A violência é considerada um dos problemas mais graves e de difícil solução que as sociedades modernas enfrentam atualmente (Mikton, Butchart, Dahlberg, & Krug, 2016; Siever, 2008). O comportamento agressivo é natural e recorrente nas interações sociais de primatas e pode ser definido como um ato hostil (individual ou coletivo) com a intenção de causar dano ou prejudicar outro indivíduo ou grupo (Anderson, & Bushman, 2002; de Almeida, Cabral, & Narvaes, 2015). Em humanos, a agressividade pode ser influenciada por diversos fatores ambientais e biológicos, incluindo os níveis hormonais e de neurotransmissores (de Almeida et al., 2015; van Honk, Harmon-Jones, Morgan, & Schutter, 2010), o genótipo (Alia-Klein et al., 2008; Dorfman, Meyer-Lindenberg, & Buckholtz, 2013), a ocorrência de uso de substâncias (e.g., álcool) (Miczek, Fish, de Almeida, Faccidomo, & Debold, 2004) e estresse (Gollan, Lee, & Coccaro, 2005), além dos efeitos de vieses cognitivos (Archer, 2009; de Almeida et al., 2015; Nelson, & Trainor, 2007; Siever, 2008). Além disso, é bem estabelecido que os afetos de valência negativa, como a raiva e o medo, têm efeitos robustos sobre as demonstrações de agressividade e reações violentas em humanos (Cabral, Tavares, & de Almeida, 2016). Contudo, poucos estudos buscaram abordar a relação entre a agressão e os afetos ou cognições positivas, como a autoconfiança e o otimismo.
Nas últimas décadas, uma série de estudos tem demonstrado que a cognição humana apresenta diversas crenças enviesadas positivamente, o que ficou conhecido como ilusões positivas (Jefferson, Bortolotti, & Kuzmanovic, 2017; Sedikides, Horton, & Gregg, 2007; Taylor, & Brown, 1994). Os humanos tendem a ter expectativas excessivamente confiantes sobre os seus desempenhos e capacidades, e a fazer predições positivas sobre o futuro, mesmo quando não há evidências que apoiem tais crenças (Sharot, 2011; Taylor & Brown, 1988; Taylor & Gollwitzer, 1995). Uma das ilusões positivas mais conhecidas é o viés de otimismo (também conhecido como otimismo irrealista), que apresenta um papel determinante para as interações sociais (Sharot, 2011; Sharot, Guitart-Masip, Korn, Chowdhury, & Dolan, 2012; Taylor, & Brown, 1988; Weinstein, 1980). Em resumo, o viés de otimismo pode ser definido como uma tendência pervasiva de superestimar a probabilidade de eventos positivos (e, portanto, subestimar a ocorrência das consequências ou eventos aversivos) (Shah, Harris, Bird, Catmur, & Hahn, 2016; Sharot, 2011; Sharot, Riccardi, Raio, & Phelps, 2007; Weinstein, 1980). Níveis moderados destas crenças enviesadas positivamente podem induzir comportamentos adaptativos de busca por metas, propiciando uma maior motivação pessoal, além de serem associadas com melhores índices de bem-estar e de saúde física e mental (Jefferson et al., 2017; Sharot et al., 2007; Strunk, Lopez, & DeRubeis, 2006; Taylor, & Brown, 1988; Taylor, Lerner, Sherman, Sage, & McDowell, 2003). Por outro lado, o viés de otimismo também pode ser desadaptativo, levando o indivíduo a assumir comportamentos impulsivos e de risco (Owens, & Hoza, 2003; Shepperd, Pogge & Howell, 2017; Stephens, & Ohtsuka, 2014; Weinstein, 1980; Yamada et al., 2013). Cabe destacar que a impulsividade e a tendência a assumir riscos, frequentemente mediadas pelas concentrações de hormônios esteroides, são fatores determinantes para a expressão da agressividade humana (Cabral, & de Almeida, 2019; de Almeida et al., 2015).Contudo, além destas, diversas outras variáveis são relacionadas tanto com o otimismo quanto com a agressão em humanos.
