Introdução
A expectativa de vida da população global aumentou consideravelmente nas últimas décadas, tanto para homens quanto para mulheres1 . No entanto, as pessoas que vivem mais não são necessariamente sadias2 . Comportamentos pouco saudáveis, tais como sedentarismo, tabagismo e etilismo, estão contribuindo para morbidade, mortalidade e o surgimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como a diabetes.
O DM2 é uma doença crônica que ocorre quando o corpo não consegue empregar adequadamente a insulina que produz, representa entre 90-95% dos casos de diabetes e pode acontecer em qualquer idade, no entanto, é mais comum ser diagnosticada após os 40 anos de idade3 . O diagnóstico é realizado por duas amostras de glicemia em jejum com valores superiores a 126 mg/dl, ou hemoglobina glicada acima de 6,5%, ou valores de teste de tolerância oral da glicose após 2 horas da ingesta de 75 gr de glicose, com valores superiores a 200 mg/dl3 .
Atualmente, a população mundial acometida pela diabetes é da ordem de 415 milhões de adultos. Em 2040, estima-se que esse número subirá para 642 milhões4 - 5 .
A estimativa atual do total de portadores de DM2 com idade entre 20 e 79 anos no Brasil é de 11,9 milhões, equivalendo a quase 6% da população. De acordo com a Federação Internacional de Diabetes, o Brasil ocupa a quarta posição entre os demais países6 . Nos idosos, a prevalência de DM2 é de 16,15 , 7 .
A Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) não afeta todos os grupos populacionais igualmente. Há diferenças de acordo com sexo, status socioeconômico e etnia, sendo que grupos desfavoráveis economicamente estão mais expostos a experimentar dificuldades na adoção de estilo de vida saldável, isso provavelmente causado por determinantes sociais8 .
Dietas que privilegiam baixo consumo de fibras e alto consumo de ácidos graxos saturados, açúcares e sedentarismo são os principais contribuintes para a incidência de obesidade e DM29 .
O modelo assistencial predominante nos sistemas brasileiros de saúde pública e suplementar ainda está fortemente baseado em uma prática curativista, o que leva a um alto nível de complexidade e custos nos procedimentos, ao não atendimento das reais necessidades de saúde dos indivíduos e à consequente falta de qualidade assistencial10 .
Como forma de amenizar essa problemática, em 2002 foi criado pelo Ministério da Saúde o Programa HiperDia. Trata-se de um sistema de informação em saúde com o objetivo de gerar informações para dispensação e distribuição de medicamentos aos pacientes diabéticos e hipertensos, e assim constituir-se em um instrumento para acompanhamento desses pacientes, além de também servir como meio para vincular o paciente à unidade básica de saúde.
Nesse sentido, os profissionais de saúde, especialmente os profissionais da enfermagem, que normalmente mantêm uma relação mais próxima aos pacientes diabéticos, devem incentivar os usuários a buscarem atendimento o mais precocemente possível, identificando possíveis sequelas e/ou intercorrências e incentivando a adesão ao tratamento e inserção no programa HiperDia11 .
Este estudo, portanto, tem como finalidade de avaliar o perfil clínico e estilo de vida dos pacientes e a observância das recomendações realizadas no atendimento multiprofissional da unidade de saúde, comparando-os em dois grupos conforme o tempo de tratamento; Levantamento dos hábitos de atividade física, tabagismo e consumo de bebida alcoólica; Duração do tratamento para diabetes; Avaliação da correlação entre aspectos sociodemográficos, comportamentais e histórico de saúde com a aderência ao tratamento da diabetes; Relação entre a periodicidade das visitas nas consultas e o seguimento das orientações médicas e multiprofissionais.
Acredita-se ser este um fator de fundamental importância para munir os gestores de saúde com informações que possam nortear políticas públicas mais eficientes, visando melhorar o atendimento aos pacientes diabéticos.
A DM2 é o fator de risco isolado com maior influência na alta prevalência das DCNT em adultos, em especial das cardiovasculares, e está intimamente ligada a hábitos e a qualidade de vida. Assim, torna-se necessário o desenvolvimento e a avaliação dos resultados – por meio de índices de qualidade de vida mais estruturados – de metodologias de gerenciamento da saúde que acompanham pacientes diabéticos.
