INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos, a atividade laboral passou a ser prioridade na inserção social e na satisfação pessoal de cada indivíduo, sendo influenciados pela forma de organização do trabalho. A partir dessa perspectiva, a organização laboral é responsável pela vivência do prazer e sofrimento, que compreende uma relação social que integra questões éticas e regras para controlar a força de trabalho1,2.
Desse modo, a organização do trabalho influencia na vulnerabilidade dos trabalhadores a riscos de adoecimento. Esses riscos são oriundos das intensas jornadas de trabalho, pouco tempo para execução de tarefas, atividades repetitivas e cansativas, com pouca autonomia em se expressar e refletir sobre os serviços prestados1.
Considera-se então, a psicodinâmica do trabalho, que envolve a relação entre sofrimento e prazer, conformando a não neutralidade no trabalho, a qual interfere na saúde psíquica do trabalhador3.
Para auxiliar no enfrentamento do sofrimento é importante utilizar estratégias coletivas e individuais para manter ou recuperar a saúde3. Nessa perspectiva, o processo de trabalho é envolvido pela dinâmica das relações humanas e das organizações de trabalho, as quais influenciam o sentimento de prazer e sofrimento3.
Entende-se como prazer no trabalho a maneira subjetiva do trabalhador em lidar com situações causadoras de sofrimento, sem ignorá-lo2. No entanto, o prazer também está associado à realização no trabalho, diante do orgulho da profissão e o reconhecimento do papel em que o trabalhador exerce. Salienta-se que o prazer também pode estar associado à autonomia do trabalhador, pois o planejamento e efetivação das atividades, tornam suas relações mais prazerosas e solidárias entre os colegas4-6.
A sensação de sofrimento é proveniente de situações conflituosas nas organizações, que mobiliza o trabalhador a buscar meios de combatê-lo, na procura constante da satisfação e prazer no trabalho. Já a vivência de sofrimento pode sinalizar que as estratégias de defesa não estão sendo suficientes para superá-lo, o que influencia no adoecimento dos trabalhadores7, 3.
É importante a avaliação do prazer e sofrimento entre os trabalhadores da Atenção Primária à Saúde (APS), por ser um local de bastante acesso de pessoas com elevada demanda de usuários, déficit de recursos humanos, sobrecarga e ritmo acelerado de trabalho7. Esses trabalhadores configuram o elo e vínculo entre a equipe e a comunidade, para favorecer a assistência de maneira integral, frente aos cuidados prestados e acolhimento aos usuários7.
A APS disponibiliza serviços aos usuários, de forma individual e coletiva, o que contempla a promoção e proteção à saúde. Diante dessas características, os profissionais comprometidos e envolvidos com a saúde da população na APS estão vulneráveis ao risco de adoecimento7.
O sofrimento desses trabalhadores pode decorrer da forma de estruturação da APS, que atende usuários de diferentes contextos socioeconômicas. Nesse caso, cita-se a proximidade da comunidade e o reconhecimento de suas vulnerabilidades e precariedades, o que pode levar os profissionais a vivenciar o sentimento de impotência diante dos problemas existentes. Muitas vezes, as situações sociais e de saúde são adversas, e essa convivência com os problemas locais e o envolvimento com a comunidade podem causar sofrimento7.
Diante dos aspectos abordados, realizou-se uma busca na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), por meio dos descritores prazer, sofrimento e atenção primária à saúde, no período de elaboração do projeto e atualizada no mês de setembro de 2019. Foram localizados sete artigos, em que se observou que os indicadores de prazer, realização profissional e liberdade de expressão foram classificados como satisfatórios e, os indicadores de sofrimento, esgotamento profissional e falta de reconhecimento, foram classificados como crítico e satisfatório, respectivamente7.
Observou-se que o reconhecimento e a liberdade de expressão quando satisfatórios podem auxiliar a potencializar a realização profissional e influenciar na redução do esgotamento profissional7, fazendo-se necessário sua avaliação nos ambientes de trabalho. Além disso, evidenciou-se que poucos estudos abordaram a temática prazer e sofrimento com trabalhadores de saúde da APS.
