INTRODUÇÃO
O envelhecimento populacional é um fenômeno global que envolve mudanças significativas na conformação da sociedade, dentre estas, a mudança demográfica é consequência do declínio na taxa de fertilidade e do aumento da expectativa de vida, o que pode ser observado especificamente a partir da metade do século XX1.
Para que seja possível o entendimento sobre o envelhecimento é necessário observar suas peculiaridades, perpassando pela compreensão dos aspectos cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais que envolvem o idoso, além de entender a cultura na qual o indivíduo está inserido, onde as condições históricas, políticas, econômicas, geográficas e culturais produzem representações sociais diversas acerca da saúde do idoso2.
O envelhecimento populacional é uma realidade a nível mundial que provoca grandes desafios à Saúde Pública, já que exige uma adequação, tanto estrutural, necessitando dos serviços para atender ao idoso, quanto educacional, evidenciado pela escassez de profissionais capacitados para trabalhar com essa população, sendo necessário que ocorra uma reorientação da formação dos profissionais de saúde para atender a esse público3.
O número de estudos científicos sobre o idoso mais velho, tanto a nível nacional quanto internacional, não é condizente com a realidade atual do envelhecimento, de modo que se observa pouco estudo sobre o tema e um expressivo aumento no ritmo do envelhecimento4.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que as elaborações de políticas de saúde na área de envelhecimento sejam embasadas pelos determinantes de saúde, onde fatores sociais, econômicos, comportamentais, pessoais, culturais, ambientais e de acesso a serviços, exercem influência na saúde do idoso, de modo que a organização do sistema torna-se um dos principais desafios para a promoção da saúde5.
Em países em desenvolvimento são considerados idosos os indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos, estes podem ser classificados conforme a faixa etária em idosos jovens, entre 60 e 69 anos; idosos, entre 70 e 79 anos e idosos velhos ou velhice avançada, idade igual ou superior a 80 anos, visto que o idoso com 80 anos e mais pode ser denominado como octogenário, idoso velho, idoso mais velho, idoso muito velho e velhice avançada. Neste estudo foi adotado o termo idoso muito velho6.
Estima-se que em 2025 o Brasil venha a se tornar o país com o sexto maior quantitativo de idosos do mundo, sendo que a faixa etária que terá maior crescimento será a dos idosos muito velhos7.Assim, com base na importância e na atualidade da temática, não seria exagero dizer que o estudo sobre as pessoas longevas é um campo novo e desafiador6.
O conceito de saúde pode ser entendido como uma medida da capacidade de realizar aspirações e satisfação das necessidades da vida diária, e não meramente ausência de doenças. Nesse sentido, um quantitativo de idosos são portadores de disfunções orgânicas que nem sempre estão associadas à limitação de sua participação ativa na sociedade, onde a funcionalidade global, compreendida como ato de gerir a própria vida ou cuidar de si mesmo, é sinônimo de independência e autonomia, mesmo na existência de doenças8.
São necessários esforços intersetoriais para prover uma assistência básica que privilegie principalmente o caráter educativo, de proteção da vida e da saúde na comunidade, voltada para o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas idosas e suas respectivas famílias9. Sendo assim, espera-se que estudos sobre idosos possibilitem orientar e capacitar os profissionais de saúde, à fim de que a assistência não seja baseada apenas no processo de envelhecimento como uma simples etapa do ciclo vital e sim, com suas peculiaridades10.
Portanto, o objetivo deste estudo foi analisar o perfil de saúde dos idosos muito velhos residentes no município de Aracaju-SE, inseridos em seu contexto social.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo de coorte transversal, com abordagem quantitativa, realizado com idosos muito velhos (80 anos e mais), residentes em áreas de abrangências das regiões de Saúde do município de Aracaju-SE. Cada região possui duas micro regiões e cinco ou seis Unidade Saúde da Família (USF), totalizando 44 USF, destas 24 participaram da pesquisa. Este estudo é resultado da investigação de tese intitulada “Estilo de Vida e Sua Associação Com a Longevidade do Idoso Muito Velho de Aracaju-SE ”.
A população de estudo foi constituída por 2710 idosos muito velhos, o tamanho de amostra total foi estimado utilizando-se o cálculo de amostra para população finita, com nível de confiança de 95% e erro de 5% para mais ou para menos, resultando uma amostra de 601 idosos cadastrados nas Unidades de Saúde da Família. Diante dessa estimativa, para a seleção do número de idosos, seguiu como base o levantamento epidemiológico, considerando os seguintes critérios de inclusão: ter condições de verbalização, concordar em participar do estudo, ter 80 anos e mais a partir da data da coleta e atingir o mínimo de 19 pontos no Mini Exame do Estado Mental-MEEM.