Avaliar o perfil clínico e estilo de vida dos pacientes e a observância das recomendações realizadas no atendimento multiprofissional da unidade de saúde, comparando-os em dois grupos conforme o tempo de tratamento.
Materiales y Métodos
Trata-se de um estudo epidemiológico, caracterizado pelo delineamento transversal, observacional, de abordagem quantitativa, cuja amostra foi composta por 150 pacientes, inseridos no Programa de Atenção Básica de Saúde, com diagnóstico de DM2, no Município de Campina Grande do Sul, Paraná, localizado na região metropolitana de Curitiba.
Foram realizadas visitas domiciliares a pacientes do Programa de Diabetes da Unidade de Saúde Jardim Paulista, com idade acima de 18 anos e diagnóstico de DM2, no período de julho a outubro de 2016. O referido programa faz parte da Atenção Pública de Doenças Crônicas, do Ministério da Saúde, chamado Hiperdia, cujo objetivo é o fornecimento de medicamentos para a diabete e hipertensão arterial, além de reuniões com os pacientes, para aprimorar os cuidados gerais e hábitos de vida saudáveis.
Antes da entrevista domiciliar realizado por um único investigador, o agente de saúde marcava a visita antecipadamente. No dia da coleta de dados, era explicado os objetivos do estudo e obtido assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os dados foram coletados por meio de questionário específico baseado no ATLAS Corações do Brasil9 , The Diabetes Self-management Questionnarie (DSMQ)12 constando: análise das condições socioeconômicas, sociodemográficas, comportamentais, histórico de doenças crônicas e fatores de risco cardiovasculares associados a diabetes. Os questionários contemplaram também: escolaridade, renda familiar, consumo de álcool, tabagismo, hábitos alimentares e atividade física.
Da população de quatro mil pessoas da área de abrangência da Unidade de Saúde da Família do bairro Jardim Paulista, 166 faziam parte do Programa de Diabetes, e todos foram convidados a participar do estudo.
A população da pesquisa compreendeu moradores do município de Campina Grande do Sul - PR, da área do bairro Jardim Paulista, inscritos no Programa de Estratégia da Saúde da Família (ESF) com autonomia para responder aos questionários. Foram considerados critérios de inclusão na pesquisa indivíduos diagnosticados com Diabetes Mellitus tipo 2, filtrados do sistema de atendimento, com idade acima de 18 anos, ambos os sexos, inscritos no programa acima referido, ser residente da área de abrangência da pesquisa, com código de endereçamento postal 83430-000.
Foram considerados critérios de exclusão: no momento do agendamento da visita domiciliar, recusar a visita, estar em tratamento com quimioterapia e hormônios, paciente em diálise ou transplante renal, estar acamado, ter retardo mental ou perda auditiva, ter transtorno metal grave ou comprometimento cognitivo, estar institucionalizado no momento da coleta de dados ou apresentar qualquer doenças crônica e incapacitante.
As variáveis de natureza quantitativa foram descritas por meio de medidas de tendência central e dispersão: média, desvio padrão, mediana, valor mínimo e máximo observado, estimativa por intervalo de confiança para a média populacional com base no número de respostas válidas e nível de confiança de 95%. As variáveis categóricas foram descritas por meio de frequências absolutas e proporções.
A análise estatística foi realizada no programa Stata/SE v14.1. As variáveis de natureza quantitativa foram descritas por média e desvio padrão com base no número de respostas válidas e intervalo de confiança de 95%. As variáveis categóricas foram descritas por meio frequências absolutas e proporções. A comparação entre os dois grupos, foi utilizado o teste t de “student” para amostras independentes ou teste não-paramétrico de Mann-Whitney. A condição de normalidade dessas variáveis foi avaliada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Para as variáveis categóricas o teste exato de Fisher ou Qui-quadrado foram utilizado. Considerou-se como nível de significância estatística de referência p<0,05.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Departamento de Pesquisa do Hospital Angelina Caron - PR, sob parecer nº 1.617.516 em 26 de julho de 2016.
Resultados
A média de idade global foi de 62,2 ± 10,3 anos ( Tabela 1 ). Houve prevalência do sexo feminino, com 112 pacientes (74,7%). Oitenta e sete eram casados (58%), com predominância da raça branca em 120 casos (80%). Quanto à religião, houve predominância de católicos (62% - 93 casos). Quanto à escolaridade, prevaleceu o primário incompleto, em 58 casos da amostra (38,7%). A renda familiar de dois salários mínimos ocorreu em 54,7% da amostra.
