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Avances en Psicología Latinoamericana

Print version ISSN 1794-4724On-line version ISSN 2145-4515

Av. Psicol. Latinoam. vol.37 no.2 Bogotá May/Aug. 2019

https://doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/apl/a.6073 

Artículos

Estratégias de clustering e switching na evocação lexical de adultos após acidente vascular cerebral nos hemisférios direito e esquerdo

Estrategias de clustering y switching en la evocación lexical de adultos postaccidente cerebrovascular en los hemisférios derecho e izquierdo

Clustering and Switching Strategies in Lexical Evocation of Adults Post-Stroke on the Right and Left Hemispheres

Carolina Luisa Beckenkamp*  ** 

Natália Becker* 

Jaqueline de Carvalho Rodrigues* 

Jerusa Fumagalli de Salles* 

* Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


Resumo

Comparou-se o número total de palavras evocadas, número de clusters e de switches e média do tamanho de clusters em fluência verbal com critério semântico e ortográfico, e o desempenho entre essas tarefas em cada grupo. Analisaram-se correlações entre essas variáveis e dados sociodemográficos. Participaram 43 adultos após lesão cerebrovascular (11 com lesão no hemisfério cerebral direito - LHD; 32 com lesão no hemisfério cerebral esquerdo - LHE) e 40 adultos neurologicamente saudáveis. Os principais resultados indicaram maior número de palavras evocadas e número de clusters e de switches em ambas tarefas de fluência verbal dos indivíduos saudáveis em relação ao grupo com LHE, mas desempenho similar ao grupo com LHD. Na tarefa com critério ortográfico, o grupo com LHD evocou maior número de palavras, de clusters e de switches do que o grupo com LHE. Os grupos apresentaram melhor desempenho em fluência verbal semântica, em relação à ortográfica. Análises qualitativas permitiram identificar processos cognitivos distintos em fluência verbal após lesão cerebrovascular unilateral.

Palavras-chave: acidente vascular cerebral; fluência verbal; funções executivas; avaliação neuropsicológica

Abstract

We compared the total number of words generated, the raw number of clusters and switches and mean cluster size in verbal fluency with semantic and phonemic criteria, and the performance between these tasks in each group. We analyzed the correlations between these variables and sociodemographic data. The sample consisted of 43 adults after stroke (11 with right cerebral hemi-sphere lesion - RHL; 32 with left cerebral hemisphere lesion - LHL) and 40 neurologically healthy adults. The main results indicated better performance on the total number of words and the raw number of clusters and switches in both verbal fluency tasks of healthy adults compared to LHL, but similar performance to RHL. In the task with phonemic criteria, the RHL group had a higher total number of words, number of clusters and switches than LHE. The groups presented a better performance in semantic verbal fluency than phonemic verbal fluency. Qualitative analysis identified cognitive processes underlying the total number of words evoked in verbal fluency after unilateral stroke.

Keywords: Stroke; verbal fluency; executive functions; neuropsychological assessment

Resumen

Se comparó el número total de palabras producidas, el número de clusters y switches y la media del tamaño de clusters en fluencia verbal con criterio semántico y ortográfico, y el desempeño entre estas tareas en cada uno de los grupos. Se analizaron correlaciones entre estas variables y datos sociodemográficos. En la muestra hubo 43 adultos con lesión cerebrovascular (11 con lesión en el hemisferio cerebral derecho - LHD, 32 con lesión en el hemisferio cerebral izquierdo -LHE) y 40 adultos neurológicamente saludables. Los resultados principales indicaron un mayor número de palabras producidas, número de clusters y switches en ambas tareas de fluencia verbal en los adultos del grupo control en comparación con el grupo con LHE, pero un rendimiento similar en el grupo con LHD. En la tarea con criterio ortográfico, el grupo con LHD produjo mayor número de palabras, clusters y switches que el grupo con LHE. Los grupos presentaron mejor desempeño en fluencia verbal semántica en comparación con la ortográfica. Análisis cualitativos permitieron identificar procesos cognitivos distintos en fluencia verbal después de lesión cerebrovascular unilateral.

Palabras clave: accidente cerebrovascular; fluencia verbal; funciones ejecutivas; evaluación neuropsicológica

Introdução

A avaliação da fluência verbal (FV) é realizada através de tarefas nas quais é preciso evocar o maior número de palavras possível, de acordo com um critério estabelecido (fonêmico-ortográfico ou semântico), durante um período determinado, geralmente, um minuto (Weakley & Schmitter-Edgecombe, 2014). Na avaliação da fluência verbal fonêmico-ortográfica (FVO), orienta-se que os indivíduos produzam palavras que iniciem com uma determinada letra do alfabeto. Nas tarefas de fluência verbal semântica (FVS), por sua vez, o examinando deve evocar palavras pertencentes a categorias semânticas como "animais", "partes do corpo" ou "frutas", por exemplo (Santana & Santos, 2015). Enquanto que a FVO requer estratégias de busca na recuperação da memória lexical ou fonológica, a FVS envolve busca pela memória conceitual ou semântica (Birn et al., 2010). Além da memória, essas tarefas exigem adequada capacidade da linguagem (acesso lexical) e das funções executivas, ou seja, selecionar mentalmente as palavras pretendidas, ter flexibilidade cognitiva para mudar a estratégia de busca e não repetir as palavras já ditas, além de inibir as que não contemplam o critério estabelecido (Barry, Bates & Labouvie, 2008).

