O conceito da inteligência emocional foi originalmente proposto por Salovey e Mayer em 1990. De acordo com o modelo, a inteligência emocional é uma habilidade cognitiva que permite ao indivíduo processar e raciocinar sobre as informações emocionais e usá-las para tomar decisões adaptativas ao meio (Salovey & Mayer, 1990). Após algumas revisões, o construto foi definido como a capacidade de reconhecer os estados emocionais próprios e das outras pessoas, utilizar esses estados para facilitar o pensamento, compreender como as emoções surgem e transitam ao longo do tempo, e gerenciar as emoções visando o crescimento emocional e intelectual (Mayer et al., 2002).
Em 2016, os autores Mayer et al. (2016) com o intuito de esclarecer declarações sobre o conceito, forneceram argumentos sobre a natureza da inteligência emocional, atualizando a teoria e oferecendo outros novos princípios que embasariam o construto. Dessa forma, os autores também se posicionaram com mais clareza sobre a inteligência emocional ser considerada uma habilidade cognitiva, logo um tipo de inteligência e ser melhor mensurada por meio de testes de habilidades e que estaria em meio a outras inteligências quentes, que incluem as inteligências pessoais e sociais. Além disso, reformularam as descrições dos quatros fatores da inteligência emocional para uma melhor compreensão de cada uma, sendo elas: a) a percepção, avaliação e expressão das emoções; b) a emoção como facilitadora do pensamento; c) a compreensão e análise de emoções; e d) regulação de emoções em si e nos outros, sendo detalhadas a seguir.
O fator percepção, avaliação e expressão das emoções é compreendido como a capacidade de identificar expressões emocionais verdadeiras e manipuladas; discriminar as expressões emocionais precisas e imprecisas; entender como as emoções são exibidas dependendo do contexto e da cultura; expressar as emoções quando desejado; perceber o conteúdo emocional no ambiente (músicas, artes visuais); perceber emoções em outras pessoas através de suas pistas vocais, expressão facial, linguagem e comportamento; e identificar emoções em seus próprios estados físicos, sentimentos e pensamentos (Mayer et al., 2016).
A emoção como facilitadora do pensamento refere-se à influência das emoções nos processos cognitivos e à capacidade de utilizar essa informação para dirigir a atenção e o pensamento para as informações mais importantes, seja para solucionar problemas ou tomadas de decisão ou gerar emoções como ajuda ao julgamento e memória (Mayer et al., 2016).
O fator compreensão e análise de emoções diz respeito à capacidade de identificar e nomear as emoções e as relações entre elas, entender as emoções mais complexas e misturadas, saber diferenciar as nuances entre humor e emoção, reconhecer as transições entre emoções (por exemplo, quando se passa da raiva à satisfação), entender como uma pessoa pode se sentir no futuro ou sob certas condições, reconhecer as diferenças culturais na avaliação de emoções e determinar os antecedentes, significados e consequências das emoções (Mayer et al., 2016).
A regulação de emoções em si e nos outros diz respeito à capacidade de gerenciar as emoções em si próprio e nos outros para alcançar um resultado desejado; avaliar estratégias para manter, reduzir ou intensificar uma resposta emocional; monitorar as reações emocionais para determinar sua razoabilidade, ser receptivo a sentimentos agradáveis e desagradáveis e às informações que transmitem (Mayer et al., 2016).
Alguns modelos teóricos distintos emergiram para tentar explicar o conceito de inteligência emocional. O primeiro modelo explicativo foi o anteriormente apresentado, adotado para o presente trabalho, que compreende a inteligência emocional como um componente da inteligência e que deve ser mensurada por testes de desempenho máximo como o Mayer-Salovey-Caruso Emotional Intelligence Test (MSCEIT; Mayer et al., 2002). A partir desse modelo, concepções alternativas da inteligência emocional surgiram associando o construto a traços de personalidade. Um dos modelos mais atuais foi proposto por Petrides et al. (2007), chamado de modelo de traço inteligência emocional que é compreendido como sendo um conjunto de autopercepções, isto é, a qualidade com que o indivíduo percebe suas próprias capacidades emocionais, predominantemente relacionadas com traços de personalidade.
