INTRODUÇÃO
Afecções cutâneas em equinos são muito comuns na rotina de atendimento clínico a campo e dos atendimentos hospitalares. A importância destas lesões epidérmicas e dérmicas é devido ao comprometimento estético e um fator agravante destas afecções cutâneas se dá ao fato de desencadear perdas econômicas com tratamento e eventualmente descarte involuntário e morte do animal 1,2. Entre as lesões de pele nos cavalos, as neoplasias se destacam, sendo observadas em até 50% das dermatopatias 3.
Entre os tipos de neoplasias cutâneas, o sarcóide é o mais observado nos equídeos, totalizando até 66.87% dos tumores analisados em equinos 4. O sarcóide pode afetar todas as raças e espécies dos equídeos 5. É uma neoplasia de tecido fibroso com característica fibroelástica, sem comportamento de metástases, porém apresenta alto índice de recorrência local 6.
As lesões mais comuns são vistas em pele fina e com áreas de pouco pelo, incluindo a face, porção medial dos membros, virilha, pálpebras, orelhas e abdômen 7. Sua etiologia ainda é controversa 8, mas estudos já concluíram que o papiloma vírus bovino tipo 1 e 2 estão associados com a manifestação do sarcóide em cavalos que possuem um contato maior com bovinos 9.
Existem várias alternativas de tratamento do sarcóide equino, como ligadura, remoção cirúrgica, criocirurgia, cirúrgica a lazer, eletroquimioterapia, quimioterapia intralesional e radioterapia 5.
A quimioterapia intralesional é muito eficaz em casos de tumores cutâneos, sendo mais utilizado após excisão cirúrgica prévia 10. Entre os quimioterápicos utilizados para o tratamento do sarcóide equino a cisplatina intralesional é uma opção 5,11.
O objetivo deste relato de caso foi descrever o diagnóstico de um sarcóide localizado na região supra orbital esquerda de uma égua e a resposta ao tratamento com cisplatina intratumoral após excisão cirúrgica do tumor.
RELATO DE CASO
Um equino, fêmea, com 5 anos de idade, mestiço, pesando 280 kg, com pelagem tordilha negra foi atendida pelo Médico Veterinário de Grandes Animais do Centro Universitário de Mineiros (UNIFIMES), com queixa principal de aumento de volume progressivo com evolução de 60 dias, não ulcerado, na região supra orbital do olho esquerdo. No relato do proprietário, o paciente era criado extensivamente sem presença de outros animais.
No primeiro dia de atendimento, durante o exame físico do animal foi constatado a presença de uma massa nodular na região supra orbital do olho esquerdo, acometendo tecido subcutâneo da região, sem ulceração e hiperpigmentação, o tamanho do nódulo era de aproximadamente 2 cm de largura, 5 cm de comprimento e 4 cm de altura, na avalição oftalmológica não foi constatado hiperemia, secreção ou alterações clínicas. Os parâmetros clínicos se encontravam dentro dos valores de normalidade (Figura 1).
Legenda: 1° dia: Aspecto macroscópico de sarcóide na primeira excisão cirurgica do tumor, 17° dia: após primeira excisão cirúrgica do tumor, 63° dia: dia da segunda excisão cirúrgica.
No 17° dia foi realizado a remoção cirúrgica do nódulo para posterior análise histopatológica, o animal foi operado em estação, como pré-operatório, o animal foi sedado com cloridrato de detomidina 1% (Riohex®) na dose de 40 ug/kg, IV, foi realizada a tricotomia, antissepsia com clorexidina 2% (clorexidin®), e bloqueio regional infiltrativa ao redor da lesão com 10 ml de cloridratado de lidocaína 2% (Lidocaína®), sem vaso constritor.
Durante o trans operatório, foi realizado uma incisão ao redor da lesão, com margem de segurança de 1 cm, divulsionando a massa tumoral, seguida de hemostasia, redução de espaço morto, com posterior dermorrafia com fio nylon 05, com padrão de sutura wolff.
No pós operatório foi administrado penicilina G Potássica 5.000.000 UI (Agrovet®), na dose de 10.000 UI/kg, SID, IM, durante 7 dias, flunexim meglumine (Banamine®) (1.1 mg/kg), SID, IV, durante 5 dias. O tratamento tópico preconizado foi limpeza diária com solução fisiológica, com administração de pomada ganadol®, BID, até o fechamento da lesão.
A amostra excisada foi acondicionada em solução de formalina 10% e encaminhada para laboratório de patologia para posterior análise, sendo realizada a clivagem da amostra em 3 mm de espessura, após a fixação e lavagem da amostra, a mesma sofreu o processo de dascalcificação e posteriormente foram emblocadas em parafina. Quando as amostras estão emblocadas na parafina as amostras sofreram desidratação com álcool siopropílico e depois foi clarificado com xilol. Após a microtomia da parafinha em amostras com espessura de 4 micrômetros e colocados nas lâminas para posterior coloração de hematoxilina e eosina. No laudo histopatológico foi observado proliferação neoplásica sem delimitação, densamente celular e sem encapsulamento, composta de numerosos feixes de células fusiforme dispostos em vários sentidos, sustentados por estroma fibrovascular uniforme. As células possuíam limite pouco distinto, citoplasma homogêneo e eosinofílico, núcleo oval, central e hipercromático, com nucléolos evidentes, e proporção núcleo/citoplasma de 1:3 a 1:4, sendo diagnosticado sugestivo de sarcóide (Figura 2).
