Introdução
O conceito de estresse é amplo. Desde o século XIV, o termo já era utilizado para dar entendimento a sentimentos de angústia e ansiedade. Atualmente, o conceito é bastante generalizado e atribuído ao humor e ao cansaço 1. Além disso, o entendimento de estresse está relacionado a um processo de adaptação do indivíduo 2, sendo estudado por vários autores na área da Enfermagem 3-5.
O estresse pode evoluir conforme a permanência dos fatores desencadeantes. Assim, é dividido em três fases: a primeira é a de despertar, ela pode até ser positiva quando o indivíduo está bem psicologicamente, e a situação estressante acaba por ajudar em seu desenvolvimento. Em seguida, vem a fase de adaptação, na qual a permanência do agente estressor pode ocasionar a perda da homeostase e provocar doenças físicas e psíquicas; por fim, a fase exaustiva, em que ocorre a perda do equilíbrio permanente 6.
Atualmente, os indivíduos extrapolam seus limites biológicos. Assim, determinantes físicos e emocionais são responsáveis por levar o organismo ao estresse, o que reflete diretamente na vida, no trabalho, nos estudos e nas relações sociais do indivíduo 2.
No mundo acadêmico, muitos estudantes, antes de ingressar no curso superior, ainda não possuem pleno conhecimento de suas escolhas 7. Portanto, estar satisfeito com a escolha da Enfermagem desde a graduação é um fator importante para lidar com o estresse; caso contrário, poderá ocorrer desistência ou baixo desempenho nos estudos 8.
É necessário preparar os acadêmicos de Enfermagem para lidarem com diversas situações já durante a formação a fim de que fortaleçam seu lado emocional, pelo fato que serão responsáveis pelos cuidados de pacientes com diferentes necessidades. Dessa forma, o bem-estar psicológico é fundamental para a carreira acadêmica e para a formação do profissional de Enfermagem 9.
Entender o universo do acadêmico, assim como os fatores associados ao estresse e a forma como se manifestam nos estudantes, é relevante para o planejamento das instituições de ensino, que poderão desenvolver ações no sentido de entender as necessidades dos estudantes 10. Ao reconhecer a importância da temática, este estudo teve como objetivo investigar a ocorrência de estresse entre acadêmicos de Enfermagem de uma instituição de ensino superior privada do norte de Minas Gerais, Brasil. Assim, facilita compreender atitudes e comportamentos dos acadêmicos durante a graduação em Enfermagem.
Materiais e métodos
Estudo descritivo, transversal e quantitativo, realizado com N = 34 acadêmicos de Enfermagem de uma faculdade privada situada no norte de Minas Gerais, Brasil. O curso de Enfermagem nessa instituição iniciou-se no segundo semestre de 2014, com duração de cinco anos e duas entradas semestrais com 50 vagas por semestre. Atualmente, possui 176 acadêmicos, em seis turmas ativas: primeiro, terceiro, quinto, sexto, sétimo e nono períodos.
Para a composição da amostra, foram considerados elegíveis acadêmicos regularmente matriculados na graduação em Enfermagem a partir do quinto período, no momento da coleta de dados, visto que as turmas anteriores em início de curso poderiam não ter vivenciado situações estres-santes o suficiente ou desenvolvido mecanismos de enfrentamento para contribuir com o estudo, ainda, aparentarem boas condições psíquicas e serem frequentes nas aulas práticas e teóricas, conforme matriz curricular de cada período.
Os dados foram coletados entre agosto e setembro de 2019 a partir de um questionário elaborado e adaptado pelos pesquisadores, aplicado aos acadê-micos que manifestaram interesse em participar da pesquisa. Visto o questionário ser autoaplicável, os participantes receberam as orientações de preenchimento no ato do recebimento do documento e foram orientados a responder individualmente em suas residências e devolver aos pesquisadores num prazo de até oito dias.
A parte um do instrumento trata da caracterização dos participantes; na segunda parte, foi utilizado o instrumento Avaliação de Estresse em Estudantes de Enfermagem (AEEE) 11. O AEEE contém 19 itens apresentados ao participante em um formulário checklist. Esse instrumento é a versão proposta por Costa ES, Costa YPB, Mata ZR, Ferreira MV e Costa GS em 2017 11, utilizado em um estudo realizado em cinco instituições em diferentes locais do Brasil em 2016, que teve como objetivo validar o AEEE em uma versão reduzida para acadêmicos brasileiros (ambiente; formação profissional; ativi-dades teóricas e realização de atividades práticas).