O levantamento epidemiológico ocorreu através de visitas às USF, sendo solicitado ao coordenador da Estratégia Saúde da Família a relação dos idosos muito velhos, contendo nome, data de nascimento, endereço e o número da pasta da família. Para a coleta dos dados realizadas entrevistas, no período de junho a agosto de 2012, nas áreas de abrangência das USF, utilizando um instrumento validado para o contexto brasileiro, a saber: Mini Exame do Estado Mental (MEEM); e posteriormente, um instrumento sobre dados socioeconômico e demográfico, condições de saúde, características nutricionais e comportamentos preventivos, elaborado pelos próprios pesquisadores e testado em estudo piloto.
Os dados foram organizados por meio do programa computacional Microsoft Excel e analisados por meio do programa SPSS (versão 19). Para a análise dos dados, foi aplicada a estatística descritiva, utilizando frequências (absolutas e relativas) e medidas de tendência central (medianas e médias aritméticas).
O projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, sob o número do parecer: 74.143 e CAEE: 019555912.0000.5392. Vale ressaltar que todos os participantes idosos ou seus responsáveis, assinaram o Termo de Consentimeto Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
A amostra do estudo foi composta por 524 idosos muito velhos, sendo que 369 (70,5%) eram do sexo feminino e 155 (29,5%) do masculino. Após avaliação do Mini Exame do Estado Mental/MEEM, dos 601 idosos estimados, 77 (12,8%) não atingiram o ponto de corte (≥19) estabelecido pelo escore do questionário MEEN, desses, 22 (7,8%) tinham entre 80-85 anos, 25 (12,5%) de 85-90 anos, 28 (25,6%) de 90-100 anos e dois (18,2%) de 100-108 anos. (Tabela 1).
Regiões de Saúde | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Score | 1º | 2º | 3º | 4º | Total | |||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
≥ a 19 | 49 | 83,1 | 174 | 92,1 | 200 | 86,6 | 101 | 82,8 | 524 | 87,2 |
< 19 | 10 | 16,9 | 15 | 7,9 | 31 | 13,4 | 21 1 | 7,2 | 77 | 12,8 |
Total | 59 | 100,0 | 189 | 231 | 122 | 601 | ||||
100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 |
Fonte: Elaborado pelos autores, Aracaju-SE 2012.
Ao avaliar as características socioeconômicas e demográficas observou-se que 141 (28,9%) idosos não foram alfabetizados e 217 (41,4%) possuíam de um a três anos de estudo e predomínio da viuvez, 286 (54,6%) idosos. Quanto à renda, 470 (89,7%) tinham entre um a três salários mínimos (SM), 46 (8,8%) a renda estava entre 4 a 7 SM e somente 7 (1,3%) a renda era maior que 7 SM. Ressalta-se que 248 (47,3%) não possuíam dependentes da renda, porém 164 (31,3%) tinham de dois a quatro dependentes. Quanto arranjo familiar, quase metade vivia com os filhos, 229 (43,7%) (Tabela 2).
Variável | Total | % |
---|---|---|
Escolaridade | ||
Analfabeto | 141 | 28,9 |
Primário incompleto | 217 | 41,4 |
Primário completo | 108 | 20,6 |
Mais de 7 anos | 58 | 11,1 |
Estado civil | ||
Solteiro | 44 | 8,4 |
Casado | 161 | 30,7 |
Separado | 33 | 6,3 |
Viúvo | 286 | 54,6 |
Arranjo familiar | ||
Sozinho | 82 | 15,6 |
Conjugue | 71 | 13,5 |
Conjugue c/filhos | 84 | 16,0 |
Filhos | 229 | 43,7 |
Cuidador familiar | 22 | 4,2 |
Cuidador | 36 | 6,9 |
Renda Familiar | ||
< que 1 SM | 1 | 0,2 |
1 a 3 SM | 470 | 89,7 |
4 a 7 SM | 46 | 8,8 |
> de 7 SM | 7 | 1,3 |
Dependentes da renda | ||
Nenhum | 248 | 47,3 |
1 | 65 | 12,4 |
2 a 4 | 164 | 31,3 |
5 ou mais | 47 | 9,0 |
Fonte: Dados da pesquisa, Aracaju-SE 2012.