Variável | Geral | Tempo de tratamento de DM | Valor de p* | |
---|---|---|---|---|
| ||||
< 7 anos (n=68) | ≥ 7 anos (n=82) | |||
Gênero | ||||
Feminino | 112 (74,7) | 21 (30,9) | 17 (20,7) | |
Masculino | 38 (25,3) | 47 (69,1) | 65 (79,3) | 0,188 |
Idade (anos) | 62,2 ± 10,3 | 59,3 ± 9,5 | 64,8 ± 10,4 | 0,001 |
Estado civil | ||||
Casado | 87 (58) | 40 (58,8) | 47 (57,3) | |
Separado | 8 (5,3) | 4 (5,9) | 4 (4,9) | |
Solteiro | 19 (12,7) | 11 (16,2) | 8 (9,8) | |
Viúvo | 36 (24) | 13 (19,1) | 23 (28,1) | 0,470 |
Raça | ||||
Branca | 120 (80) | 54 (79,4) | 66 (80,5) | |
Parda | 27 (18) | 12 (17,6) | 15 (18,3) | |
Amarela | 3 (2) | 2 (2,9) | 1 (1,2) | 0,754 |
Religião | ||||
Católico | 93 (62) | 42 (61,8) | 51 (62,2) | |
Evangélico | 54 (36) | 26 (38,2) | 28 (34,1) | |
Não tem | 3 (2) | 0 (0) | 3 (3,7) | 0,264 |
Escolaridade | ||||
Analfabeto/sabe ler e escrever | 42 (28) | 18 (26,5) | 24 (29,3) | |
Primário inc/comp | 75 (50) | 31 (45,6) | 44 (53,7) | |
1º grau inc/comp ou 2º grau inc | 16 (10,7) | 10 (14,7) | 6 (7,3) | |
Técn ou sup inc/comp | 17 (11,3) | 9 (13,2) | 8 (9,8) | 0,409 |
Renda Mensal (R$) | ||||
Até 1.200,00 | 41 (27,7) | 18 (26,9) | 23 (28,4) | |
1.201,00 a 2.400,00 | 82 (54,7) | 37 (53,7) | 47 (56,8) | |
Mais de 2.400,00 | 25 (16,9) | 13 (19,4) | 12 (14,8) | 0,760 |
Fonte: Dados da pesquisa.
Resultados descritos por frequência (percentual) ou média ± desvio padrão. * Teste t de Student para amostras independentes (idade); teste exato de Fisher ou de Qui-quadrado (variáveis categóricas); p<0,05.
Os fatores comportamentais incluíram o tabagismo, o etilismo e atividade física ( Tabela 2 ). Na análise do tabagismo, não se verificou diferença significativa entre os grupos. O consumo de bebida alcoólica teve maior incidência no grupo com menos de sete anos de tratamento (19,1% versus 4,9%), com diferença estatística (p=0,009). A atividade física regular foi seguida por 32% dos pacientes, sendo mais prevalente no grupo 1, porém sem diferença significativa (p=0,079).
Variável | Geral (n=150) | Tempo de tratamento de DM | Valor de p* | |
---|---|---|---|---|
| ||||
< 7 anos (n=68) | ≥ 7 anos (n=82) | |||
Fumante | 50 (33,3) | 26 (38,2) | 24 (29,3) | 0,297 |
Idade e número de cigarros (n=50) | ||||
Idade com que começou a fumar (anos) | 15,2 ± 6,2 | 15,4 ± 4,7 | 14,9 ± 7,6 | 0,794 |
Quantos cigarros por dia | 16,5 ± 11,6 | 19,0 ± 13,1 | 13,7 ± 9,2 | 0,155 |
Idade com que parou de fumar (anos) | 46,1 ± 14,0 | 44,3 ± 13,0 | 48,0 ± 15,0 | 0,360 |
Consumo de bebida alcoólica | 17 (11,3) | 13 (19,1) | 4 (4,9) | 0,009 |
Frequência de consumo (n=17) | ||||
Se embriaga uma vez ao mês | 5 (29,4) | 4 (30,8) | 1 (25) | |
Bebe 1 vez por semana | 3 (17,6) | 2 (15,4) | 1 (25) | |
Bebe de 1 a 3 vezes por semana | 4 (23,5) | 3 (23,1) | 1 (25) | |
Bebe de 4 a 6 vezes por semana | 2 (11,8) | 1 (7,7) | 1 (25) | |
Bebe diariamente | 3 (17,6) | 3 (23,1) | 0 (0) | - |
Pratica alguma atividade física | 48 (32,0) | 27 (39,7) | 21 (25,6) | 0,079 |
Frequência na semana (n=17) | ||||
1 a 3 vezes | 9 (18,8) | 7 (25,9) | 2 (9,5) | |
4 a 6 vezes | 32 (66,7) | 14 (51,9) | 18 (85,7) | |
7 a 9 vezes | 7 (14,6) | 6 (22,2) | 1 (4,8) | 0,045 |
Fonte: Dados da pesquisa.