Assim, a avaliação dos indicadores de prazer e sofrimento em trabalhadores da APS se torna relevante, em decorrência da sua complexidade do trabalho multiprofissional e ao vínculo estreito entre a comunidade e equipe. Dessa forma, a partir da questão de pesquisa “Quais são os indicadores de prazer e sofrimento em trabalhadores da Atenção Primária à Saúde de um município do Sul do Brasil?” objetivou-se avaliar os indicadores de prazer e sofrimento em trabalhadores da Atenção Primária à Saúde de um município do Sul do Brasil.
MATERIAS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal desenvolvido em todas as unidades da Atenção Primária à Saúde de um Município do Sul do Brasil. A APS, desse município, dispõe de um total de 34 unidades de saúde, das quais são 19 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e 13 Estratégias Saúde da Família (ESF). Duas unidades de saúde são definidas como mistas, devido ao processo de reorganização e reformulação das equipes da APS no município. As unidades mistas contam com duas equipes que atuam na assistência.
Considerou-se a população deste estudo todos os trabalhadores da APS do município pesquisado. Para fins estatísticos, considerou-se uma amostra não probabilística por conveniência, no entanto, para reduzir a ocorrência de possíveis vieses, utilizou-se cálculo amostral para população finita para estimar o mínimo de sujeitos.
Foram acrescentados 20% sobre o total da população para garantir e possibilitar a realização de determinados testes estatísticos. Assim, com uma população de 332 trabalhadores, grau de confiança de 95% e erro de 0,05, estimou-se um mínimo de 179 participantes. Todos os trabalhadores que estavam nos seus locais de trabalho durante coleta de dados foram convidados a participar, assim, ao final da coleta, a amostra foi constituída por 218 participantes.
Adotou-se como critério de inclusão ser trabalhador da APS e estar atuando por no mínimo seis meses no local. Foram excluídos todos os trabalhadores afastados do trabalho, por qualquer motivo, durante o período de coleta de dados.
Para a coleta de dados, utilizou-se um instrumento de caracterização sociodemográfica e laboral (sexo, idade, número de filhos, local de trabalho, profissão, tempo de formação, satisfação com salário, grau de satisfação com trabalho, turno de trabalho, vínculo empregatício, outro emprego e tempo médio de serviço) e uma Escala de Indicadores de Prazer-Sofrimento no Trabalho (EIPST).
A EIPST é uma das subescalas do Inventário sobre Trabalho e Riscos de Adoecimento (ITRA), que avalia as dimensões das inter-relações do trabalho com os riscos de adoecimento3. A EIPST é composta por 32 itens divididos em quatro fatores, dois que avaliam prazer: realização profissional (questões nove a 17) e liberdade de expressão (questões um a oito), e dois que avaliam sofrimento: esgotamento profissional (questões 18 a 24) e a falta de reconhecimento (questões 25 a 32). Os fatores da EIPST constituem-se em indicadores considerados universais das vivências de prazer e sofrimento conforme Psicodinâmica do Trabalho, teoria que sustenta tal instrumento, verificada pelo seu processo de elaboração e validação no Brasil3.
A escala é do tipo Likert de sete pontos e varia de 0=nenhuma vez; 1=uma vez; 3=três vezes; 4=quatro vezes; 5=cinco vezes a 6=seis ou mais vezes. A EIPST tem como propósito avaliar as vivências dos indicadores de prazer e sofrimento nos últimos seis meses3.
Na escala EIPST são considerados como resultados para vivência de prazer, os seguintes parâmetros: acima de 4,0= avaliação mais positiva, satisfatório; entre 3,9 e 2,1= avaliação moderada, crítico e abaixo de 2,0= avaliação para raramente, grave. Para os fatores do sofrimento, a análise deve ser feita com base nos seguintes níveis: acima de 4,0= avaliação mais negativa, grave; entre 3,9 e 2,1= avaliação moderada, crítico e abaixo de 2,0= avaliação menos negativa, satisfatório.