O AEEE usado neste estudo teve adaptação na reda-ção dos itens 3, 5, 14, 16 e 18 com alteração na escrita do enunciado. As alterações na redação se deram para adequá-lo à realidade dos acadêmicos, sujeitos desta pesquisa.
Concomitante ao AEEE, foi aplicado aos participantes o instrumento de Enfrentamento e Controle do Estresse e Ansiedade, parte três do questionário. Esse instrumento foi elaborado pelos pesquisadores, autores deste estudo, a partir de indicações de literatura atual. Contém 23 itens com possibilidade de respostas "sim" ou "não" para serem assinaladas.
Para a análise e a interpretação dos dados coleta-dos, utilizou-se de planilhas do Excel versão 2016, a partir do uso da epidemiologia descritiva.
O projeto de pesquisa foi guiado pela Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros, pelo Parecer Consubstanciado 3.332.819. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para autorizar o uso dos dados coletados.
Resultados
Participaram do estudo o total de N = 34 graduandos em Enfermagem de uma instituição de ensino superior privada do norte de Minas Gerais, Brasil, que representam 19,32 % dos acadêmicos matriculados no curso. A Tabela 1 mostra as variáveis socioeconômicas e demográficas consideradas neste estudo.
O gênero feminino representa a maioria dos participantes (82,35 %). A idade dos graduandos variou entre 20 e 37 anos, porém a maior parte está concentrada na faixa etária entre 20 e 25 anos (76,47 %). Observa-se ainda prevalência de graduandos solteiros (67,65 %).
Apesar de a maior parte dos graduandos residir na cidade de Mato Verde, Minas Gerais, Brasil (41,19 %), observa-se a presença de acadêmicos residentes em cidades circunvizinhas.
Quanto à situação de emprego e trabalho, a maioria (47,06 %) sinalizou trabalhar. Ao passo que todos os participantes assumiram ter algum tipo de renda, que variou de menos que um salário-mínimo até R$5.992,00.
No Quadro 1, as situações que apareceram com maior frequência no Escore 3 como muito estres-santes para os acadêmicos foram: distância entre a maioria dos campos de estágio/ensino clínico e o local de moradia do académico (n = 19); o transporte utilizado para chegar ao local do estágio/ensino clínico (n = 16); a falta de tempo para momentos de descanso (n = 14) e o transporte utilizado para chegar à faculdade (n = 11).
Legenda: 0 - Não vivencio a situação; 1 - Não me sinto estressado com a situação; 2 - Me sinto pouco estressado com a situação; 3 - Me sinto muito estressado com a situação.
Fonte: elaboração própria, 2019.
Já as situações que deixam os acadêmicos pouco estressados (Quadro 1) são o tempo exigido pelo professor para a entrega de atividades extraclasse (n = 20), a percepção da responsabilidade profissional ao atuar no campo de estágio e das dificuldades que envolvem o relacionamento com profissionais de outras áreas, 19 ocorrências cada, e o medo de cometer erros durante a assistência ao paciente (n = 16).
A comunicação com profissionais de outros seto-res no local de estágio/ensino clínico e da unidade de estágio/ensino clínico (n = 20 e n = 18 respectivamente), o ambiente da unidade clínica de estágio (n = 19) e a realização de procedimentos assistenciais de modo geral (n = 16) são as principais situações que aparecem como não desencadeadoras de estresse entre os acadêmicos investigados.
O Quadro 2 apresenta as estratégias de como os acadêmicos enfrentam o estresse. As principais estratégias citadas foram: ouvir música para relaxar (n = 26), consumir medicamentos, ingerir alimentos saudáveis e conversar com o(a) namo-rado(a), ambos com 25 ocorrências, ao passo que as estratégias menos adotadas citadas foram: escrever diário (n = 1), fazer meditação (n = 2), tocar instrumento musical (n = 4) e procurar ajuda profissional (n = 5).
Discussão
Neste estudo, focou-se em investigar a ocorrência de estresse entre acadêmicos de Enfermagem de uma instituição de ensino superior privada, em que se observou que as situações mais estres-santes são a distância até os campos de estágios/ ensino clínico, o transporte para o deslocamento e o pouco tempo para o repouso. Menos estressan-tes, porém não menos importantes, são o tempo exigido para a entrega de atividades extraclasse, a percepção da responsabilidade profissional ainda enquanto estagiário no serviço, o relacionamento com profissionais de outras áreas e o medo de cometer erros durante a assistência ao paciente. As principais estratégias de enfretamento adotadas pelos acadêmicos são ouvir música, consumir medicamentos, ingerir alimentos saudáveis e conversar com o(a) namorado(a).
