Introdução
As Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) são decorrentes de procedimentos que podem ser colonizados por micro-organismos, e culminam no aumento na morbimortalidade bem como no tempo de internação dos pacientes1. No Brasil, a Infecção do Sítio Cirúrgico (ISC) ocupa a terceira posição entre as infecções em serviços de saúde, compreendendo cerca de 15% daquelas encontradas em pacientes hospitalizados2.
A ocorrência dessas infecções representa um importante problema de saúde pública, configurando-se como causa primordial na ocorrência de iatrogenia aos pacientes submetidos a intervenções invasivas3, como é o caso das cirurgias traumato-ortopédicas. Em vista disso, sua alta incidência e efeitos deletérios demandam monitorização sistemática desses pacientes, visando o reconhecimento precoce de fatores de risco para ISC e a implementação efetiva de medidas de suporte às práticas de segurança do paciente.
O diagnóstico de ISC baseia-se nos sinais de infecção em 30 a 90 dias após o procedimento cirúrgico ou até um ano depois nos casos de implantes de órteses e próteses2,4. Nos casos em que há necessidade de implantes ou utilização temporária de próteses, a ocorrência de ISC torna-se especialmente comum. Portanto, as cirurgias traumato-ortopédicas se enquadram neste perfil, pois possuem como agravante o fato de que geralmente são indicadas nos casos de acidentes em lesão que já se apresenta contaminada ou potencialmente contaminada na chegada ao serviço hospitalar, bem como, dada a urgência, muitas vezes não há uma avaliação prévia dos fatores de risco1,5.
As ISC ocasionam diversos transtornos de ordem econômica e social, com a diminuição da rotatividade de leitos, risco aumentado em três vezes de readmissão hospitalar e óbito6-7. Somado ao fato de que a etiologia da infecção está amplamente relacionada a fatores ambientais, individuais e técnicos, um enorme desafio é lançado para as instituições hospitalares quanto à eficiência de suas medidas de controle e prevenção8.
Sendo um procedimento invasivo, a cirurgia ortopédica desponta como facilitadora no desencadeamento de ISC, o que demanda rigor em todo o processo perioperatório. Nesse ínterim, os fatores de risco associados à infecção ortopédica podem estar relacionados ao próprio paciente, à execução da técnica cirúrgica e ao ambiente onde será realizado o procedimento cirúrgico.
Dessa forma, a literatura aponta que os principais fatores de risco para ISC em cirurgias ortopédicas são: a condição clínica do paciente5,7; diabetes mellitus, obesidade, idade6,8-9, internação pré-operatória prolongada5,9, antissepsia da pele; técnica de degermação e uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI's) pela equipe7,10 e duração da cirurgia8-10.
Dada sua significância para os serviços de saúde, em 2009 a Organização Mundial da Saúde (OMS) através da Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, lançou como um dos objetivos essenciais para a cirurgia segura o fato de que a equipe deve usar sistematicamente métodos conhecidos para minimizar o risco de infecção do sítio cirúrgico11.
Diante do exposto, questiona-se quais os principais fatores associados à Infecção do Sítio Cirúrgico em cirurgias traumato-ortopédicas? Portanto, identificar os principais fatores que causam as ISC, justifica-se tanto pelo ponto de vista da saúde do paciente, como no aspecto financeiro, pois são responsáveis pelo aumento da permanência no hospital e consequentemente aumento de custos com o tratamento antimicrobiano, exames e curativos.
Objetivou-se, portanto, verificar a associação entre os fatores de risco e a presença de infecções de Sítio Cirúrgico em pacientes submetidos às cirurgias traumato-ortopédicas.
Materiais e Métodos
Estudo prospectivo descritivo, com abordagem quantitativa, norteado pela ferramenta STROBE, realizado entre os meses de janeiro a novembro de 2017 em um hospital de médio porte na cidade de Picos, Piauí. A instituição presta assistência generalista englobando pacientes obstétricas, pediátricos, clínica geral e cirúrgica, sendo que para esta última área destinam-se 5 enfermarias e 34 leitos do serviço.
O cálculo amostral foi definido a partir da média mensal de cirurgias traumato-ortopédicas realizadas no ano de 2016 que foi de 106 procedimentos. Adotando o critério de amostragem probabilística com nível de confiança 95% e nível de precisão de 5%, participaram do estudo 84 indivíduos que atendiam aos seguintes critérios de inclusão: encontravam-se em período pré-operatório de cirurgia ortopédica, havendo possibilidade para contato telefônico após a alta e maiores de 18 anos. Foram excluídos os pacientes que já estavam em pós-operatório ou que se submeteram a cirurgias de emergência.