A coleta de dados foi realizada no período de março a agosto de 2015, em turno diurno de segunda a sexta-feira, por coletadores previamente capacitados. Antes de iniciar a coleta de dados foi acordado com os coordenadores das unidades de saúde o agendamento das coletas, de modo que não prejudicasse o fluxo de trabalho. Todos os trabalhadores de saúde de cada uma das unidades da APS foram convidados a participar do estudo, os quais receberam orientações referentes aos objetivos da pesquisa e, os que concordaram em participar, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em duas vias, e responderam individualmente ao instrumento no local e horário de trabalho.
Os dados foram digitados no Software Microsoft Excel®, com dupla digitação independente e verificação dos erros e inconsistências, por dois digitadores. Após, foi realizada a análise dos dados no PASW Statistic® (Predictive Analytics Software, da SPSS Inc., Chicago, USA) versão 21.0 para Windows.
As variáveis categóricas foram analisadas por meio da frequência absoluta (n) e relativa (%). As variáveis quantitativas foram analisadas por meio de medidas de posição e dispersão, conforme teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov ou verificação do coeficiente de variação de Pearson.
Foram realizadas análises bivariadas por meio do Teste t, utilizado em variáveis de até dois grupos e ANOVA para mais de dois grupos, com intervalo de confiança de 95%. A consistência interna dos fatores foi verificada pelo Alfa de Cronbach, aceitando-se valores acima de 0.70 como confiáveis.
Para o desenvolvimento desta pesquisa foram obedecidos os aspectos éticos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde8.A pesquisa foi aprovada pelo Núcleo de Educação Permanente em Saúde da Secretaria Municipal do município pesquisado e recebeu parecer favorável pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Santa Maria, sob o número do CAAE 40264314.4.0000.5346, em 12 de janeiro de 2015.
RESULTADOS
A APS do município deste estudo é composta por 332 trabalhadores, desses 10,8% (n=36) estavam afastados por licença para tratamento de saúde ou férias. A população elegível foi de 296 participantes, 16,2% (n=48) recusaram a participar do estudo e 9,5% (n= 28) não foram localizados ou não devolveram o instrumento. Assim, 220 trabalhadores participaram do estudo, contudo foram excluídos 2 instrumentos por se apresentarem incompletos. O total da amostra foi composta por 65,7% (n=218) dos trabalhadores da APS.
A caracterização da amostra foi realizada por meio dos dados sociodemográficos e laborais, conforme a (Tabela 1).
Variáveis sociodemográficas e laborais | n (218) | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 177 | 81,2 |
Masculino | 41 | 18,8 |
Filhos | ||
Sim | 166 | 76,1 |
Não | 52 | 23,9 |
Local de trabalho | ||
ESF | 97 | 44,5 |
UBS | 100 | 45,9 |
Serviços Específicos* | 21 | 9,6 |
Satisfação com o salário | ||
Sim | 54 | 24,8 |
Não | 164 | 75,2 |
Profissão | ||
Agente Comunitário de Saúde | 66 | 30,3 |
Auxiliar/ Técnico Enfermagem | 49 | 22,5 |
Enfermeiro | 45 | 20,6 |
Médico | 31 | 14,2 |
Odontologia** | 17 | 7,8 |
Demais profissionais*** | 10 | 4,6 |
Grau de satisfação com o trabalho | ||
0% | 1 | 0,5 |
25% | 25 | 11,4 |
50% | 73 | 33,5 |
75% | 100 | 45,9 |
100% | 19 | 8,7 |
Fonte: Banco de dados dos Autores (2015).
* Caracterizados como serviço de coordenação da Atenção Primária e Secretaria de Saúde; ** Auxiliares de Consultório Dentário e Odontólogos; *** Assistentes sociais, psicólogos, fonoaudiólogos, farmacêuticos e fisioterapeutas.
Predominaram trabalhadores do sexo feminino, 81,2% (n=177), idade média de 42,8 anos (Desvio Padrão=10,4) e tempo de formação variou de zero a 10 anos, 48,6% (n=106). Quanto as variáveis laborais, predominaram os turnos de trabalho manhã e tarde, 83,9% (n=183), trabalhadores com vínculo estatutário, 90,4% (n=197) e possuem outro emprego 18,8% (n= 41). O tempo médio de atuação dos trabalhadores no serviço na APS era de 8,7 anos (Desvio Padrão= 8,6), sofreram algum tipo de acidente de trabalho, 7,3% (n=16) e, afastaram-se do serviço por motivos de saúde 18,8% (n=41).
