INTRODUÇÃO
No Brasil, o processo de internacionalização das empresas brasileiras, iniciou na década de 1990, após a abertura econômica, como uma tentativa de contornar a nova concorrência que entrava no país e dos efeitos da globalização (Corrêa & Lima, 2008). As empresas provenientes de mercados emergentes, como é o caso do Brasil, são denominadas de competidoras seguidoras ou late movers, que chegaram para concorrer após a consolidação do mercado (Djodat & Zu Knyphausen-Aufseß, 2017; Amatucci, 2010; Bartlett; Ghoshal, 2000).
A economia global do século XXI, caracterizada por conhecimento, tecnologia e inovação, evidencia que gerir adequadamente os recursos humanos continuará a ser uma vantagem competitiva fundamental para todas as empresas, nacionais ou internacionais, sejam elas provenientes de mercados emergentes ou tradicionais (Thite, 2015). Contudo, para a empresa operar internacionalmente, ela necessita enfrentar novos desafios relacionados à gestão de recursos humanos internacional (Dame et al., 2011). Tais desafios contemplam as práticas de expatriação, as quais envolvem questões ligadas à adaptação de expatriados no novo contexto cultural; ambientes multiculturais de trabalho; desafios relacionados ao ajustamento à cultura no país anfitrião (Kubo & Braga, 2013).
Nesse contexto, surge o processo de expatriação, fenômeno complexo e relevante, que necessita da Gestão Internacional de Recursos Humanos - GRHI para viabilizar o desenvolvimento e aprimoramento das práticas de sustentação aos profissionais durante as três etapas da missão: preparação para a missão; a missão em si e o retorno à base no país de origem (Zwielewski & Toldo, 2015; Gallon et al, 2013). A expatriação envolve práticas de recrutamento e seleção de pessoal; treinamento e desenvolvimento internacional; compensação internacional; questões relacionadas ao retorno e à carreira; avaliação de desempenho; apoio ao ajustamento da família antes, durante e ao término da expatriação (Yahioui, 2014; Dowling et al., 2013; Cho et al. 2012; Bonache & Fernandez, 2011).
Entretanto, o Brasil não tem sido foco de pesquisas sobre o fenômeno de expatriação em anos recentes (2000 - 2017) (Budhwara et al., 2017; Adams et al.; 2016; Mott et al., 2012). Por outro lado, o processo de expatriação é intensamente estudado na literatura estrangeira em países como os Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Japão, França e Alemanha, os quais lideram as publicações sobre o assunto (Clark et al. 2011), os denominados early movers (Djodat & Zu Knyphausen-Aufseß, 2017; Bartlett & Ghoshal, 2000). Além disso, as práticas de gestão de recursos humanos internacional são consideradas a mais fraca competência nas multinacionais brasileiras (Fleury & Fleury, 2012).
Frente a lacuna existente na literatura acerca práticas do processo da expatriação em multinacionais brasileiras late movers, destaca-se a importância de gerar conhecimento, através do desenvolvimento de pesquisas que mostrem a realidade brasileira a fim de criar e reforçar teorias (Bianchi, 2011) adequadas à realidade do Brasil e de países emergentes como os BRIC´s. Por fim, este artigo analisa as práticas de GRHI utilizadas para expatriação em duas multinacionais brasileiras. Para tanto, o estudo está organizado em cinco seções, começando com a introdução. Na segunda seção descreve o contexto teórico. A terceira apresenta a metodologia. Na quarta seção apresentam-se os resultados da pesquisa à luz do objetivo proposto. E, finalmente, a seção cinco conclui a pesquisa e fornece recomendações de estudos futuros.
REVISÃO DA LITERATURA
Cabe à GRH o gerenciamento do processo de transferências internacionais (Orsi, et al., 2015), de modo que é a área responsável por englobar um conjunto de políticas e práticas conciliatórias entre as organizações e as pessoas que nela trabalham. Sendo que as políticas compreendem as diretrizes e os princípios que norteiam as decisões no que tangencia os comportamentos da organização e das pessoas em relação com a organização. Já as práticas referem-se aos tipos de procedimentos, métodos e técnicas utilizados para a implementação de decisões da organização em relação ao ambiente externo (Dutra, 2006).
Nesta seção são abordadas as práticas do processo de expatriação, encontradas na literatura, e que compõem as três etapas do processo de expatriação: preparação, expatriação e repatriação (Bianchi, 2015; Gallon & Antunes, 2015; Gallon et al., 2013; Tanure et al., 2007; Harvey & Novicevic, 2006, Lazarova & Caligiuri, 2001). Considerando que uma expatriação bem-sucedida deve atender três aspectos: adaptação do expatriado à nova cultura, à organização e às atribuições do trabalho; bom desempenho durante a missão internacional; ausência de retorno antecipado (Tye & Chen, 2005; Caligiuri, 2000).