Ressalta-se que houve perda amostral durante o seguimento do estudo, tendo em vista que 11 pacientes se omitiram a participar de alguma etapa da coleta de dados, mesmo tendo aceitado inicialmente em participar.
Os dados foram coletados entre os meses de agosto a outubro de 2017 por meio da aplicação de um formulário contendo as seguintes informações: dados de identificação, fatores de risco para ISC relacionados ao paciente (idade > 50 anos; estadia pré-operatória prolongada; obesidade; desnutrição; diabetes mellitus; comorbidades; tabagismo; medicamentos de uso contínuo; alergia medicamentosa), fatores de risco para ISC relacionados ao procedimento cirúrgico (duração da cirurgia; preparo da pele do paciente; grau de contaminação da cirurgia; antibioticoterapia profilática; uso de materiais ortopédicos), e detecção dos sinais de ISC (dor ou aumento da sensibilidade local; edema local; hiperemia; drenagem purulenta; deiscência espontânea; abcesso; febre > 38ºC) através de perguntas dicotômicas. O instrumento foi formulado baseado nos componentes de vigilância de infecções hospitalares de acordo com a Metodologia National Nosocomial Infection Surveillance System (NNIS).
Foram realizadas quatro visitas semanais durante os três meses na unidade cirúrgica do hospital, de modo que se pudessem contemplar todas as etapas da pesquisa conforme descritas a seguir:
- PRIMEIRA ETAPA: os pacientes foram abordados em suas respectivas enfermarias, sendo convidados a participar da pesquisa e responder ao instrumento de coleta de dados, bem como foram informados sobre os seguimentos posteriores do estudo. Esta etapa se propôs a identificar os fatores de risco para ISC relativos ao paciente, preenchimento dos dados pessoais e teve um tempo estimado de quinze minutos para sua conclusão, de modo que não interferisse nos procedimentos terapêuticos do paciente;
- SEGUNDA ETAPA: foi realizada no terceiro dia de pós-operatório e se propôs a identificar os fatores de risco para ISC relacionadas ao procedimento cirúrgico e a presença de sinais de ISC. Esta etapa ocorreu ainda na enfermaria em que o paciente estava instalado e obedeceu ao mesmo rigor da etapa anterior. No entanto, para a identificação dos fatores de riscos relacionados ao procedimento, foi realizada uma consulta ao prontuário e à ficha de sala, onde estão registrados os procedimentos adotados durante a cirurgia;
- TERCEIRA ETAPA: foi realizada no décimo dia de pós-operatório. Considerando que alguns pacientes já haviam recebido alta hospitalar, essa etapa também pôde ser realizada por meio de contato telefônico e se propôs a detectar a presença de sinais de ISC. Para não haver distorções com relação a interpretação dos possíveis sinais de ISC, o paciente foi esclarecido, no momento da abordagem inicial, sobre os tipos de sinais mais comuns e como detectá-los, portanto, ele foi capacitado de reportar sua ocorrência na ocasião do contato telefônico. Nos casos de contato telefônico, quando os pesquisadores não obtiveram sucesso em duas tentativas, o paciente foi excluído da pesquisa.
A escolha pelo terceiro e décimo DPO se baseia na constatação de que este intervalo é mais frequente quanto ao surgimento de ISC em cirurgias como as traumato-ortopédicas3.
Após a coleta, os dados foram categorizados no programa IBM-Statistics Statistics Package Social Sciences (SPSS) versão 20.0 em que foram realizadas as operações estatísticas descritivas das frequências relativa e absoluta, cálculo das medidas de tendência central e dispersão, Razão de Verossimilhança e o teste do qui-quadrado para verificar a associação entre os fatores de risco e a ISC. Associações estatísticas foram consideradas significativas quando p <0,05.
Esta pesquisa seguiu as recomendações da Resolução nº. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde mediante a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal Piauí.