A raiva, emoção com efeito direto sobre a agressividade (Cabral et al., 2016; Cabral, Tavares, Weydmann, das Neves, & de Almeida, 2018), é positivamente associada com uma percepção mais otimista de riscos (Lerner, & Keltner, 2001; Pietruska, & Armony, 2013). Ainda, o padrão de ativação cerebral que subjaz a agressão impulsiva é tipicamente caracterizado por uma redução da atividade do córtex pré-frontal (mais precisamente dos córtices orbitofrontal e ventromedial), além do córtex cingulado anterior - regiões responsáveis pelo controle de impulsos ou controle top-down -, e uma hiperativação da amígdala (Cabral et al., 2016; de Almeida et al., 2015). Tanto a amígdala, quanto os córtices pré-frontal e cingulado anterior também desempenham um papel chave para a expressão do viés de otimismo e de outras ilusões positivas (Beer, & Hughes, 2010; Moran, Macrae, Heatherton, Wyland, & Kelley, 2006; Sharot, 2011; Sharot et al., 2007).
No entanto, as emoções, como a raiva e o medo, e as regiões cerebrais responsáveis pelo controle de impulsos são impactadas robustamente pelos hormônios esteroides, os quais exercem forte influência sobre os comportamentos sociais (Cabral, & de Almeida, 2019; Peper, van den Heuvel, Mandl, Pol, & Van Honk, 2011). Esses hormônios possuem um efeito significativo para os comportamentos agonistas em diversas espécies de animais e, possivelmente, para as ilusões positivas humanas (Cueva et al., 2015; de Almeida et al., 2015; Johnson et al., 2006; Mehta, & Prasad, 2015). A testosterona (principal hormônio androgênico) e o cortisol (principal hormônio glicocorticoide em humanos) possuem tanto efeitos principais sobre a agressividade quanto efeitos mediadores, através do aumento da impulsividade e do comportamento de risco, o que provoca uma elevação da agressão impulsiva (de Almeida et al., 2015; Mehta, & Prasad, 2015). Evidências recentes têm indicado que as ilusões positivas - o que inclui não apenas o otimismo, mas também as percepção exacerbadas de aptidões pessoais e o viés de superioridade (Taylor, & Brown, 1988; Taylor, & Gollwitzer, 1995) - também são influenciadas por esses hormônios esteroides (Cueva et al., 2015; Johnson et al., 2006). Tais consequências hormonais podem ocorrer não apenas de forma aguda, através das concentrações dos hormônios esteroides, como também através dos seus efeitos sobre o desenvolvimento infantil (McEwen, 1997). A exposição precoce a certos hormônios, como a testosterona e o cortisol, pode alterar o desenvolvimento cerebral e ressaltar determinadas tendências comportamentais, como a agressividade (McEwen, 1992, 1997). Certas alterações orgânicas podem ser evidenciadas pela razão entre os dedos indicador e anelar de ambas as mãos de um pessoa; medida conhecida como razão 2D:4D. Tal medida é considerada um marcador da exposição pré-natal à testosterona e outros hormônios androgênicos, o que pode influenciar a agressividade e, possivelmente, as tendências às cognições positivas (Kilduff, Hopp, Cook, Crewther, & Manning, 2013; Perciavalle et al., 2013).
Os estudos empíricos sobre os efeitos agonistas das emoções e cognições positivas naturais (não-patológicas) ainda são consideravelmente escassos. No entanto, seus efeitos são reconhecidos histórica e politicamente (Bas, & Schub, 2016; Johnson, 2004; Johnson et al., 2006; Satterfield, & Seligman, 1994). O papel da confiança excessiva é bem estabelecido para a promoção ou agravamento de guerras e conflitos (Bas, & Schub, 2016; Johnson et al., 2006). Por sua vez, o viés de superioridade é frequentemente utilizado como uma justificativa para comportamentos discriminatórios, exclusões sociais e crimes de ódio (de Zavala, 2011; Jordan, Spencer, & Zanna, 2005). Assim, neste estudo preliminar buscamos avaliar se a confiança na vitória em um jogo desconhecido (viés de otimismo) e uma elevada percepção positiva de habilidades pessoais preveem o aumento da agressividade em jovens do sexo masculino. Ainda, buscamos verificar se os hormônios esteroides apresentam um papel mediador para a relação entre as cognições positivas e a agressão.
