Introdução
Os países latino-americanos possuem certas particularidades em relação aos seus contextos internos e aos processos históricos específicos de cada um deles. Contudo, isso não impede a realização de um quadro geral sobre a América Latina, o qual considere, principalmente, o aspecto econômico, marcado pelo subdesenvolvimento do capitalismo, ao serem comparados aqueles com os países ditos “centrais” (Cardoso 1964). Além disso, também é possível destacar que, no âmbito político desses países, o regime democrático só começa a se estabelecer no final da década de 1970 (Huntigton 1994).
Essas descontinuidades, em um primeiro momento, não impediram o surgimento de atores econômicos especializados, através dos processos de industrialização nesses diferentes países ao longo do século XX, que atuaram e atuam no desenvolvimento do capitalismo através da criação e gerenciamento de empresas nos mais diversos setores. Em outro espaço, os atores políticos também foram forjando e desenvolvendo as instituições democráticas, a partir de regras que regulam o jogo político e seus canais de representação, como o sistema partidário e eleitoral, o Poder Executivo e Legislativo, etc.
Por outro lado, é comum a inexistência de certa diferenciação entre os interesses públicos e os privados quanto à formação do espaço político e do Estado nos países da América Latina, ao serem comparados com os países ditos “centrais”; identificar essa característica não significa conceituá-los como “atrasados”. O mais importante é considerar a existência de um processo histórico e social distinto e seus desdobramentos, sem defender um modelo único de Estado ou aderir a uma ideia evolucionista dos sistemas políticos. Nesse sentido, um dos principais efeitos desse processo é um Estado que tende a reproduzir uma dominação personalizada e centralizadora, com uma sobrevalorização dos recursos políticos em outras esferas de atuação social, como, por exemplo, no meio econômico (Badie e Hermet 2001, 169-183).
Dentro dessas dinâmicas, são de grande importância abordagens que não tomam a política como um espaço social autônomo. Mesmo que exista um processo de institucionalização dos mecanismos de recrutamento e do jogo político, é necessário considerar que pode haver usos políticos de recursos sociais, como também usos sociais das funções políticas. Assim, a objetivação do pessoal político passa por analisar seus atributos mais pertinentes, como indicadores para conhecer sua composição (Offerlé 1999, 18-19).
Assim, “a análise da luta política deve ter como fundamento as determinantes econômicas e sociais da divisão do trabalho político”, ou seja, compreender a separação entre os “agentes politicamente ativos” e os “agentes politicamente passivos” passa pela análise dos recursos disponíveis. Essa abordagem não permite uma naturalização das clivagens sociais, ao considerar que a distribuição desigual dos recursos são os principais mecanismos sociais que produzem e reproduzem essas divisões (Bourdieu 1998, 163-164).
Feitas as considerações iniciais, este artigo tem como problemática a relação dos recursos econômicos com o espaço político, estruturando a análise a partir dos 30 deputados federais eleitos com maior patrimônio de bens declarados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a 55ª Legislatura (2015-2019) da Câmara dos Deputados no Brasil. A partir desses casos, o principal objetivo deste trabalho é analisar as bases sociais dessas “fortunas” e, sempre que possível, identificar se esses recursos econômicos estão ligados à atividade política desempenhada ou se estão vinculados com a origem familiar e/ou trajetória profissional anterior à entrada na política.
Ao abordar as posições sociais externas, foi possível constatar que a posse dos recursos econômicos detidos é anterior ao primeiro sucesso eleitoral. Também foi possível analisar a influência desses recursos nas carreiras políticas desempenhadas, ante os tipos de entrada e tempo de permanência na política, bem como a relação com o processo eleitoral de 2014, tendo como foco o autofinanciamento desses casos. Dessa forma, mesmo que não haja diferenciações com os deputados federais em geral, existe a possibilidade de se demonstrar a existência concomitante da atividade política com a posse de recursos econômicos advindos de atividades econômicas, ou seja, a diversidade de recursos sociais disponíveis para esses casos.
1. O dinheiro como recurso social e político
É comum associar a riqueza apenas à dimensão do dinheiro, ou seja, ser rico é deter recursos econômicos e, com isso, poder comprar certos bens valorizados, como mansões, grandes apartamentos, carros, jatinhos, etc. Contudo, esse tipo de representação ignora uma dimensão fundamental da fortuna menos visível, que se trata do capital cultural e social, embora ambas as dimensões contribuam para determinar as posições altas e baixas dentro da sociedade (Pinçon e Pinçon-Charlot 2007).
Assim como a riqueza possui uma característica multidimensional que, algumas vezes, é ignorada, o aspecto familiar e coletivo é pouco abordado. É mais comum que os aspectos particulares e pessoais de um único indivíduo que tenha iniciado o processo de acúmulo sejam considerados, atribuindo-lhe uma “visão empreendedora” ou uma “capacidade única”, ao invés de que os processos de reprodução entre as gerações dessas famílias sejam considerados (Pinçon e Pinçon-Charlot 2007).
Considerar esses processos como capacidades individuais está associado ao próprio fortalecimento da ideologia liberal, que dissemina uma lógica meritocrática ao atribuir a posse de riquezas aos esforços pessoais. Nesse sentido, produz-se e opera-se a dimensão simbólica dos recursos, em que deter empresas, terras e dinheiro (capital econômico), frequentar importantes instituições de ensino e cursos tradicionais (capital cultural) e conhecer e ser reconhecido por pessoas socialmente valorizadas (capital social), não são mais percebidos como privilégios, relacionados com a distribuição desigual de recursos na estrutura social, mas sim enquanto capacidades e qualidades inatas e inerentes aos indivíduos (Pinçon e Pinçon-Charlot 2007).
Em termos gerais, quanto maior a autonomização dos espaços sociais, maior seriam os custos de conversão e reconversão de recursos entre esses espaços, onde as transformações se configurariam em uma estratégia de reprodução que está ligada com a lógica de “mudar para conservar”. Por outro lado, se esses limites são mais fluídos, existe uma grande possibilidade de esses deslocamentos entre diferentes espaços serem mais frequentes e, com isso, ocuparem diferentes posições de forma simultânea. Assim, a multiplicidade de posições que um agente pode ocupar se torna um importante indicador geral de poder dentro da superfície social, em que se tem a concentração de um volume com a diversificação da estrutura dos recursos sociais (Boltanski 1973; Bourdieu 1989).
Portanto, não é possível limitar o estudo dos grupos de elite somente ao capital econômico e ignorar a multidimensionalidade e a estratégia familiar presente neles, uma vez que esses grupos tendem a acionar diferentes estratégias de reprodução (por meio do acúmulo de diferentes espécies de capital -econômico, cultural, social e simbólico) para manter sua posição e para transmitir esses capitais a seus descendentes (Saint-Martin 2008).
Como coloca Lévêque (1996), considerar os profissionais políticos somente pela carreira e fileiras de recrutamento é insuficiente. Mesmo que o espaço político detenha certa autonomia, ele também reflete as lógicas sociais externas a ele. Assim, a possibilidade de se engajar na política depende de características sociais e recursos individuais que podem ser investidos na competição política. Portanto, as propriedades sociais particulares devem ser consideradas como variáveis sociologicamente pertinentes para a entrada, ou não, na política (Lévêque 1996).