O gênero feminino parece influenciar no enfrentamento e na tolerância ao estresse 12, as mulheres quando seguem a vida acadêmica fazem múltiplas funções associadas em jornadas diferentes, e isso exige um esforço maior 13. Por isso, é preciso dar atenção ao enfrentamento do estresse pelas mulheres porque elas são mais susceptíveis a experimentar o sofrimento psíquico decorrente das situações estressoras 14.
No que tange à idade, existe tendência de ocorrência de estresse entre acadêmicos mais jovens. Isso pode ter influência da vivência de mundo e da capacidade de encarar novos desafios impostos pela graduação 15. Os acadêmicos casados apresentaram mais sintomas de estresse quando comparados aos solteiros. Esse fato pode ter relação com as obrigações conjugais 16.
Situações desencadeadoras de estresse
O fato de residir em cidades diferentes do local de estudo, sugere deslocamento diário para as ativida-des pedagógicas do curso. Nesse sentido, o deslocamento para as atividades de estudo e para o estágio, assim como a disponibilidade de meio de transporte é um fator determinante de estresse 17.
Outra situação comumente geradora de estresse é os estudantes trabalharem muitas horas por dia e ainda conciliarem o trabalho com as atividades do estudo 18. Ainda assim, a remuneração de acadê-micos costuma ser baixa em relação aos custos de manutenção das atividades do curso 19.
Os meios de transportes para chegar até a faculdade e os campos de estágios, de um modo geral, são considerados um fator estressante para os acadêmicos 11. A distância percorrida entre a faculdade, os campos de práticas e a residência do acadêmico estimulam altos níveis de estresse devido ao tempo despendido no deslocamento 20. Esse dado é corroborado por um estudo em que se percebeu que, uma das situações que estressam os acadêmicos de Enfermagem, é a distância entre sua residência e a faculdade 21.
Percebe-se que a sobrecarga provocada pelas atividades acadêmicas limita a disponibilidade de tempo para descanso. A cobrança para a realização de tarefas do curso e a obtenção de bom aproveitamento tornam o estudo estressante 22. O tempo reduzido para o acadêmico de Enfermagem realizar atividades de lazer é fator determinante para a ocorrência de estresse 23.
Em relação às exigências dos docentes, quando o acadêmico se sente sobrecarregado com as ativi-dades da graduação, sentem impotência e incapacidade, o que gera estresse no processo formativo 24. As exigências com as atividades a serem realizadas fazem com que os acadêmicos se sintam incapazes para realizar as atividades pedagógicas do curso 25.
Conforme o acadêmico progride no curso de Enfermagem, mais responsabilidades e habilidades lhe são exigidas; nesse contexto, o momento das atividades do estágio é estressante. A relação entre o acadêmico e a equipe de saúde, em ambiente de prática assistencial, provoca alto nível de estresse, já que a maior parte dos acadêmicos é jovem e com pouca experiência de trabalhar coletivamen-te, além de apresentar habilidades interpessoais ainda em desenvolvimento 20.
Habitualmente, os primeiros contatos entre o discente e o paciente geram tensão, visto ser um momento em que o estudante deverá demonstrar as habilidades desenvolvidas, isso pode ocasionar, em algumas situações, sentimento de insegurança 26. O medo e a insegurança observados nos graduandos de Enfermagem têm relação com o envolvimento com a formação e o medo de falhar na execução de técnicas 27.
O discente sente-se pressionado e enfrenta dificuldades ao aplicar seu aprendizado no cotidiano 28. De modo geral, é possível detectar tensão entre os acadêmicos na realização da assistência, isso porque, em boa parte das vezes, se deparam com situações desconhecidas ou diferentes de como foi ensinado ao longo de sua formação 29.
Dessa forma, uma comunicação eficaz entre discentes fortalece a confiança e facilita o ganho de autonomia para a realização das atividades do curso, ao passo que uma comunicação fragilizada pode ser estressante para o estudante 30. Nesse sentido, a experiência adquirida ao longo da formação e um bom relacionamento entre os acadêmicos tornam as atividades de aprendizagem satisfatórias e prazerosas para o graduando 31.