Método
Participantes
Noventa voluntários saudáveis do sexo masculino, com idade entre 18 e 27 anos (M = 21.34 ± 2.17) foram aleatoriamente recrutados. Todos os participantes estavam matriculados em cursos de graduação da Universidade Federal do Rio Grande. Antes do início da coleta de dados, o protocolo e as características do procedimento foram explicados aos participantes, todos os voluntários assinaram o termo de consentimento. Para reduzir o viés do participante e a interferência da desejabilidade social sobre o padrão de resposta, os objetivos do estudo só foram informados após a coleta de dados. O protocolo foi aprovado pelos comitês de éticas de ambas as instituições envolvidas no estudo: Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CEP-IP/UFRGS; parecer 1.054.557/2015) e Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande (CEPAS/FURG; parecer 1.224.127/2015). Apenas voluntários jovens e do sexo masculino participaram do estudo, uma vez que esta é a população que mais se envolve em atos violentos no mundo (Mikton et al., 2016).
Procedimento e delineamento
Após os participantes chegarem ao laboratório, eles foram informados sobre como o estudo seria conduzido e assinaram o termo de consentimento. Em seguida, foram realizadas as coletas de saliva para análises hormonais, após a verificação dos critérios de exclusão: fazer uso regular de hormônios exógenos, fazer uma refeição ou atividade física intensa duas horas antes da coleta de dados e utilizar drogas psicoativas no dia da coleta de dados. Então, os participantes foram avisados que poderiam iniciar o estudo computadorizado quando o pesquisador saísse da sala. Com intuito de reduzir a variância não explicada, todos os dados foram coletados individualmente, pelo mesmo pesquisador, entre às 9h e às 18h, em uma sala com reduzida estimulação ambiental e sem a presença do pesquisador durante a coleta de dados.
Os voluntários foram informados que iriam participar de um debate online contra outro voluntário e, na sequência, eles deveriam disputar um jogo, um contra o outro. Após responderem a questões sociodemográficas, os participantes sortearam um tema para debater com o outro participante (um ator confederado), que supostamente se encontrava na sala ao lado. No entanto, o resultado do "sorteio" foi na verdade predeterminado, resultando na temática "Ensino criacionista em escolas públicas". Ou seja, para aumentar a verossimilhança da coleta de dados, houve, inicialmente, uma interação social virtual (com duas trocas de mensagens de texto e uma vídeo-chamada ao final do debate) com o suposto "segundo participante". Para controlar a interferência dos padrões de argumentações sobre o otimismo dos participantes, metade dos participantes recebiam afirmações do confederado que concordavam com as suas opiniões sobre o tema e a outra metade recebia respostas que discordavam de suas afirmações. Tal distribuição foi aleatória. Após esta interação inicial, os participantes responderam a quatro questões sobre as suas percepções de habilidades pessoais (crenças em suas aptidões) e sobre a confiança na vitória em uma tarefa competitiva desconhecida (medida de otimismo). Posteriormente, foi realizada uma tarefa competitiva de tempo de reação simples para medir o comportamento agressivo, onde era dada a chance de aplicar uma punição ao adversário após as vitórias em cada disputa. Com o fim da coleta de dados computadorizada, o pesquisador era chamado a sala e coletava as medidas de comprimento dos dedos indicador e anelar de ambas as mãos dos participantes. Por fim, era realizado um debriefing para verificar a adequação da coleta de dados e esclarecer os objetivos do estudo (figura 1).