O desempenho geral, ou seja, o número total de palavras evocadas corretamente, é o escore mais utilizado nas tarefas de FV (Weakley & Schmitter-Edgecombe, 2014). Contudo, essa medida não informa os múltiplos processos cognitivos envolvidos na FV, que explicam por que um paciente teve pior desempenho do que outro (Price et al, 2012; Troyer, Moscovitch & Winocur, 1997). Ademais, conforme a teoria de acesso ao léxico proposta por Levelt, Roelofs e Meyer (1999), alterações em qualquer um dos níveis representacionais envolvidos no processo de produção das palavras poderiam prejudicar o desempenho em FV, mas a soma do total de palavras não permite acessar essa informação. A fim de aprimorar a avaliação dos processos cognitivos subjacentes à FV, Troyer et al. (1997) propuseram a dissociação de dois componentes que permitem a análise qualitativa das estratégias de evocação: clustering (agrupamento) e switching (alternância).

Clustering corresponde à produção de palavras consecutivas que podem ser agrupadas em uma mesma subcategoria semântica (por exemplo, ovelha, cavalo e boi pertencem à categoria animais de fazenda) ou fonêmico-ortográfica (como falar, fada e fazer, que iniciam com as duas primeiras letras iguais, ou ficar e falar, palavras que rimam). Switching refere-se à habilidade de alternar de uma subcategoria (cluster) para outra (por exemplo, alternar da subcategoria animais de fazenda para a categoria animais domésticos na FVS ou da subcategoria duas primeiras letras iguais para rimas, no caso da FVO). Trocas entre subcategorias e palavras isoladas, ou seja, que não formam clusters com outras palavras, também são computadas como switches. Considera-se um bom desempenho em FV quando há uma produção de clusters fonêmicos-ortográficos e/ou semânticos até esgotar uma subcategoria, para então alternar (switches) para uma nova subcategoria (Troyer et al., 1997). O componente de clustering é mais dependente da memória verbal semântica e do armazenamento de palavras, relacionadas ao funcionamento do lobo temporal, enquanto que o componente de switching associa-se ao lobo frontal, envolvendo os processos de busca e flexibilidade cognitiva (Troyer, Moscovitch, Winocur, Alexander & Stuss, 1998). Há evidencias de que a análise destes componentes dissociáveis permite detectar níveis sutis de comprometimento cognitivo precocemente (Nikolai et al., 2017). Desse modo, as medidas qualitativas podem contribuir com o planejamento de intervenções em fases iniciais do declínio cognitivo.

Em adultos neurologicamente saudáveis, identificam-se padrões no desempenho em tarefas de FV conforme variáveis sociodemográficas como idade e escolaridade. O estudo de Troyer (2000) evidenciou que o aumento da idade influência o número total de palavras geradas e está relacionada à produção de menor número de switches e de clusters maiores. Por outro lado, o nível educacional teve pouca influência sobre os componentes de clustering e switching, estando associado apenas a um maior número total de palavras evocadas, tanto em FVO quanto em FVS. Outros estudos corroboram que as medidas de FV são sensíveis tanto aos efeitos de idade quanto de escolaridade (Esteves et al., 2015; Moraes et al., 2013). Tombaugh, Kozak e Rees (1999), porém, indicaram que na tarefa de FVO com as letras F, A e S o nível de escolaridade teve maior influência sobre o desempenho do que a idade, ao contrário do que ocorreu na tarefa de FVS com a nomeação de animais. Esse achado pode ser atribuído ao maior conhecimento léxico-ortográfico exigido pela FVO, enquanto que em FVS o uso de estratégias de imagem mental facilita a evocação de respostas.

Até o presente momento, apenas um estudo brasileiro utilizou análises de clustering e switching, além do número de palavras evocadas e a conformação de redes semânticas, para avaliar a FVS (categoria roupas e vestimentas) em adultos pós Acidente Vascular Cerebral (AVC) com lesão no hemisfério cerebral direito (Becker, Muller, Rodrigues, Villavicencio, & Salles, 2014). O grupo clínico, com 11 pacientes, foi comparado a um grupo de 11 adultos saudáveis. Os pacientes com lesões subcorticais e predominantemente frontais apresentaram escore deficitário no número de palavras e na variável switching. Pela comparação entre grupos, contudo, não houve diferenças significativas nos desempenhos nas variáveis de clustering e switching e na análise de grafos (conformação das redes semânticas). Entende-se que o local específico da lesão pode ter interferido no uso de estratégias de evocação lexical e comprometido as comparações dos grupos, dada a heterogeneidade de características neurológicas dos pacientes e o possível impacto do tamanho reduzido da amostra sobre os resultados. Ainda, este estudo utilizou apenas a tarefa de FVS, sendo inconclusivo em relação ao desempenho na FVO em lesões de hemisfério cerebral direito.