Resultados descritos por frequência (percentual) ou média ± desvio padrão. *Teste t de Student para amostras independentes (idade); teste não paramétrico de Mann-Whitney (cigarros por dia); teste exato de Fisher ou de Qui-quadrado (variáveis categóricas); p<0,05
As principais comorbidades foram a hipertensão arterial, dislipidemia e as comorbidades cardíacas. A hipertensão arterial ocorreu em 82% da amostra, não havendo diferença entre os dois grupos (p=0,288). A dislipidemia esteve presente em 93 pacientes (62%), sem diferença entre os grupos. As comorbidades cardíacas, representadas pelo infarto do miocárdio, insuficiência coronária e angioplastia prévia, indicação de cateterismo estiveram presentes em 69,3% da amostra (104 pacientes). Houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos, com p=0,050 ( Tabela 3 ).
Variável | Geral | Tempo de tratamento de DM | Valor de p* | |
---|---|---|---|---|
| ||||
<7 anos (n=68) | ≥7 anos (n=82) | |||
Hipertensão | 123 (82,0) | 53 (77,9) | 70 (85,4) | 0,288 |
Dislipidemia | 93 (62,0) | 42 (61,8) | 51 (62,2) | 1 |
Comorbidades cardíacasa | 104 (69,3) | 53 (77,9) | 51 (62,2) | 0,050 |
Comorbidades renaisb | 24 (16,0) | 9 (13,2) | 15 (18,3) | 0,504 |
Depressão | 22 (14,7) | 11 (16,2) | 11 (13,4) | 0,650 |
Doença do pulmão | 13 (8,7) | 4 (5,9) | 9 (11) | 0,384 |
AVC | 11 (7,3) | 3 (4,4) | 8 (9,8) | 0,346 |
Câncer | 10 (7,0) | 4 (5,9) | 6 (7,3) | 1 |
Varizes | 6 (4,0) | 1 (1,5) | 5 (6,1) | 0,222 |
Doença ocular | 5 (3,3) | 1 (1,5) | 4 (4,9) | 0,378 |
Fonte: Dados da pesquisa.
Resultados descritos por frequência (percentual). aAngina (n=21), insuficiência cardíaca (n=2), cateterismo (n=37), infarto (n=12) ou angioplastia (n=15). bDoença do rim (n=22), cálculo renal (n=14) ou diálise (n=2).* Teste exato de Fisher, p<0,05.
Foram analisados os intervalos entre as consultas, e, do total, a maior prevalência foi a de dois e três meses (50%), sendo que no grupo 1 a incidência foi maior que no grupo 2 (64,7% versus 37,8%, respectivamente). Nas consultas de quatro e seis meses, foi observada a predominância do grupo 2 (62,2% dos casos, em relação ao grupo 1, que apresentou 35,3%.
Em relação ao tempo de tratamento, com foco na janela terapêutica, 38,7% dos pacientes sempre estiveram em tratamento contínuo, sendo 42,6% no grupo 1 e em 35,4% no grupo 2. Considerando a janela terapêutica menor de seis meses, encontrada em 36,7% dos pacientes, houve predominância do grupo 1 (45,6% versus 29,3% do grupo 2). A janela terapêutica de 6 a 12 meses foi mais prevalente no grupo 2 (22% versus 1,5% do grupo 1). A janela terapêutica superior a 12 meses obteve menor incidência nos dois grupos (4,4% versus 8,5% nos grupos 1 e 2 respectivamente). A ausência de tratamento ocorreu em 5,3% do total ( Tabela 4 ).