Na (Tabela 2), apresenta-se a estatística descritiva com média, desvio padrão e mediana dos fatores, bem como coeficiente de confiabilidade e classificação dos fatores da EIPST.
Fatores | Média (n=218) | DP | Mediana (n=218) | Confiabilidade1 | Classificação de risco |
---|---|---|---|---|---|
Realização profissional | 3,85 | 1,37 | 3,88 | 0,91 | Crítico |
Liberdade de expressão | 4,32 | 1,34 | 4,62 | 0,89 | Satisfatório |
Esgotamento profissional | 3,56 | 1,63 | 3,71 | 0,91 | Crítico |
Falta de reconhecimento | 2,47 | 1,68 | 2,37 | 0,91 | Crítico |
Fonte: Banco de dados dos Autores (2015).
1Alfa de Cronbach do instrumento de 32 itens= 0,85.
Conforme a avaliação dos trabalhadores, três fatores da EIPST foram considerados críticos, tais quais: realização profissional, esgotamento profissional e falta de reconhecimento. Somente o fator liberdade de expressão foi considerado satisfatório.
Na (Tabela 3) estão apresentados os dados descritivos de cada um dos itens da escala.
Questões | Média (n=218) | DP* |
---|---|---|
Realização Profissional | ||
9. Satisfação | 3,81 | 1,79 |
10. Motivação | 3,43 | 1,87 |
11. Orgulho pelo que faço | 4,77 | 1,57 |
12. Bem-estar | 3,88 | 1,73 |
13. Realização profissional | 4,06 | 1,72 |
14. Valorização | 3,02 | 1,96 |
15. Reconhecimento | 3,1 | 1,98 |
16. Identificação com as minhas tarefas | 4,41 | 1,61 |
17. Gratificação pessoal com as minhas atividades | 4,13 | 1,89 |
Liberdade de expressão | ||
1. Liberdade com a chefia para negociar o que precisa | 3,67 | 2,17 |
2. Liberdade para falar sobre o meu trabalho com os colegas | 4,61 | 1,76 |
3. Solidariedade com os colegas | 4,68 | 1,62 |
4. Confiança entre os colegas | 4,06 | 1,81 |
5. Liberdade para expressar minhas opiniões no local de trabalho | 4,51 | 1,64 |
6. Liberdade para usar minha criatividade | 4,57 | 1,64 |
7. Liberdade para falar sobre o meu trabalho com as chefias | 4,05 | 1,94 |
8. Cooperação entre colegas | 4,41 | 1,62 |
Esgotamento Profissional | ||
18. Esgotamento emocional | 3,99 | 1,98 |
19. Estresse | 4,12 | 1,94 |
20. insatisfação | 3,49 | 2,00 |
21. sobrecarga | 3,82 | 2,05 |
22. frustração | 3,63 | 2,08 |
23. insegurança | 2,86 | 2,07 |
24. medo | 2,31 | 2,05 |
Falta de Reconhecimento | ||
25. Falta de reconhecimento do meu esforço | 3,1 | 2,16 |
26. Falta de reconhecimento do meu desempenho | 2,82 | 2,18 |
27. Desvalorização | 2,93 | 2,24 |
28. Indignação | 3,32 | 2,23 |
29. Inutilidade | 1,93 | 2,05 |
30. Desqualificação | 1,86 | 2,1 |
31. Injustiça | 2,3 | 2,14 |
32. Discriminação | 1,49 | 2,01 |
Fonte: Banco de dados dos Autores (2015).
*DP: desvio padrão.
As maiores médias nos fatores de indicadores de prazer, realização profissional e liberdade de expressão foram, respectivamente: “orgulho do que faço” e “solidariedade com os colegas”. Em relação aos fatores indicadores de sofrimento, o esgotamento profissional apresentou maior média para “estresse” e a falta de reconhecimento para “indignação”.
Na (Tabela 4), apresenta-se a associação entre os fatores da EIPST com as variáveis sociodemográficas e laborais.