Cognições positivas
Inicialmente verificamos as percepções positivas de habilidades pessoais dos participantes, aos quais solicitamos que atribuíssem valores percentuais ao quanto eles se consideravam aptos para desempenhar tarefas que exijam: I) esforço e dedicação; II) concentração; e III) inteligência; sendo 0% (zero) para "nada apto" e 100% para "extremamente apto". A média dos escores dos três itens foi utilizada como uma medida de percepção de habilidades pessoais. Para avaliar o viés de otimismo, foi solicitado que os participantes aferissem o quanto acreditavam que iriam vencer a tarefa competitiva seguinte (i.e., nível de confiança na vitória), sendo 0% (zero) para "certamente não vencerei" e 100% para "certamente vencerei". Os participantes foram informados que após as perguntas, eles realizariam um jogo competitivo contra o outro participante; porém, eles não tinham conhecimento algum sobre a natureza do jogo. Ou seja, até o momento destas perguntas, eles não possuíam informações sobre a tarefa a ser desempenhada, nem sobre as habilidades necessárias para sua realização, tampouco tinham informações para julgar as possíveis habilidades do suposto adversário; portanto, foi esperado que as suas respostas refletissem um otimismo irrealista (Shepperd et al., 2017). Além disso, para abordarmos preliminarmente, dada a natureza exploratória da medida, a autoconfiança na vitória (i.e., a crença do participante no seu bom desempenho, motivadas pelas crenças suas habilidades pessoais), combinamos os dois escores: percepção de habilidades pessoais e viés de otimismo. A relevância desta variável preliminar se dá pelo fato que uma pessoa pode estar confiante na vitória por motivações alheias às suas habilidades e capacidades pessoais. Isto é, as motivações podem ser externas, como crença religiosa/mística e crença em sorte ou, ainda, pela expectativa de um desempenho inferior do adversário.
Comportamento agressivo
A agressividade foi avaliada através de uma versão modificada da tarefa Competitive Reaction Time (Ferguson & Rueda, 2009). Após as coletas das variáveis de cognições positivas, os participantes foram levados a acreditar que iriam disputar um jogo competitivo contra o outro participante. Eles deveriam competir em uma tarefa de tempo de reação que mediria quem reage mais rápido, apertando primeiro um botão quando aparecesse um determinado estímulo na tela do computador. Assim, o comportamento agressivo foi medido através de uma tarefa competitiva de tempo de reação simples, na qual o vencedor de uma disputa poderia punir quem fosse derrotado com um estímulo sonoro desagradável através do controle do nível de punição, o que incluía a sua intensidade (volume) e duração (segundos). Os participantes puderam regular a intensidade do estímulo sonoro entre 55dB (4 segundos; nível 0) e 105dB (14 segundos; nível 10), com um acréscimo de 5dB e 1 segundo para cada nível escalado. Portanto, a agressão foi medida através dos níveis de punição escolhidos, quanto mais intenso e prolongado o estímulo da punição escolhido, maior a agressividade do participante. Os voluntários foram informados que todos os níveis de punição eram controlados e seguros, embora o nível 10 pudesse provocar desconforto auditivo e zumbido por um período de tempo relativamente prolongado. Para evitar a exposição dos participantes aos estímulos sonoros desagradáveis, mas mantendo a verossimilhança da tarefa (que também deve incluir derrotas ao longo das disputas), informamos que após uma derrota, a punição poderia ser evitada, caso o participante acertasse o seu próprio tempo de reação ou o tempo de reação do adversário. Deste modo, foi utilizado um padrão predefinido (não-aleatorizado) para os resultados de cada disputa (vitórias e derrotas). A sequência de resultados foi: Disputa 1, derrota sem punição; Disputa 2, vitória com punição; Disputa 3, vitória sem punição; Disputa 4, vitória com punição; Disputa 5, derrota com punição; e Disputa 6, derrota sem punição. A agressão foi medida apenas nas disputas vitoriosas. Para evitar o comportamento retaliatório, os participantes tiveram a agressão medida em três momentos, todos anteriores ao recebimento de qualquer punição.