De acordo as morbidades auto referidas, a Hipertensão arterial sistêmica (HAS), foi mais prevalente nas mulheres com 267 (72,4%) em relação aos homens, 92 (59,3%); seguida da artrose, acometendo 175 (33,5%) idosos, sendo mais prevalentes nas mulheres 138 (37,4%), em contraste aos homens 37 (23,9%); e a hipercolesterolemia presente 143 (27,3%) idosos, dos quais 110 (19,8%) eram mulheres e 33 (21,3%) homens. Já a insuficiência cardíaca congestiva teve igual frequência nos dois grupos, assim como a diabetes esteve presente em frequências semelhantes. A osteoporose, assim como a depressão foi mais frequente na população feminina e o inverso ocorreu na população masculina com os casos de câncer. (Tabela 3).
Morbidades | Feminino | Masculino | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | |
HAS | 267 | 72,4 | 92 | 59,3 | 359 | 68,6 |
Artrose | 138 | 37,4 | 37 | 23,9 | 175 | 33,5 |
Hipercolesterolemia | 110 | 19,8 | 33 | 21,3 | 143 | 27,3 |
DM | 88 | 23,8 | 34 | 21,9 | 122 | 23,3 |
ICC | 67 | 18,2 | 29 | 18,7 | 96 | 18,4 |
Osteoporose | 75 | 20,3 | 10 | 6,4 | 85 | 16,3 |
AVC-DVC | 50 | 13,5 | 21 | 13,5 | 71 | 13,6 |
Câncer | 15 | 4,0 | 21 | 13,6 | 36 | 6,9 |
Angina | 19 | 5,2 | 9 | 5,8 | 28 | 5,4 |
Infecção Urinária | 23 | 6,3 | 5 | 3,3 | 28 | 5,4 |
Depressão | 19 | 5,2 | 2 | 1,3 | 21 | 4 |
Alzheimer | 11 | 3,0 | 6 | 3,8 | 17 | 3,3 |
Hipotireoidismo | 14 | 3,8 | 2 | 1,3 | 16 | 3,1 |
Parkinson | 6 | 1,6 | 4 | 2,6 | 10 | 1,9 |
DPOC-BR-ENFI | 3 | 0,8 | 0 | 0,0 | 3 | 0,6 |
Fonte: dados da Pesquisa, Aracaju-SE 2012.
Os dados referentes às condições de saúde do idoso, mostram que a percepção quanto a sua saúde, poucos a consideram ruim/muito ruim: 41 (7,8%), a maioria a considera boa e regular, sendo 224 (42,7%) na categoria boa e 209 (39,9%) na regular e apenas 10% considera muito boa (Tabela 4).
Variáveis | Categorias | Total | |
---|---|---|---|
N | % | ||
Como considera sua saúde | Muito Boa | 50 | 9,5 |
Boa | 224 | 47,7 | |
Regular | 209 | 39,9 | |
Ruim/Muito Ruim | 41 | 7,8 | |
Queda nos últimos 12 meses | Não | 375 | 71,6 |
1 | 120 | 22,9 | |
2 | 16 | 3,1 | |
3 | 5 | 1,0 | |
4 | 5 | 1,0 | |
> 4 | 3 | 0,6 | |
Local da queda | Casa | 113 | 75,8 |
Rua | 36 | 24,2 | |
Internação no último ano | Sim | 166 | 31,7 |
Não | 358 | 68,3 | |
Plano de Saúde | Sim | 219 | 41,8 |
Não | 305 | 58,2 | |
Ida ao Dentista | Não | 496 | 94,7 |
Sim | 28 | 5,3 | |
Medicamentos/uso diário | Sem uso | 72 | 13,7 |
1 a 2 | 207 | 39,5 | |
3 a 4 | 147 | 28,1 | |
5 a 6 | 63 | 12,0 | |
Mais de 6 | 35 | 6,7 | |
Nº de refeições por dia | |||
1 a 2 | 2 | 0,4 | |
2 a 3 | 56 | 10,7 | |
3 a 4 | 241 | 46,0 | |
Características nutricionais | 4 a 5 | 144 | 27,5 |
5 ou mais | 81 | 15,5 | |
Dificuldade mastigação | |||
Sim | 145 | 27,7 | |
Não | 379 | 72,3 | |
Alimenta-se sozinho | |||
Sim | 518 | 98,9 | |
Não | 6 | 1,1 |
Fonte: Dados da pesquisa, Aracaju-SE 2012.