Diante deste contexto, as principais medidas contempladas na literatura, que devem ser observadas para a expatriação são: a) seleção de expatriados; b) preparação e desenvolvimento de expatriados; c) gestão do desempenho, recompensa e repatriação (Yahiaoui, 2014; Dowling et al., 2013; Cho et al. 2012; Rego & Cunha, 2009, Caligiuri, & Tarique, 2006; Cleveland et al., 2000).
Embora muitas vezes a escolha do expatriado recaia sob a decisão da alta direção da empresa (Orsi et al., 2015), cabe a GRHI o desafio de captação dos melhores candidatos para ocupar determinada posição. Assim, normalmente o recrutamento de expatriados é realizado internamente (Yahiaoui, 2014), onde são observados critérios como: experiência profissional e internacional, gênero (Dowling et al. 2013; Bohlander et al., 2012; Tye & Chen, 2005), competências comportamentais e técnicas; domínio da língua (Rego & Cunha, 2009; Muritiba & Albuquerque, 2009), flexibilidade e ajustamento familiar (Schulze & Bustamante, 2015; Cho et al., 2012; Mendenhall et al., 1987), para a seleção do expatriado.
Outro fator importante que pode influenciar no fracasso da missão internacional centra-se na adaptação da família, o cônjuge e os filhos, devido ao não ajustamento cultural, uma vez que acaba interrompendo a rede de relacionamentos (Kubo & Braga, 2013), não possuindo a mesma condição do expatriado que, ao trabalhar, obtém uma rede de relacionamentos diários (Schulze & Bustamante, 2015). Nesse contexto, devem ser observadas as preocupações da adaptação cultural por parte da família, cônjuge e filhos, no que dizem respeito ao bem-estar e de ficar junto à família (Cho et al., 2012).
Estudos apontam a necessidade de oferecer treinamentos aos expatriados antes da missão ocorrer, contemplando a formação linguística; as competências interculturais; as competências relacionais; a viagem pré-missão; a formação em diversidade (Cho et al. 2012; Rego & Cunha, 2009; Caligiuri & Tarique, 2006; Tung; 1982). Além disso, para haver um maior nível de ajustamento ao novo ambiente, a preparação durante a missão compreende: o counseling, o mentoring, o coaching, o job rotation, a internacionalização como aprendizado e no uso das subsidiárias como ferramenta de aprendizado (Zhang & Fan, 2014; Cho et al., 2012; Rego & Cunha, 2009; Caligiuri & Tarique, 2006). E outros estudos registram o negligenciamento do treinamento na repatriação (Lima & Braga, 2010).
No contexto internacional, as multinacionais podem proporcionar diferentes modelos de remuneração para expatriados - negociação, plano de equivalência, localização, global, regional, prêmio por mobilidade e flexibilidade nos benefícios (Ettinger et al., 2016; Orsi, et al, 2015; Wentland, 2003), visando encorajar a aceitação de uma missão internacional. Contudo, a progressão e desenvolvimento na carreira ligada à repatriação precisa ser contemplado durante a negociação da missão (Shen & Xhi; 2018; Cho et al., 2012; Mendenhall et al., 1987; Reynolds, 1997; Bonache & Fernandez, 1997), para minimizar os incômodos da expatriação (Vianna & Souza, 2009).
Embora a repatriação componha a terceira e última etapa do processo de expatriação, tem sido negligenciada pelas empresas durante a estruturação das práticas de GRHI, principalmente no que se refere ao treinamento, a compensação não-financeira e a progressão de carreira. Assim, problemas como o não atingimento das expectativas relativas à progressão de carreira no regresso dos expatriados à organização de destino (Lazarova & Caligiuri, 2001), ocorrem devido ao desconhecimento dos prós e contras antes da missão, e de suas consequências realistas projetadas para o futuro do expatriado (Suutuari & Brewster, 2003). Além disso, o desenvolvimento de carreira nem sempre é discutido durante a entrevista de seleção ou por ocasião da avaliação de desempenho (Yahiaoui; 2014). Sem falar que o tema repatriação tem sido esquecido por pesquisas acadêmicas nas últimas duas décadas (Bianchi, 2015; McDonnell et al, 2011).