Dado que o AVC pode atingir múltiplas regiões cerebrais, o desempenho prejudicado nas tarefas de FV pode ser atribuído a dificuldades em diferentes processos cognitivos. Há evidencias de que o desempenho deficitário em FVO está mais associado a lesões frontais esquerdas, enquanto que dificuldades em FVS relacionam-se principalmente a lesões no córtex temporal esquerdo (Baldo, Schwartz, Wilkins & Dronkers, 2006). Contudo, sabe-se que o hemisfério direito também atua nos processos discursivo, léxico-semântico, prosódico e pragmático (Fonseca, Fachel, Chaves, Liedtke & Parente, 2007). Alterações léxico-semânticas sutis podem ser observadas em tarefas de FV em pacientes com lesões no hemisfério cerebral direito (Abusamra, Cóté, Joanette & Ferreres, 2009), de modo que esse grupo clinico tende a produzir menos palavras do que indivíduos saudáveis.

Considerando a importância da compreensão dos déficits cognitivos após o AVC em adultos falantes do Português e as divergências nos resultados de estudos analisando clustering e switching em tarefas de FV, é necessário dar seguimento à investigação desses componentes e suas implicações na evocação lexical de adultos com lesões cerebrais. Ainda, a análise qualitativa do desempenho em FV pode identificar as estratégias de evocação, proporcionando subsídios para o delineamento de intervenções. Portanto, o presente estudo teve como objetivos (a) comparar o desempenho quantitativo e nas variáveis de clustering e switching em tarefas de FVO e FVS entre dois grupos de pacientes pós AVC (lesão no hemisfério cerebral direito e lesão no hemisfério cerebral esquerdo) e adultos neurologicamente saudáveis (grupo controle) e (b) comparar os desempenhos nas duas tarefas de FV entre si em cada grupo. Adicionalmente, pretendeu-se (c) verificar se as variáveis sociodemográficas idade, escolaridade e hábitos de leitura e escrita estão associadas ao desempenho nas tarefas de FV. Espera-se que o grupo com lesão no hemisfério esquerdo (LHE) apresente desempenho quantitativo inferior comparado ao grupo controle em FVO, já que as funções linguísticas relacionadas a essa tarefa tendem a ser associadas principalmente ao hemisfério cerebral esquerdo (Baldo et al, 2006). Em função disso, o grupo com lesão no hemisfério direito (LHD) apresentará desempenho geral similar ao grupo controle em FVO. Na tarefa de FVS, espera-se que o menor desempenho geral ocorra no grupo com LHE, devido à dificuldade no acesso lexical (Birn et al, 2010; Fontoura, Rodrigues, Parente, Fonseca & Salles, 2013). O grupo com LHD apresentará desempenho geral superior ao grupo com LHE, mas inferior ao grupo controle em FVS, tendo em vista o papel do hemisfério cerebral direito no processamento léxico-semântico (Abusamra et al, 2009). Em relação ás variáveis de clustering e switching, a hipótese é de que o grupo com LHE apresentará maior tamanho de clusters do que o grupo com LHD, mas este evocará maior número de switches e de clusters nas tarefas de FV (Baldo, Schwartz, Wilkins & Dronkers, 2010; Becker et al, 2014). Nas análises intragrupos, espera-se que o desempenho geral na FVS seja superior ao da FVO para todos os grupos, tendo em vista que na tarefa de FVO há maior uso de processos controlados relacionados às funções executivas (Moscovitch, 1994). Finalmente, sugere-se que o número total de palavras evocadas em FVO e FVS tanto por pacientes quanto por adultos saudáveis estará associado à idade e à escolaridade (Esteves et al, 2015). Espera-se que a idade apresente correlação com o número de switches e tamanho dos clusters no grupo controle (Troyer, 2000), enquanto que no grupo clínico a escolaridade e os hábitos de leitura e escrita estarão associados a essas variáveis em ambas tarefas de FV, dada a importância dos anos de estudo na recuperação das funções cognitivas após lesão (Desmond et al, 2000).

Método

Participantes

Participaram deste estudo 83 adultos e idosos, sendo 43 pacientes após AVC e 40 adultos neurologicamente saudáveis (tabela 1). Os pacientes foram divididos em dois grupos: (1) lesão no hemisfério direito (LHD) (n = 11); (2) lesão no hemisfério esquerdo (LHE) (n = 32), sendo 17 não afásicos e 15 com afasia predominantemente expressiva. Inicialmente, os pacientes com LHE foram divididos em dois grupos, conforme a presença ou ausência de diagnóstico de afasia. Porém, análises de comparação de grupos demonstraram que os pacientes com LHE sem afasia não se diferenciaram dos afásicos em nenhuma das variáveis analisadas (p < 0.05), em ambas as tarefas de FV. Assim, optou-se por unir os pacientes com LHE em um único grupo clinico.

Tabela 1 Dados sociodemográficos e características dos participantes, por grupo 

Nota: LHD = lesão no hemisfério cerebral direito; LHE = lesão no hemisfério cerebral esquerdo; AVC = acidente vascular cerebral; M = média; DP = desvio-padrão; Fe = feminino; M = masculino; L = leitura; E = escrita; pré = hábitos de leitura e escrita antes do AVC; pós = hábitos de leitura e escrita após o AVC.

aAnálise com Qui-quadrado para verificar diferenças entre os grupos.