A partir do surgimento de outros modelos teóricos (inteligência emocional como capacidade cognitiva e modelo traço inteligência emocional), durante muito tempo, a discussão acerca da inteligência emocional ocorreu em torno de se o construto poderia ser considerado como um componente da inteligência ou se deveria ser entendido como um traço da personalidade, sendo levantada a crítica da fragilidade do conceito quando mensurado por testes de autorrelato, juntamente com direcionamentos inconsistentes de que poderia ser compreendido como um novo construto (Muniz & Primi, 2008).
Para tentar sanar as críticas e dúvidas sobre o conceito, alguns critérios foram levantados para que a inteligência emocional fosse considerada como um tipo de inteligência, sendo que o primeiro deles seria que o construto se correlacionasse positivamente com outras tarefas de inteligência (Mayer et al., 1999; Mestre et al., 2016) e que fosse melhor mensurado por meio de testes de desempenho (Mayer et al., 2016). Dessa maneira, partindo da ideia de que a inteligência emocional poderia ser considerada um tipo de inteligência, de acordo com o modelo de inteligência Cattell-Horn- Carroll (CHC), deveria observar uma ascendência da capacidade da inteligência emocional na infância e adolescência, atingir certa estabilidade na idade adulta e decair em idades mais avançadas (Mestre et al., 2016; Muniz & Primi, 2008).
Nesse sentido, existem estudos na literatura que demonstram que a inteligência emocional mensurada por testes de desempenho tende a se correlacionar mais positivamente com tarefas de inteligência do que com traços de personalidade (Di Fabio & Saklofske, 2014; Evans et al., 2020; Lanciano & Curci, 2014; MacCann et al., 2014). Já o traço inteligência emocional, mensurado por inventários de autorrelato, correlaciona-se mais com personalidade do que medidas de inteligência (Bracket & Mayer, 2003; Petrides et al., 2016; Woyciekoski & Hutz, 2010).
No entanto, de acordo com Muniz e Primi (2008), os testes de autorrelato são mais indicados para mensurar traços de personalidade e não a capacidade dos indivíduos, uma vez que mensuram descrições que as pessoas fazem de si mesmas e não sua capacidade de resolução de problemas. Ao partir dessa análise, alguns estudiosos apontam que as pessoas possuem baixo repertório para estimar o que realmente sabem sobre si e suas emoções (Brackett et al., 2006; Mayer et al., 2016; Muniz & Primi, 2008). Dessa forma, ao adotar que a inteligência emocional envolve a capacidade de utilizar as informações emocionais para resolução de problemas e pode ser considerada um tipo de inteligência (Mayer et al., 2016), parece adequado que instrumentos de desempenho máximo sejam utilizados para sua mensuração.
Ao levantar a questão se a inteligência emocional poderia estar relacionada aos traços de personalidade, estudos também buscaram investigar se a inteligência emocional pode estar associada a transtornos de personalidade. Alguns estudos sugerem que traços de personalidade como agressividade, ausência de controle de impulsos e desajustamento social podem estar relacionados com baixa capacidade de inteligência emocional, mais especificamente com os fatores: regulação de emoções, percepção de emoções e compreensão de emoções (Brackett et al., 2004; Lopes et al., 2003). Outros estudos, que utilizaram instrumentos de autorrelato e adotaram o modelo traço inteligência emocional, têm apontado que a inteligência emocional tem se correlacionado de maneira significativa e negativa com transtornos de personalidade, mais especificamente com a compreensão e regulação de emoções (Gardner & Qualter, 2009; Ling et al., 2018; Peter et al., 2017). Estes estudos também têm indicado que os fatores percepção de emoções e facilitação do pensamento do MSCEIT não correlacionaram significativamente com os transtornos de personalidade (Gardner & Qualter, 2009; Ling et al., 2018; Peter et al., 2017).