Variáveis | Geral | Tempo de tratamento de DM | Valor de p* | |
---|---|---|---|---|
| ||||
< 7 anos (n=68) | ≥ 7 anos (n=82) | |||
Intervalo entre consultas regulares (meses) | 0,006 | |||
2 | 28 (18,7) | 19 (27,9) | 9 (11,0) | |
3 | 47 (31,3) | 25 (36,8) | 22 (26,8) | |
4 | 46 (30,7) | 15 (22,1) | 31 (37,8) | |
6 | 29 (19,3) | 9 (13,2) | 20 (24,4) | |
Após o diagnóstico médico, quanto tempo ficou sem tratamento medicamentoso (meses) | 0,002 | |||
Sempre teve tratamento | 58 (38,7) | 29 (42,6) | 29 (35,4) | |
Menos de 6 | 55 (36,7) | 31 (45,6) | 24 (29,3) | |
6 a 12 | 19 (12,7) | 1 (1,5) | 18 (22) | |
Mais de 12 | 10 (6,7) | 3 (4,4) | 7 (8,5) | |
Não está em tratamento | 8 (5,3) | 4 (5,9) | 4 (4,9) | |
No último ano deixou de comprar as medicações recomendadas por causa de custos | 58 (38,7) | 25 (36,8) | 33 (40,2) | 0,737 |
No último ano deixou de procurar algum serviço de saúde por causa de custos? | 61 (40,7) | 27 (39,7) | 34 (41,5) | 0,868 |
Fonte: Dados da pesquisa.
*Teste exato de Fisher ou de Qui-quadrado, p<0,05.
Considerando o questionário “The Diabetes Self-management Questionnaire” (DSMQ), o grupo com tempo de tratamento menor de sete anos teve um índice de tratamento adequado nos últimos sete dias de 4,2 + 3,1, em comparação com o grupo acima de sete anos, que foi observado um índice de utilização de insulina de 6,9 + 0,6, com diferença estatística significativa (p=0,002). Quanto à dieta, controle da glicemia e cuidados com os pés, a média foi inferior a dois dias na semana, tanto para o grupo de DM inferior e superior a sete anos ( Tabela 5 ).
Variáveis | Geral | Tempo de tratamento de DM | Valor de p* | |
---|---|---|---|---|
| ||||
< 7 anos (n=68) | ≥ 7 anos (n=82) | |||
Dieta | ||||
Em quantos dos últimos sete dias você seguiu uma dieta saudável | 1,8 ± 2,6 | 1,9 ± 2,7 | 1,6 ± 2,5 | 0,542 |
Em média, ao longo do mês passado, quantas vezes por semana você seguiu seu plano de alimentação | 1,6 ± 2,4 | 1,7 ± 2,4 | 1,6 ± 2,5 | 0,692 |
Em quantos dos últimos sete dias você comeu cinco ou mais porções de frutas e vegetais | 1,5 ± 2,3 | 1,5 ± 2,3 | 1,5 ± 2,3 | 0,594 |
Em quantos dos últimos sete dias você comeu alimentos ricos em gordura, como carne vermelha ou produtos lácteos gordurosos | 1,9 ± 2,5 | 2,0 ± 2,5 | 1,9 ± 2,5 | 0,860 |
Medicação** | ||||
Em quantos dos últimos sete dias, você tomou o seu medicamento recomendado para diabetes | 6,8 ± 1,0 | 6,9 ± 0,8 | 6,7 ± 1,1 | 0,384 |
Em quantos dos últimos sete dias você tomou suas injeções de insulina recomendada | 6,4 ± 1,7 | 4,2 ± 3,1 | 6,9 ± 0,6 | 0,002 |
Em quantos dos últimos sete dias você tomou seu número recomendado de comprimidos para diabetes | 6,7 ± 1,2 | 6,7 ± 1,2 | 6,6 ± 1,2 | 0,411 |
Controle da glicemia | ||||
Em quantos dos últimos sete dias você testou seu nível de açúcar no sangue | 1,2 ± 2,1 | 0,8 ± 1,6 | 1,5 ± 2,4 | 0,225 |
Em quantos dos últimos sete dias você testou seu nível de açúcar no sangue recomendado pelo seu médico | 1,1 ± 2,1 | 0,7 ± 1,5 | 1,5 ± 2,4 | 0,205 |
Cuidados com os pés | ||||
Em quantos dos últimos sete dias você checou seus pés | 1,9 ± 2,9 | 2,1 ± 2,9 | 1,8 ± 2,8 | 0,315 |
Em quantos dos últimos sete dias você inspecionou o interior dos seus sapatos | 1,4 ± 2,5 | 1,6 ± 2,5 | 1,2 ± 2,5 | 0,143 |
Fonte: Dados da pesquisa.