Os pacientes foram recrutados do ambulatório de doenças cerebrovasculares de um hospital universitário do sul do Brasil. Os participantes neurologicamente saudáveis foram selecionados por conveniência da comunidade em geral, emparelhados aos pacientes por sexo, idade, anos de estudo e hábitos de leitura e escrita. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa de um hospital geral de Porto Alegre (processo número 100149) e da universidade onde o estudo foi desenvolvido (processo número 20090128). Todos os participantes autorizaram a sua participação através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Adotaram-se os seguintes critérios de inclusão para todos os participantes: dominância manual direita; monolíngue e falante do português brasileiro; mínimo de quatro anos de estudo formal; ausência de diagnóstico neurológico (apenas o AVC nos grupos clínicos) ou psiquiátrico (auto-relato), sendo avaliados indícios de depressão através do Inventário Beck de Depressão - BDI (Cunha, 2001) ou da Escala de Depressão Geriátrica Yesavage -versão reduzida - GDS-15 (Almeida & Almeida, 1999); inexistência de histórico de uso abusivo de drogas ilícitas ou álcool, bem como de dificuldades de visão e audição não corrigidas. Foram excluídos participantes que apresentavam dificuldades significativas de compreensão da linguagem oral, avaliadas com o Token Test - versão reduzida (Fontanari, 1989; Moreira et al., 2011), tarefas de compreensão oral do Instrumento de Avaliação Neuropsicolinguística Breve para Afásicos Expressivos Neupsilin-Af (Fontoura, Rodrigues, Parente, Fonseca, & Salles, 2011) e com o teste de Boston para Diagnóstico das Afasias - versão reduzida (Goodglass, Kaplan & Barresi, 2001; Radanovic, Mansur & Scaff, 2004). O resultado deste último teste também foi utilizado para classificar os afásicos predominantemente expressivos, durante avaliação com fonoaudióloga.

Os pacientes apresentaram episódio de AVC isquêmico ou hemorrágico somente em um hemisfério cerebral, independentemente da região (cortical ou subcortical) e local específico de lesão (lobo cerebral), confirmado por exames de neuroimagem e por avaliações neurológicas.

Tabela 2 Dados neurológicos dos grupos clínicos (LHD e LHE) 

Nota: LHE = lesão no hemisfério cerebral esquerdo; LHD = lesão no hemisfério cerebral direito; AVC = acidente vascular cerebral; I = isquêmico; H = hemorrágico; TH = transformação hemorrágica; NE = não especificado.

As avaliações neuropsicológicas ocorreram entre um e 123 meses após o AVC. Os dados disponíveis sobre as lesões neurológicas dos grupos clínicos (LHD e LHE) são apresentados na tabela 2. Apenas nos participantes do grupo controle foram avaliados indicativos de comprometimento cognitivo ou demência através do Mini Exame do Estado Mental - MEEM (Folstein, Folstein & McHugh, 1975; versão adaptada por Chaves & Izquierdo, 1992; Kochhann, Varela, Lisboa & Chaves, 2010), não sendo verificado déficit cognitivo global.

Instrumentos

As tarefas de FVO e FVS fazem parte do subteste de funções executivas do Instrumento de Avaliação Neuropsicolinguística Breve para Afásicos Expressivos Neupsilin-Af (Fontoura et al., 2011). Na tarefa de FVO, solicita-se que o participante verbalize o maior número de palavras que iniciem com a letra F, exceto nomes próprios, palavras derivadas do mesmo radical (ex: fazer, fazia, feito, fará) e/ ou variações de número e gênero, considerados erros. Na tarefa de FVS, orienta-se ao participante que verbalize o maior número de palavras na categoria animais. São desconsiderados erros as variações em número e gênero (ex: galo, galinha) e/ou palavras que não sejam animais. Ambas as tarefas tem duração de dois minutos.

Foram analisados cinco escores para cada tarefa de FV: número total de palavras evocadas (excluindo-se palavras repetidas e erros), o escore padronizado (Escore Z) pela amostra do número total de palavras evocadas, média do tamanho dos clusters, número de clusters e número de switches. Os procedimentos para a obtenção dos escores de clustering e switching encontram-se descritos no estudo de Becker e Salles (2016). As autoras adaptaram os critérios do estudo original de Troyer et al. (1997) ao contexto brasileiro. Todos os protocolos foram pontuados nas quatro variáveis por dois juízes independentes. Nos casos em que não houve concordância entre os juízes, um terceiro juiz repontuou o caso. Análises de correlação intraclasse (ICC) para cada variável apresentaram valores altos, indicando ótima confiabilidade entre avaliadores. O menor limite inferior para os intervalos de confiança nas variáveis das tarefas de FVO foi 0.890, enquanto que nas tarefas de FVS foi 0.765 (Shrout & Fleiss, 1979).

Análise de dados

Análises descritivas das variáveis dependentes e sociodemográficas não apresentaram distribuição normal, conforme teste de Kolmogorov-Smirnov (p < 0.05). A fim de atender ao primeiro objetivo deste estudo, os desempenhos dos dois grupos clínicos e do grupo controle foram comparados quanto ao número total de palavras evocadas, média do tamanho de clusters, número de clusters e número de switches nas tarefas de FVO e FVS, através da análise não paramétrica de Kruskal-Wallis, corrigindo-se o valor da significância para comparações múltiplas, adotando-se um valor de significância de 5%. Para o segundo objetivo comparou-se o desempenho de cada grupo em relação às variáveis da FVO e FVS entre si, por meio de teste dos postos com sinais de Wilcoxon para medidas repetidas. Em relação ao terceiro objetivo do estudo, foram realizadas análises de correlação de Spearman entre dados sociodemográficos (idade, escolaridade e hábitos de leitura e escrita) e o desempenho dos participantes nas variáveis descritas. Para as análises de correlação, os grupos LHE e LHD foram unidos em um único grupo clínico, a fim de comparar possíveis associações com variáveis sociodemográficas entre adultos saudáveis e adultos pós-AVC, independentemente da lateralidade da lesão.