O evento queda foi o menos frequente, sendo que 375 (71,6%) dos idosos negaram a sua ocorrência no último ano. Dentre estes, 120 (22,9%) relataram apenas um episódio nos últimos 12 meses, e a ocorrência de duas ou mais de quatro vezes constituiu a minoria dos episódios. Já em relação ao local da ocorrência, o domicílio foi o local com maior frequência, referido por 113 (75,8%) dos idosos. De acordo às internações ocorridas no último ano, quase um terço dos idosos, 166 (31,7%), relataram ter vivenciado esta experiência, com frequência semelhante entre as mulheres 115 (31,2%) e os homens 51 (32,9%).
Observou-se que o plano Privado de Saúde (PPS), é adotado por 219 (41.8%) desses idosos, sendo as mulheres as que mais possuem, utilizado por 164 (44,4%) das pertencentes à faixa etária dos 80 aos 94 anos, já os homens seu uso se distribui de forma semelhante em todas as idades. Quanto aos serviços odontológicos, a maioria relata não os frequentar, 496 (94,7%).
O uso contínuo de medicamentos pelos idosos mostrou que a maioria, em ambos os sexos fazia uso de um a dois medicamentos (39,5%), sendo que 53 dentre os homens (34,2%), e 154 entre as mulheres (41,7%), e os que faziam uso de 3 a 4 medicamentos foi de 147 (28,1%) idosos. Encontrou-se que 34 (9,2%) mulheres e 38 (24,5%) homens não faziam uso de medicamentos.
Em relação às condições nutricionais, quase a metade dos idosos 241 (46,0%) realizavam três a quatro refeições ao dia, 144 (27,5%) efetuam de quatro a cinco refeições/dia e uma minoria faz menos de uma a três refeições/dia. A maioria dos idosos, 379 (72,3%), relatam não possuírem dificuldade na mastigação e alimentar-se sozinho, 518 (98,9%).
Ao verificar o comportamento preventivo dos idosos (Tabela 5) observou-se que 275 (52,5%) dos entrevistados conheciam sua pressão arterial, seus níveis de colesterol e procuravam controlá-los; 109 (20,8%) declararam não possuir conhecimento sobre estes dados; 328 (62,6%) dos entrevistados negaram uso de tabaco e álcool ou ingeriam com moderação); 85 (16,2%) sempre fumavam e ingeriam álcool e 62 (11,8%) às vezes evitavam esta prática e 49 (9,4%) quase sempre evitavam fumar e ingerir álcool (ou o faziam com moderação).
Indicador | Nunca | As vezes | Quase sempre | Sempre | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | |
Conhecimento sobre a pressão arterial, nível de colesterol | 109 | 20,8 | 60 | 11,5 | 80 | 11,3 | 275 | 52,5 |
Hábito de não fumar ou ingerir álcool com moderação (< de 2 doses/dia). | 85 | 16,2 | 62 | 11,8 | 49 | 9,4 | 328 | 62,6 |
Fonte: Dados da pesquisa, Aracaju-SE 2012.
DISCUSSÃO
A maioria dos idosos muito velhos, 524 (87,2%) atingiu o ponto de corte estabelecido para participar do estudo. Entretanto, 77 (12,8%) idosos não atingiram os 19 pontos no MEEM, o que sinaliza a importância de intervenções voltadas para a promoção da saúde e prevenção de doenças nessa faixa etária. Um estudo para rastrear o estado cognitivo de idosos com demência, com 2.139 idosos de 80 anos e mais, mostrou que a média do teste MEEM foi de 22,4 pontos para 1.268 idosos e que quanto maior a idade menor o escore e maior o comprometimento do estado cognitivo11, esses dados corroboram com o presente estudo, onde dos que não atingiram o ponto de corte quase metade tinha mais de 90 anos.
Evidenciou-se que dentre os idosos, predomínio da viuvez, quase metade vivem com os filhos, recebem de 1 a 3 SM, têm de dois a quatro dependentes, estes dados sinalizam as possíveis vulnerabilidades sociais que os idosos estão sujeitos, como a baixa escolaridade, baixas condições socioecomicas, violência domestica, falta de apoio familiar e negligências com a sua saúde, requerendo maior atenção por parte dos profissionais de saúde. Em um estudo com idosos da comunidade em Porto Alegre, foi evidenciado a associação das variáveis demográficas e socioeconômicas do envelhecimento com a incapacidade funcional para atividades instrumentais da vida diária12.
Em outro estudo percebeu-se a associação entre escolaridade e o declínio cognitivo, demostrando que idosos com um ano de estudo ou menos, têm 3 vezes mais chances de ter déficits cognitivos do que os que têm de um a quatro anos de estudo, sendo necessário o monitoramento por causa da maior vulnerabilidade desta população13. Levando-se a aduzir que o reconhecimento dessa variável, pode servi para elucidar a prevalência e incidência de déficits cognitivos em idosos muito velhos em processo de senilidade.