*Teste não paramétrico de Mann-Whitney, p<0,05. **Restrito aos pacientes que faziam uso da medicação (n=128, medicação em comprimidos; n=32, medicação injetável); Dp: desvio padrão.
Quanto às orientações recebidas sobre a dieta, pela equipe multiprofissional, foram realizados os seguintes questionamentos, com os respectivos percentuais de aplicação: seguir um plano alimentar de baixo teor de gordura: 91,3%; seguir uma dieta de carboidratos complexos: 78,7%; reduzir o número de calorias para perder peso: 61,3%; comer lotes de alimentos ricos em fibras: 61,3%; comer lotes (pelo menos 5 porções por dia) de frutas e legumes: 48%; comer muito poucos doces (sobremesas, refrigerantes não dietéticos etc.): 50,7%. Em relação à atividade física, a variável “realizar exercício de baixa carga (caminhada)” diariamente foi orientada em 83,3% dos casos. Exercícios contínuos por pelo menos 20 minutos até três vezes por semana foi aconselhado em 59,3% dos casos ( Tabela 6 ).
Variáveis | Geral | Tempo de tratamento de DM | Valor de p* | |
---|---|---|---|---|
| ||||
< 7 anos (n=68) | ≥ 7 anos (n=82) | |||
Dieta | ||||
Seguir um plano alimentar de baixo teor de gordura | 137 (91,3) | 63 (92,7) | 74 (90,2) | 0,773 |
Seguir uma dieta de carboidratos complexos | 118 (78,7) | 55 (80,9) | 63 (76,8) | 0,689 |
Reduzir o número de calorias que você come para perder peso | 92 (61,3) | 48 (70,6) | 44 (53,7) | 0,043 |
Comer lotes de alimentos ricos em fibra; | 92 (61,3) | 46 (67,7) | 46 (56,1) | 0,179 |
Comer lotes (pelo menos 5 porções por dia) de frutas e legumes | 72 (48,0) | 36 (52,9) | 36 (43,9) | 0,325 |
Coma muito poucos doces (sobremesas, refrigerantes não dietéticos etc.) | 76 (50,7) | 40 (58,8) | 36 (43,9) | 0,074 |
Outras | 6 (4,0) | 6 (8,8) | 0 (0) | 0,008 |
Não recebi qualquer conselho sobre a minha dieta | 5 (3,3) | 3 (4,4) | 2 (2,4) | 0,659 |
Atividade física | ||||
Realizar exercício de baixa carga (como caminhada), diariamente | 125 (83,3) | 58 (85,3) | 67 (81,7) | 0,662 |
Exercícios contínuos por pelo menos 20 minutos até 3vezes por semana | 89 (59,3) | 44 (64,7) | 45 (54,9) | 0,246 |
Exercício ¨fit¨, em sua rotina diária (utilizar escadas em vez de elevadores, estacionar um quarteirão de distância e caminhar, etc. | 27 (18,0) | 12 (17,7) | 15 (18,3) | 1 |
Outros | 9 (6,0) | 5 (7,4) | 4 (4,9) | 0,732 |
Não recebi qualquer conselho sobre atividades físicas | 9 (6,0) | 2 (2,9) | 7 (8,5) | 0,184 |
Fonte: Dados da pesquisa.
*Teste exato de Fisher, p<0,05.
Discussão
A caracterização sociodemográfica de uma população é muito importante para estabelecer uma política de saúde e a implantação de metas que beneficiarão os pacientes e a comunidade. Estudo sinaliza que a condição social de baixa renda da população pode influenciar o risco de coronariopatia, hipertensão arterial, dislipidemia e diabetes13 .