Resultados
A caracterização sociodemográfica revelou que dos 84 participantes do estudo, a maioria pertenceu ao sexo masculino (n=62; 73,8%) com idade variando entre 18 e 92, e mediana de 39 anos (n=68; 80,9%). Estiveram presentes mais participantes com estado civil solteiro (n=42; 50%), do que casado ou em união estável (n=37; 44%). Os principais diagnósticos médicos foram de fratura interna (n=59; 70,2%) e fratura exposta (n=16; 19%), enquanto o sítio cirúrgico mais citado localizava-se nos membros superiores (n=46; 54,8%).
Verificou-se que 52 (61,9%) dos pacientes apresentou Infecção de Sítio Cirúrgico, destacando-se que nesta pesquisa os fatores de risco para a ocorrência deste evento foram divididos em: relacionados ao paciente, e relacionados ao procedimento cirúrgico.
Quanto aos fatores de risco para ISC relacionados ao paciente, identificou-se mais de um fator no mesmo indivíduo, sendo o fator mais evidente a idade superior a 50 anos (n=31; 36,9%). Em sequência, nota-se a estada pré-operatória superior a quatro dias (n=27; 32,1%), a relação entre os medicamentos de uso habitual (n=24; 28,6%), o tabagismo (n=21; 25%) e o Diabetes Mellitus (n=9;10,7%), (Tabela 1).
Variáveis | ƒ* | % |
---|---|---|
Idade > 50 anos | 31 | 36,9% |
Estadia pré-operatória prolongada | 27 | 32,1% |
Obesidade | 4 | 4,8% |
Desnutrição | 1 | 1,2% |
Diabetes mellitus | 9 | 10,7% |
Comorbidades | 7 | 8,3% |
Tabagista | 21 | 25,0% |
Medicamento de uso habitual** | 24 | 28,6% |
Alergia medicamentosa | 5 | 6,0% |
Nota: ƒ* frequência de casos; % percentual representado. ** corticoides; anticoagulantes; imunossupressores.
No que se refere aos fatores de risco para ISC relacionados ao procedimento cirúrgico, todos os pacientes apresentaram o preparo da pele e o uso de antibioticoterapia profilática (n= 84; 100%). A maior parte dos antibióticos eram administrados entre 15 a 25 minutos antes da cirurgia, tempo médio três vezes menor do que o atual preconizado.
Outros aspectos significativos foram cirurgia com duração inferior a 2 horas (n=83; 98,8%) enquanto cirurgias limpas e o uso de materiais ortopédicos incluindo pinos, parafusos e fixadores foram citados 63 vezes (75%) dentre os 84 procedimentos (Tabela 2). Tanto a duração do procedimento e o implante de materiais proporcionam maiores chances de desenvolver infecção pelo tempo maior de exposição necessário bem como a ruptura de maior superfície corporal, refletindo na extensão da ferida operatória e tempo de cicatrização.
Variáveis | ƒ* | % |
---|---|---|
Duração da cirurgia | ||
< 2 horas | 83 | 98,8% |
> 2 horas | 1 | 1,2% |
Preparo da pele do paciente | 84 | 100% |
Grau de contaminação da cirurgia | ||
Limpa | 63 | 75,0% |
Potencialmente contaminada | 15 | 17,9% |
Contaminada | 5 | 6,0% |
Infectada | 1 | 1,2% |
Antibioticoterapia profilática | 84 | 100% |
Uso de materiais ortopédicos | 63 | 75,0% |
Nota: ƒ* frequência de casos; % percentual representado. Mais de um fator de risco pode ter sido encontrado no mesmo paciente.
Acerca das variáveis relacionadas aos sinais e sintomas de ISC, evidenciaram que o edema e a dor foram os mais comuns no 3º DPO e 10º DPO. Hiperemia foi o terceiro sinal mais citado em ambas ocasiões com frequência de 24 (28,6%) no 3º DPO, e 18 (21,4%) no 10º DPO, o que demonstra haver compatibilidade entre os sintomas de ISC apresentados ao longo do pós-operatório, exceto pela presença de deiscência espontânea (n=2;2,4%) no 10º DPO, pois trata-se de um indicativo de complicações severas relacionada a ISC (Tabela 3).