Muito embora a gestão do desempenho deva subsidiar a tomada de decisão em questões de promoção, remuneração, desenvolvimento, planos de sucessão e desligamentos da organização (Orsi et al., 2015; Rego & Cunha, 2009; Ivancevich, 2008), estudos não contemplam a avaliação de desempenho como prática de GRHI na estruturação do processo de expatriação (Ettinger et al, 2016; Dowling et al., 2013; Cleveland et al., 2000). Ademais, a permanência do expatriado até o final da missão não garante o sucesso da expatriação (Kubo & Braga, 2013). Desta forma, as multinacionais precisam adotar como base a prática de avaliação de desempenho, última etapa do processo de gestão de desempenho (Orsi et al., 2015), alicerçada em objetivos atuais e futuros, necessidades de formação e discussões de carreira entre a GRHI e o expatriado (Yahiaoui, 2014).
Diante deste contexto, encontram-se as multinacionais provenientes de países emergentes, como o Brasil, cuja internacionalização é recente e pode ser considerada imatura, ou uma réplica dos movimentos dos países desenvolvidos (Budhwara et al., 2017; Rocha & Borini, 2011; Borini et al., 2007; Bartlett & Ghoshal, 2000). Ademais, ao analisar multinacionais brasileiras, late movers, localizadas no Brasil, Austrália, Índia e Filipinas, constatou-se que normalmente entram e permanecem no mercado global competindo por baixos preços (Bartlett & Ghoshal, 2000).
As maiores multinacionais brasileiras decidem se internacionalizar por fatores internos, por meio da instalação de escritórios comerciais próprios no exterior ou subsidiárias, e fatores externos, motivados por questões tarifárias, diversificação de riscos e sustentabilidade financeira (Tanure et al., 2007). Posto isto, as multinacionais entram em mercados desenvolvidos para explorar vantagens do presente, em termos de quota de mercado, infraestrutura, base de talentos; ao passo que quando entram em mercados em desenvolvimento, objetivam aprender e explorar o potencial futuro (Thite et al., 2016, Fleury & Fleury, 2012).
Todavia, a adaptação da gestão de recursos humanos nas subsidiárias de multinacionais brasileiras localizadas no exterior, ocorre por meio da interação com redes externas no país hospe¬deiro, como por exemplo, universidades, fornecedores, instituições locais e parceria com outras empresas (Reis et al, 2014). Além do mais, são os expatriados que representam o maior destaque como mecanismo de transferência de conhecimento nas subsidiárias brasileiras no exterior (Rocha & Borini, 2011).
MÉTODO
Esta pesquisa classifica-se como exploratória e descritiva com enfoque qualitativo, utilizando dados coletados por meio de pesquisa de campo. A pesquisa de campo foi realizada preliminarmente através da consulta e análise aos Manuais de Políticas e Práticas de RH, Código de Conduta e Ética, revistas institucionais, visita aos sites institucionais, recortes de notícias da mídia, e outros documentos administrativos (Yin, 2010), além de bibliografias relacionadas à questão.
Trata-se de um estudo de caso múltiplo (Yin, 2010) realizado em duas multinacionais brasileiras. E para manter o anonimato das multinacionais, os nomes das empresas foram substituídos por letras: A (empresa petroquímica) e B (empresa produtora de tensoativos). Justifica-se a seleção intencional dessas multinacionais pelos seguintes aspectos: a) estarem internacionalizadas desde 2005; b) possuírem subsidiárias no exterior; c) expatriarem desde 2005; d) listadas no Ranking FDC das multinacionais brasileiras 2017 (Barakat et al, 2017).
A multinacional A (empresa petroquímica), fundada na década de 2000, pela integração de outras empresas de um grande grupo brasileiro, posicionase como líder na produção de resinas termoplásticas nas Américas e líder na produção de polipropileno nos Estados Unidos. Iniciou seu processo de internacionalização em 2005 pela Argentina (Barakat et al, 2018), e se expandiu para as Américas, Europa e Ásia, por meio de escritórios e subsidiárias que atendem 70 países e empregam 7.600 empregados.
A multinacional B (empresa produtora de tensoativos), fundada na década de 1970, integra um dos maiores grupos empresariais multinegócios do Brasil, do qual fazem parte outras quatro empresas de segmentos produtores de petroquímicos e especialidades químicas, nos quais é líder em vendas para a América Latina. Iniciou sua internacionalização pelo México em 2003 por meio de subsidiárias próprias (Barakat et al, 2018), e se expandiu para a América do Norte e Europa. Conta com 6 subsidiárias e 9 escritórios comerciais, onde estão distribuídos seus 8.000 empregados.