Em relação à distribuição da amostra segundo o gênero, observou-se um predomínio entre as mulheres neste estudo. Tal dado é corroborado em estudos nacionais (61%)14 e internacionais (52%)15 . No estado do Paraná, observa-se taxas semelhantes (63%)16 . Acredita-se que a maior participação de mulheres nesses estudos seja explicada sob a perspectiva da origem da família como propriedade privada, até o início da I e II Guerra Mundial, período em que a mulher ocupava o espaço privado quase que exclusivamente, ou seja, era responsável pelos cuidados com a casa, filhos e marido. A literatura destaca que as mulheres costumam cuidar mais de si, porque, historicamente, sempre coube a elas o cuidado com a saúde de suas famílias. Por este motivo, estão mais atentas a sinais e sintomas das doenças, e em geral procuram ajuda precocemente17 .
A respeito da escolaridade, o primário incompleto foi o mais prevalente neste estudo. A baixa escolaridade pode dificultar a compreensão do usuário acerca dos cuidados essenciais para o controle da doença e a prevenção das complicações18 - 19 . Este dado é corroborado em estudo de 224 pacientes com DM2 que demostrou a baixa escolaridade associada ao controle inadequado da DM20 .
No presente estudo, a instrução realizada pela equipe multiprofissional foi adequada, porém a aderência destas orientações foi muito baixa. Estudo sinaliza que a baixa renda pode ter efeitos na aprendizagem dos cuidados com a diabetes16 . Noutro estudo, a observância deficitária dos cuidados gerais que o diabético necessita, especialmente com os pés, foi associada à baixa renda15 . Informação confirmada no presente estudo, visto que os cuidados com os pés tiveram baixos índices de observância pelos participantes. Além disso, a que se considerar a baixa escolaridade, com dois terços apresentando analfabetismo funcional e escolaridade primária completa ou incompleta. Outro estudo também descreve a associação dos aspectos socioeconômicos com a escolaridade mais baixa e a interferência no efeito de aprendizagem dos cuidados relacionados à diabetes21 . Nesse sentido, outra investigação concluiu que o menor nível educacional está associado a um maior risco de DM2 em homens e mulheres19 .
Quanto aos hábitos de saúde, o tabagismo é um importante fator para o desenvolvimento de doenças crônicas, como as cardiovasculares22 . Um estudo que analisou o controle do Diabetes Mellitus tipo 2 em nove países da América Latina, no setor privado, identificou que 12,90% dos participantes eram tabagistas23 . No Brasil, estima-se que cerca de 20 milhões de pessoas são fumantes, sendo a região Sul de maior prevalência24 .
Neste estudo, o gênero masculino esteve mais associado ao tabagismo que o feminino. Em relação à faixa etária, existe um risco maior se for fumante entre 14-47 anos. Neste quesito, a diferença não foi significativa entre o grupo de tratamento acima de sete anos quando comparado com o grupo de menos de sete anos (p=0,297).
Referente ao consumo de bebida alcoólica, a maioria relatou não ter o hábito de ingeri-la, e teve maior incidência no grupo com menos de sete anos de tratamento. Estes achados corroboram a conduta indicada sobre este hábito, cuja recomendação da ingestão de álcool deve-se limitar a uma quantidade moderada, o que equivale a uma dose ou menos para mulheres e duas doses ou menos para homens24 .
A prática de atividade física regular foi um hábito de baixa prevalência entre os participantes deste estudo, seguida por apenas 32% dos pacientes, e sendo mais prevalente no grupo 1. Nesse sentido, a literatura sinaliza para a evidência de que a mudança no estilo de vida, sobretudo na alimentação e redução da atividade física, associam-se positivamente para o incremento acentuado na prevalência de DM23 .
Em relação às comorbidades, pesquisadores a descreveram como a presença de duas ou mais doenças distintas em um indivíduo. Não necessariamente relacionadas entre si, mas que são capazes de causar ou agravar os estados patológicos, ou dificultar o tratamento26 .
A hipertensão arterial, neste estudo, foi identificada na maioria dos participantes (82,0%), sendo superior aos dados encontrados num inquérito nacional realizado no ano de 2015 com a população brasileira em 26 capitais e no Distrito Federal27 . Para a cidade de Curitiba, o referido inquérito apresentou um índice de 22,8%.
A incidência de hipertensão nos portadores de diabetes aumenta com a idade, sendo esta uma predisposição natural devido às alterações vasculares intrínsecas ao envelhecimento, e em decorrência dos efeitos negativos que a hiperglicemia e a hiperinsulinemia exercem sobre o organismo. Quanto à faixa etária, hipertensão arterial sistêmica foi maior no idoso diabético do que em idosos não diabéticos28 .