Em relação às morbidades, observou-se que a Hipertensão Arterial Sistêmica, diabetes mellitus, hipercolesterolemiae e a artrose ocorrem, em maior proporção em mulheres. Em estudo que buscou traçar o perfil de morbidade referida e padrão de acesso a serviços de saúde por idosos praticantes de atividade física, observou-se que para as mulheres, as morbidades com maior prevalência foram às doenças osteoarticulares, a hipertensão arterial e a hipercolesterolemia, no caso dos homens a hipertensão arterial, as doenças cardíacas e a diabetes14, o que se assemelha aos resultados encontrados no presente estudo.
Verificou-se nesta população a alta prevalência de hipertensão tanto em mulheres quanto nos homens, somando-se ao desconhecimento dos parâmetros clínicos de pressão arterial e o nível de colesterol, que traduzem condições vitais de adoecimento crônico na saúde da população idosa, ocupando um cenário de ampla magnitude nos problemas relacionados à saúde cardiovascular que têm gerado grande impacto no sistema único de saúde, com grande repercussão nas internações hospitalares por causa sensíveis à atenção primária. Nesse contexto, vale apena conhecer o perfil dos idosos muitos velhos, por ser uma fase do ciclo de vida que sofre maior ação dos efeitos deletérios do adoecimento crônico cardiovascular e de fatores associados aos seus agravos, isso implica na adoção de cuidados preventivos na atenção primária à saúde, principalmente, em comunidades periféricas, onde o acesso à saúde é muitas vezes negligenciado pelas autoridades de saúde pública.
Pode-se perceber prevalências consideráveis com relação ao diabetes, observou-se uma prevalência de 122 (23,3%) pessoas idosas adoecidas cronicamente. Estes resultados tornam-se importantes para saúde pública e no contexto das condições crônicas não transmissíveis, em vista das complicações desastrosas que podem ocorrer na saúde das pessoas em envelhecimento, sendo considerado um agravante de saúde que colocam os idosos em condições de vulnerabilidade crônica, uma vez que o DM comporta-se como condição clínica equivalente ao risco de desenvolver eventos cardiovasculares.
Nesse sentido, assim como a HAS, ações multiprofissionais e interdisciplinares ampliadas dos profissionais de saúde com relação à saúde do idoso em envelhecimento senil, devem ser instituídas como cuidados clínicos necessários, utilizando-se do compartilhamento competências e diagnósticos clínicos, condutas terapêuticas de ensino clínico, e de técnicas propedêuticas adquiridas ao longo do cotidiano das suas práticas assistências desenvolvidas no cotidiano dos serviços de saúde, uma vez que podem trazer impactos clínicos satisfatórios na saúde e qualidade de vida das pessoas adoecidas cronicamente pela DM e HAS.
Embora a prevalência de câncer nos pesquisados tenha tido baixa frequência. Os profissionais de saúde devem atentar para a ocorrência do adoecimento por câncer na população idosa e instituir medidas protetoras de saúde, como estímulo ao autoexame e ida as Unidades de Saúde para consultas de rotina e de diagnostico precoce, visando à promoção da saúde, já que na população masculina encontrou-se prevalências consideráveis de câncer de pele, de assoalho de boca, de pulmão e de pênis, uma vez que os homens só buscam cuidados de saúde quando já estão adoecidos cronicamente, o que inviabilizar a reabilitação da saúde para obtenção do processo de cura, em vista dessas moléstias, as quais podem levar a morte, muitas vezes prematuras, ocasionadas muitas vezes pela complexidade das doenças crônicas não transmissíveis e pelo itinerário terapêutico dificultoso presentes no cotidiano das redes de serviços de saúde público.
Em relação à percepção dos idosos muito velhos quanto a sua saúde, poucos consideram muito ruim, a maioria considerou-a boa e regular. Tais dados corroboram com estudo realizado no Rio Grande do Norte com idosos com 75 anos ou mais, sobre suas condições de saúde, onde se verificou que 39,4% dos idosos consideram sua saúde boa15.
Resultado diferente do encontrado, alerta para uma maior vigilância à saúde dos idosos a partir das percepções encontradas, demonstrando que embora um quantitativo pequeno de idosos relatassem uma “pior percepção de saúde” e uma substancial proporção respondeu ter percepção de saúde “regular”, uma vez que a concepção regular poderá evoluir para uma percepção negativa e consequente acarretar risco ao agravamento do estado de saúde do idoso16.