Posteriormente, com base no referencial teórico referentes às cinco práticas de GRHI, foram elaborados dois roteiros de entrevista semiestruturadas: um para as multinacionais, representada pelos responsáveis pelo processo de expatriação, e outro para os profissionais expatriados de cada multinacional. Antes da coleta de dados foram realizados pré-testes, sendo que o primeiro roteiro foi aplicado a um gestor de RH responsável pela mobilidade internacional de uma multinacional brasileira, também listada no Ranking FDC das multinacionais brasileiras (2017), e o segundo roteiro foi aplicado a um expatriado brasileiro (em missão para os Estados Unidos). O préteste serviu para adequar as perguntas e efetuar os ajustes nos instrumentos de coleta de dados.
A coleta de dados, por demandar um público bem específico, pessoas que tivessem sido expatriadas e responsáveis pela gestão do processo de expatriação, foi realizada por meio da técnica de amostragem snowball, onde cada multinacional, indicou pessoas expatriadas para participarem da pesquisa. De forma que foram realizadas 6 entrevistas com os agentes envolvidos no processo de expatriação, sendo dois representantes das multinacionais, responsáveis pelo processo de expatriação, e dois expatriados por multinacional (Tabla 1).
Esse tamanho da amostra, permitiu uma visão satisfatória das práticas de expatriação das multinacionais investigadas. Também se justifica pelo conceito de saturação, que é quando a busca por uma nova coleta de dados não acrescentaria mais informações ao material já obtido (Mason, 2010).
Multinacional | Função | Origem-Destino | Perfil do Entrevistado | Técnica de coleta de dados |
Gerente de RH - mobilidade | Brasileira, nunca expatriada | E1 Idade: 34 anos | Entrevista pessoal e observação | |
A | Engenheiro de Projetos | Alemão, expatriado (há 6 meses) para o Brasil | E2 Idade:33 anos Expatriado com 33 anos, após 2 anos de empresa | Entrevista pessoal e observação |
Pesquisador de Propriedade Intelectual | Colombiano naturalizado brasileiro, expatriado para os EUA (2 anos) e repatriado | E3 Idade: 36 anos Expatriado com 32 anos, após 2 anos de empresa | Entrevista on line | |
Gerente de RH - mobilidade | Brasileira, nunca expatriada | E4 Idade: 30 anos | Entrevista pessoal e observação | |
B | Gerente de Planejamento Global | Brasileiro expatriado para a Venezuela (3 anos) e México (3 anos) e repatriado (seis meses) | E5 Idade: 31 anos Expatriado com 25 anos e 2 anos de empresa | Entrevista pessoal e observação |
Gerente de Produto | Brasileiro expatriado (há 6 meses) para o México | E6 Idade: 28 anos Expatriado com 27 anos e após 5 anos de empresa | Entrevista on line |
Fonte: Elaborado pelos autores (2018).
Para melhor compreender o fenômeno do processo de expatriação, utilizou-se a triangulação dos dados por meio das fontes: as entrevistas, os documentos consultados e a observação não participante. O material foi submetido à análise de conteúdo, contemplando as fases propostas por Bardin (2009). Esta pesquisa contempla cinco categorias de análise: recrutamento e seleção; treinamento e desenvolvimento; compensação; carreira e avaliação de desempenho.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Independente das estratégias de internacionalização, as multinacionais A e B, executam a estratégia por meio dos expatriados. Tal constatação converge os estudos de Rocha & Borini (2011), ao considerarem o expatriado o principal mecanismo de transferência de conhecimento entre a matriz e a subsidiária. O direcionamento é expatriar os brasileiros para disseminar a cultura empresarial, o conhecimento e alavancar o negócio, a E4 (Gerente de RH), relata que “sempre têm um brasileiro em todas as subsidiárias e escritórios. Mandamos mão de obra especializada, com experiência”. O E2 (Engenheiro de Projetos), expatriado da subsidiária da Alemanha para a matriz no Brasil, relata sua experiência:
Me mandaram para cá da Alemanha para trazer boas práticas e fazer benchmarking e mandaram uma engenheira daqui para meu cargo lá com o mesmo intuito. Uma troca de experiências, e maneiras de fazer. Isso para internacionalizar mais a empresa, as práticas e manter a conexão da empresa que quer deixar de ser brasileira e ser mais global.
Outra semelhança detectada nas multinacionais pesquisadas consiste no direcionamento da GRHI para a gestão da expatriação, onde primeiramente analisam o motivo da missão para, posteriormente, procurar o empregado com perfil técnico e comportamental para atender a necessidade da empresa. A E1 (Gerente de RH) explana “quando a empresa abre uma vaga para expatriação, a GRHI olha para necessidade do negócio versus experiência e competência da pessoa, olha quem se encaixaria”. Para os expatriados das subsidiárias fora do Brasil, a estratégia para mantê-los conectados com a matriz é trazendo-os anualmente para o Brasil.