Fatores EIPST | Realização profissional | Liberdade de expressão | Esgotamento profissional | Falta de reconhecimento | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Variáveis sociodemográficas e laborais | n=218 | Média ±DP | P | Média ±DP | p | Média± DP | p | Média ± DP | p | |
Sexo | ||||||||||
Masculino | 41 | 3,93 ± 1,49 | 0,686 | 4,38± 1,23 | 0,762 | 2,79±1,80 | 0,009* | 2,05±1,79 | 0,095 | |
Feminino | 177 | 3,83 ± 1,35 | 4,31±1,36 | 3,61±1,56 | 2,57±1,65 | |||||
Tempo de formado | ||||||||||
Até 5 anos | 47 | 3,64±1,24 | 0,224 | 4,35±1,22 | 0,481 | 3,87±1,52 | 0,042* | 2,73±1,61 | 0,214 | |
6 anos ou mais | 171 | 3,90±1,40 | 4,31±1,37 | 3,35±1,65 | 2,39±1,70 | |||||
Tempo de serviço | ||||||||||
Até 5 anos | 109 | 3,79±1,39 | 0,558 | 4,29±1,35 | 0,743 | 3,46±1,59 | 0,976 | 2,37±1,64 | 0,39 | |
Seis anos ou mais | 109 | 3,90±1,35 | 4,35±1,33 | 3,46±1,69 | 2,57±1,72 | |||||
Acidente de trabalho | ||||||||||
Sim | 16 | 3,06±0,96 | 0,004* | 4,10±1,37 | 0,514 | 4,15±1,17 | 0,027* | 3,23±1,10 | 0,012* | |
Não | 202 | 3,91±1,38 | 4, 34±1,34 | 3,40±1,65 | 2,41±1,71 | |||||
Profissão | ||||||||||
Agente comunitário de saúde | 66 | 3,78±1,30 | 0,4 | 4,34±1,20 | 0,326 | 3,85±1,47 | 0,018* | 2,78±1,46 | 0,172 | |
Auxiliar/Técnico de Enfermagem | 49 | 4,11±1,44 | 4,67±1,40 | 3,41±1,72 | 2,26±1,80 | |||||
Enfermeiro | 45 | 3,81±1,24 | 4,28±1,36 | 3,60±1,42 | 2,57±1,68 | |||||
Médico | 31 | 3,89±1,38 | 4,01±1,23 | 3,15±1,79 | 2,06±1,82 | |||||
Odontologia | 17 | 3,80±1,49 | 4,11±1,62 | 2,32±2,03 | 1,96±1,60 | |||||
Demais profissionais | 10 | 3,08±1,82 | 4,05±1,53 | 3,39±1,09 | 3,05±1,94 | |||||
Total | 218 | 3,85±1,37 | 4,32±1,37 | 3,46±1,63 | 2,47±1,68 |
Fonte: Banco de dados dos Autores (2015).
* Associações significativas (p<0,05).
Ao analisar de forma comparativa as médias entre os fatores da EIPST e variáveis sociodemográficas e laborais, identificou-se diferença estatística significativa entre: o fator esgotamento profissional com sexo feminino, tempo de formado de até cinco anos, acidente de trabalho e profissão de agente comunitário de saúde. Outros dois fatores, realização profissional e falta de reconhecimento, estiveram relacionados apenas com a variável acidente de trabalho.
DISCUSSÃO
O ambiente dos serviços provoca experiências desencadeadoras, tanto de prazer quanto de sofrimento, dependendo do quanto as relações internas são saudáveis. Essas relações permitem que os trabalhadores pratiquem a assistência pautada nas condutas e ações consideradas seguras aos usuários3, 9.
Dessa forma, os riscos de adoecimento relacionados às vivências de prazer e sofrimento, são percebidos durante o processo de trabalho na APS e não podem ser estudados separadamente3.
O proposto estudo identificou que 45,9% dos trabalhadores apresentaram grau de 75% de satisfação no trabalho, o que pode ser reflexo de uma equipe unida que incentiva o amadurecimento profissional e pessoal e se preocupa em escutar seus colegas. Não obstante, um estudo realizado com trabalhadores de saúde atuantes em unidades de saúde familiar em Coimbra, para o qual, classificaram em 71,5% a satisfação com o trabalho10.