Análises hormonais
Os níveis de testosterona e cortisol foram amostrados através da coleta de saliva dos participantes, seguindo os protocolos recomendados por Ellison (1988), Grõschl (2008) e Lippi e colegas (2016), logo após a assinatura do termo de consentimento. Uma amostra de aproximadamente 2mL de saliva foi coletada em um tubo de ensaio de polipropileno. As amostras foram imediatamente refrigeradas, e logo após o término da coleta de dados, elas foram congeladas a - 20°C. As análises foram realizadas em duplicata, através de um método imunoenzimático, baseado no princípio de ligação competitiva pelo método ELISA (Testosterone Saliva ELISA Kit - Diagnostic Biochem Canada Inc. e Cortisol Saliva ELISA Kit - Diagnostic Biochem Canada Inc., Canadá). Após o descongelamento, as amostras foram centrifugadas a 2500rpm por 5 minutos. O sobrenadante de cada amostra foi transferido para um microtubo de polipropileno. As alíquotas de 100 uL da fração sobrenadante das amostras a serem utilizadas para análise de testosterona foram colocadas em banho maria a 65°C por 60 minutos e, em seguida, foi esperado que elas atingissem a temperatura ambiente antes das análises. Para a análise de cortisol utilizamos 50 uL da fração sobrenadante das amostras em temperatura ambiente. Seguimos os procedimentos dos ensaios conforme as instruções especificadas pelo fabricante dos kits comerciais. Utilizamos um leitor de microplacas (absorbância) com filtro de 450nm.
Proporção digital (razão 2D:4D)
As razões entre o segundo dedo (2D, indicador) e o quarto dedo (4D, anelar), de ambas as mãos, são consideradas biomarcadores indiretos de exposição intrauterina a hormônios androgênicos e apresentam correlações moderadas com comportamento agressivo (Kilduff et al., 2013; Perciavalle et al., 2013). O comprimento de cada dedo foi medido da dobra proximal da palma da mão até a extremidade do dedo na superfície ventral de ambas as mãos usando um paquímetro de aço.
Análises dos dados
Realizamos análises descritivas e exploratórias dos dados, nas quais conduzimos testes t para verificar se houve diferenças entre os tipos de argumentações utilizadas. Verificamos os pressupostos e, em seguida, testamos as hipóteses utilizando modelos de regressão linear. Para verificar os efeitos de mediação dos hormônios sobre a relação entre as crenças positivas e a agressão, utilizamos análises de regressão múltipla por meio do método stepwise. Consideramos um nível de significância (a) de 5% para todas as análises.
Resultados
A tabela 1 apresenta as estatísticas descritivas para as principais medidas do estudo. Inicialmente, testamos se os dois tipos de contra argumentações (i.e., as respostas na interação virtual inicial) recebidas pelos participantes influenciaram os níveis das cognições positivas. Como esperado, não houve diferenças significativas entre os participantes que receberam respostas que concordavam com as suas opiniões e aqueles que receberam respostas discordantes (todas as probabilidades foram maiores do que 0.585, quando realizamos testes t para comparação das médias). No geral, os participantes apresentaram um nível de confiança na vitória em um jogo desconhecido (viés de otimismo) superior ao que seria esperado para um evento aleatório (50 %), o que ingenuamente poderia ser esperado quando não há informações sobre a tarefa a ser realizada. Todas as medidas de tendência central para a variável viés de otimismo foram próximas a 70% (média, 71.4%; mediana e moda, 70%). Assim, apenas 15,6% dos participantes consideraram haver exatamente 50% de chances de vencer e 6.7% afirmaram ter menos do que 50% de chances de vitória. Já 77.8% da nossa amostra considerou ter 51% ou mais de chances de vencer. Não houve qualquer relação entre as medidas de cognições positivas e o desempenho na tarefa de tempo de reação, indicando que tais expectativas foram irrealistas, de fato.