Portanto, a reflexão sobre a percepção de saúde dos idosos, especialmente quando se refere que a categoria “ruim ou muito ruim” é relevante, pois demonstra que há risco de fragilização que devem ser monitorados, haja vista que agravos sérios podem ser desencadeados, cabendo aos profissionais o discernimento para lidar com as particularidades inerentes ao processo do envelhecimento17. Os achados com relação à autopercepção de saúde trazem interpretações importantes para o monitoramento e avaliação da saúde das pessoas idosas, uma vez que, o conhecimento desta variável é muito importante para os profissionais que atuam na saúde pública, pois é capaz traduzir condições incapacitantes, e importantes necessidades no cotidiano da saúde dessa população, haja vista que, quanto pior autopercepção de saúde, representadas pelas variáveis ruim/muito ruim, mais severas serão os danos à saúde, e maiores serão as medidas para se alcançar a reabilitação da saúde da pessoa idosa.
O evento queda, importante agravo nesta faixa etária, foi menos frequente, sendo que mais da metade dos idosos negaram esta ocorrência no último ano. Dentre os que sofreram queda, se concentraram em apenas um episódio nos últimos. Um estudo com 420 idosos mostrou que um terço dos idosos sofreram quedas e quase metade estava na faixa etária acima de 80 anos, taxa superior foi encontrada no presente estudo, no qual 149 (28,4%) dos idosos caíram no ano anterior18.
As particularidades que devem ser monitoradas por parte dos profissionais de saúde, uma vez a ocorrência de quedas são muitos comuns nas atividades de vida diária da população idosa. Tais eventos corroboram com o estudo de Celich et al19, no qual os idosos afirmaram ter caído dentro de sua própria casa, ocorrendo fraturas que limitam a execução de atividades no cotidiano, como dificuldade nos serviços domésticos, prejuízo para caminhar, o que aumenta a dependência. Os profissionais de saúde devem saber lidar com a problemática “quedas”, pois para instituir medidas preventivas é necessária a associação de conhecimentos, que envolve a orientação sobre o uso adequado de medicamentos, a prática da educação em saúde, a orientação sobre importância da atividade física e a melhoria da acessibilidade, temas que podem contribuir com a manutenção da capacidade funcional e que exige a interação de uma equipe multiprofissional20.
Ao verificar as internações ocorridas no último ano, quase um terço dos idosos passaram por essa experiência. Em estudo que buscou avaliar o Impacto da atenção básica na redução das Internações de idosos por Causas Sensíveis às Atividades da Atenção Primária (ICSAP), foi evidenciado que os idosos com idades mais avançadas apresentaram maior risco de internações, entretanto na última década houve uma redução na taxa de hospitalização, sendo que cabe a atenção básica atuar na prevenção das ICSAP, para evitar hospitalizações desnecessárias, melhorando a qualidade de vida do idoso21. A Estratégia Saúde da Família pode estimular o autocuidado de idosos muito velhos por meio da criação de grupos, onde a convivência e orientação amparadas nas práticas educativas e cuidativas tornam-se eficazes e contribui com o desenvolvimento de estilos de vida saudáveis, considerados protetores de agravos à saúde, e evitam hospitalizações, decorrentes da negligência da assistência prestada por profissionais que atuam na rede de atenção primária à saúde.
Em relação ao uso de Plano Privado de Saúde (PPS), mais da metade (305 58,2%) não o possuem, o que pode estar relacionado a baixo poder aquisitivas ou boas condições de acesso à rede pública de assistência à saúde. Esses achados são relevantes para as autoridades de saúde pública e demostra que ainda, sim, é necessário o incentivo de mais investimentos financeiros, de modo a garantir articulações intersetoriais a alcançar melhores condições de saúde para esta população que envelhece e necessita de uma rede apoio assistencial cada vez mais complexa, e resolutiva.
Com relação à utilização de serviços de saúde por idosos que vivem na comunidade, verificou-se que a população idosa é uma parcela significativa que busca os serviços de saúde, devendo a rede pública se organizar a gestão do cuidado clínico para melhor atender está crescente demanda da população que busca por procedimentos diagnósticos, terapêuticos e clínicos. Os dados corroboram com estudo realizado com acesso de idosos aos serviços de saúde na comunidade, no qual apontaram que grande parcela dos idosos buscam os serviços públicos e poucos não haviam procurado qualquer serviço de saúde nos últimos três meses que antecederam a entrevista22. É necessárias ações multiprofissionais que interfira nessa realidade, e que parta da concepção do idoso com relação ao processo saúde-doença.
