediana participação. Ainda, quanto ao interesse sobre as finanças e o gerenciamento da propriedade, 49.6% dos jovens têm total interesse.
Portanto, a maioria dos jovens rurais do RS não participa ativamente na tomada de decisões e não se interessam pelas finanças da propriedade dos pais, embora participem das atividades agrícolas. De maneira geral, o envolvimento do jovem rural com a rotina e as atividades agropecuárias do campo é desenvolvido desde cedo, corroborando com uma maior valorização do trabalho agrícola e contribuindo na decisão do jovem entre ficar ou sair do meio rural (Cavicchioli et al., 2015). A inclusão ativa dos jovens na gestão da propriedade, tomada de decisões e atividades agropecuárias possibilita sua autonomia na dinâmica da propriedade, os influenciando a valorizar o ambiente e trabalho no campo (Breitenbach & Corazza, 2017; Cavicchioli et al., 2015; Matte & Machado, 2016).
Determinantes do interesse dos jovens rurais na sucessão familiar
Após realizar do teste Qui-Quadrado (p<0.05), correlacionando o interesse dos jovens em ser sucessor com os demais fatores estudados, foi possível entender os principais aspectos que contribuem para a saída ou permanência do jovem do campo, conforme quadro 1.
A presente pesquisa identificou os aspectos que interferem na decisão dos jovens rurais em ficar ou sair do campo. Alguns aspectos delineiam o perfil do jovem que tem interesse em ser sucessor, com destaque para a participação no gerenciamento da propriedade e a formação nas ciências agrárias. Os jovens rurais participem pouco nas decisões e na gestão da propriedade embora fosse fundamental que participassem. Essa participação contribui para uma conduta financeira com responsabilidade por parte dos jovens (Magalhães, 2009).
O ensino nas ciências agrárias também cumpre papel importante, pois auxilia na preparação do sucessor para continuação da exploração agropecuária de forma bem-sucedida. Krauskopf-Roger (2018), em estudo realizado no Chile, constatou que a formação superior introduz diferencias importantes nas perspectivas e no curso de vida dos jovens. Estudar na área de ciências agrárias aumenta o interesse dos jovens rurais em serem sucessores, mas não diminui a diferença de gênero (Breitenbach & Corazza, 2019). Desta forma, os currículos escolares deveriam contemplar a diversificação das atividades agrícolas e outras questões relevantes que os jovens poderão encontrar na realidade agrícola, bem como desenvolver propostas metodológicas e didáticas a fim de potencializar habilidades comunicativas (Calus, 2009; Đurić & Njegovan, 2015; González-Rodríguez & Londoño- Vásquez, 2019).
Somado a isso, à exemplo do que aponta a presente pesquisa, outras pesquisas como de Inwood e Sharp (2012) já identificaram que as políticas públicas, elo importante de comunicação entre governo e agricultores, são essenciais para a sobrevivência do setor agrícola. Neste caso, os serviços de educação e extensão rural são fundamentais na tradução e repasse das políticas, dos métodos e técnicas aos potenciais jovens agricultores (Calus, 2009).
Outro aspecto é a autonomia de decisões e responsabilidades que é dada ao jovem no meio rural e para com a família, fator notório para o enraizamento destes no meio rural (Giuliani et al., 2017) e para democratização (Ochoa, 2019). Breitenbach y Corazza (2019) também constataram que as ações em nível de propriedade, que condicionam na motivação dos jovens em permanecer no campo e serem sucessores, é sua inserção, ainda cedo, nas atividades de gestão e produção da propriedade rural, recebendo autonomia para participar, aprender, se interessar e criar vínculos emocionais e profissionais com o campo e a agricultura.
Os resultados dessa pesquisa destacam a falta de investimentos na propriedade e o baixo retorno econômico da agricultura como motivações para saída do jovem do campo. Se a propriedade enfrentar problemas econômicos o jovem pode considerar que sair da propriedade rural dos pais seja um evento economicamente racional (Viira et al., 2014). No Marrocos, por exemplo, os jovens citam a inexistência de oportunidades profissionais no campo, ou a limitação destas, como principal fator para migrar para o meio urbano (Giuliani et al., 2017). Por isso é importante que a designação de um sucessor e os investimentos na fazenda sejam anteriores a etapa de transferência gradual agrícola e sucessão rural (Calus, 2009).