Nesse quadro, a entrada no espaço político deve ser considerada como uma estratégia de diversificação de recursos e posições sociais, ou seja, um mecanismo de reprodução social. Entretanto, não existe a priori uma passagem direta, mecânica ou “natural” de determinados indivíduos para a política; dessa forma, a entrada no espaço político é o resultado de um processo de mobilização bem-sucedido de recursos sociais, que podem ter sido herdados ou adquiridos no decorrer da trajetória social e profissional, que são valorizados social e politicamente, tanto na apresentação para os eleitores como candidato que angaria votos quanto para o próprio espaço político entre os seus pares e profissionais da política.
O estudo de Dulong é um exemplo de como ocorreu a reconversão da competência econômica em competência política legítima, na Vª República francesa, procurando demonstrar os esforços desempenhados pelos economistas e engenheiros, detentores desse “saber”, “para transformarem suas qualidades singulares em princípios de ação pública, em qualidades universais que teriam valor na política, isto é, em normas tácitas de acesso ao campo de poder político” (Dulong 1996, 112; tradução minha).
A partir das discussões apresentadas, a proposta de análise neste trabalho pode ser estruturada em três eixos centrais. Em primeiro lugar, buscar apreender as bases sociais dos altos patrimônios econômicos detidos por esses 30 casos; para isso e para poder explicar a origem desses bens, é necessário considerar que as fortunas não são derivadas da atividade política em si e procurar as relações dos recursos econômicos com as origens familiares e as trajetórias profissionais.
Em segundo lugar, ao realizar uma pesquisa que tem como foco o patrimônio de recursos econômicos de deputados federais, existe a possibilidade de se identificar atividades empresariais, com posições dentro do espaço econômico, concomitantes com a atividade política, apontando para a multiplicidade de posições e recursos. Portanto, faz-se necessário caracterizar essa posição política, mas principalmente evidenciar o tipo de atuação e consolidação da carreira política nesses casos.
Por fim, tendo em vista o elevado patrimônio econômico dos casos em estudo, advindo de atividades externas à política, mas que está disponível simultaneamente com os cargos políticos eletivos desempenhados, é necessário considerar o seu peso em um momento crucial da democracia, que é o processo eleitoral e o financiamento das candidaturas, a partir da utilização desses recursos econômicos na campanha.
É importante frisar que os achados desta pesquisa estão restritos aos 30 casos aqui analisados, isto é, não se faz uma generalização a todos os políticos, ou mesmo aos 513 deputados federais. Contudo, mesmo com um universo limitado, o foco proposto por este trabalho pode contribuir tanto para estudos comparativos com outros países, ou outras clivagens dentro do Congresso, quanto para trazer informações sobre o peso de um patrimônio econômico elevado na atividade política em geral.
2. Desenho da Pesquisa e Métodos
Ao se trabalhar com casos relacionados a altos valores de bens, coloca-se em suspenso qualquer relação de determinação entre a posse de recursos econômicos e a ocupação de cargos políticos; por isso, é necessário analisar as possíveis diversificações e combinações com outros recursos sociais para além do econômico, sem desconsiderá-lo, já que isso seria problemático.
Para estruturar esta pesquisa, primeiramente foi realizada a coleta simples do montante declarado ao TSE,1 dos 513 deputados federais eleitos em 2014, tomando como universo empírico os 30 casos com maior patrimônio. É importante frisar que se está ciente das limitações dessas declarações de bens, no sentido de serem distintas das feitas para a Receita Federal, sendo possível suprimir bens e/ou atribuir valores abaixo do mercado; contudo, elas são um documento oficial, além disso não há outra fonte objetiva disponível com essas informações.
Iniciou-se a abordagem dos demais dados referentes aos casos, em duas frentes principais: i) as variáveis sociais e ii) as variáveis políticas. Em ambos os casos, os dados foram extraídos dos perfis biográficos disponíveis no site da Câmara dos Deputados,2 bem como dos verbetes encontrados no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (DHBB),3 elaborado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC).
As variáveis sociais podem ser elencadas então em três categorias, a primeira é origem familiar, na qual se procurou observar as características familiares, principalmente a sua relação com as atividades econômicas ou políticas, ou seja, se os seus antecessores, ou algum outro parente, já dispunham de determinados recursos importantes que poderiam ser passados como herança.4
Em segundo, está a posição social de cada um dos 30 casos, geralmente identificada pela profissão ou ocupação exercida antes da entrada na política,5 com dados referentes às trajetórias6 profissionais anteriores, em que mesmo a sua inexistência já é um dado importante, pois aponta para uma entrada rápida. Por outro lado, a existência de uma atuação profissional pode auxiliar na compreensão dos casos sem uma origem familiar elevada, que podem ter construído o seu patrimônio ao longo da vida. Da mesma forma, para os casos que detinham esses recursos de herança, também existe a possibilidade do aumento do patrimônio inicial.
Assim, a partir dessas variáveis que compõem os recursos sociais disponíveis por esses casos, é possível determinar de que modo foram se construindo os altos patrimônios econômicos disponíveis, contudo não existe apenas um padrão lógico, mas sim diferentes modalidades de combinação de recursos, que variam entre a presença e ausência de uma origem familiar elevada e de uma trajetória prévia à entrada na política.
É nesse sentido que, continuando a proposta do trabalho, serão analisados esses fatores sociais e a sua relação com as posições políticas, principalmente quanto ao primeiro cargo eletivo ocupado, às demais eleições vencidas e respectivos mandatos, e, por fim, ao financiamento eleitoral disponibilizado em 2014. É uma tentativa de identificar as influências possíveis e os reflexos desses recursos sociais prévios, no momento em que esses casos estão inseridos dentro do espaço político e/ou do mercado eleitoral. Por exemplo, a longevidade das carreiras políticas, o tipo de entrada na política, o padrão de cargos ocupados e os financiamentos recebidos para a eleição de 2014.
Por fim, existe uma pretensão em desenhar a pesquisa dessa forma, focada nos patrimônios econômicos disponíveis como recurso fundamental a ser analisado. Tudo indica que, nas próximas eleições, serão mantidos o financiamento público e o veto ao financiamento privado, no qual o peso do patrimônio econômico pessoal pode vir a ser determinante. Com isso, pretende-se analisar o financiamento privado, que já foi marcante nas eleições de 2016, e apontar alguns exemplos de autofinanciamento.
Mesmo se tratando de um universo de pesquisa reduzido, restrito aos 30 casos, em que não se realiza qualquer generalização, procurar identificar as bases sociais desse dinheiro, patrimônio econômico ou riquezas, é um trabalho muito frutífero, que não toma a política como um espaço fechado, pois, apesar de apresentar uma lógica própria, ela é condicionada pelas clivagens sociais e pelos recursos econômicos e culturais em disputa na sociedade.
Antes de entrar na discussão dos dados, a tabela seguinte apresenta os 30 casos que compõem o universo de pesquisa (tabela 1).