Verificou-se pouca frequência por parte dos idosos ao dentista, já que apenas tais dados podem acarretar prejuízo para nutrição e estética do idoso, causando isolamento social e deve ser alvo de intervenção por parte dos gestores de saúde buscando intervir na problemática. Um estudo apresentou dados semelhantes, ao evidenciar que as consultas odontológicas, ao contrário do que ocorre com as consultas médicas, tendem a diminuir como o envelhecimento, ocorrendo uma redução da busca a serviços odontológicos entre os idosos23. Em estudo sobre raça e o uso de serviços de saúde bucal por idosos, foi constatado que as condições de ida ao dentista é agravadas pelas condições de acesso desiguais entre os indivíduos brancos e negros, ao ponto em que para os idosos a raça é um fator limitante na utilização dos serviços odontológicos, onde a chance de um idoso negro nunca ter ido ao dentista é maior que o dobro comparado a de um idoso branco e a chance do idoso negro ter utilizado os serviços de saúde bucal no último ano é menor que a de um idoso branco24.
Uma quantidade significativa dos idosos muito velhos fazia uso de um a dois medicamentos 207 (39,5%), porém um número expressivo 147 (28,1%) faziam uso de três a quatro medicamentos. Esses achados são relevantes, uma vez que, sensibiliza os profissionais de saúde a promoverem ações de vigilância em saúde de forma individual e coletiva, de modo a garantir o uso racional dos medicamentos por parte dos idosos, e a desenvolverem práticas seguras que minimizem os erros e os danos causados pela automedicação. A automedicação pode ocasionar sérios problemas de saúde e consequências para a vida diária do idoso, tais como a ocorrência de reações adversas, risco de uso de medicamentos inadequados e dificuldade de adesão ao tratamento farmacológico correto25.
Uma quantidade significativa de idosos 241 (46%) declararam realizar de três a quatro refeições por dia e alimenta-se sozinho, entretanto, quase um terço apresenta dificuldade de mastigação, o que pode estar relacionada a problemas odontológicos, pois como já apontado, quantidade mínima frequenta o dentista. Em estudo sobre as contribuições da educação alimentar em grupos de idosos, constatou-se que, a maioria dos idosos não relatam a necessidade de obter maiores informações sobre as patologias, mas desejam saber sobre as influências da nutrição no processo de envelhecimento e como ter uma alimentação saudável, com o objetivo de poder controlar melhor suas vidas e preservar a saúde26.
Para a melhoria da saúde dos idosos, a adoção de programas de promoção à saúde orientados pelo envelhecimento ativo é uma estratégia inovadora, cabendo aos serviços vinculados a instituições de ensino, de pesquisa e a extensão, possibilitar estas alternativas que podem garantir a integralidade da assistência, proporcionando o desenvolvimento de práticas sociais que priorize a educação em saúde na perspectiva de estimular a autonomia dos sujeitos assistidos, a serem autores do seu próprio cuidado. Nesse sentido, programas de promoção da saúde deve ter como alicerce o empoderamento, tornando o idoso protagonista nas escolhas que determinam seu estado de saúde27.
Nosso estudo mostrou que 275 (52,5%) dos entrevistados conheciam sua pressão arterial, seus níveis de colesterol e procuravam controlá-los, entretanto, sendo que parcela significativa 109 (20,8%) desconhecia sobre estes aspectos referentes aos parâmetros clínicos de adoecimento da saúde cardiovascular. Nesse sentido, é importante que os profissionais de saúde, verifiquem o grau de conhecimento da população idosa com relação auto percepção à agravos de saúde e de suas práticas de autocuidado, para que a partir dessas vertentes, possa estimular os idosos na efetividade do autocuidado, estimulo pelo o qual o idoso é capaz de gerir sua vida e ter conhecimento de sua própria saúde, consequentemente, agindo desta forma no processo saúde-doença do adoecimento crônico presente na senilidade.
Os achados dessa investigação evidenciam que os idosos possuem estilos de vida considerados protetores de saúde, pois muitos destes pesquisados não faziam uso de tabaco e álcool 328 (62,6%). No entanto, uma quantidade considerável apresentou estilo de vida não protetores da saúde, revelando que “às vezes” 62 (11,8%) e “quase sempre”49 (9,4%) faziam uso destas substâncias. Em estudo sobre a influência dos hábitos de vida nas Atividades da Vida Diária, observou-se que 12,0% dos idosos fumavam cigarro, e que 9,3% dos consumiam bebida alcoólica, dentre os que fumavam, 66,6% consumiam, em média, 0 a 20 cigarros por semana, e dentre os que consumiam bebida alcoólica 85,8% bebiam 1 a 4 vezes por semana28.