Corroborando com este estudo, uma pesquisa conduzida na Espanha concluiu que os principais impulsionadores da permanência dos jovens na pecuária são: presença da tradição familiar agrária; acesso às terras; maior escolaridade, inovação nas atividades pecuárias e maior autonomia na tomada de decisão (Góngora et al., 2019). Também o incentivo dos pais, a renda agrícola familiar, o planejamento de sucessão e o nível de mecanização aumentam a probabilidade de sucessores permanecerem na agricultura (Pessotto et al., 2019).
A motivação econômica também é necessária para o jovem se firmar nas áreas rurais (Đurić & Njegovan, 2015). De encontro a estes aspectos, a perspectiva de receber maior herança de terra reduz significativamente a probabilidade de migração, é o que concluíram Kosec et al. (2018) em estudo na Etiópia. Exemplificando, no Quênia as barreiras estruturais e de acesso à terra limitam o interesse dos jovens na participação na agricultura e o interesse de permanência no campo, despertando o desejo de buscar carreira fora do meio rural (Noorani, 2015).
Conclusões
A presente pesquisa possibilitou identificar se os jovens rurais do Rio Grande do Sul, Brasil estão projetando seu futuro profissional no campo e se pretendem ser sucessores na agricultura. Constatou-se que 45.2% destes jovens estão projetando o futuro profissional na agricultura. Ainda, 49.7% dos jovens participantes da pesquisa gostariam de gerenciar as propriedades rurais de seus genitores. Porém, este percentual concentra majoritariamente jovens do gênero masculino.
Por outro lado, este processo sucessório tem sido comprometido ao passo que os genitores têm limitado a participação dos jovens rurais nos processos gerenciais das propriedades, especialmente na tomada de decisões. Apenas 28.1% destes jovens afirmam participar da tomada de decisões, enquanto 48.1% identificam que auxiliam nas atividades de produção.
Cabe salientar que as propriedades rurais nas quais os jovens estão inseridos pertencem, majoritariamente, à categoria da agricultura familiar. Nestas propriedades, em que tem menor área de terra disponível aos sucessores, é fundamental a inovação e diversificação da propriedade. Isto possibilita torná-las mais atrativas e rentáveis, corroborando para o aumento de interesse dos jovens pelas atividades e pela propriedade rural como um todo.
Acerca da formação profissional, a maioria dos jovens pretende fazer um curso superior e a maioria destes planeja estudar na área de ciências agrárias. Por outro lado, a minoria destes planeja fazer faculdade para retornar para o campo. Estes aspectos contribuem negativamente para a sucessão nas propriedades rurais, uma vez que o estudo no ramo das ciências agrárias ampliaria as possibilidades de os jovens serem sucessores (Breitenbach & Corazza, 2019; Cavicchioli et al., 2015; Fuetsch & Suess-Reyes, 2017; Glauben et al., 2009; Sili et al., 2016).
Por fim, essa pesquisa elencou os fatores que contribuem para a saída ou permanência do jovem no campo. Conclui-se que o jovem estima significativamente a sua valorização enquanto sujeito atuante e autônomo na propriedade. Ou seja, as chances de que os jovens desejem ser sucessores são maiores se eles forem inseridos nas atividades de gestão e trabalho dentro das propriedades rurais.
A partir desses resultados, esse trabalho apresenta informações sobre os desejos dos jovens rurais em relação a agricultura, o campo e os processos de sucessão rural. Tais informações podem contribuir para a elaboração de ações voltadas à valorização do jovem no campo e a sucessão rural. Ou seja, se espera que esta pesquisa contribua na elaboração de atos que auxiliem na modificação da dinâmica demográfica de migração dos jovens rurais para o meio urbano, corroborando para o desenvolvimento social e econômico do meio rural.
Essas ações podem partir de: a) instituições de ensino em que estes jovens estão inseridos, acrescentando ao currículo escolar questões relacionadas à valorização do meio rural e de seus atores; b) ações governamentais envolvendo o aperfeiçoamento e direcionamento de políticas públicas; c) por parte dos pais e familiares dos jovens rurais, responsáveis pelo planejamento do processo sucessório, promovendo incentivo e oportunidades de inserção dos jovens no contexto da gestão e das atividades agrícolas dentro da propriedade rural.