Outra comorbidade prevalente neste estudo foi a dislipidemia, tanto no grupo de tratamento superior quanto inferior a sete anos. Alguns estudos destacaram a importância de se observar a associação entre os fatores de risco e a diabetes, pois eles aumentam as probabilidades das doenças cardiovasculares13 .
Neste estudo, as atividades cotidianas dos pacientes foram avaliadas conforme o questionário, considerando os últimos sete dias anteriores à entrevista, sendo que o valor zero corresponde a menos favorável, e sete mais aceitável. Somente na dieta específica os valores foram invertidos.
Na dimensão, em quantos dos últimos sete dias você seguiu uma dieta saudável, tivemos uma média de 1,8 ± 2,6 dias. Estudo com achado diferente foi conduzido sobre o tema de autocuidado em idosos de Ribeirão Preto - SP, e quando questionados se seguiam uma dieta saudável, obteve-se uma média 4,9 dias. Tais achados são diferentes se comparados com os encontrados nesta amostra. Um estudo que avaliou as práticas de autocuidado entre pacientes com DM utilizando um instrumento semelhante ao desta pesquisa em país de baixa renda, foram encontrados resultados semelhantes aos que se apresentam nesta investigação com prevalência de baixo índice de observância às recomendações29 .
Os benefícios específicos da maior ingestão de alimentos lácteos têm recebido recentemente maior atenção. Uma análise combinada de sete estudos de coorte (254.892 participantes, sendo 19.082 casos de diabetes) revelou que a maior ingestão de produtos lácteos foi associada a menor risco de Diabetes Mellitus tipo 230 . Este estudo, que não teve o desenho específico para avaliar desfecho a longo prazo numa população ampla, mas tão somente relacionou a ingestão de alimentos ricos em gordura, como carne vermelha ou produtos lácteos gordurosos, obteve uma média de 1,9 ± 2,5, dias/semana. A literatura sinaliza que a ingestão total de gordura dietética não está associada com o risco de DM2 quando comparado a substituições energéticas equivalentes de carboidratos31 .
No entanto, vale ressaltar que os alimentos de origem animal, mesmo que consumidos com moderação, devido ao seu alto teor de gordura saturada, aumentam o risco de desenvolver obesidade e predispõem a doenças cardiovasculares, incluindo a diabetes.
Em relação ao uso de medicamentos, houve prevalência do tratamento antidiabético oral em relação ao parenteral. O tipo de tratamento indicado aos pacientes correspondeu ao que estava disponível no sistema público de saúde nacional, mas considerado inadequado às vistas do tratamento atual indicado pelas diretrizes. Apesar disto, a aderência observada à medicação foi adequada nos dois grupos analisados. Em relação ao uso de insulina, a aderência foi significativamente maior no grupo com o tempo de tratamento acima de sete anos. Semelhante resultado foi encontrado quando os sujeitos da amostra foram indagados quanto ao uso nos últimos sete dias, sendo observado elevado índice de aderência. Esta condição pode ter a explicação devido às complicações sentidas ao longo do tratamento.
Um estudo transversal avaliou a aderência ao tratamento medicamentoso com pacientes diagnosticados com DM2, tratados em clínicas de saúde primária na Malásia, concluindo que 53% dos pacientes na população estudada não eram aderentes32 .
As limitações deste estudo se dão ao fato de que uma parte dos pacientes diabéticos não foi avaliada devido a entrevista domiciliar ter sido realizada no horário de trabalho, o que poderia explicar o fato de a maior parte da amostra ser do gênero feminino. Outra limitação é referente ao tipo de tratamento oferecido pelo sistema público, que está defasado em relação aos conceitos e evidências atuais. Apesar da boa aderência ao tratamento, a associação das comorbidades é elevada.
Conclusão
Os resultados deste estudo permitem concluir que nesta população, os dois grupos (de menor e maior tempo de DM2) possuem baixa renda e escolaridade, elevados índices de falta de aderência ao tratamento, elevada associação de comorbidades, baixa obediência quanto os hábitos de vida adequados. No grupo de maior tempo de DM2 foi predominante a janela terapêutica elevada.
Nesta população que representa as características da maior parte da população das cidades brasileiras, é necessário maior atenção quanto a supervisão do tratamento quanto as orientações pela equipe multidisciplinar, mesmo dentro de um programa de orientação estruturada.