Estratégias de enfrentamento do estresse
A interação no ambiente formativo contribui positivamente tanto no ensino teórico como prático e agrega valores e conhecimentos para futura atua-ção profissional 32. A interação entre o acadêmico e as pessoas ao seu redor é importante, visto que essas pessoas podem ser rede de apoio e enfrenta-mento do estresse 33.
No que se refere aos ambientes acadêmicos, esses lugares são estressantes para os sujeitos inseridos nesse espaço além de ser desencadeador de outras doenças. A relação que se estabelece entre o acadê-mico e o espaço de formação são relevantes para entender os problemas desse meio e para elaborar estratégias de intervenção 34.
Em algumas situações, a música pode ser um método terapêutico de baixo custo para tratar o estresse e a ansiedade 35. A música é capaz de causar mudanças cognitivas no cérebro e provocar sensação de relaxamento e ativar a liberação de hormô-nios que dão sensação de prazer 36. Um estudo realizado com 18 acadêmicos de enfermagem de uma universidade estadual do Noroeste do Paraná identificou que os acadêmicos utilizam a música como aliada ao combate do estresse, em conjunto com outros métodos mediadores do descanso físico e mental 22.
O comportamento alimentar de um indivíduo produz o equilíbrio de seu organismo, desencadeado pelos mecanismos de regulação energética e nutricional 37. No entanto, entre outros fatores, o emocional influencia no consumo e na frequência da alimentação 38; assim, a adoção de hábitos alimentares saudáveis pode ser uma boa estratégia para o enfrentamento do estresse 39.
Em relação ao estabelecimento de diálogo, consi-dera-se que o apoio social é aliado importante no combate a situações estressantes 40. Um estudo realizado com 289 graduandos em Enfermagem de um centro universitário de Teresina (Piauí, Brasil) identificou que os acadêmicos com maior apoio social apresentam menor intensidade de estresse e conseguem desenvolver atividades do estudo com mais eficiência 41.
Outra situação preocupante é o fato de, frequentemente, os universitários se automedicarem 42. Assim, como forma de enfrentar o estresse, o uso de medicamentos sem descriminação pode gerar dependência química 43.
Apesar de pouco utilizado pelos acadêmicos, escrever sobre o vivenciado é importante para auxiliar o indivíduo na reflexão e ajuda a codificar diversas visões de uma mesma situação; dessa forma, escrever pode ser terapêutico no enfrentamento do estresse 44. A escrita em um diário é bem mais que registros, isso porque a complexidade dos sentimentos pode ser expressa na escrita 45. Da mesma forma, a prática da meditação é importante aliado para combater o estresse, pois ocasiona relaxamento e tolerância no enfrentamento de situações estressantes 43.
No que refere à procura por ajuda profissional, o acesso para a utilização dos serviços de sofrimento mental entre os acadêmicos nem sempre é de forma clara e objetiva, falta comunicação e divulgação entre os responsáveis pelo serviço 46. Convém lembrar que, no meio acadêmico, a persistência do estresse pode desencadear outras doenças; assim, o acompanhamento profissional é uma estratégia de prevenção que pode contribuir para interromper o seu processo evolutivo 47.
Conclusões
O estudo permitiu conhecer alguns fatores desencadeantes de estresse entre os acadêmicos de enfermagem no interior de Minas Gerais, Brasil. Os principais estressores identificados estão relacionados com a distância da residência até a instituição de ensino, o transporte para se deslocar para as atividades do curso e o tempo total que os estudos ocupam na vida do acadêmico. No entanto, adotam estratégias para prevenir o estresse como ouvir música, consumir medicamentos, ingerir alimentação saudável e convívio social.
Observa-se que as situações mais estressantes são de acesso físico e de planejamento da rotina estudantil. Nesse sentido, é importante que os estudantes programem as atividades diárias a partir de prioridades, visto que as exigências que se fazem são necessárias para a formação acadêmica.
Assim, por meio do conhecimento desses estressores, tanto alunos como diretores e docentes de instituições podem buscar estratégias que visem minimizar as fontes geradoras de estresse, com a intenção de melhorar a qualidade de vida e tornar o aprendizado mais prazeroso.
O estudo representa um avanço no conhecimento, visto trazer a vivência de acadêmicos de uma região interiorana; dessa forma, pode contribuir para outros estudos sobre o estresse entre acadê-micos numa perspectiva mais ampla do problema. Como limitação, o estudo tem a quantidade de acadêmicos que aderiram, assim como ter sido realizado em uma única faculdade, porém esses elementos não diminuem a importância do estudo e do conhecimento produzido.