Nome | Partido | Unidade Federativa | Patrimônios |
---|---|---|---|
Alfredo Kaefer | PSL | Paraná | R$ 108.581.709,91 |
João Gualberto | PSDB | Bahia | R$ 68.224.677,60 |
Dâmina Pereira | PSL | Minas Gerais | R$ 38.827.718,16 |
Rodrigo Pacheco | PMDB | Minas Gerais | R$ 24.521.995,32 |
Edmar Arruda | PSD | Paraná | R$ 21.573.936,04 |
Magda Mofatto | PR | Goiás | R$ 20.972.443,86 |
Afonso Motta | PDT | Rio Grande do Sul | R$ 19.035.011,69 |
Misael Varella | DEM | Minas Gerais | R$ 18.746.099,70 |
Macedo | PP | Ceará | R$ 18.059.313,20 |
Leonardo Quintão | PMDB | Minas Gerais | R$ 17.896.869,33 |
Felipe Maia | DEM | Rio Grande do Norte | R$ 15.488.385,08 |
Sérgio Zveiter | PMDB | Rio de Janeiro | R$ 14.957.047,28 |
Jorge Côrte Real | PTB | Pernambuco | R$ 14.449.563,79 |
Paulo Magalhães | PSD | Bahia | R$ 14.046.149,19 |
Adail Carneiro | PP | Ceará | R$ 13.180.000,00 |
Marinaldo Rosendo | PSB | Pernambuco | R$ 13.026.174,80 |
Nelson Marquezelli | PTB | São Paulo | R$ 12.279.100,44 |
Dilceu Sperafico | PP | Paraná | R$ 12.246.244,09 |
Felipe Carreras | PSB | Pernambuco | R$ 11.707.580,1 |
Miguel Haddad | PSDB | São Paulo | R$ 11.383.318,30 |
Leopoldo Meyer | PSB | Paraná | R$ 11.009.212,61 |
Carlos Gaguim | PODEMOS | Tocantins | R$ 10.346.563,22 |
Bilac Pinto | PR | Minas Gerais | R$ 9.538.385,98 |
Bonifácio Andrada | PSDB | Minas Gerais | R$ 9.048.176,68 |
Izalci Lucas | PSDB | Distrito Federal | R$ 8.903.714,51 |
Genecias Noronha | SD | Ceará | R$ 8.745.029,24 |
Beto Mansur | PRB | São Paulo | R$ 8.617.036,00 |
Silvio Torres | PSDB | São Paulo | R$ 8.404.268,25 |
Celso Maldaner | PMDB | Santa Catarina | R$ 8.316.425,28 |
Cláudio Cajado | DEM | Bahia | R$ 7.876.713,48 |
Fonte: DivulgaCand 2014.
Nas partes seguintes deste artigo, primeiramente serão abordados os 13 casos em que foi possível relacionar as atividades econômicas dos deputados federais com a origem familiar, configurando assim relações de herança. O item seguinte abordará a trajetória profissional desses casos, na qual pode ser evidenciada a sua forte ligação com as atividades empresariais. Por último, será analisada a entrada desses indivíduos na política e sua carreira nela, além de ser verificado também o seu financiamento eleitoral de 2014, a fim de identificar seus principais doadores.
Contudo, antes de abordar as informações mais específicas da pesquisa, é de grande valia situar o montante de bens econômicos detidos por esses 30 deputados federais, pois, devido a esse recorte empírico, é possível identificar uma dupla clivagem: a desigualdade entre a elite política e o restante dos cidadãos, e a distinção dentro dessa própria elite, resultado dos altos patrimônios detidos.
A média dos bens declarados dos deputados federais eleitos em 2014 ao TSE é de aproximadamente R$ 2,5 milhões, e o montante total desses patrimônios é de quase R$ 1,2 bilhões. Apenas para situar esses valores com relação aos dos demais cidadãos, alguns estudos estimam que os indivíduos cujo patrimônio seja em torno de R$ 2,1 milhões já estejam entre o 1% dos mais ricos do mundo. Outro número relevante é o patrimônio médio do brasileiro em 2015: R$ 60 mil.7
Tratando dos 30 casos selecionados, com o maior patrimônio da Câmara para a 55ª Legislatura, o valor médio dos seus bens é de quase R$ 20 milhões, e a soma dos patrimônios de todos os analisados é de aproximadamente R$ 580 milhões. Ou seja, 30 deputados representam 6% das cadeiras na Câmara, mas seus bens econômicos somados chegam a um pouco menos de 50% do patrimônio total dos seus 513 componentes.
Apenas com esses dados iniciais, já é possível identificar as desigualdades econômicas existentes no interior da Câmara dos Deputados, entre os próprios eleitos, o que torna fundamental analisar os desdobramentos possíveis a partir desses patrimônios elevados. Nesse contexto e partindo dos elementos já coletados sobre o patrimônio econômico, optou-se por uma metodologia qualitativa; além disso, devido ao número reduzido de casos analisados, foi possível buscar uma maior quantidade de informações sobre estes.
Para ilustrar essas questões colocadas, a tabela seguinte apresenta três faixas de patrimônio, em que, na maior parte dos casos, o montante de seus bens está avaliado entre R$ 10 milhões a R$ 20 milhões (tabela 2) .
Faixa de patrimônio | N.º de casos |
Entre R$ 7 milhões e menos de R$ 10 milhões | 8 |
De R$ 10 milhões a R$ 20 milhões | 16 |
Mais de R$ 20 milhões | 6 |
Total | 30 |
Fonte: DivulgaCand 2014.
De acordo com Rodrigues (2002), ao analisar o patrimônio econômico da 51ª Legislatura (1999-2003), apenas 16% dos deputados declararam patrimônios superiores a R$ 2 milhões; ao cruzar essa informação com a variável ocupação/profissão, concluiu-se que o grupo mais ligado a atividades empresariais tende a ser o mais rico (Rodrigues 2002). Ou seja, apesar de não ser o foco do autor, Rodrigues (2002) não deixa também de afirmar que a entrada na política pode possibilitar o aumento do patrimônio econômico, mas que os dados coletados não apontam necessariamente para um enriquecimento por esse meio. Assim, ratifica-se a importância de considerar outros fatores, como a origem social dos deputados federais bem como a sua profissão/ocupação prévia.
Nesses termos, não é exagero afirmar a posição econômica elevada do universo que compõe este trabalho, visto que o menor patrimônio declarado é de quase R$ 8 milhões, o que indica a alta concentração de recursos econômicos dos 30 casos ante os seus próprios pares. Estas primeiras informações evidenciam a disponibilidade de um patrimônio de recursos econômicos; a partir disso, serão abordadas suas bases sociais.
3. Heranças e origem familiar
Os estudos sobre reprodução social que tem como foco os grupos dirigentes de diferentes esferas, ou “elites” políticas, mais especificamente, consideram de fundamental importância abordar a origem familiar dos casos que se pretende analisar. Ou seja, o meio familiar no qual se nasce é um indicador de posição social, principalmente ao se levar em conta que não são apenas os patrimônios econômicos que podem ser herdados pelos descendentes, de uma forma mais direta através de um testamento, mas também outros tipos de capitais, como o cultural e o político.8
Posto isso, neste tópico, serão apresentados de forma descritiva os recursos familiares para os casos aqui estudados, tomando como foco as atividades empresariais de seus ascendentes e demais parentes. Não se pretende tomar a origem familiar elevada como uma determinação para um tipo de trajetória social ou carreira política, mas sim como bens e trunfos sociais disponíveis, que podem ser acionados em um determinado momento da vida. Até porque os capitais sociais, diferentemente do econômico, não são transmitidos de uma forma direta, o que pode provocar maiores perdas e, inclusive, a não “utilização” destes.
Mesmo assim, identificar a existência de um meio familiar já voltado para a atividade econômica ou política é um importante indício da possibilidade dos “usos” dos recursos herdados, o que influencia na posição social dos casos que compõem o universo desta pesquisa. Ao buscar essas informações sobre os 30 casos, foi possível encontrar a presença de algum tipo de herança familiar em 14 destes, que serão descritos a seguir.