Variáveis | 3º DPO | 10º DPO | ||
---|---|---|---|---|
| ||||
ƒ* | % | ƒ* | % | |
Dor ou aumento da sensibilidade | 44 | 52,4% | 38 | 45,2% |
Edema local | 40 | 47,6% | 21 | 25,0% |
Hiperemia | 24 | 28,6% | 18 | 21,4% |
Drenagem purulenta | 5 | 6,0% | 6 | 7,1% |
Deiscência espontânea | 2 | 2,4% | ||
Abscesso | 1 | 1,2% | 1 | 1,2% |
Febre (>38°) | 10 | 11,9% | 7 | 8,3% |
Nota: DPO - Dia de Pós Operatório; ƒ* frequência de casos; % percentual representado. Mais de um sinal ou sintoma pode ter sido reportado pelo mesmo paciente
De modo semelhante, a ocorrência de drenagem purulenta se fez mais presente durante o 10º DPO, também como indício de infecções em estágio mais avançado, diferente do aumento de sensibilidade sentido mais evidentemente no 3º DPO como sintoma imediato que pode ser provocado pelo procedimento cirúrgico ou mesmo pelo trauma sofrido antes da cirurgia.
A febre ocorre como uma forma sistêmica do organismo auxiliar no combate a agentes invasores do sistema imune, podendo se manifestar em qualquer época do processo infeccioso. Nesta amostra, a febre foi percebida em maior grau no 3º DPO (n=10;11,9%) em relação ao 10º DPO (n=7;8,3), como pode ser observado na Tabela 3.
Na tabela 4 encontram-se as associações estatísticas entre fatores de risco relacionados ao paciente e ao procedimento cirúrgico com a presença de sinais de infecção no 3º DPO e 10º DPO, em que se evidencia a relação significativa entre os sinais e sintomas de dor, hiperemia, edema local, febre e drenagem purulenta.
DPO | Fatores de risco para ISC | Dor | Hipere-mia | Edema local | Febre | Drenagem purulenta | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
| |||||||
ƒ | ƒ | ƒ | F | ƒ | |||
3º | Relacionados ao paciente | ||||||
Idade > 50 anos | 21 | 21 | |||||
p=0,031 | p=0,000 | ||||||
Diabetes | 8 | 3 | |||||
p=0,009 | p=0,036 | ||||||
Tabagismo | 10 | 4 | |||||
p=0,026 | p=0,007* | ||||||
Relacionados ao procedimento cirúrgico | |||||||
< 2 horas | 79 | ||||||
p=0,000 | |||||||
10º | Relacionados ao paciente | ||||||
Idade > 50 anos | 12 | ||||||
p=0,003 | |||||||
Diabetes | 7 | 6 | 5 | ||||
p=0,038 | p=0,000 | p=0,025 |
Nota: DPO - Dia de Pós Operatório; *Refere-se à razão de verossimilhança, os demais valores de p se referem ao ᵡ2.
Independentemente do DPO, os sinais de infecção estiveram associados apenas aos fatores de risco relacionados aos pacientes. Pacientes com idade superior a 50 anos no 3º DPO (n=21; p=0,031) representaram, o fator de risco com maior associação aos sinais de infecção, sendo eles dor e hiperemia. Fato reiterado no 10º DPO com a ocorrência de 12 (p=0,003) casos de hiperemia entre pacientes com mais de 50 anos.
As cirurgias com duração inferior a duas horas estiveram associadas a não ocorrência de drenagem purulenta. No décimo DPO, os pacientes com diabetes tiveram dor (n=7; p=0,038), edema local (n=5; p=0,025) e hiperemia. Em todos os casos o valor de p foi menor que 0,05.
Dessa forma, foi possível perceber que no terceiro DPO, a idade, o diagnóstico de diabetes e o hábito de fumar foram os fatores de risco que apareceram mais vezes nas associações com os sinais de infecção. Já no 10º DPO, o diabetes foi o fator de risco que apareceu mais vezes nas associações com os sinais de infecção, estando mais relacionado a infecções a longo prazo. Em ambos os períodos, a hiperemia foi o sinal de infecção mais frequente.
Discussão
Um aumento progressivo do número de intervenções cirúrgicas em ortopedia e traumatologia tem ocorrido nas últimas décadas12, com isso aumenta-se a preocupação com as Infecções do Sítio Cirúrgico (ISC) cujas complicações incide em âmbito financeiro e social. Trata-se de uma interação complexa e multifacetada entre fatores extrínsecos e intrínsecos, conferindo especificidade individual quanto ao risco de desenvolvimento de infecção.