O processo de expatriação aborda cinco práticas identificadas na literatura, cujas evidências constatadas nas duas multinacionais A e B são apresentadas de forma sintética no Tabla 2.
Prática de Recrutamento e Seleção
Embora as multinacionais A e B façam a abertura da vaga de expatriação exclusivamente interna, o que converge para as concepções de Yahiaoui (2014), constata-se que a GRHI incorre em uma prática de recrutamento não estruturada, onde não há perfil predefinido do expatriado, e cujas decisões sobre a seleção ocorrem no âmbito da diretoria. Tal tipo de indicação, corrobora os achados da pesquisa de Orsi et al. (2015), ao expor como uma deficiência do processo seletivo. A E4 (Gerente de RH) relata que “as decisões quanto à expatriação estão sempre relacionadas às necessidades do negócio, não são ligadas a carreira do empregado e, muito menos, influenciadas pela GRHI”. O depoimento do E5 (Gerente de Planejamento Global) explica sua experiência de recrutamento.
Multinacionais | Late Movers | |
Prática | A | B |
Recrutamento e Seleção | 3 anos Sem perfil pré-definido Recrutamento interno Indicação do expatriado pela direção Observação dos critérios seletivos | 3 anos Sem perfil pré-definido Recrutamento interno Indicação do expatriado pela direção Observação dos critérios seletivos |
Treinamento e Desenvolvimento | Treinamento cultural e linguístico Não há treinamento para repatriação Desenvolvimento: Coaching, job rotation, e reuniões informais | Treinamento cultural e linguístico Não há treinamento para repatriação Desenvolvimento: não há |
Compensação | Plano de equivalência do país de destino; Adicional de custo de vida Pacote de benefícios | Plano de equivalência do país de destino; Adicional de custo de vida Pacote de benefícios |
Carreira | Não há acordo formal ou informal para a repatriação; Expatriação no início da carreira: 2 anos de empresa e 32 anos de idade do empregado | Não há acordo formal para a repatriação; Expatriação no início da carreira: 3 anos de empresa e 26 anos de idade do empregado. |
Avaliação de desempenho | Não possui específica para expatriado | Não possui específica para expatriado |
Fonte: Elaborado pelos autores (2018).
Eu fui expatriado duas vezes. Na primeira delas, eu trabalhava na holding, numa área que era igual a posição que eu ia ocupar na expatriação. Não tenho o conhecimento que está por trás do processo ou como fui identificado, mas eu entrei no processo de recrutamento interno para a vaga da expatriação. A segunda expatriação foi dentro de uma oportunidade, e eu fui indicado pela minha chefe para participar dessa seleção, um pouco por uma readequação, eu já estava na região e eu iria para uma outra para cuidar de uma região maior que compreendia esta primeira. Tanto uma expatriação quanto a outra foram por indicação da diretoria.
As transferências de longo prazo (expatriação), objeto desta pesquisa, nas multinacionais A e B têm duração estabelecida em três anos, com prazos de prorrogação que variam de 12 a 36 meses, previstos contratualmente. E, apesar de não haver um processo seletivo para a escolha do expatriado, cabe ao GRH dar suporte na observação de critérios como: experiência profissional, conhecimentos técnicos e comportamentais além das entrevistas. O E5 (Gerente de Produto), destaca “pesaram mais as competências comportamentais tanto que fiz um assessment para poder identificar meu perfil e validar a indicação do cargo, e testaram meu idioma”.
A análise dos critérios observados na seleção do expatriado vão ao encontro da experiência profissional (Bohlander et al., 2012; Tye & Chen, 2005; Dowling et al. 1998), do domínio da língua estrangeira (Rego & Cunha, 2009; Yahiaoui; 2014), e flexibilidade e ajustamento familiar (Schulze & Bustamante, 2015; Cho et al., 2012; Mendenhall et al., 1987). Além disso, essa pesquisa vai ao encontro das pesquisas (Ettinger et al., 2016; Rego & Cunha, 2009;), pois revelou que, por ocasião da escolha do expatriado, atribuem um peso maior às competências comportamentais do que às competências técnicas ou domínio da língua estrangeira. E, contrariamente ao estudo de Yahiaoui (2014), onde ao seleccionar gerentes expatriados o GRHI atribuiu um peso maior às competências técnicas e idade, sendo que este último é explicado pela cultura tunisiana orientada pelo respeito aos mais velhos.