A dificuldade de identificar a relação familiar com as atividades empresariais se dá no momento da coleta de dados e da pesquisa, pois a falta de informações sobre essa posição está relacionada à, em primeiro lugar, discrição das “elites” com o seu patrimônio econômico, já que elas evitam ao máximo a sua divulgação. Em segundo lugar, por também se tratarem de políticos, é comum, nesse meio, uma narrativa pessoal de origem pobre ou “humilde”, mesmo que não condizente com a sua origem familiar.
Dito isso, no quadro seguinte, são apresentados os primeiros cinco casos, nos quais foi possível identificar apenas uma origem familiar relacionada a posições econômicas e não políticas. Os principais indícios dessa herança de atividade empresarial estão tabulados da seguinte forma: apresenta-se primeiramente o nome do deputado que compõe o universo da pesquisa, em seguida a relação de parentesco e atividade desempenhada pelo familiar, e, por último, a principal atividade econômica do caso abordado, para demonstrar a possível manutenção do empreendimento econômico (tabela 3).
Nome | Parentesco | Atividade familiar | Atividade pessoal |
---|---|---|---|
Carlos Gaguim | Pai | Agropecuária | Agropecuarista e empresário |
João Gualberto | Tios | Ramo de supermercados | Rede de supermercados |
Jorge Côrte Real | Pai | Construtora | Construtora |
José Macedo | Pai | Industrial | Industrial |
Silvio Torres | Pai | Transportadora | Transportadora |
Fonte: banco de dados do autor.
No caso de Carlos Gaguim, seu pai (Ramiro José Amorim) é apresentado como exercendo atividade rural, contudo não foi possível qualquer informação mais específica sobre o tamanho que representa esse empreendimento na renda familiar. De qualquer forma, pelo filho ser enquadrado como agropecuarista e ter declarado um lucro de R$ 2 milhões advindos de atividade rural, é possível identificar a existência da herança familiar, mesmo que seu pai não tenha sido um grande produtor rural.
Já João Gualberto aparece como fundador e dono de uma rede de supermercados, iniciando suas atividades com 12 lojas que, anteriormente, pertenciam à Rede PetiPreço, de seu tio Mamede Paes Mendonça. Seu outro tio, Pedro Paes de Mendonça, é apontado como pioneiro no ramo de supermercados do Brasil, fundador da Rede Bom Preço, uma das maiores redes varejistas do país. Esses dados corroboram para confirmar a atuação familiar no ramo de supermercados, através de grandes redes de lojas, mesmo sem a identificação de atuação de seu pai.
Nos últimos três casos, a origem familiar ligada à atividade empresarial foi possível de ser identificada, devido à herança direta da empresa do pai. Assim, nas declarações de bens de Jorge Côrte Real, José Macedo e Sílvio Torres, consta a administração e posse de empresas familiares fundadas por seus pais. O primeiro herda a empresa fundada pelo pai, que inclusive leva no nome as suas iniciais, A.B. Côrte Real & Cia Ltda (Austriclínio Borges Côrte Real), que atua no ramo da construção civil. O segundo é responsável pela administração da GM5, fundada pelo seu pai, que atua no ramo da indústria e comércio de matérias de infraestrutura. Por último, Sílvio Torres também vai herdar a administração da empresa Irga Lupércio Torres, fundada pelo seu Pai Lupércio Torres, que atua no ramo de transportes especiais, inclusive atuou no transporte de cargas superdimensionadas para a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu.
A partir desses dados, foi possível identificar os recursos familiares ligados às atividades empresariais que posteriormente serão herdadas, em especial, pelos filhos na continuidade da atuação no ramo econômico e/ou administrativo da empresa fundada pelos seus antecedentes. Com isso, é possível não só demonstrar que esses recursos econômicos familiares estão disponíveis, como também inferir uma origem familiar elevada, visto que nenhuma das atividades econômicas é de pequeno porte.
Por fim, estão os nove casos em que foi possível identificar pelo menos um parente próximo que esteve relacionado tanto a cargos políticos quanto a atividades empresariais, apontando para uma origem familiar elevada, que detém, pelo menos, duas dimensões de recursos sociais que estarão disponíveis para serem herdados por seus descendentes.
Constatou-se que é mais frequente que os recursos advenham do pai, ou ainda da família como um todo, com outros parentes que também detiveram recursos políticos ou econômicos. Em dois casos, há a relação de herança política com o irmão e, em outro caso, os recursos econômicos e políticos são do marido, ou seja, mesmo não se configurando uma relação entre descendentes geracionais, ainda assim o recurso é mobilizado dentro da família (tabela 4).
Nome | Herança econômica | Herança política |
---|---|---|
Beto Mansur | Pai | Pai |
Bilac Pinto | Pai | Avô e pai |
Celso Maldaner | Familiar | Irmão |
Dâmina Pereira | Marido | Marido |
Dilceu Sperafico | Familiar | Irmão |
Felipe Maia | Familiar | Familiar |
Leonardo Quintão | Pai | Pai |
Misael Varella | Pai | Pai |
Paulo Magalhães | Familiar | Familiar |
Fonte: banco de dados do autor.
O caso de Celso Maldaner e Dilceu Sperafico são bem semelhantes; a família de ambos detinha empreendimentos econômicos que garantiam a estabilidade para os seus membros e, inclusive, que seriam administrados por eles na vida adulta. A partir dessa base, o irmão mais velho de Celso, Casildo Maldaner, desempenharia uma carreira política que iniciou como deputado estadual, logo deputado federal, governador e, eleito para dois mandatos, como senador por Santa Catarina. Já Dilceu e seu irmão Dilso Sperafico entram na política juntos; o primeiro como deputado federal pelo estado do Paraná, onde a família detinha a sua empresa, enquanto seu irmão vai para o recém-criado estado do Mato Grosso do Sul, onde expande as fazendas da família e, posteriormente, é eleito como deputado federal por esse estado, no mesmo ano que o irmão.
Para Beto Mansur e Leonardo Quintão, a estabilidade econômica familiar já rendeu frutos políticos para seus pais. Paulo Jorge Mansur, pai de Beto, antes de entrar na política, fundou a Sociedade Rádio Cultura São Vicente em 1946, na Baixada Santista; foi eleito como deputado federal em 1962 e cassado pela ditadura em 1964. Já Sebastião Quintão, pai de Leonardo, é fazendeiro e pastor evangélico, foi prefeito de Ipatinga (estado de Minas Gerais), utilizando tanto as relações com a igreja quanto os recursos econômicos em suas campanhas, o que lhe rendeu um processo por abuso de poder econômico.
A relação familiar da única mulher desse grupo de “herdeiros” não se dá dentro do seu núcleo familiar, mas sim através do matrimônio, pois é o cônjuge de Dâmina Pereira, Carlos Alberto Pereira, que detém os recursos econômicos e políticos, reforçando o caráter masculino desses dois espaços, em que as mulheres ainda são minorias. Por exemplo, nesse caso, o patrimônio econômico familiar advém do Grupo CAP, sigla para Carlos Alberto Pereira, que atua com empreendimentos imobiliários, cujo patrimônio declarado pela deputada foi de aproximadamente R$ 34 milhões. O seu marido, que já havia sido prefeito de Lavras (estado de Minas Gerais), tem sua candidatura impugnada para a disputa como deputado federal nas eleições de 2014; assim, Dâmina o substitui, inclusive com o mesmo número nas urnas, e é eleita para o mandato 2015-2019.