Outro parâmetro para a inteligência emocional ser considerada como parte da inteligência está relacionado ao critério da idade, ou seja, deveria ser observável que o construto apresentasse ascendência na infância, atingisse certa estabilidade na idade adulta a partir dos 25 anos e declinasse em idades mais avançadas (entre 50 a 60 anos) (Cabello et al., 2014; Mestre et al., 2016). O estudo de Moreira et al. (2012) investigou a habilidade de compreensão emocional em crianças entre 3 e 8 anos e constataram que a capacidade de compreensão emocional tem crescimento de acordo com o avanço da idade. Outros estudos têm apontado que, quando pessoas mais velhas são comparadas com jovens adultos (a partir dos 25 anos até a faixa dos 45 anos; Mestre et al., 2016), é possível identificar que pessoas com idades mais avançadas apresentaram menores pontuações no escore total da inteligência emocional, gerenciamento de emoções e percepção de emoções em relação aos jovens adultos, indicando que a inteligência emocional e seus fatores têm crescimento de acordo com a idade e declina em idades mais avançadas (Cabello et al., 2014; Fernández-Berrocal et al., 2012).
Embora o quesito sexo não seja um critério diferencial para considerar a inteligência emocional como um componente da inteligência, Mayer et al. (2008) apontaram em seu estudo que as mulheres apresentaram melhor capacidade de inteligência emocional em relação aos homens. Alguns estudos demonstraram que as mulheres obtêm uma pontuação significativamente maior que os homens no escore total de inteligência emocional e no que se refere a cada um de seus quatros ramos: percepção de emoções, facilitação do pensamento, compreensão de emoções e gerenciamento de emoções (Cabello et al., 2016; Fernández-Barrocal et al., 2012; Navarro-Bravo et al., 2019; Salguero et al., 2012). No entanto, há estudos que indicaram que não há diferença entre os sexos na capacidade de percepção emocional (Fischer et al., 2018; Ross et al., 2014).
O foco do presente estudo foi no fator percepção de emoções da inteligência emocional devido a busca de evidências de validade para o Teste Informatizado de Percepção de Emoções Primárias (PEP), que avalia a percepção emocional por meio de desempenho máximo, considerando-a como uma capacidade cognitiva. O PEP foi construído com a proposta de avaliar a percepção de emoções utilizando vídeos de rostos de pessoas e não por meio de fotografias estáticas como comumente utilizado para avaliar as expressões faciais emocionais. Um dos objetivos da construção do PEP foi para se ter novas formas de avaliar o fator (Miguel & Primi, 2014). É importante salientar que o PEP foi embasado no modelo cognitivo da inteligência emocional e teoria psicoevolucionista de Plutchick (2002), que propõe o reconhecimento de oito emoções primárias: alegria, aceitação, amor, medo, surpresa, tristeza, nojo, raiva, e expectativa ou curiosidade.
Alguns estudos já se propuseram a investigar essas evidências de validade para os instrumentos de inteligência emocional avaliada por desempenho máximo, como a Escala Multifatorial de Inteligência Emocional (MEIS; Mayer et al., 1997) e o Mayer-Salovey-Caruso Emotional Intelligence Test (MSCEIT; Mayer et al., 2002). O MEIS foi o primeiro instrumento elaborado para mensurar a inteligência emocional por desempenho e foi aprimorado pelo MSCEIT (Mayer et al., 2002) para superar problemas observados, como por exemplo, sobre a inconsistência entre os sistemas de pontuações no MEIS (Roberts et al., 2001) que foi solucionado pelo MSCEIT, uma vez que as correlações entre as pontuações sejam por um ou por outro método atingem valores ao redor de 0.90 (Primi et al., 2006).
O MEIS é um instrumento composto por 12 tarefas que visam investigar os quatro fatores da inteligência emocional, sendo: identificação das emoções, utilização das emoções, compreensão das emoções e gerenciamento das emoções (Bueno & Primi, 2003; Mayer & Salovey, 1997). Já O MESCEIT tem uma proposta organizativa um pouco diferente do MEIS, constituído por 141 itens, dividido em duas áreas: a experiencial que abrange os fatores percepção de emoções (subteste Faces e Paisagem) e facilitação do pensamento (subteste Facilitação e Sensações) e a estratégica que engloba os fatores compreensão de emoções (subteste Transições e Misturas) e gerenciamento de emoções (subteste Administração de Emoções e Relações Emocionais).