Resultados

Encontraram-se diferenças estatisticamente significativas entre os grupos em todas as variáveis analisadas (número total de palavras evocadas, número de clusters, média do tamanho dos clusters e número de switches) em ambas as tarefas (FVO e FVS) (tabela 3). Conforme esperado, o grupo com LHE evocou menor número de palavras na FVO do que o grupo controle, enquanto que o grupo com LHD teve desempenho geral similar ao grupo controle. Além disso, a hipótese de que o grupo com LHE teria o menor número de palavras evocadas entre os grupos em FVS foi refutada, uma vez que não se diferenciou do grupo com LHD, apenas do controle. Os grupos com LHD e LHE não se diferenciaram nessa variável. Os resultados mantiveram-se para as análises com os escores padronizados.

Em relação às variáveis de clustering e switching, na tarefa de FVO, o grupo com LHE apresentou número de clusters e de switches inferiores em relação aos controles e ao grupo com LHD, mas estes não se diferenciaram entre si. Em relação ao tamanho dos clusters nessa tarefa, o grupo com LHD teve desempenho similar a ambos os grupos controle e com LHE, mas este apresentou clusters menores do que o grupo controle. Em FVS, foram observadas as mesmas diferenças entre os grupos nas três medidas qualitativas (número e tamanho de clusters e número de switches). O grupo com LHD não se diferenciou dos grupos controle e com LHE nessas variáveis, mas houve diferença estatisticamente significativa entre os dois últimos grupos, na qual o grupo com LHE apresentou menor número de clusters e de switches. O grupo com LHD apresentou maior número de clusters e de switches do que o grupo com LHE em ambas as tarefas de FV, como foi hipotetizado, mas o grupo com LHE utilizou principalmente a estratégia de switching em FVO, formando clusters maiores apenas na FVS (tabela 3).

Ao comparar os desempenhos dos grupos nas tarefas de FVS e FVO entre si, identificou-se que houve diferenças entre o número de palavras evocadas. Os grupos controle (z = 3.508; p < 0.001), com LHD (z = 2.502; p = 0.012) e com LHE (z = 4.160; p < 0.001) verbalizaram significativamente mais vocábulos na tarefa de FVS, em relação à FVO. Quanto ao número de clusters, o grupo com LHD não obteve diferenças entre as tarefas de FVS e FVO (z = 1.749; p = 0.080). Por outro lado, os grupos controle (z = 3.968; p < 0.001) e com LHE (z = 3.135; p = 0.002) demonstraram maior número de clusters na tarefa de FVS, em relação à FVO.

Tabela 3 Comparações de desempenho nas variáveis das tarefas de FVO e FVS, apresentadas em mediana, intervalo interquartil, mínimo e máximo, entre os grupos 

Nota: Med = mediana, IIQ = intervalo interquartil; Mín = mínimo; Máx = máximo; N total pal. evocadas = número total de palavras evocadas; Z total pal. evocadas = escore padronizado pela amostra do número total de palavras evocadas; No clusters = número de clusters; M tam. clusters = média do tamanho dos clusters; No switches = número de switches.

As letras “a” e “b” se referem aos resultados do teste de comparações múltiplas de Dunn. Para cada variável dependente, grupos demarcados por letras diferentes apresentam diferenças estatisticamente significativas entre si.

Os grupos controle (z = 4.822; p < 0.001), com LHD (z = 2.934; p = 0.003) e com LHE (z = 4.207; p < 0.001) também apresentaram maior média do tamanho dos clusters na tarefa de FVS, em relação à FVO. Por fim, observou-se que apenas o grupo com LHE não teve diferenças no número de switches entre as tarefas de FVS e FVO (z = 0.734; p = 0.463). Os grupos controle (z = -3.869; p < 0.001) e com LHD (z = -1.962; p = 0.050) apresentaram maior número de switches na tarefa de FVO, em relação à FVS.

Análises de correlação entre as variáveis sociodemográficas e o desempenho em FV demonstraram que, em FVO (tabela 4), o total de palavras evocadas pelo grupo controle apresentou correlação negativa fraca com a idade. A escolaridade não apresentou associação com nenhuma das variáveis de desempenho analisadas no grupo controle. Os hábitos de leitura e escrita deste grupo associaram-se positivamente ao total de palavras evocadas e ao número de switches e negativamente ao tamanho dos clusters. No grupo clinico, as variáveis dependentes não apresentaram correlação com a idade. Observou-se correlação positiva entre os anos de estudo e o número total de palavras evocadas e variáveis de clustering e switching. Houve correlação positiva entre o total de palavras e o tamanho dos clusters produzidos pelo grupo clinico com os hábitos de leitura e escrita.