Por fim, estão os casos mais representativos de origem familiar, tanto política quanto econômica, e suas possibilidades de transmitir os recursos como heranças, pois se tratam de sobrenomes tradicionais no país. Bilac Pinto advém de uma família tradicional de Santa Rita do Sapucaí (estado de Minas Gerais) e é neto de Olavo Bilac Pinto, que foi deputado federal, embaixador e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF); seu pai foi fazendeiro, deputado estadual e federal, assumiu cargos comissionados em secretarias e empresas estatais. Felipe Maia é filho de José Agripino Maia, que já exerceu três mandatos como senador, foi governador do Rio Grande do Norte por dois mandatos e detém concessões de rádio e televisão; seu Avô, Tarcísio de Vasconcellos Maia, também já havia exercido o mandato de deputado federal e governador. Misael Varella é filho de Lael Varella, ligado a atividades econômicas, foi líder ruralista, o que o levou a seguir carreira política e a ser eleito para sete mandatos consecutivos na Câmara dos Deputados, de 1987 até 2015, concorrendo então ao Senado e deixando seu filho como deputado federal. Paulo Magalhães é sobrinho de Antônio Carlos Magalhães, que foi senador, governador e ministro das comunicações de José Sarney, e seu pai também foi deputado federal pela Bahia. A família também controla uma série de concessões de rádio e televisão entre outros empreendimentos econômicos.
Neste tópico, foi possível demonstrar a disponibilidade de recursos econômicos de 14 casos, sendo que, em nove deles, também há a combinação com posições políticas. Ou seja, para quase metade desses deputados federais com maior patrimônio econômico, foi possível identificar uma origem familiar elevada, na qual diferentes parentes próximos já dispunham de empreendimentos econômicos, o que garantia certa estabilidade familiar, e já ocupavam cargos políticos importantes, o que favorecia uma entrada futura na política.
Na maioria dos casos, a existência dessas duas dimensões pode vir a garantir ao neto, filho, irmão ou esposa, uma herança de patrimônios sociais que só vem corroborar com a reprodução da posição social familiar. Cabendo, assim, aos 14 casos administrar e utilizar os recursos disponíveis dentro de suas carreiras e trajetórias prévias, com sua posição de largada muito à frente de outros concorrentes desfavorecidos, resultando na desigualdade de oportunidades entre eles.
4. Posição social e trajetória profissional
Uma segunda dimensão frequentemente abordada nos estudos sobre grupos dirigentes, ou “elites”, inclusive políticas, é a apreensão dos recursos sociais relacionados à posição social dos agentes e suas respectivas trajetórias profissionais. Nesse sentido, o foco não está mais na origem familiar e nas possibilidades de heranças, como no tópico anterior, mas sim nos recursos adquiridos pelo indivíduo em seu trajeto de vida e atividade profissional.
Como foi colocado anteriormente, ainda que a origem familiar e a herança de recursos garantam uma posição social de saída diferenciada, não determinam o tipo de trajetória que um membro ou herdeiro trilhará; portanto, há a necessidade de se buscar informações sobre os demais recursos adquiridos e posições sociais ocupadas dos casos individualmente. Além disso, deve-se considerar a possibilidade tanto de um aumento de recursos, comparados com os iniciais, quanto de um decréscimo, consequência das dinâmicas particulares dos caminhos trilhados por cada um.
Nesses termos, o quadro seguinte apresenta a principal atividade profissional desempenhada dos 30 casos aqui analisados, sendo possível demonstrar a forte ligação com o meio empresarial em diversos setores e ramos de 25 casos; os outros cinco casos acabam entrando na política precocemente, mas isso não impede a sua relação com as atividades empresariais, como será colocado em seguida (tabela 5) .
Nome | Entrada na política | Atividades profissionais | Empresa familiar |
---|---|---|---|
Adail Carneiro | 51 anos | Empresário comercial | Não |
Afonso Motta | 65 anos | Empresário rural e executivo de empresa | Não |
Alfredo Kaefer | 52 anos | Grande empresário | Não |
Beto Mansur | 38 anos | Empresário da comunicação | Sim |
Bilac Pinto | 32 anos | Produtor rural | Sim |
Bonifácio Andrada | 24 anos | Político | Não |
Carlos Gaguim | 31 anos | Produtor rural | Sim |
Celso Maldaner | 29 anos | Empresário comercial | Sim |
Claudio Cajado | 26 anos | Político e agropecuarista | Não |
Dâmina Pereira | 63 anos | Empresária da construção civil | Sim |
Dilceu Sperafico | 47 anos | Agropecuarista e empresário | Sim |
Edmar Arruda | 41 anos | Empresário imobiliário | Não |
Felipe Carreras | 40 anos | Empresário de produções artísticas | Não |
Felipe Maia | 34 anos | Executivo e empresário imobiliário | Sim |
Genecias Noronha | 38 anos | Empresário comercial | Não |
Izalci Lucas | 47 anos | Empresário imobiliário e de serviços | Não |
João Gualberto | 57 anos | Empresário comercial | Sim |
Jorge Côrte Real | 60 anos | Empresário da construção civil | Sim |
Leonardo Quintão | 26 anos | Político | Sim |
Leopoldo Meyer | 44 anos | Executivo e empresário da construção civil | Não |
Macedo | 55 anos | Empresário industrial | Sim |
Magda Mofatto | 45 anos | Empresária de hotelaria e turismo | Não |
Marinaldo Rosendo | 44 anos | Empresário comercial | Não |
Miguel Haddad | 26 anos | Político | Não |
Misael Varella | 56 anos | Empresário comercial e de serviços | Sim |
Nelson Marquezelli | 22 anos | Político e agropecuarista | Não |
Paulo Magalhães | 39 anos | Executivo e produtor rural | Sim |
Rodrigo Pacheco | 39 anos | Advogado e empresário comercial e de serviços | Não |
Sérgio Zveiter | 55 anos | Advogado e empresário imobiliário | Não |
Silvio Torres | 37 anos | Empresário de transportes e serviços | Sim |
Fonte: banco de dados do autor.
Para cinco casos analisados nesta pesquisa, a entrada na política para exercer o mandato de vereador antecede qualquer outra atividade profissional, devido à pouca idade em que atingem seu primeiro sucesso eleitoral. Assim, as posições profissionais se dão concomitantemente com a política e em momentos de afastamento das disputas eleitorais.
A carreira política de Cláudio Cajado e Nelson Marquezelli inicia cedo com o mandato de vereador, mas, em seguida, há um período em que não ocupam nenhum cargo eletivo. Esse tempo de ausência é menor para o primeiro, apenas de seis anos, enquanto o segundo chega a 28 anos, e ambos retornam como deputados federais, estando hoje em seu sexto e sétimo mandatos, respectivamente. Fora da política, suas atividades estão ligadas à agropecuária, Claudio Cajado através de sua empresa CCJ Agropecuária Ltda, responsável pelo cultivo de milho e soja, enquanto Nelson Marquezelli torna-se um dos maiores exportadores de suco de laranja do Brasil, associado a diferentes empresas ligadas ao ramo.