Variáveis | M ± DP |
---|---|
Autoconfiança a | 72.5 ± 14.8 |
Percepção Positiva de Habilidades Pessoais b | 73.6 ± 16.2 |
Esforço e Dedicação | 77.0 ± 20.1 |
Concentração | 72.6 ± 18.6 |
Inteligência | 71.2 ± 21.2 |
Viés de Otimismo | 71.4 ± 19.5 |
Agressão c | 78.4 ± 16.0 |
Agressão 1 | 77.1 ± 17.6 |
Agressão 2 | 78.9 ± 17.9 |
Agressão 3 | 79.0 ± 18.2 |
Testosterona d | 167.6 ± 145.1 |
Cortisol e | 26.4 ± 14.3 |
Razão 2D:4D - Mão direita | 0.981 ± 0.036 |
Razão 2D:4D - Mão esquerda | 0.974 ± 0.034 |
Nota. a. Média das medidas (porcentagens) de Percepção de Habilidades Pessoais e Viés de Otimismo; b. Média das medidas de autoper-cepção de Esforço e Dedicação, Concentração e Inteligência; c. Média das medidas (dB) de Agressão 1, Agressão 2 e Agressão 3; 4 pg/mL; e. ng/mL.
Verificamos se os níveis hormonais preveem as diferentes medidas de cognições positivas, incluindo o viés de otimismo, a percepção positiva de habilidades pessoais e a medida de autoconfiança.
Embora a testosterona não tenha permitido prever os níveis de percepção positiva de habilidades pessoais (β = 0.16; F(1; 56) = 1.53; p = 0.221), tal variável previu significativamente o viés de otimismo (β = 0.30; F(1; 56) = 5.42; p = 0.023) e a autoconfiança (β = 0.29; F(1; 56) = 5.04; p = 0.029). Já os modelos que utilizaram o cortisol como preditor foram efetivos para as variáveis de percepção de habilidades pessoais (β = 0.27; F(1; 52) = 4.14; p = 0.047) e de autoconfiança (β = 0.31; F(1; 52) = 5.52; p = 0.023), mas para o otimismo, o nível de significância não foi atingido (β = 0.24; F(1; 52) = 3.23; p = 0.078) . Nenhum modelo utilizando as razões D2:D4 foi significativo.
Em seguida, utilizamos as medidas de cognições positivas como preditoras de comportamento agressivo (figura 2). O modelo em que utilizamos a medida de percepção positiva de habilidades pessoais não foi suficientemente efetivo para prever a agressividade dos participantes (β = 0.14; F(1; 88) = 1.83; p = 0.179). Contudo, quando utilizamos o otimismo (β = 0.23; F(1; 88) = 4.72; p = 0.033) e a autoconfiança (β = 0.23; F(1; 88) = 4.77; p = 0.032), encontramos modelos que permitiram prever significativamente o comportamento agressivo em jovens do sexo masculino.
Por fim, buscamos verificar se não havia um efeito mediador dos níveis hormonais na relação entre as cognições positivas e agressão. Assim, utilizamos um modelo de regressão linear múltipla, incluindo as medidas de autoconfiança, viés de otimismo, percepção de habilidades pessoais, testosterona, cortisol e as razões 2D:4D de ambas as mãos. Não identificamos um efeito mediador para a variável de autoconfiança. Ou seja, esta foi a única variável que permaneceu no modelo testado, através do método stepwise (β = 0.23; p = 0.032; conforme mencionado no parágrafo anterior, uma vez que que só a variável autoconfiança permaneceu significativa no modelo), o que indica que as medidas hormonais utilizadas não mediaram a relação entre as cognições positivas (mais especificamente, autoconfiança) e a agressão. Ainda, quando removemos a medida de autoconfiança de tal análise, a única variável que previu o comportamento agressivo significativamente foi o viés de otimismo (β = 0.23; p = 0.033; estatística também supramencionada). Ao removermos também a medida de otimismo, nenhuma variável permaneceu significativa no modelo.
Discussão
Neste estudo, buscamos avaliar se as cognições positivas preveem a ocorrência de comportamento agressivo em jovens do sexo masculino. Nossos resultados sugerem que o viés de otimismo (a confiança na vitória) em uma competição de natureza desconhecida e a autoconfiança são, de fato, preditores de agressão em homens. Contudo, quando utilizamos a percepção positiva habilidades pessoais como preditor, o modelo não atingiu o nível de significância para prever a agressividade, indicando que não é a crença nas habilidades pessoais que influencia diretamente a ocorrência de comportamento agressivo, mas sim a confiança em um desfecho final favorável (neste caso, na vitória) que aumenta as tendências hostis. Em outras palavras, é o otimismo de vitória (que também pode ser influenciada por fatores externos) que é relevante para a agressividade masculina, e não a simples crença nas suas habilidades pessoais.