Destaca-se, o quanto é importante manter os trabalhadores satisfeitos e poder identificar, em reuniões periódicas de equipe, possíveis problemas que auxiliem a desencadear o sofrimento1.A partir da identificação é possível encaminhá-los para profissionais especializados para avaliação e diagnóstico e após retornar com o feedback de resolutividade.
Quanto à classificação de risco, os fatores realização profissional, esgotamento e falta de reconhecimento foram considerados críticos pelos trabalhadores. Levando em consideração que esses trabalhadores apresentaram idade média de formação entre 0 a 10 anos, o que evidencia controvérsias com a literatura, pelo fato que a presença do esgotamento profissional, normalmente ocorre em trabalhadores com tempo maior de formação12.
Gera-se um forte indicativo de que as pessoas, ao iniciarem suas carreiras, tendem a serem mais críticas com o seu trabalho e criem expectativas quanto o processo de maturação profissional. No entanto, quando não alcançadas podem causar sofrimentos e tristezas, das quais os trabalhadores não conseguem enfrentar, acarretando em uma exaustão psíquica e emocional7.
É importante ressaltar que esses fatores avaliados como críticos, podem também estarem associados às condições de trabalho. Os desafios de fornecer uma assistência de qualidade para os usuários, diante das dificuldades enfrentadas, são enormes. Pois, muitas vezes, os trabalhadores não conseguem exercer suas atividades como deveriam, o que pode potencializar a exposição aos riscos de adoecimento13.
O domínio liberdade de expressão foi classificado como satisfatório, em concordância com um estudo desenvolvido na Atenção Primária do Sul do Brasil, que avaliou como satisfatória7. O que permite inferir que os trabalhadores tenham liberdade em expressar-se em equipe de trabalho7.
A liberdade de expressão pode ser compreendida como a forma de discutir, opinar e refletir sobre diversos assuntos entre um grupo de pessoas13,a qual está relacionada à cooperação, confiança entre colegas em exercer uma comunicação aberta sem discriminação e medo de se expressar13. O principal aporte para exercer a liberdade de expressão é a autonomia de criar e recriar o ambiente e as relações, levando em consideração o conhecimento dos colegas e dando sentido ao trabalho multiprofissional13.
Neste estudo, como fontes de prazer, destacaram-se: orgulho do que eu faço e solidariedade com os colegas. Isso evidencia que existe um bom relacionamento entre os membros da equipe e que pode ser influenciado pela comunicação multiprofissional14. Além disso, é capaz de indicar que apresenta espaços e momentos em que todos possam expressar suas inquietações e discutir tomadas de decisões e se fortalecerem como equipe15.
Os trabalhadores procuram fornecer assistência de qualidade e resolutividade proporcionados pela boa afinidade e relação com colegas e usuários16,11.Essa relação permite o reconhecimento e satisfação no trabalho, proporcionando sentimento de orgulho em praticar o que gosta e de presenciar bons resultados clínicos dos usuários17, 11.
O esgotamento profissional e falta de reconhecimento influenciam no sofrimento no trabalho, por apresentarem maiores tendências ao estresse e indignação. Esses problemas estão associados ao cotidiano exaustivo, com alta demanda de atendimento, desgaste emocional e psíquico, conflitos por escassez de materiais e de pessoal13.Por mais que o trabalhador esteja cansado, o reconhecimento de colegas, gestão e usuários fornece prazer em se dedicar nas atividades laborais11.
Dentre as associações, verificou-se associação significativa entre o fator esgotamento profissional com sexo feminino, tempo de formado de até cinco anos, acidente de trabalho e profissão de agente comunitário de saúde. Outros dois fatores, realização profissional e falta de reconhecimento, estiveram relacionados apenas com a variável acidente de trabalho.
Neste estudo, verificou-se que as mulheres tendem a apresentar maior esgotamento profissional, o que pode ser justificado pela realização de diversas funções, além da profissão, como as atividades domésticas e a maternidade1. Além disso, o tempo de formação de até cinco anos, pode influenciar no esgotamento, levando em consideração que esses profissionais estão em processo de inserção e adaptação no ambiente de trabalho e se integrando aos poucos com a equipe e nas atividades do setor7.