Prática de Treinamento e Desenvolvimento
De modo geral, a atuação dos GRHI das multinacionais A e B focam em ações de curto prazo, por isso suas práticas de treinamento centram-se antes da partida, onde são oferecidos formação cultural, como relata a E1 (Gerente de RH) “ainda durante o processo de obtenção do visto e trabalho, é ministrado um treinamento cultural, durante um dia inteiro, para o futuro expatriado e família”. Contudo, negligenciam a oferta do treinamento cultural para a repatriação, o que converge com as evidências registradas por Lima & Braga (2010). Ainda fornecem a formação linguística (antes e durante a missão) extensivos às famílias, com vistas a preparar o expatriado para a missão (Cho et al. 2012; Rego & Cunha, 2009; Caligiuri & Tarique, 2006; Tung, 1982).
A multinacional B, por sua vez, utiliza suas subsidiárias como local de treinamento para desenvolver os expatriados na construção de seus recursos gerenciais e globais, que converge com as pesquisas de Zhang & Fan (2014). O E6 (Gerente de Produto) relata que “como a posição era igual à que tinha no Brasil, não tive treinamento, foi on the job, apenas passei por treinamentos pontuais no México”. E o E5 (Gerente Global de Planejamento) expõe:
Na Venezuela eles eram muito mais comportamentais, então eles contratavam um coaching e faziam uma atividade comigo local, inserido dentro do meu plano de desenvolvimento individual (PDI) da subsidiária. Começou com um coaching direto com o diretor geral e depois um especialista de RH durante dois anos. No México já foram mais treinamentos técnicos e muita viagem então foi mais um plano de atividades focado na operação.
Apesar do programa de expatriação ser crucial para a construção da carreira de gestores de classe mundial (Rego & Cunha, 2009; Cho et al., 2012;), apenas a multinacional A registra a oferta de ações de desenvolvimento como coaching, job rotation, e reuniões informais (Cho et al., 2012; Rego & Cunha, 2009; Caligiuri & Tarique, 2006). De forma que os depoimentos dos expatriados revelam que o desenvolvimento é um objetivo secundário das multinacionais e destacam que tais práticas são locais e destinadas a atender as necessidades da subsidiária do país de destino, não fazendo, portanto, parte da estratégia de desenvolvimento da matriz (país de origem), e revelando um gap na atuação da GRHI da matriz.
Prática de Compensação
A prática para a compensação do expatriado nas multinacionais A e B, é empregar o plano de equivalência baseado no país de origem (Orsi et al; 2015; Reynolds, 1997), e em caso de haver diferença de custo de vida, acrescenta-se um percentual para superá-la, que converge com o critério de localização (Orsi et al., 2015; Wentland, 2003;). A E1 (Gerente de RH) relata “por exemplo, um brasileiro expatriado para a Alemanha, onde o custo de vida é 10% mais caro, então aplicamos esse percentual no salário”. Contudo, há flexibilidade de benefícios e exceções nas negociações das multinacionais para compensar expatriações cujas questões culturais são muito diferentes do país de origem, como por exemplo para a China. O E2 (Engenheiro de Projetos) relata sua de expatriação da Alemanha (origem) para o Brasil (destino):
Pegaram o salário bruto e ofereceram o mesmo aqui (Brasil) e acrescentaram uma taxa de variação de custo de vida comparando Frankfurt a Curitiba convertida na taxa de câmbio, da moeda euro, na data de expatriação. Subtraíram os impostos alemães e os impostos brasileiros, e acrescentaram mais 30% de mobilidade e mais 30% para auxílio moradia. A taxa de câmbio estava mais Baixa quando cheguei no Brasil, e agora está mais alta, então perdi dinheiro. Acho que podia revisar o contrato ao longo do período da expatriação.
Baseado nos dados empíricos, constatou-se que as multinacionais A e B não possuem uma prática de compensação padronizada, concedem exceções e negociam cada expatriação, antes da aceitação da missão sem, contudo, ser revisada periodicamente ou ainda adaptada à realidade da subsidiária. Ademais, são focadas exclusivamente nas recompensas financeiras desconsiderando as recompensas intangíveis como segurança e reconhecimento, ambos ligados à repatriação (Orsi et al, 2015; Bonache & Fernandez, 1997). Tais constatações vão ao encontro da pesquisa de Orsi et al. (2015), com multinacionais brasileiras que também não incluem a repatriação em seus contratos de expatriação. E indo de encontro às pesquisas de Shen & Xhi (2018), ao revelarem que as recompensas não-monetárias influenciam na percepção de satisfação da expatriação ao passo que as recompensas tangíveis não influenciam.