Na tarefa de FVS (tabela 5), o número de switches do grupo controle apresentou associação negativa fraca com a idade. A escolaridade do grupo controle associou-se positivamente ao total de palavras evocadas e ao número de switches. Houve correlação fraca entre os hábitos de leitura e escrita e o número de switches. Assim como na tarefa de FVO, não houve correlações entre as variáveis dependentes com a idade no grupo clinico, mas todas as medidas de desempenho analisadas associaram-se positivamente à escolaridade. Os hábitos de leitura e escrita deste grupo apresentaram correlação moderada com o total de palavras e o número de clusters.

Tabela 4 Correlações das variáveis da tarefa de Fluência Verbal Fonêmico-Ortográfica (FVO) com as variáveis sociodemográficas, por grupos clínico e controle 

Nota: Total pal. = número total de palavras evocadas; N o clusters = número de clusters; MT clusters = média do tamanho dos clusters; N o switches = número de switches.

* = p≤0.05; ** = p≤0.001

Tabela 5 Correlações das variáveis da tarefa de Fluência Verbal Semântica (FVS) com as variáveis sociodemográficas, por grupos clínico e controle 

Nota: Total pal. = número total de palavras evocadas; No clusters = número de clusters; MT clusters = média do tamanho dos clusters; No switches = número de switches.

* = p≤0.05; ** = p≤0.001

Discussão

O presente estudo buscou comparar o desempenho de grupos clínicos com LHD, LHE e adultos neurologicamente saudáveis no número total de palavras e nas variáveis de clustering e de switching em tarefas de FVO e FVS e comparar os desempenhos nas duas tarefas entre si em cada grupo, bem como investigar associações entre variáveis sociodemográficas e o desempenho em FV. Inicialmente, observou-se que adultos com LHE com e sem afasia não se diferenciaram em nenhuma das variáveis analisadas, tanto em FVO como em FVS, de forma que se optou por mantê-los em um mesmo grupo. É possível que os pacientes com LHE não afásicos apresentem alterações na linguagem expressiva, mesmo que não tenham sido percebidos déficits severos como nas afasias (Pawlowski et al, 2013). A lesão no hemisfério esquerdo do cérebro causa um continuum de dificuldades de linguagem, desde déficits mais leves, como dificuldades de nomeação, até alterações mais graves, levando às afasias (Rapcsak et al, 2009). Além disso, a velocidade de processamento da informação, geralmente afetada após o AVC, pode ter comprometido o acesso lexical em pacientes com LHE, independente da afasia, prejudicando a evocação de palavras (Barker-Collo & Feigin, 2006).

Em FVO, o grupo com LHE apresentou menos palavras evocadas corretamente em relação ao grupo controle. Os pacientes com LHD, por sua vez, não apresentaram diferenças em relação aos controles nessa variável. Estes resultados estão de acordo com o estudo de meta-análise de Vigneau et al. (2011), o qual demonstrou que em indivíduos neurologicamente saudáveis com dominância manual direita, as representações fonológicas da língua podem estar associadas exclusivamente ao hemisfério cerebral esquerdo. Os autores observaram evidencias de que não há envolvimento do hemisfério cerebral direito na identificação de rimas, leitura de letras isoladas e de pseudopalavras. De acordo com o modelo de dupla-rota (Ellis, 1995), o desempenho nessas tarefas depende do uso da rota fonológica. Considerando que na FVO os clusters podem ser formados por palavras que comecem com as mesmas primeiras letras (ex: filho, ficar), palavras que rimam (ex: fogão, fação) ou se diferenciam apenas em sons de vogais (ex: fora, faro), o presente estudo demonstra que o acesso ao léxico fonológico pode estar prejudicado principalmente em pacientes com LHE.

Embora os pacientes com LHD não tenham apresentado diferenças significativas em relação aos controles em FVS, seu desempenho também foi similar ao grupo com LHE, o qual apresentou prejuízo nesta tarefa. Isso pode ser explicado pela hipótese de que o hemisfério direito atua conjuntamente com o hemisfério esquerdo para os aspectos semânticos da língua (Wright, Stamatakis & Tyler, 2012). Logo, em LHD, o desempenho na FVS não necessariamente apresenta déficit clinicamente significativo, devido a atuação do hemisfério esquerdo, mas um declínio sutil em relação ao de adultos neurologicamente saudáveis, o que corrobora a hipótese da teoria de um continuum de prejuízos linguísticos após lesão cerebral (Rapcsak et al., 2009).

O grupo com LHE teve desempenho geral inferior ao grupo controle em FVS. Sabe-se que ambas as tarefas de FV recrutam regiões deste hemisfério cerebral, como giro frontal inferior e médio e giro fusiforme (Birn et al., 2010). Em pacientes com afasia expressiva, o desempenho em FVS pode estar prejudicado em função de déficits em inibição verbal e no acesso léxico-semântico (Fontoura, Mansur, Monção & Salles, 2013), características que levam às dificuldades de produção de palavras (Bonini & Radanovic, 2015).

Através das análises de clustering e switching, foi possível verificar diferenças entre grupos de pacientes após AVC e controles que não foram observadas através do total de palavras evocadas em FV. Essas diferenças serão discutidas a seguir conjuntamente com os resultados das variáveis de clustering e switching nas comparações das tarefas entre si em cada grupo.