As associações dos fatores prazer e sofrimento evidenciaram que profissionais que apresentaram acidentes de trabalho tiveram maior esgotamento profissional e maior falta de reconhecimento, contrariamente, aqueles que não tiveram acidentes apresentaram maior realização profissional. Esse achado pode estar relacionado à sobrecarga de trabalho e exaustão psíquica e física devido às longas jornadas laborais16.
As condições de trabalho são fontes estimuladoras de sofrimento aos trabalhadores, as quais estão relacionadas ao espaço físico, baixa remuneração, recursos humanos e de materiais. Um estudo realizado com enfermeiros, em APS do interior de São Paulo, Brasil avaliou os recursos materiais e profissionais como inadequados18.Estes fatores podem repercutir no desenvolvimento do sofrimento e posteriormente do estresse, esgotamento psíquico e exaustão emocional, além de afetarem a assistência prestada aos usuários18.
O esgotamento profissional apresentou-se prevalente nos agentes comunitários, que pode estar relacionado ao processo de trabalho da unidade. O trabalho na APS se configura por meio de atendimentos, em grande parte, às comunidades que necessitam de maiores cuidados preventivos e de promoção à saúde, bem como atenção social e econômica19, 20.
Os agentes comunitários são responsáveis pela articulação das demandas dos usuários aos serviços da APS. Isso ocorre devido à proximidade e vínculo com a comunidade20, o que reflete no esgotamento dos agentes comunitários, que acabam vivenciando situações de prazer quanto de sofrimento.
De um modo geral, esses achados apontam para a necessidade de alterar a forma de organização no trabalho, ao considerar as grandes demandas de tarefas a serem efetuadas em um curto espaço de tempo e as fragilidades do dimensionamento de pessoal18.
Nessa perspectiva é fundamental buscar estratégias tanto grupais quanto individuais, que facilitem a vivência e enfrentamento de situações difíceis. A fim de tornar o ambiente mais prazeroso e menos penoso para o exercício das atividades6, com ajustes do dimensionamento de pessoal para o atendimento à grande demanda de usuários.
As limitações do estudo são atribuídas às perdas, pois alguns trabalhadores não devolveram os instrumentos preenchidos, e ao delineamento adotado, o qual não permite maiores generalizações, constituindo-se num panorama do tema em estudo. Com relação ao retorno dos resultados aos participantes foi por meio de um relatório dos resultados desta pesquisa, a qual foi enviada para os gestores de todas as unidades da APS do município pesquisado.
CONCLUSÕES
Os resultados demonstraram que a realização profissional, considerada indicador de prazer, esgotamento profissional e falta de reconhecimento, os quais são indicadores de sofrimento, foram avaliados como críticos. Em relação à liberdade de expressão, considerada indicador de prazer, foi avaliada como satisfatória, indicando que os trabalhadores se sentem livres em manifestar seus pensamentos.
A partir da análise desses fatores, pode-se observar que os itens “orgulho do que faço” e “solidariedade entre colegas” dentre as vivências de indicadores de prazer, e “estresse” e “indignação” dentre as vivências indicadoras de sofrimento no trabalho, apresentaram as maiores médias na avaliação dos trabalhadores.
Diante disso, faz-se necessário a implantação de estratégias que visem o bem-estar dos trabalhadores. Para tais, sugerem-se campanhas de autoestima e prazer em trabalhar, ao passo que essas ações poderão gerar indicadores de qualidade ao ambiente operacional, com enfoque de mensurar a sua efetividade num determinado período de aplicação.
A gestão deve atender às necessidades do trabalho humano, a qual deve propiciar melhorias da infraestrutura voltada à ergonomia, disponibilidade de materiais e construção de políticas para melhorar o ambiente de trabalho. O intuito é potencializar um aumento no índice de qualidade dos serviços, tornando-o mais prazeroso com menor nível de esgotamento.
Deste modo, este estudo auxiliará os gestores a identificar os indicadores de prazer e sofrimento nos trabalhadores, bem como contribuir para realização de pesquisas com enfoque nas estratégias de enfrentamento do sofrimento e ações que promovam o prazer no trabalho.