Nos outros três casos, as demais atividades profissionais sempre se deram conjuntamente com os cargos eletivos, visto que existe uma continuidade na carreira política. Portanto, todas as atividades como professor exercidas por Bonifácio Andrada são realizadas ao mesmo tempo que detém um mandato político, sendo que a sua prática docente também lhe rendeu a participação societária em duas instituições de ensino. Leonardo Quintão é proprietário de um escritório que realiza serviços de assessoria e consultoria empresarial, bem como serviços de contabilidade para empresas; é importante frisar que seu pai também ocupava posições políticas e econômicas, como demonstrado no item anterior. Por último, Miguel Haddad é apontado como um político veterano do PSDB, devido à sua longa carreira política, o que não o impede de diversificar suas atividades ao investir em empresas ligadas à construção civil e à urbanização.
Com isso, constata-se que, antes de assumirem cargos políticos, os 30 casos desempenharam outras atividades empresariais e profissionais, mantendo seus investimentos em empresas mesmo depois de eleitos, o que garante o montante elevado de seu patrimônio econômico.
A tendência dos casos em que as atividades empresariais estão relacionadas com empresas familiares é manter e diversificar suas atividades, como já foi tratado neste texto. Por isso, será dada ênfase sobre os demais casos, ainda não abordados, que também exercem sua atuação empresarial, contudo não foi possível identificar se essa atividade está relacionada com empresas familiares.
Dentro desses 11 casos, há algumas especificidades que merecem destaque, como, por exemplo, o caso de Alfredo Kaefer, que detém um patrimônio econômico declarado que supera os R$ 100 milhões, o que o torna o dono do maior montante de bens da Câmara de Deputados. Atuando no ramo da agroindústria e de exportação, foi diretor-presidente do Frigorífico Diplomata Industrial e Comercial, que, mais tarde, se tornou a sexta maior empresa de exportação de frango no Brasil. É proprietário da holding Kaefer Participações, que administra a Globo Aves, maior empresa brasileira no setor de ovos férteis. A partir dessa atividade, diversificou seus investimentos em outros setores como shopping center, supermercados, transportes e outras atividades agrícolas, formando um verdadeiro conglomerado de empresas.
Outra questão que merece destaque é a ligação de certos empreendimentos com o setor público. Como foi abordado anteriormente, o caso de Felipe Carreras, que detinha uma produtora de eventos acusada de ganhar licitações da prefeitura. Situação semelhante ocorreu com Adail Carneiro, empresário comercial dono de concessionárias e locadoras de veículos, denunciado porque uma das empresas ligadas a ele ganhou uma licitação de aluguel de veículos para a Câmara de Vereadores de Fortaleza (estado do Ceará), sobre a qual havia indícios de fraude. Adail Carneiro também é autor de um projeto de lei que legisla sobre as locadoras de veículos e a contração de serviços de transporte e locação pela administração pública, configurando um caso de política pública que o beneficia de forma privada.
Para Leopoldo Meyer, não existe, a princípio, qualquer indício de ilegalidade em seus empreendimentos, mas existe uma relação dele com o setor público. Atuou ao longo da vida como engenheiro civil e executivo de empresas, coordenando diversas obras privadas e públicas, principalmente em Curitiba e em São José dos Pinhais, ambas no estado do Paraná, com destaque para a sua atuação conjunta com a empresa Raphael Grecca & Filhos Ltda, político tradicional paranaense. É a partir dessas relações que Leopoldo deterá também atividades como empresário, proprietário da Engenharia L C Meyer, empresa que atuava na elaboração de projetos para a construção civil, já fora de atividade.
A vida como executivo de empresa privada também faz parte da trajetória de Afonso Motta, que só foi ocupar seu primeiro cargo eletivo aos 65 anos de idade, mesmo com origem familiar ligada à política. Atuou profissionalmente na RBS, concessionária da Rede Globo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, como responsável pela idealização de diversos projetos na empresa: a criação do canal Rural e a expansão das rádios para o interior do estado. Também atua na agropecuária, como dono de fazendas com gado e de atividade agrícola, no valor aproximado de R$ 7 milhões.
Em alguns casos, a ligação com o meio empresarial ocorre de forma mais sutil, como, por exemplo, Rodrigo Pacheco e Sérgio Zveiteir. Ambos declararam ser advogados no quesito ocupação, da ficha do TSE, e na profissão da biografia elaborada para o site da Câmara dos Deputados. Diferentemente dos outros casos que utilizam o diploma escolar para um posicionamento profissional, sem necessariamente exercer a atividade, esses dois deputados realmente atuaram como advogados ao longo de sua trajetória profissional. No entanto, ambos são donos de seus escritórios de advocacia. Ser sócio de um escritório já configuraria a relação com um empreendimento econômico, mas tanto Rodrigo Pacheco como Sérgio Zveiter também buscaram diversificar seus investimentos em outros ramos econômicos, como o comercial e imobiliário.
Assim, foi possível demonstrar a relação que esses 30 casos detêm com o meio empresarial, em que mesmo os que não advêm de família ligada às atividades econômicas, ao longo de sua trajetória profissional atuaram na administração de escritórios e empresas próprias ou como sócios, o que lhes garantiu o recebimento de lucros e dividendos que assegurarão a estabilidade econômica e a formação ou aumento de um patrimônio econômico composto por diversos bens.
Nesse contexto, os elevados patrimônios econômicos são derivados de atividades anteriores à política, ocorrendo a manutenção desses recursos após o sucesso eleitoral. Assim, as bases sociais dessa riqueza estão relacionadas com as posições profissionais, ou familiares, externas ao espaço político.
Não é intenção desta pesquisa relacionar a atividade empresarial, enquanto uma ocupação ou profissão, com a carreira política. Sobre essa temática, existem diversos trabalhos, como o caso de Codato, Costa e Massimo (2014), que procuram analisar as posições sociais de origem com o recrutamento político, além de proporem um modelo analítico na forma de um ranking de profissões que ofereceriam uma maior disposição para a política. Para o objetivo desta pesquisa, não estão em jogo as posições sociais, mas sim a questão da diversificação de recursos, que pode ser evidenciada pela manutenção do patrimônio econômico adquirido anteriormente à entrada na política.
5. Carreira política e financiamento de campanha
Nas duas seções anteriores, foi possível demonstrar a origem familiar e os recursos econômicos e políticos disponibilizados por parentes, possíveis de serem mobilizados pelos seus possíveis herdeiros e familiares desses deputados federais. Nesses casos, então, o patrimônio detido advém das relações familiares em que os recursos sociais vão se reproduzindo ao longo do tempo. Mesmo as situações em que não se identificou essa origem específica, ainda assim a posição social e trajetória profissional são elevadas, com o exercício de profissões e ocupações de destaque no meio empresarial, em diferentes ramos, o que garante um bom retorno econômico e de bens.
Além de toda a base social resgatada dos 30 casos, ainda existe a carreira política, ou seja, a chance de diversificarem o seu espaço de atuação com o sucesso eleitoral e, em consequência, a ocupação de cargos eletivos.
Assim, o último tópico deste trabalho abordará as carreiras políticas dos deputados em questão a partir da análise das informações relacionadas à idade de entrada na política (através do primeiro sucesso eleitoral), aos demais cargos eletivos ocupados e à quantidade de mandatos eleitorais exercidos. Por fim, serão expostos o custo da campanha eleitoral dessa mesma eleição e seus principais financiadores.