Tanto o grupo controle quanto os grupos clínicos evocaram menor número de palavras em FVO em relação à FVS. A diferença de desempenho geral entre as tarefas de FV pode estar relacionada ao uso de técnicas de imagens mentais em FVS, que facilitam o acesso ao léxico (Baldo et al, 2006), justificando também o maior tamanho de clusters dos três grupos nessa tarefa do que na FVO. Essas estratégias consistem em imaginar determinado cenário (como uma fazenda ou zoológico) como forma de auxiliar a evocação de palavras relacionadas à categoria solicitada (neste caso, animais). Uma pesquisa recente de neuroimagem (Biesbroek et al., 2016) demonstrou que o imageamento mental pode estar relacionado ao giro frontal inferior direito, área ativada apenas durante a resposta à tarefa de FVS. Por conta disso, a FVO exige mais processos controlados e funções executivas do que a FVS, demandando maior esforço cognitivo (Moscovitch, 1994), fator que também pode ter influenciado o melhor desempenho dos três grupos avaliados em FVS.

Em um estudo com 5870 adultos e idosos saudáveis divididos em grupos conforme a faixa etária, Vaughan, Coen, Kenny e Lawlor (2016) constataram que o desempenho geral superior em FVS (categoria animais) em relação à FVO (letra "F") persiste além dos 80 anos de idade. Nesse sentido, o presente estudo demonstra que pacientes após AVC, independente do hemisfério cerebral lesionado, tendem a seguir o mesmo padrão de diferença de desempenho entre FVO e FVS do que indivíduos saudáveis. Considerando que pacientes com demência de Alzheimer, por exemplo, não mantém este padrão (Vaughan et al., 2016), ou seja, passam a ter melhor desempenho em FVO em relação à FVS, este dado pode contribuir para a realização de diagnóstico diferencial entre grupos clínicos.

Ainda que os três grupos tenham apresentado a mesma diferença de desempenho geral entre as tarefas de FVO e FVS, as análises de clustering e switching demonstraram uso de estratégias de resposta diferentes entre os grupos e entre as tarefas de FV. Os adultos e idosos saudáveis formaram maior número de clusters em FVS, mas em FVO realizaram principalmente switches. A recuperação de determinada palavra ativa de forma automática outras palavras relacionadas semanticamente (Shao, Janse, Visse & Meyer, 2014), de modo que os clusters são produzidos com mais facilidade em FVS. Associações entre palavras que iniciam com a mesma letra costumam ser mais fracas ou menos acessíveis, pois não são relações estabelecidas com frequência na vida cotidiana. Por conta disso, são necessárias várias estratégias de busca para responder à FVO (Shao et al., 2014), ocasionando um maior número de switches, ou seja, trocas de uma subcategoria para outra. Ademais, a relação encontrada entre o desempenho geral em FVO e a produção de switches corrobora a hipótese de que a FVO requer maior modulação atencional e desenvolvimento de estratégias pelo lobo frontal do que FVS (Moscovitch, 1994), uma vez que o componente de switching está relacionado ao funcionamento cerebral frontal (Troyer et al., 1998).

O grupo com LHE, assim como o grupo controle, apresentou maior número de clusters em FVS do que em FVO. Entretanto, realizou a mesma quantidade de switches nas duas tarefas de FV. Já o grupo com LHD teve maior número de switches em FVO do que em FVS, mas não diferiu entre as duas tarefas em relação ao número de clusters. Esses dados são indicativos de diferenças de processamento de linguagem entre os grupos clínicos. Pacientes com LHE podem apresentar dificuldades em manter a estratégia de switching em FVO, revelando possíveis déficits em flexibilidade cognitiva, planejamento e inibição (Troyer et al, 1998), o que prejudica a realização de trocas entre estratégias de busca lexical. No grupo com LHD, essas habilidades parecem estar mais preservadas do que no grupo com LHE, uma vez que mantiveram o mesmo padrão de produção de switches do que o grupo controle. Porém, dificuldades no armazenamento de palavras e acesso às associações mais distantes das redes léxico-semânticas podem ter influenciado negativamente a produção de clusters dos pacientes com LHD (Troyer et al., 1998).

Em relação aos fatores sociodemográficos, na tarefa de FVO, o total de palavras do grupo controle apresentou correlação negativa com a idade, assim como estudos anteriores (Moraes et al., 2013). Outros autores, porém, demonstraram a inexistência dessa relação (Brucki & Rocha, 2004). Diferentes resultados podem estar relacionados a variações no critério fonêmico-ortográfico adotado (Barry, Bates & Labouvie, 2008) ou à falta de controle sobre a relação entre as variáveis idade e escolaridade, de modo que resultados atribuídos ao aumento da idade podem ser de fato relacionados ao menor número de anos de estudo (Brucki & Rocha, 2004). Estudos longitudinais poderiam esclarecer a associação entre idade e o total de palavras evocadas em FVO.