A caracterização sociodemográfica deste estudo revela que a maioria dos procedimentos cirúrgicos traumato-ortopédicos é realizada em homens adultos jovens na faixa etária de 18 a 59 anos. Em literatura com o mesmo delineamento metodológico nota-se a prevalência de ISC entre 19 a 92 anos, sendo 62,5% desses pacientes entre 18 e 48 anos8, e dentre 21 a 86 anos, com maior número de sujeitos entre 60 a 70 anos de idade13. Nas duas situações o público pertenceu majoritariamente ao sexo masculino.
Complementando esses achados, em uma pesquisa realizada em Picos, 88,7% dos acidentes automobilísticos com trauma envolvia indivíduos do sexo masculino14. Tal incidência está relacionada a uma maior vulnerabilidade do homem a violência urbana por representarem a maior parcela de condutores de carros e motocicletas15, fundamentando os resultados encontrados neste estudo e em semelhantes.
Quanto ao período de internação pré-operatória, o risco para ISC deve considerar o tempo decorrido até a cirurgia, bem como o estabelecimento de um ambiente adequado para manter o sítio cirúrgico saudável16. Na instituição onde ocorreu a pesquisa, é comum o funcionamento da unidade comportando usuários de diferentes níveis de complexidade e faixa etária numa mesma enfermaria, devido à estrutura incompatível com a demanda do serviço, configurando um local essencialmente que potencialize os riscos para infecção.
Desse modo, o período de internação torna-se proporcional ao risco de ISC, uma vez que a ausência de Sala de Recuperação Pós Anestésica conduz os pacientes em pós-operatório imediato ao repouso nas enfermarias compartilhada com demais pacientes da instituição. Assim, a não segregação apropriada pode aumentar as chances destes a serem colonizados por flora bacteriana hospitalar, intensificando a vulnerabilidade para o surgimento de infecções nosocomiais, especialmente as infecções de sítio cirúrgico.
Nesta amostra, a estadia pré-operatória apresentou variação entre 1 e 20 dias, com média de cinco dias, sendo que 32,1% (n=27) dos pacientes passaram por período superior a 4 dias. Tais dados vão de encontro a realidade de outros dois hospitais brasileiros, em que o período de internação pré-operatória teve um tempo máximo de 30 dias17e média de cinco dias18. Em estudo com número amostral semelhante ao desta pesquisa, o período de internação hospitalar representou um fator de risco para a ocorrência de ISC mesmo no pós-operatório19.
Considerando que a ocorrência de ISC tem sido maior em pacientes internados de um a três dias8, uma análise das condições envolvidas na permanência prolongada na instituição deve ser realizada a fim de identificar disfunções modificáveis. Nesse seguimento, compreende-se que a rotina como o serviço se organiza, quadro de funcionários atuantes, recursos humanos e financeiros, são fatores determinantes nesse processo. O resultado encontrado não atende as recomendações para prevenir infecções que apontam uma estadia ideal menor ou equivalente a 24 horas20.
Como fator de risco para ISC relacionado ao paciente, as comorbidades foram relatadas em 8,3% dos casos analisados, destacando-se o Diabetes Mellitus (DM), que tem se sobressaído em meio as cirurgias ortopédicas por prejudicar os processos inflamatórios e de cicatrização21. No manejo de fraturas de tornozelo o DM foi responsável pelo aumento de complicações, cicatrização tardia da ferida operatória e taxas de infecção variando entre 10% a 60%22-23.
O estresse gerado pela cirurgia e alterações no padrão alimentar às vésperas do procedimento contribuem para maior resistência à insulina e estabelecimento de quadro hiperglicêmico no perioperatório24. Visto isso, a literatura aponta que durante as primeiras 24 horas de pós-operatório o índice glicêmico não deve ultrapassar 200mg/dl a fim de não prejudicar a capacidade de defesa do organismo25.
Nessa pesquisa, o DM se comportou como importante fator de risco para o desenvolvimento de ISC, estando relacionado com os sinais de infecção de dor, hiperemia e edema local. Vale ressaltar que, como condição crônica muitas vezes sujeita ao uso contínuo de medicamento oral, o Diabetes pode representar um fator de risco a ser potencializado pelas interações medicamentosas passíveis de ocorrer durante a estadia hospitalar, sendo que 24 casos analisados (28,6%) faziam uso de medicamentos habitualmente, como: corticoides, anticoagulantes e imunossupressores. Observa-se ainda, que para pacientes diabéticos insulinodependentes o risco de desenvolver infecção de sítio cirúrgico é ampliado em três vezes para cirurgias ortopédicas26.