Nos instrumentos MEIS e MSCEIT o fator percepção de emoções é mensurado por meio de dois subtestes: Faces e Paisagem. Como o MSCEIT é a versão atualizada do MEIS, os subtestes Faces e Paisagem serão descritos de acordo com essa versão. O subteste Faces é constituído por quatro grupos de itens com cinco respostas cada. A tarefa desempenhada pelos participantes está relacionada a verem várias faces e para cada uma determinar numa escala de cinco pontos o grau de emoção presente na face. O subteste Paisagem abrange seis grupos com cinco respostas cada e os participantes indicam o quanto de emoção está presente em uma paisagem ou desenho abstrato (Muniz, 2006). A seguir serão relatadas pesquisas, porém com mais ênfase para o fator da percepção das emoções.
No estudo de Bueno e Primi (2003) utilizando o MEIS para verificar a relação com o Raciocínio Verbal e Espacial (RV e RE) da Bateria de Provas de Raciocínio (BPR-5) e com os 16 Fatores da Personalidade, encontrou-se correlação positiva e significativa entre o subtestes Faces e o Fator B Inteligência do 16 PF (r = 0.32). Em outros estudos com o MSCEIT, houve correlação positiva entre o subteste Faces (que avalia a percepção de emofw) e os subtestes da BPR-5 Raciocínio Abstrato (r = 0.25 a 0.29), Raciocínio Espacial (r = 0.34), Raciocínio Verbal (r = 0.21) inteligência cristalizada (r = 0.22), inteligência fluida (r = 0.14) e entre o subteste Paisagem (avaliação da percepção de emoções) e os subtestes Raciocínio Abstrato (r = 0.24 a 0.30), Raciocínio Verbal (r = 0.19 a 0.22) e Raciocínio Numérico (r = 0.21) da BPR-5 (Cobêro et al., 2006; Farrelly & Austin, 2007; Jesus Junior & Noronha, 2007; Karim & Shah, 2014).
O estudo de MacCann et al. (2014) correlacionou o MSCEIT com uma extensa bateria de avaliação cognitiva e encontraram coeficientes de correlação para o fator Faces entre 0.09 a 0.27 e para o fator Paisagem entre 0.11 a 0.43. No entanto, outros estudos têm indicado que não há correlações entre a capacidade de perceber emoções do MSCEIT e as tarefas de inteligência (Evan et al., 2019; Lanciano & Curci, 2014; Pardeller et al., 2017).
Em relação aos traços de personalidade, os resultados da correlação do MSCEIT com o Questionário Dezesseis Fatores da Personalidade (16 PF) mostram correlações positivas entre o subteste Faces e o subteste Inteligência - B (r = 0.25); o subteste Paisagem e Administração de Imagem - AI (r = 0.22), Estabilidade Emocional - C (r = 0.20 a 0.23), Autocontrole - V (r = 0.19) e Imaginação - M (r = -0.19) (Cobêro et al., 2006; García-Sandcho et al., 2016; Karim & Shah, 2014; Lanciano & Curci, 2014). No entanto, o estudo de Muniz e Primi (2008) evidenciou que não houve correlações significativas entre o teste projetivo Rorscharch e os subtestes Faces e Paisagem do MSCEIT.
No que diz respeito a idade, estudos sugerem que a capacidade de perceber emoções segue a mesma trajetória de desenvolvimento da inteligência, indicando uma ascensão na infância, com certa estabilidade na idade adulta e declínio em idades mais avançadas (Cabello et al., 2014, 2016; Fernández-Berrocal et al., 2012; Oliveira et al., 2015).
Especificamente com o PEP, Miguel, Ogaki et al. (2013), buscaram correlacionar o teste com as provas RA e RV da BPR-5 e os resultados apontaram que o escore geral do PEP correlacionou-se com o Raciocínio Abstrato (r = 0.31 a 0.36) e Raciocínio Verbal (r = 0.32 a 0.38), tanto paras as pontuações brutas quanto por modelo de Rasch. Os escores fatoriais também apresentaram correlações (r = 0.25 a 0.35) com os instrumentos de inteligência, nas duas formas de pontuação. É importante ressaltar que esses resultados corroboram com a literatura indicando que um instrumento de avaliação de inteligência emocional, ou os fatores desse construto, deveriam se correlacionar com outras medidas de inteligência (Miguel, Ogaki et al., 2013).