Prática de Desenvolvimento de Carreira
As multinacionais proporcionam a experiência internacional no início da carreira do profissional, sendo que a média de tempo de empresa na multinacional A é de dois anos e 32 anos de idade do empregado, e na multinacional B é de três anos de empresa e 26 anos de idade do empregado. Tais constatações vão ao encontro da pesquisa de Rego & Cunha (2009), e contrariamente à pesquisa de Yahiaoui (2014). Ademais, a administração da carreira dos expatriados não prevê acordo formal ou informal com relação aos cargos a serem assumidos na repatriação e ou ainda estabilidade na repatriação. A E4 (Gerente de RH) expõe “quando participo do grupo de expatriação, percebo que tem empresas mais maduras no processo de mobilidade internacional”, e a E1 (Gerente de RH), complementa “acho que as empresas estrangeiras que estão expatriando a mais tempo tem isso mais estruturado do que as brasileiras”, demonstrando a imaturidade na estruturação da prática de carreira das multinacionais pesquisadas. Os relatos dos entrevistados E5 (Gerente Global de Planejamento) e o E6 (Gerente de Produto), corroboram essa realidade das multinacionais brasileiras.
Não existe acordo formal garantindo uma posição na volta, mas pelo histórico da companhia o processo funciona assim: os chefes indicam que vão estar atentos a oportunidades na volta, eles têm esse cuidado, a gestão é fina e delicada e junto com o GRHI. Por exemplo, aquele contrato de expatriação está vencendo junto com essa oportunidade que se abriu no país de origem, então o GRHI antecipa o vencimento da expatriação para aproveitar a posição que libou. O contrato de expatriação é de 3 anos, contudo as posições mais altas não existem assim a qualquer tempo, por isso é necessário antecipar o vencimento da expatriação (E5 - Gerente de Planejamento Global).
Estou apenas há 6 meses expatriado, mas depois de um ano e meio as entregas serão consolidadas e, depois disso, vou ficar incomodado. O que vai acontecer daqui para frente? O que vai acontecer no futuro? O que está sendo pensado para mim? (E6 - Gerente de Produto).
Consoante com os depoimentos, e visando não perder o investimento e percurso de aprendizagem do expatriado, próximo ao término da expatriação, o GRHI das multinacionais mapeia as posições disponíveis e analisa a situação da empresa visando garantir retorno ou nova expatriação com equivalência de posição. A E4 (Gerente de RH), explana “não sabemos a posição que estará aberta, quando não alocamos na matriz, alocamos em alguma empresa do grupo, e há a possibilidade de transferência definitiva”. Muito embora, nas multinacionais pesquisadas, o ciclo completo da expatriação abranja a missão e a repatriação, os depoimentos demonstram que as práticas são focadas em ações reativas e atuação burocrática, sem uma visão estratégica da expatriação, corroborando com o entendimento de Lima & Braga (2010) designado de miopia do GRHI.
Prática de Avaliação de Desempenho
Os estudos de caso das duas multinacionais A e B, fornecem uma rica descrição contextual essencial para entender as lacunas do processo de expatriação, principalmente acerca do sistema de gestão de desempenho. Muito embora esta prática seja baseada nos critérios de identificação de potencial e avaliação de habilidades (a cada 3 anos), tal avaliação nem sempre é utilizada para identificação da mobilidade de funcionários. Isso porque a seleção do expatriado é realizada por indicação da diretoria, o que corrobora com a pesquisa de Orsi et al. (2015), sendo que tal tipo de indicação mostra a deficiência do processo seletivo e reforça a baixa estruturação do processo de expatriação como um todo. Tal constatação empírica, diverge da pesquisa de Yahiaoui (2014) em duas empresas, matriz e subsidiária, onde a avaliação de desempenho subsidia não somente a prática de seleção como também as práticas de treinamento e desenvolvimento, progressão da carreira e remuneração para o expatriado.
Embora não haja uma prática de avaliação de desempenho formal e estruturada, exclusiva para a condição de expatriado, o sistema de gestão de desempenho das multinacionais, contribui para a consulta sobre a performance do empregado. Tais constatações estão em consonância com Orsi et al. (2015) e Ivancevich (2008), ao considerarem que tal prática auxilia nas tomadas de decisão organizacionais. O E3 (Engenheiro de Propriedade Intelectual) relata o processo de avaliação de desempenho na multinacional A.
Na empresa o processo de avaliação é o mesmo para empregado local e expatriado, é uma prática global. No meu caso, continuei com o mesmo líder aqui no Brasil e lá nos EUA, na realidade não tive um líder lá, ele era localizado aqui. Tivemos reuniões mensais para acompanhamento dos resultados. Assim, ele conseguia acompanhar o meu desempenho e o desenvolvimento do projeto, sendo assim essa avaliação contribuiu para mim na condição de expatriado.