As associações estatísticas entre fatores de risco para ISC e sinais de infecção no 3º e 10º DPO, mostra que os sinais de infecção estão predominantemente associados aos fatores de risco relacionados aos pacientes em comparação aos relacionados ao procedimento cirúrgico. Tal resultado aponta para a necessidade de esforços direcionados a sensibilização dos pacientes que irão passar pela intervenção cirúrgica, possibilitando minoração do risco de infecção e melhoria das chances de uma recuperação breve e sem complicações.
Com relação ao tabagismo, obteve-se 25% de casos semelhante a outros cenários em que o mesmo fator gerou valor de p significativo12,27 e indicaram que a ocorrência de ISC é mais comum em pacientes fumantes se comparado aqueles que não fumam28. Os sinais de ISC relacionadas ao tabagismo aqui foram caracterizados por dor, hiperemia e drenagem purulenta. Considerando os fatores de risco inerentes ao paciente, a drenagem purulenta esteve presente apenas em pacientes tabagistas. A suspensão do tabagismo por um período mínimo de quatro semanas que antecedem a operação é favorável à redução de complicações decorrentes do uso contínuo de tabaco16.
O uso de tabaco exprime a principal causa de morte evitável no Brasil e no mundo. Cerca de metade da população fumante tenta parar o hábito, mas apenas uma parcela mínima recebe orientação e acompanhamento de um profissional de saúde adequadamente29. Com isso, pode-se inferir que este fator de risco para infecção é reflexo de um problema social de ampla magnitude, incumbindo aos profissionais e gestores de saúde a elaboração e implementação de medidas eficazes em sensibilizar e modificar o comportamento dos usuários quanto aos riscos de tal prática para a saúde.
Representando o fator de risco intrínseco ao paciente mais evidente nesta amostra, a idade superior a 50 anos também tem sido referida em diferentes realidades pesquisadas9,25, aqui esteve relacionada aos sinais e sintomas de dor e hiperemia no 3º DPO e hiperemia no 10º. A ausência de quadro febril em pacientes idosos pode ser consequência do sistema imunológico fisiologicamente menos ativo nessa fase, prejudicando o combate sistêmico da infecção e sua reabilitação.
Corroborando com tal ideia, estudo aponta que a fragilidade do sistema de defesa após essa faixa etária tem parcela significativa no aumento do risco de desenvolver ISC em cirurgias traumato-ortopédicas8. No entanto, a presença de comorbidades nesta faixa etária também deve ser considerada como contribuinte para a ocorrência de ISC, de modo que a idade superior a 50 anos se comporta como fator de risco ampliado pela polivalência de condições debilitantes dos sujeitos.
No mesmo princípio, em pesquisa realizada numa Clínica de Ortopedia e Traumatologia, os pacientes com mais de 60 anos obtiveram as infecções após cirurgia ortopédica em associação com DM12. À vista disso, por se tratar de um fator de risco não modificável há que se considerar recursos externos para aumentar a segurança cirúrgica na população idosa. Dessa forma, sugere-se um acompanhamento rigoroso desses pacientes compreendendo da admissão à alta hospitalar, com a categorização ordenada dos medicamentos de uso habitual e execução de plano de cuidados específico e diligente.
Embora os sinais de infecção tenham se apresentado mais relacionados aos fatores de risco pertencentes ao paciente, cirurgias com duração maior que 2 horas influenciaram o desenvolvimento da ISC. Na Suiça, a presença de ISC associada a drenos esteve condicionada a duração da cirurgia (p=0,01)30. Cirurgia com tempo superior a 120 minutos tem sido duplamente relacionada a ocorrência de ISC, pelo tempo de exposição dos tecidos ao ambiente externo e pelo cansaço da equipe de profissionais, favorecendo falhas técnicas que interferem na defesa sistêmica do corpo5. Em outro estudo, a experiência do cirurgião é apontada como fator que pode aumentar o risco de ISC, pois cirurgiões menos experientes demandam maior período de tempo, prolongando a possibilidade de entrada microbiológica para a parte interna dos tecidos17.
Recursos humanos e institucionais são inerentes à busca por assistência à saúde com mínimas oportunidades de danos ao paciente32e, segundo recomendações de enfermeiros, tais recursos são necessários também para a segurança do paciente em centro cirúrgico33. Nesse sentido, a aptidão dos profissionais que trabalham no centro cirúrgico é de extrema relevância para o êxito dos procedimentos realizados. A propriedade com que os aspectos técnico-científico e ético são ali exercidos, são decisivos para um desfecho favorável ou não do paciente, dado que uma linha tênue pode ser o marco determinante entre a incisão ideal e a perfuração que ameaça a vida.