Miguel, Finoto e Miras (2013) buscaram investigar a relação entre o PEP e o Inventário Dimensional Clínico da Personalidade (IDCP) que mensura traços patológicos da personalidade. As correlações significativas (p>0.05) ocorreram entre o fator Dependência com o escore geral do PEP (r = 0.15), fator emoções negativas (r = 0.19) e o fator emoções apreciativas (r = 0.14); Excentricidade com emoções negativas (r = 0.16); e Impulsividade com fator emoções apreciativas (r = 0.18). Quando comparados com as pontuações de Rasch, as correlações se deram entre: Fator Dependência com escore geral do PEP e emoções negativas (r = 0.15); Isolamento com emoções negativas (r = 0.16); e Impulsividade com emoções positivas (r = 0.14). Esses resultados sugerem a divergência entre o PEP e o IDCP, indicando que os instrumentos mensuram construtos diferentes e pouco relacionados.
Os estudos supracitados mostram que o fator percepção de emoções da inteligência emocional tem se correlacionado de maneira fraca a moderada com as tarefas de inteligência e com poucas correlações com os traços de personalidade, dados que possibilitam compreender um pouco mais sobre o construto (Bueno & Primi, 2003; Cobêro et al., 2006; Jesus Junior & Noronha, 2007; Karim & Shah, 2014; Miguel, Finoto & Miras, 2013; Miguel, Ogaki et al., 2013; Muniz & Primi, 2008). No entanto, as pesquisas sobre a inteligência emocional e seus fatores estão longe de serem esgotadas. Dessa forma, justifica-se a importância do presente estudo, pois ao buscar evidências de validade e boas qualidades psicométricas para o PEP amplia-se as possibilidades de avaliar a percepção de emoções e promove-se um avanço nas pesquisas sobre o tema, contribuindo significativamente para a construção de uma literatura científica sólida sobre esse construto.
Assim, o presente trabalho teve como objetivo buscar evidências de validade baseada nas relações com outras variáveis: convergente, discriminante e teste-critério para o PEP relacionando-o com as mesmas variáveis externas dos estudos anteriores como inteligência, personalidade e traços patológicos da personalidade (Miguel & Primi, 2010; Miguel, Finoto & Miras, 2013; Miguel, Ogaki et al., 2013), a partir de uma nova amostra populacional. Para isso, utilizou-se a Bateria Fatorial de Personalidade (BFP), o Inventário de Dimensional Clínico de Personalidade versão 2 (IDCP-2) e os subtestes Raciocínio Verbal (RV) e Raciocínio Abstrato (RA) da BPR-5. Com base na literatura previamente apresentada, o PEP está fundamentado na teoria da inteligência emocional como um processo cognitivo, então levanta-se as seguintes hipóteses: 1) a percepção emocional tem crescimento ascendente em crianças e adolescentes, atinge uma certa estabilidade a partir dos 25 anos até os 60 anos e decai a partir dessa idade, porém para o presente estudo deveria ser observável que o grupo de faixa etária jovem apresente médias mais altas no PEP em comparação com o grupo de faixa etária mais avançada, uma vez que o grupo crianças e adolescentes não foram avaliados (evidência de validade teste-critério); 2) a percepção emocional das mulheres é melhor em relação aos homens (evidência de validade teste-critério); 3) há correlação significativa positiva, leve a mediana entre a percepção emocional (PEP) e a inteligência fluida (RA e RV) (evidência de validade convergente); 4) há correlações baixas entre percepção emocional (PEP) e traços de personalidade (BFP) (evidência de validade discriminante); e 5) há correlações baixas entre percepção emocional (PEP) e traços patológicos de personalidade (IDCP-2) (evidência de validade discriminante).