Após o 63° dia foi observado recidiva do tumor com aumento de volume e ulceração, com a área da ferida apresentado aproximadamente 4 cm de comprimento, 7 cm de comprimento, 4 cm de largura e 5 cm de altura (Figura 1), sendo definido como escolha tratamento de excisão cirúrgica associada à quimioterapia intratumoral, com cisplatina (C-Platin 50mg®). No 64° dia de tratamento o procedimento cirúrgico foi realizado em estação, seguindo o mesmo protocolo de sedação anteriormente e preparo cirúrgico, sendo realizada novamente uma exérese do tumor com área de segurança de 2 cm (Figura 1).
No 80° dia foi administrado cisplatina intratumoral na dose de 1mg/cm3 de massa (10), com 4 administrações, com intervalo de 14 dias entre elas. Durante o tratamento, foi constatado regressão da lesão, com remissão total do tumor macroscópicamente após a 4° administração, no 125° dia de tratamento (Figura 3).
Legenda: 64° dia: 1 dia após a segunda excisão cirúrgica do tumor; 80° dia: Dia da primeira quimioterapia com cisplatina; 88° dia: 8 dias após a primeira quimioterapia com cisplatina; 95° dia: dia da segunda quimioterapia com cisplatina; 110° dia: dia da terceira quimioterapia com cisplatina; 125° dia: dia da quarta quimioterapia com cisplatina.
O animal foi acompanhado durante 7 meses após a última administração do quimioterápico, não apresentando recidiva nos 317 dias após o início do tratamento (Figura 4).
DISCUSSÃO
Para a remoção do sarcóide é recomendada a excisão cirúrgica com uma margem de segurança de pelo menos de 1 cm, tentando assim, diminuir as chances de recidiva, pois acredita-se que a presença do DNA do Vírus do Papiloma Bovino (BPV) ocorra nas margens das lesões 12. Por outro lado, a remoção cirúrgica do sarcóide tem como desvantagem uma alta taxa de recidiva, como demonstrado neste relato de caso, mesmo com a retirada de margem de segurança de aproximadamente 1 cm ao redor da lesão, demonstrando que mesmo com essa preocupação ainda restou algum resquício de célula cancerígena na região excisada, sendo necessário a associação de outras técnicas além do procedimento cirúrgico.
A associação com outras técnicas tais como criocirurgia, hipertermia e quimioterapia diminuem a frequência da recidiva 8. O uso concomitante de quimioterapia intratumoral é recomendado para diminuir as chances de recidiva dos tumores cutâneos após sua excisão cirúrgica 13.
Os quimioterápicos mais utilizadas em tumores equinos são a bleomicina, cisplatina e o 5-fluorouracil 14. Neste relato de caso, o quimioterápico de escolha para administrar após a excisão cirúrgica foi a cisplatina (15, 11,12.
O quimioterápico cisplatina (cis-diamminedichloroplatinum) é um composto inorgânico com platina em sua base molecular, sua ação ocorre com o impedimento da transcrição e replicação do DNA da célula tumoral, é um dos quimioterápicos mais eficazes. Entretanto, os pesquisadores relatam alta taxa de toxicidade quando utilizado por via sistêmica, e por possuir um alto poder carcinogênico, necessitando a utilização de proteção pelos profissionais da saúde 13.
A alternativa para evitar essa toxicidade é administrar uma dose menor com a utilização por via intratumoral, alternativa essa, utilizada no presente caso, em que foram explorados os efeitos da resposta do tratamento em relação à dose administrada do fármaco, maximizando sua concentração 13. Entre as vantagens da administração da cisplatina por via intratumoral estão a ausência de necrose tecidual e sua toxicidade, sendo independente da taxa de crescimento tumoral 14.
O início do tratamento deste relato de caso foi realizado 15 dias após a excisão cirúrgica, como demonstrado na literatura, sendo comparado o início de tratamento com quimioterapia cisplatina por via intratumoral imediatamente e 15 dias após a excisão cirúrgica, sendo constatado que não existiu diferença entre os protocolos, com a remissão da massa tumoral 6.
A evolução do tratamento do sarcóide deste trabalho demonstrou que o tratamento foi eficiente durante as 4 administrações intratumorais com cisplatina, com remissão completa sem recidiva como observado nas figuras 2 e 3, concordando com a literatura 14 que utilizaram a cisplatina intralesional. Foi observado uma melhora em 96% dos equinos com sarcóide tratados com o mesmo protocolo utilizado neste relato de caso 12.
Em conclusão, o tratamento com cisplatina intratumoral após excisão cirúrgica mostrou-se eficaz, promovendo a regressão total do tumor macroscópicamente, demonstrando ser um produto de fácil manipulação, tendo como desvantagem o tratamento de longa duração, sendo necessário utilização de proteção de quem o manipular.