Este estudo não tem como foco a relação entre a profissão exercida e o seu impacto na carreira política, mas sim evidenciar a disponibilidade de recursos econômicos cuja base social é anterior ao cargo eletivo. Entretanto, existem estudos que relacionam a ocupação de empresários com o espaço político no Brasil, como, por exemplo, o de Costa, Costa e Nunes (2014), que analisam o recrutamento e a carreira política de empresários-senadores, e apontam para a possibilidade de se mobilizar uma posição econômica para se obter a entrada na política.
Sobre a entrada na política dos 30 casos em estudo, a principal característica é ocorrer na esfera municipal, ao todo são 14 casos que têm seu primeiro cargo eletivo nesse âmbito, o que corresponde a quase metade do universo estudado. O mandato de vereador é o mais representativo, com 10 casos na função como seu debut político. Também é o cargo principal dos casos que iniciam sua carreira antes dos 30 anos, como é possível evidenciar na tabela seguinte (tabela 6) .
Faixa etária | Característica | Casos |
---|---|---|
Menos de 30 anos | Legislativo Municipal | 5 vereadores e 1 prefeito |
De 30 a 39 anos | Municipal | 2 vereadores, 1 vice-prefeito, 1 prefeito, 2 deputados estaduais e 2 federais |
De 40 a 49 anos | Municipal | 3 vereadores, 1 prefeito, 1 deputado distrital e 2 deputados federais |
50 anos ou mais | Legislativo Federal | 1 deputado estadual e 8 deputados federais |
Fonte: banco de dados do autor.
Outra questão é o distanciamento das eleições estaduais, tanto no que se refere ao debut na política, com apenas três casos (2 estaduais e 1 distrital) que se inseriram na carreira a partir dessa esfera, quanto aos outros cargos eletivos ocupados no decorrer da carreira, pois, como será demonstrado adiante, são poucos casos com mandatos de deputado estadual/distrital.
Por fim, estão os 12 casos em que o primeiro sucesso eleitoral se dá na esfera federal como deputado, sendo o segundo tipo de entrada mais expressivo entre o universo aqui analisado. Desses, oito casos iniciarão sua carreira política com 50 anos ou mais; mesmo que seja uma entrada tardia, eles já se inserem no topo do Legislativo, ficando abaixo apenas do Senado. Ou seja, uma entrada política elevada, sem a ocupação de outros cargos eletivos nas demais esferas políticas.
Ao analisar o tipo de carreiras políticas desempenhadas, foi possível constatar uma grande frequência de mandatos eletivos na Câmara dos Deputados, seja dos que estão começando a sua carreira, já como deputados federais, seja dos que tiveram este como primeiro cargo e continuaram sendo reeleitos, ou mesmo os casos que iniciam na esfera local, com mandatos como prefeito e vereador, passando destes para a esfera federal, como deputados, sem ocupar qualquer mandato na esfera estadual.
A tabela seguinte categoriza os tipos de carreira política em que, primeiramente, existem oito casos que estão no início dela, ocupando seu primeiro mandato eletivo, mas já como deputado federal, o que reforça o colocado anteriormente. Em seguida, seis casos detêm uma carreira “local-federal”, caracterizada pelo início em cargos eletivos municipais, a reeleição ou manutenção nessa esfera e, mais adiante, a eleição para deputado federal, mantendo-se nessa posição. Outros três casos foram colocados na “estadual-federal”, seguindo a lógica da categoria anterior, mas substituindo a esfera local pela estadual. Outro tipo de carreira é a ascendente, com quatro casos, que pode ser definida pela ocupação de diferentes mandatos que seguem a sequência da esfera local para a estadual, para a nacional, galgando cada posição ao longo da sua vida política. Ainda existem dois casos em que há uma alternância da esfera local com a estadual em seus cargos, até chegar à Câmara dos Deputados; essa carreira é intitulada como pendular. Por último, estão sete casos em que suas carreiras são, predominantemente, como deputados federais, sendo reeleito, pelo menos uma vez, para mais um mandato (tabela 7).
Tipo de carreira | N.º de casos |
Iniciante | 8 |
Local - federal | 6 |
Estadual - federal | 3 |
Ascendente | 4 |
Pendular | 2 |
Federal | 7 |
Total | 30 |
Fonte: banco de dados do autor.
Existem trabalhos, como, por exemplo, de Marenco e Serna (2007), que analisam a relação entre recrutamento legislativo e tipo de carreiras desempenhadas no Chile, no Brasil e no Uruguai, apontando para uma lógica em que os casos que são dotados de recursos materiais têm menor dependência da estrutura partidária e seguem carreiras políticas laterais e descontínuas. Foi possível verificar uma carreira lateral em 19 casos analisados, dos quais12 já iniciam na política com um mandato de deputado federal, e outros sete que, após dois cargos eletivos posteriores à sua entrada na política, já conseguem ser eleitos para a Câmara Federal.
Por outro lado, a tendência dos casos aqui estudados é uma carreira política contínua, evidenciada pela ambição de se chegar ao cargo de deputado federal, e, uma vez eleito para este cargo, dificilmente ocorre o retorno para as posições políticas de outras esferas.
A partir da tabela 8, é possível demonstrar a existência consolidada dessa carreira, evidenciada pela quantidade de mandatos eletivos obtidos, em que a maioria dos casos detém de cinco a sete mandatos, sendo que a maior parte exerceu dois mandatos ou mais, inclusive com quatro casos com oito mandatos ou mais, ao longo de sua atividade na política. Também reforça o que foi colocado anteriormente, sobre a atuação na Câmara de Deputados, mesmo havendo 11 casos em seus primeiros mandatos na casa, quase metade do universo desta pesquisa obteve entre dois a quatro mandatos, o que vem a corroborar a média descrita no parágrafo anterior.
Mandatos eletivos | Na carreira política | Na Câmara de Deputados |
Menos de 2 mandatos | 8 | 11 |
De 2 a 4 mandatos | 8 | 14 |
De 5 a 7 mandatos | 10 | 4 |
8 ou mais mandatos | 4 | 1 |
Total | 30 | 30 |
Fonte: banco de dados do autor.
Assim, acrescenta-se aos demais recursos de origem familiar, posição social e trajetória profissional, a atividade política. Nesta, na maioria dos casos, existe uma carreira política que pode ser evidenciada pelos cargos em que foram eleitos, relacionando a sequência e a esfera dos mandatos eletivos exercidos, bem como a quantidade desses mandatos, que refletem o tempo dedicado ao espaço político. Por outro lado, os casos que estão iniciando sua atividade política já têm como primeiro cargo eletivo o de deputado federal, o qual pode ser considerado o topo do Legislativo Nacional, junto com o Senado Federal.
A partir desses dados, é possível identificar uma forte atuação em cargos políticos eletivos, com uma carreira política consolidada. Nesses termos, com exceção dos oito casos iniciantes, os demais não podem ser configurados como outsiders, ou “aventureiros”, existindo sim um processo de profissionalização política desses casos, evidenciada pela quantidade de mandatos ocupados. Portanto, pode-se afirmar que, mesmo exercendo a atividade política como principal ocupação, não é necessário o abandono dos recursos econômicos que advêm das atividades empresariais anteriores, o que corrobora a lógica de diversificação, e não de reconversão.
Para analisar a última questão proposta neste trabalho, foram tomados os dados referentes ao financiamento de campanha, desses 30 casos, nas eleições de 2014, com informações coletadas sobre o gasto total de campanha e os seus principais financiadores, a fim de encontrar indícios de financiamento próprio, seja por via de doações pessoais, seja através de suas empresas.