A configuração da prática de avaliação de desempenho informal nas multinacionais A e B, assim como o depoimento anterior demonstra que, por vezes, os feedbacks de avaliação de desempenho ocorrem pela pró-atividade do gestor imediato ou do expatriado mediante solicitação. Empiricamente, caso o expatriado, na repatriação, voltar em posições melhores, evidencia-se que o balanço da expatriação foi positivo e o feedback também. O E5 (Gerente de Planejamento Estratégico) destaca, “não houve feedback sobre meu desempenho na expatriação. Seria importante ter, pois o expatriado tem níveis de exigência mais fortes do que os locais”. Já o E6 (Gerente de Produto), sugere que “a avaliação de desempenho atual, que vale para todos da companhia, poderia contemplar algumas perguntas específicas para a condição de expatriado”.
CONCLUSÕES
A expansão e condução dos negócios internacionais das multinacionais brasileiras ocorre por meio de subsidiárias, e estas dependem da transferência de empregados para a execução da estratégia. Tal mobilidade da mão-de- obra traz consigo novos desafios para a GRHI na gestão do processo de expatriação. Contudo, os resultados empíricos apontam que a GRHI das multinacionais A e B desenvolvem um papel operacional na condução do processo de mobilidade internacional de longo prazo (expatriação), sem ter uma visão sistêmica e estratégica, que contribua para a gestão da carreira do expatriado bem como para planos de sucessão das multinacionais.
A pesquisa evidenciou, que empiricamente as multinacionais A e B possuem práticas de expatriação semelhantes. As semelhanças foram constatadas na estruturação das práticas de recrutamento e seleção, treinamento, compensação, desenvolvimento na carreira e avaliação desempenho. A diferença encontrada reside na prática de desenvolvimento, que na multinacional A é contemplada com ações de coaching, job rotation, e reuniões informais, e na multinacional B inexiste.
Mesmo as fragilidades, foram constatadas tanto na multinacional A quanto na B, principalmente nas práticas de desenvolvimento na carreira e avaliação de desempenho. Na prática de desenvolvimento de carreira, um ponto nevrálgico em ambas multinacionais pesquisadas, evidenciou-se que não proporcionam acordo formal ou informal sobre a repatriação, tão menos um plano de desenvolvimento da carreira do empregado. E na prática de avaliação de desempenho, não contemplam a avaliação específica para a condição de expatriado, além de não fornecer subsídios para a tomada de decisão sobre seleção, treinamento, carreira e compensação do expatriado nas multinacionais.
A pesquisa evidenciou a informalidade das práticas bem como a baixa estruturação do processo de expatriação de ambas multinacionais, podendo ser justificada pela recente exposição ao mercado internacional. Tal constatação converge com (Djodat & Zu Knyphausen-Aufseß, 2017; Bartlett & Ghoshal, 2000), quando explicam que as multinacionais latem movers, entraram depois do mercado estar consolidado e reforçam os estudos de Fleury & Fleury (2012) ao enfatizarem que as práticas de GRHI são consideradas a mais fraca competência nas multinacionais brasileiras.
O estudo contribui para a literatura existente das seguintes formas. Primeiro, como contribuição organizacional pontual, fornece subsídios empíricos para as multinacionais brasileiras e late movers, tendo em vista a ausência de estudos sobre a GRHI na América Latina (Bianchi, 2015) e nos países do BRIC´s (Budhwara, et al, 2017). Em segundo, como contribuição teórica, colabora para o avanço do tema, pois poucas pesquisas e pesquisadores já se aprofundaram em estudos considerando a perspectiva metodológica com duplo foco - da organização e do profissional. Em terceiro, apresenta tendências no que se refere à mobilidade de trabalho internacional como o aumento de transferências definitivas, ocasionando a redução do número de expatriações de longa duração (foco deste estudo), bem como o aumento das missões de curta duração (de três meses até um ano), reduzindo os custos relacionados aos benefícios dos expatriados para as multinacionais.
Dentre as limitações da pesquisa, constata-se o reduzido número de organizações investigadas. E, como segunda limitação, a possibilidade de os entrevistados terem recorrido a um viés otimista, ao apresentarem as práticas, considerando terem sido indicados, de forma intencional, pelos gestores de GRHI das multinacionais pesquisadas.
Para estudos futuros, sugere-se investigar práticas de expatriação em multinacionais de outros países pertencentes ao BRIC´s, para posterior comparação entre elas. A segunda sugestão de pesquisa reside na comparação das práticas de expatriação em multinacionais early e late movers de economias emergentes e tradicionais, para verificar se há diferenças e semelhanças na estruturação das práticas, visando reforçar as teorias sobre o estado da arte.