Pode-se inferir que o uso descontrolado/abusivo dessas substâncias nocivas ao organismo humano, causam impactos desastrosos na saúde das pessoas, e comprometem o bem estar físico e mental, e comportam-se como fatores associados ao risco cardiovascular. Outrossim, o reconhecimento dessas variáveis álcool/tabagismo tornam-se relevantes para elucidar mudanças no perfil de morbimortalidade ocasionadas pelas doenças crônicas não transmissíveis, haja vista que estas variáveis configuram-se como importantes fatores de risco cardiovascular em pessoas que vivenciam o processo de envelhecimento, sendo capaz de causar danos, sequelas e efeitos deletérios na saúde humana.
Nessa Perspectiva, deve-se fomentar politicas de promoção à saúde de forma que englobe todos os profissionais de saúde, principalmente, os de enfermagem que são capazes de subsidiar uma comunicação resolutiva com todos os profissionais de saúde, de modo a unir esforços em prol da qualidade de vida desta população29.
O perfil de saúde do idoso muito velho deve ser compreendido por meio de um olhar biopsicossocial dos seus determinantes sociais da saúde que envolve características relacionadas às condições de vulnerabilidade socioeconômicas e demográficas, condições de vulnerabilidades em saúde, nutricionais e de comportamentos preventivos, o que por sua vez, pode nortear ações de vigilância em saúde voltada para a promoção, prevenção e reabilitação da saúde na atenção primária. Nesse sentido, o estudo fomentou a reflexão sobre as necessidades dos profissionais de saúde e gestores de conhecerem os diversos aspectos correlatos ao perfil de saúde do idoso muito velho em seu contexto social, econômico e cultural evidenciando que para a promoção da saúde é fundamental que haja o estímulo no que condiz, com o protagonismo do autocuidado desses sujeitos e na gestão da clínica do cuidado ampliado e compartilhado pelos profissionais que atuam na atenção primária à saúde.
O presente estudo apresentou limitações metodológicas com relação à transversalidade da pesquisa, por não permitir encontrar a relação de causa e consequências dos agravos. Observou-se também limitações de condições de saúde físicas, cognitivas e de fragilidade na amostra dos muitos velhos que vivencia o processo de adoecimento crônico/debilidade clínica de suas funções fisiológicas. Tais limitações podem provocar consequências, como o sentimento de tristeza, depressão e impotência no cotidiano desses idosos.
CONCLUSÕES
A população de idosos com 80 anos e mais demanda atenção e compromisso por parte dos profissionais de saúde, visando conhecer o processo de envelhecimento que envolve a elaboração de políticas eficazes voltadas à pessoa idosa e a implementação de ações multiprofissionais e multidisciplinares com o intuito de fomentar a promoção da saúde nessa faixa etária tão relevante para a sociedade, uma vez que o perfil dos idosos muito velhos é uma condição inerente ao processo de envelhecimento da população que tende a crescer. Nesse sentido, vale refletir acerca da promoção da saúde que perpassa pela superação de estereótipos, entendimento do perfil de saúde, dos aspectos biologistas, culturais e sociais inerentes ao processo de senilidade de idosos residentes na comunidade.
Os resultados obtidos por meio deste inquérito ampliam o conhecimento a respeito da vulnerabilidade social e das condições clínicas de cronicidade de uma parcela local de idosos no nordeste brasileiro, evidenciando que os idosos muitos velhos estão mais vulneráveis a exposição de patologias crônicas como HAS, DM, ICC, Hipercolesterolemia, artrose. Sendo considerada uma população cada vez mais vulnerável ao risco de adoecimento crônico e a situações críticas no cotiando de suas atividades de vida diária, as quais são capazes de desenvolver sequelas, iniquidades e fragilidade nos idosos residentes na comunidade. Outrossim, evidencia o perfil de saúde dos idosos muito velhos que pode constituir uma base de informações para que os profissionais de saúde fomentem políticas públicas de saúde, competências e diagnósticos clínicos, bem como realizem intervenções, seja no cuidado à saúde, no ensino clínico ao paciente e no planejamento de praticas de gestão de cuidados em saúde no âmbito da promoção da saúde e qualidade de vida, ou no fomento de outras pesquisas a nível nacional que dê visibilidade as necessidades de saúde da população idosa com 80 anos ou mais, visando à melhoria das condições de saúde na perspectiva de viver mais e melhor, com bem estar, saúde e qualidade de vida.