Quanto ao preparo da pele do paciente, o procedimento adequado compreende a antissepsia praticada pelo profissional, a técnica e produto utilizado. Nesta pesquisa, não houve registros de tricotomia, ou por não ter sido realizada ou por subnotificação21. Acerca da antissepsia optou-se por Iodopolividona (PVPI) tópica e degermante em detrimento da solução de Clorexidina a 2% que deve ser a primeira opção de escolha34, comprometendo a antissepsia do local de incisão e aumentando a vulnerabilidade dos pacientes para infecção de sítio cirúrgico.
Resultado semelhante foi encontrado em outro estudo, com 86,6% da antissepsia pré-operatória realizada com PVPI alcoólica e 2,2% com PVPI aquoso25. Fundamental importância deve ser dada ao tratamento correto para a microbiota natural proveniente dessa região visando minimizar os riscos de infecção. Entretanto, nota-se real prevalência do uso de fórmulas que não possuem o melhor índice de descolonização bacteriana e efeito residual, fato possivelmente ocasionado pela escolha das instituições de saúde segundo o critério financeiro disponível.
Referente a antibioticoterapia profilática, sua influência é considerada pelo rompimento da barreira epitelial durante a intervenção cirúrgica, que desencadeia reações sistêmicas e provocam o processo infeccioso6. Na presente amostra todos receberam a medida preventiva, indo de acordo com outras pesquisas em que 97%17e 91,8%33 dos casos analisados receberam o antibiótico. Nesse sentido, a antibioticoprofilaxia configura-se como a estratégia pertinente ao controle de ISC mais adotado pelas instituições de saúde. Entretanto, embora todos os pacientes tenham recebido o antibiótico, a média de tempo entre a administração e início da cirurgia foi de 15 a 25 minutos, contrariando a recomendação de 60 minutos antes do procedimento20, preferencialmente anterior à indução anestésica21.
Caracterizando o grau de contaminação predominante nas cirurgias analisadas, 75% (n=63) eram limpas, estando menos propensas ao desenvolvimento de ISC, do que as demais classificações, resultado semelhante ao de outros pesquisadores1. O mesmo percentual foi alcançado para o uso de materiais ortopédicos (n= 63; 75%), memorando a margem de 90 dias após o implante para ocorrência de ISC, não permitindo associar esse fator de risco com ocorrências de ISC já que o seguimento desta amostra se deu até o 10º DPO20.
Ademais, outros fatores relacionados ao paciente foram ausentes na amostra pesquisada, tais como a presença de neoplasias e imunossupressão, ou estiveram presente mas não foram significativos, como obesidade, desnutrição e alergia medicamentosa.
Alguns aspectos podem ser pontuados como limitações para esta pesquisa, sendo eles: a impossibilidade de avaliação de aspectos relacionados ao procedimento cirúrgico no momento de sua ocorrência como a paramentação cirúrgica adequada, dergermação da pele do profissional e quantidade de pessoas na sala durante o procedimento, e preparo adequado do paciente. Outros fatores são a incompletude dos dados da ficha de sala e o fato de ser um estudo unicêntrico, de modo que se outros locais estivessem envolvidos maiores contribuições poderiam ser geradas pelo cenário distinto.
Conclusões
Os sinais de infecção estiveram associados apenas aos fatores de risco relacionados aos pacientes, e os principais fatores foram a idade acima de 50 anos, diabetes e o tabagismo. Os sinais e sintomas mais prevalentes foram dor, edema e hiperemia, tanto no 3º quanto no 10º DPO. Ressalta-se a importância de toda a estrutura hospitalar adequada, recursos materiais e humanos para garantia da assistência cirúrgica segura, compreendendo técnica, instrumentos e práticas durante todo o tempo de estadia do paciente.
Nota-se escassez de literatura sobre os sinais de infecção apresentados pelos respectivos fatores de risco dos pacientes. Assim, espera-se que esse estudo possa contribuir para investigações futuras nessa área, avaliando o impacto destas ações após serem implementadas, como também servir de base para orientar as ações das Comissões de Infecção Hospitalar.