Ainda, embora a testosterona e o cortisol salivar tenham previsto a ocorrência de otimismo e de percepção positiva de habilidades pessoais, respectivamente, e ambos os hormônios tenham previsto a autoconfiança geral, nenhuma medida hormonal mediou a relação entre as crenças positivas (i.e., viés de otimismo e autoconfiança) e o comportamento agressivo. De modo semelhante, estudos anteriores, ao analisar contextos políticos conflituosos, encontraram que o otimismo (ou confiança excessiva na vitória) poderia ser um preditor de hostilidade e comportamentos de risco (Johnson, 2004; Satterfield, & Seligman, 1994). Johnson et al. (2006) demonstraram - em uma pesquisa sobre o papel da autoconfiança na tomada de decisão hostil; através de um jogo de crise militar (simulação) -que os participantes mais autoconfiantes foram os que fizeram mais ataques espontâneos aos adversários. Semelhante aos nossos achados, estes autores também não encontraram um efeito da testosterona sobre as variáveis estudadas.
O comportamento de risco e a impulsividade são variáveis tão relevantes para a saúde e bem-estar, quanto são para os comportamentos violentos. O viés de otimismo também é potencialmente danoso para a saúde e para as interações sociais humanas, ocasionando um aumento ou manutenção de comportamentos de risco (Colvin, Block, & Funder, 1995; Shepperd et al., 2017; Weinstein, & Klein, 1995). A subestimação dos riscos pode ser o fator determinante para os efeitos deletérios de tais crenças positivas. Corroborando esta perspectiva negativa, no nosso estudo demonstramos que não são apenas os comportamentos de risco em saúde que podem ser precedidos pelo viés de otimismo: a agressividade masculina também. A violência interpessoal é uma das principais causas de morte entre homens jovens (Mackey, & Mackey, 2003; Mikton et al., 2016) e a percepção enviesada de menor risco pode ser um fator chave para a ocorrência de interações violentas e impulsivas nesta população. O viés de otimismo (confiança irrealista no desfecho favorável) é considerado, em certo sentido, uma crença de invulnerabilidade ao risco (Johnson et al., 2006; Lapsley, & Hill, 2010; Taylor, & Gollwitzer, 1995). Consequentemente, a menor percepção de risco associada ao otimismo talvez ajude a explicar a maior tendência de jovens se engajarem em comportamentos violentos.
Por outro lado, dentre os efeitos benéficos do viés de otimismo, está a maior propensão aos afetos positivos (Shepperd et al., 2017). Isto contrasta com os achados do presente estudo, uma vez que são os afetos negativos, como a raiva e o medo, que são associados com a agressão humana (Cabral, & de Almeida, 2019). Em outras palavras, dificilmente a tendência ao afeto positivo vai ajudar a explicar a maior propensão à agressividade. Isto pode ser uma evidência de que o papel das ilusões positivas na agressividade não ocorre através de um mecanismo emocional, mas sim cognitivo, possivelmente pela crença na vitória ou de invulnerabilidade. Talvez a neurobiologia do controle de impulsos (Beer, & Hughes, 2010; Dalley et al., 2011), que é associado tanto com o viés de otimismo quanto com a agressão, possa ajudar explicar a relação entre essas variáveis.