A ausência de correlação entre escolaridade e o total de palavras em FVO no grupo controle não era esperada (Esteves et al, 2015). Porém, a relação positiva com os hábitos de leitura e escrita demonstra que atividades não relacionadas à educação formal que estimulem estes hábitos podem compensar a baixa escolaridade em termos de desempenho neuropsicológico (Pawlowski et al., 2012). O número de clusters foi a única variável que não apresentou associação à escolaridade nem aos hábitos de leitura e escrita do grupo controle em FVO, enquanto que na FVS essas variáveis não se correlacionaram com o número nem com o tamanho de clusters. Considerando que o componente de clustering demanda menos funções executivas e que estas são dependentes dos anos de estudo (Boone, 1999), compreende-se que a estratégia de switching está mais relacionada aos hábitos de leitura e escrita e à escolaridade do que a de clustering (Troyer, 2000). De fato, o número de switches do grupo controle apresentou correlação com os hábitos de leitura e escrita em FVO e com a escolaridade e hábitos de leitura e escrita em FVS.

Na tarefa de FVS, o número de switches do grupo controle apresentou correlação negativa com a idade. Considerando a relação entre switching e o funcionamento cerebral frontal, é esperado que idosos produzam menos trocas entre subcategorias nessa tarefa (Brucki & Rocha, 2004). Ao contrário da tarefa de FVO, não houve correlação entre idade e o total de palavras evocadas em FVS, em ambos os grupos. Este aspecto pode estar relacionado ao uso da categoria semântica animais. Esta categoria tende a ser menos influenciada pela idade, dado que, culturalmente, somos expostos a estímulos pertencentes ao grupo semântico animais com frequência, independentemente da fase do desenvolvimento (Santana & Santos, 2015).

No grupo clinico, ao contrário do grupo controle, não houve correlação entre a idade e quaisquer das variáveis analisadas, em ambas as tarefas de FV, confirmando a hipótese inicial deste estudo. Porém, a escolaridade apresentou correlação com o total de palavras evocadas e com os componentes de clustering e switching tanto em FVO como em FVS. Sabe-se que os anos de estudo contribuem com o desenvolvimento léxico-semântico (Moraes et al., 2013) e que, em pacientes após AVC, a alta escolaridade influência o desempenho neuropsicológico pós-lesão (Desmond et al, 2000). Assim, entende-se que os anos de estudo e hábitos de leitura e escrita podem estar relacionados à maior reserva cognitiva e, portanto, a uma maior funcionalidade mesmo após a lesão. Nesse sentido, destaca-se que a diferença em escolaridade entre os grupos LHE e LHD não foi estatisticamente significativa. Desse modo, as diferenças observadas no desempenho em FV entre os grupos clínicos podem ser melhor explicadas por características neuropsicológicas dos pacientes.

A análise dos componentes de clustering e switching se mostrou útil na identificação das funções cognitivas subjacentes ao desempenho quantitativo tanto em FVO como em FVS, informação essencial ao planejamento de estratégias de reabilitação neuropsicológica eficazes. Algumas limitações do estudo merecem destaque, como o tamanho reduzido dos grupos clínicos (LHD e LHE) e sua heterogeneidade em termos de tempo pós-AVC, local específico da lesão e tipo de afasia. Ressalta-se, contudo, que ao mesmo tempo em que a variedade de dados neurológicos pode ter efeito sobre os resultados encontrados, essa característica torna a amostra mais representativa dessa população clínica.

Considerares finais

Até o presente momento, este é o primeiro estudo brasileiro a realizar análises de clustering e switching em tarefas de FVO e FVS comparando grupos de pacientes pós AVC em ambos hemisférios cerebrais e adultos neurologicamente saudáveis. Os resultados demonstraram que pacientes com LHE apresentam desempenho geral prejudicado em FVO e FVS em relação a indivíduos saudáveis, enquanto que pacientes com LHD apresentam desempenho similar a este grupo. No entanto, as estratégias de clustering e switching variam de acordo com a tarefa e com o hemisfério da lesão, sugerindo a dissociação destes componentes no desempenho geral da FV. Ademais, observou-se que a escolaridade e hábitos de leitura e escrita são fatores que contribuem para o bom desempenho neuropsicológico pós-lesão.

Considera-se que essas análises qualitativas possibilitam compreender melhor as funções cognitivas subjacentes ao escore total das tarefas de FV. Além disso, permitem diferenciar as lesões após AVC por hemisférios cerebrais, tendo em vista que os resultados foram semelhantes no escore geral, mas diferentes em clustering e switching. Portanto, este estudo contribui com implicações clínicas, possibilitando melhor compreensão dos perfis cognitivos pós AVC. Além disso, discute implicações teóricas em relação ao modelo neuropsicológico da FV, a partir da dissociação de componentes nas tarefas de FVO e FVS. Estudos futuros complementares a este poderiam realizar análise de série de casos (Schwartz & Dell, 2010), a fim de verificar efeitos dos locais específicos de lesão de cada indivíduo sobre o resultado geral do grupo clinico.

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Para citar este artigo: Beckenkamp, C. L., Becker, N., Rodrigues, J. C., & Salles, J. F. (2019). Estratégias de clustering e switching na evocação lexical de adultos após acidente vascular cerebral nos hemisférios direito e esquerdo. Avances en Psicología Latinoamericana, 37(2), 375-390. Doi: http://dx.doi.org/10.12804/revistas.urosario.edu.co/apl/a.6073

Recebido: 29 de Novembro de 2017; Aceito: 24 de Abril de 2019

** Autora responsável de correspondência: carolbeckenkamp@gmail.com.

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