A tabela seguinte apresenta, nas linhas, as faixas do custo das campanhas; no geral, a média dos gastos de campanha dos deputados federais eleitos em 2014 foi de R$ 1,422 milhão. Dos casos aqui analisados, a maior parte teve um gasto acima de R$ 1 milhão, com seis casos que ultrapassaram os R$ 3 milhões em suas campanhas. Nas colunas, estão categorizados os principais financiadores da campanha, na qual o autofinanciamento englobou as doações próprias, tanto como pessoa física quanto jurídica, com as doações efetuadas por empresas em que o candidato é dono. Nas doações partidárias, foram considerados os repasses efetuados do diretório para o candidato, onde a origem desse dinheiro pode ter sido de empresas ou do fundo partidário. Já os casos colocados como financiamento via empresa é quando ocorre a doação direta da empresa para a campanha do candidato (tabela 9) .
Custo da campanha | Principal financiador | Total | ||
Autofinanciamento | Partido | Empresas | ||
Menos de R$ 1 milhão | 2 | 2 | 3 | 7 |
De R$1 milhão a menos de R$2 milhões | 5 | 5 | 2 | 12 |
De R$2 milhões a menos de R$3 milhões | 3 | 2 | - | 5 |
R$3 milhões ou mais | 5 | 1 | - | 6 |
Total | 15 | 10 | 5 | 30 |
Fonte: banco de dados do autor.
De acordo com Silva e Cervi (2017), no financiamento eleitoral em 2014, os recursos próprios foram responsáveis por 10,7% do montante das doações, ficando o partido como o principal doador (37,0%). O autofinanciamento da campanha eleitoral ocorreu em 15 casos, metade do total de 30 casos que compõem a pesquisa, ou seja, os próprios candidatos foram os seus principais doadores, com a participação de mais de 65% do valor das despesas, isso em qualquer uma das faixas. Por exemplo, na campanha de Sérgio Zveiter, a mais elevada dos casos analisados, o total de despesas foi de R$ 5,72 milhões, com doação pessoal de R$ 3,72 milhões.
O total de doações pessoais, via pessoa física ou empresas das quais o candidato é proprietário, chega a aproximadamente R$ 36 milhões, sendo que os gastos das 30 campanhas são de um pouco mais de R$ 60 milhões. Ou seja, praticamente metade desse valor vem do “próprio bolso” do candidato, mesmo que ele não se configure como o principal doador, pois existem ainda 10 casos em que o papel de financiador foi do partido.
Sobre esse ponto, constatou-se que o autofinanciamento é mais frequente para os candidatos em início de carreira ou com poucos mandatos já exercidos. Em contraposição com os candidatos que têm como seu principal financiador de campanha os seus partidos, os quais detêm uma carreira política mais consolidada e estão mais conectados com a estrutura partidária. Por exemplo, tomando a média de mandatos exercidos dos casos que se patrocinam, no geral, é de três cargos eletivos, enquanto para os que foram financiados pelos partidos, a média é de cinco mandatos.
Esses dados apontam para uma grande importância dos patrimônios econômicos na entrada na política, no sentido que a capacidade do autofinanciamento eleitoral dispensa o partido dos custos de bancar uma primeira candidatura de “novatos”, na qual a manutenção futura da carreira política, através de reeleições, pode vir a diminuir esse peso, à medida que se fica mais atrelado à estrutura partidária. Em todo o caso, este estudo foi realizado na eleição de deputados federais em 2014, quando ainda era legal a doação de empresas, e muitas delas fizeram doações aos diretórios partidários, que depois eram redistribuídas aos candidatos. Uma vez que já não há essa fonte, o patrimônio pessoal pode ser decisivo para as campanhas de 2018 e, nesse caso, não é mais possível contar com a estrutura partidária, que tende a arrecadar menos investimentos.
De qualquer modo, deter patrimônios econômicos superiores a R$ 10 milhões, para a maioria dos 30 casos aqui analisados, já garante a possibilidade de competir dentro do mercado eleitoral, com grandes chances de manter a sua carreira política. Fora que, mesmo em caso de fracasso político, os seus bens econômicos serão mantidos, pois estão relacionados com as atividades empresariais externas ao espaço político, desempenhadas, principalmente, antes de assumir o primeiro cargo eletivo. Ou seja, sua posição social elevada é conservada, mesmo com a possibilidade de sair do espaço político.
Conclusões
Este trabalho, em primeiro lugar, procurou construir um universo empírico que concentrasse dois recursos advindos de posições diferentes, mas que sua posse fosse simultânea, chegando então aos deputados federais eleitos em 2014 (espaço político) com maior patrimônio de bens declarados (espaço econômico). Ou seja, uma combinação de recursos sociais que os distancia dos demais cidadãos e dos seus próprios pares, os demais 513 deputados da Câmara.
O objetivo, a partir dos 30 casos tomados, foi apreender e demonstrar as bases sociais desses patrimônios econômicos elevados, concluindo que estão associados a atividades no meio empresarial, por meio das quais foi possível identificar a atuação desses deputados federais em empresas privadas de diferentes setores da economia. A atividade empresarial em 14 casos já estava relacionada com a origem familiar, constatada nas informações de parentes próximos que atuavam no mesmo ramo que os deputados, além da possibilidade de se herdar o empreendimento, ou seja, a forma mais direta de reprodução familiar. Para os outros casos, em que não se encontrou essa origem familiar, a trajetória profissional estava ligada à atividade empresarial, inclusive concomitantemente com a política, para os casos que tiveram um primeiro sucesso eleitoral cedo.
Além dessa posição elevada, também foi possível analisar os tipos de entrada e carreira política desempenhadas pelos casos estudados, em que, apesar de existir certo número de “novatos” na política, ainda no primeiro mandato eletivo, uma boa parte já está no seu terceiro mandato ou mais à frente. Nesse sentido, mesmo que sua atuação política seja forte e que exista uma carreira política consolidada, a tendência é a manutenção dos recursos econômicos adquiridos anteriormente à política, evidenciando a disponibilidade de diferentes recursos conjuntamente com a posição política.
Outro destaque foi o grande número de casos em que o principal financiador da campanha é o próprio candidato, seja através de doações enquanto pessoal física, seja através de suas empresas próprias. Inclusive em campanhas com um alto valor de custo, a participação da doação própria tende a representar 65% do total de gastos. Ainda foram identificados casos em que o próprio partido é o principal financiador da campanha, principalmente para os políticos com uma carreira mais consolidada, mas mesmo nesses casos estão presentes as doações próprias. Assim, é possível constatar o importante peso de se ter disponível alto patrimônio econômico, pois foi possível identificar o peso desses recursos nas doações próprias, o que tornou uma particularidade dos casos aqui analisados, como tendência geral das eleições de 2014.
Por fim, acredita-se que este tipo de análise pode trazer grandes ganhos para as abordagens sobre o mercado eleitoral, sobre a carreira política e acerca do financiamento de campanha, principalmente se permanecerem as atuais regras sobre financiamento de campanha, com a proibição de doação empresarial. Com esse cenário, existe uma probabilidade de os patrimônios pessoais adquirirem um peso ainda maior, não apenas na entrada na política, mas também na manutenção dessa carreira, através do investimento eleitoral e o seu sucesso por meio das reeleições.