Embora os hormônios esteroides influenciem ambos, agressão e otimismo (Cueva et al., 2015; de Almeida et al., 2015), eles não tiveram um efeito mediador nos nossos modelos. Uma possível explicação para isto é que um dos principais mecanismos pelo qual a testosterona e o cortisol influenciam o comportamento social é as suas ações moduladoras nas regiões cerebrais responsáveis pelas reações emocionais e pelo controle de impulsos (Cabral et al., 2016; Cueva et al., 2015; de Almeida et al., 2015). Certamente a combinação desses hormônios esteroides pode prejudicar o controle da impulsividade através do aumento da reatividade amigdalar e da redução da ação inibitória do córtex pré-frontal e do córtex cingulado anterior (i.e., controle top-down), fazendo com que as pessoas tenham maior propensão a assumir comportamentos agonistas (Coccaro, Mc-Closkey, Fitzgerald, & Phan, 2007; Dalley, Everitt, & Robbins, 2011). Em termos gerais, podemos traçar um paralelo entre tal padrão de atividade cerebral e o que ocorre durante o viés otimista. As ilusões positivas também são naturalmente associadas com a atividade neuronal da amígdala e do córtex pré-frontal (orbitofrontal e medial) e córtex cingulado anterior (Beer, & Hughes, 2010; Moran et al., 2006; Sharot, 2011). Portanto, em ambos os casos, pode haver um prejuízo no controle top-down, reduzindo o controle dos impulsos (Beer, & Hughes, 2010; Dalley et al., 2011). Deste modo, a importância da ação moduladora dos hormônios esteroides pode ser reduzida em uma pessoa irrealistamente otimista, quando ela for exposta a eventos que exijam uma tomada de decisão imediata que envolva riscos.
Seguramente, a nossa pesquisa não está livre de limitações. Dada a natureza preliminar deste estudo, utilizamos apenas um item para avaliar o viés de otimismo dos participantes. Tal item não esgota o conceito estudado, porém, ele é pertinente à tarefa que seria realizada (i.e., um jogo competitivo desconhecido). Ainda, os nossos resultados estão restritos a homens jovens, dado que há dimorfismo sexual para a expressão de comportamentos agonistas (Archer, 2009) e para ilusões positivas (Johnson et al., 2006). Pesquisas com amostras mais amplas e heterogêneas são necessárias para qualquer generalização destes achados. Outra limitação digna de nota é que não podemos afirmar a causalidade do viés de otimismo sobre o comportamento agressivo, dado o delineamento utilizado. Como não manipulamos os níveis de otimismo dos participantes, o que possivelmente seja impraticável (Shepperd et al. , 2017), pode haver uma causalidade reversa ou o efeito de uma variável interveniente. Entretanto, utilizamos modelos para prever a ocorrência da agressividade e medimos o otimismo antes de tal tarefa. Deste modo, o viés de otimismo foi de fato útil para prever a ocorrência de agressão. Além disso, o delineamento (não-experimental) é uma limitação inerente aos estudos sobre viés de otimismo, uma vez que não há evidências de que seja possível manipular efetivamente vieses cognitivos pervasivos, como o otimismo irrealista. Mesmo que fosse possível, isto levantaria questões éticas que poderiam inviabilizar tais pesquisas.
Em resumo, podemos concluir através dos nossos dados que o viés de otimismo (confiança na vitória) é um preditor significativo de comportamento agressivo em homens, e que a relação entre estas variáveis não é explicada pelos hormônios esteroides. Como estudos de neuroimagem evidenciam, o otimismo pode influenciar a atividade de regiões cerebrais responsáveis pelas reações emocionais e pelo controle de impulsos. Assim, pesquisas futuras poderão determinar se o viés de otimismo é um responsável direto pelo aumento da agressividade e comportamentos violentos, ou se ele provoca tal resultado através do prejuízo do controle de impulsos, aumentando os comportamentos de risco em geral, dentre eles a agressão. Conforme abordado por estudos anteriores, em certos contextos, uma visão positiva sobre o futuro e uma elevada autoconfiança para produção de um desfecho positivo podem ser aspectos benéficos para o bem-estar humano, motivando a busca por metas e ajudando a enfrentar desafios (Jefferson et al., 2017; Sharot et al., 2007; Taylor et al., 2003). Porém, as ilusões positivas também podem ser disfuncionais, apresentando um lado negativo bastante nocivo. O viés de otimismo pode ter um papel relevante na agressividade, possivelmente através do aumento da impulsividade, o que não deve ser negligenciado, dado o seu potencial deletério para as relações sociais.