Método
Participantes
Participaram do estudo 491 pessoas com média de idade de 28.42 anos (DP = 9.59), sendo o mínimo 18 e máximo de 59.1 anos. Foram 247 (50.3 %) participantes do sexo masculino e 244 (49.5 %) do sexo feminino. Em relação à escolaridade 36.5 % relataram estar cursando o ensino superior, 13 % concluíram o ensino superior, 23.6 % possuíam o ensino médio completo, 5.1 % estavam cursando o ensino médio, 0.8 % tinham ensino fundamental completo, 0.4 % estavam cursando o ensino fundamental e 8.6 % relataram ter pós-graduação e 4.9 % estavam cursando a pós-graduação e 7.1 % não responderam à essa questão. Todos os participantes responderam ao PEP (491 participantes = 247 homens e 244 mulheres) e pelo menos mais um teste. Assim, o Grupo 1 respondeu o PEP e o subteste RA da BPR-5 (132 participantes = 67 homens e 65 mulheres), o Grupo 2 respondeu o PEP e o subteste RV da BPR-5 (123 participantes = 67 homens e 56 mulheres), o Grupo 3 respondeu o PEP e a BFP (116 participantes = 59 homens e 57 mulheres) e o Grupo 4 respondeu o PEP e o IDCP-2 (120 participantes = 54 homens e 66 mulheres). A tabela 1 apresenta a quantidade de participantes por região e por testes.
Variáveis | ||||
---|---|---|---|---|
Regiões | RA (%) | RV (%) | BFP (%) | IDCP-2 (%) |
Sudeste | 56 (42.5) | 63 (51.1) | 67 (57.8) | 47 (39.3) |
Sul | 20 (15.1) | 26 (21.1) | 23 (19.8) | 28 (23.3) |
Nordeste | 15 (11.5) | 19 (15.3) | 17 (14.7) | 23 (19.1) |
Centro-oeste | 11 (8.3) | 11 (9) | 7 (6) | 12 (10.1) |
Norte | 30 (22.8) | 4 (3.2) | 2 (2.6) | 10 (7.5) |
De acordo com a tabela 1, a maior parte dos participantes da pesquisa se concentrou na região Sudeste (47.5 %), sendo o estado de São Paulo que apresentou maior número de respondentes (25.5 %) e o único estado brasileiro que não respondeu a pesquisa foi o Amapá.
Instrumentos
a. Teste Informatizado de Percepção de Emoções Primárias (PEP)
O PEP é um teste informatizado e aplicado via internet composto por 38 vídeos de pessoas expressando emoções como alegria, amor, medo, surpresa, tristeza, nojo, raiva e curiosidade. Estudos iniciais indicaram que o teste apresenta precisão adequada entre 0.60 e 0.70, principalmente em relação ao teste-reteste, e as pontuações de Rasch apontam entre -3.40 a 4.20 demonstrando boa adequação (Miguel & Primi, 2010; 2014). No presente trabalho, foi utilizado o fator geral do PEP por apresentar maior nível de precisão e ser o escore utilizado e indicado em outras pesquisas realizadas com o teste. O fator geral diz respeito à capacidade total de percepção das oito emoções básicas. A precisão do PEP nesta pesquisa foi de 0.67.
b. Bateria Fatorial de Personalidade (BFP)
A BFP (Nunes et al., 2009) é um inventário de autorrelato embasado no modelo dos Cinco Grandes Fatores da personalidade, referido na literatura como Big Five. A personalidade é descrita por meio dos cinco fatores e subfatores: Neuroticismo que diz respeito ao nível de ajustamento emocional (subfatores N1 - Vulnerabilidade, N2 - Instabilidade Emocional, N3 - Passividade/Falta de Energia, N4 - Depressão); Extroversão que refere-se a quantidade e intensidade das interações sociais que um indivíduo pode ter (subfatores E1 - Comunicação, E2 - Altivez, E3 - Dinamismo, E4 - Interações Sociais); Socialização indica a qualidade das relações interpessoais (subfatores S1 - Amabilidade, S2 - Pró-Sociabilidade, S3 - Confiança); Realização que está relacionado a capacidade do indivíduo de organização, persistência, controle e motivação para alcançar seus objetivos (subfatores R1 - Competência, R2 - Ponderação/Prudência, R3 - Empenho/ Comprometimento); Abertura para experiências que é caracterizada por comportamentos exploratórios e o reconhecimento de exposição a novas experiências (subfatores A1 - Abertura a Novas Ideias, A2 - Liberalismo, A3 - Busca por Novidades). Os índices de precisão dos escores que compõem o fator Neuroticismo variaram entre 0.75 a 0.91; do fator Extroversão, entre 0.66 e 0.90; do fator Socialização, entre 0.72 e 0.82; do fator Realização, entre 0.65 e 0.82; do fator Abertura, entre 0.68 e 0.82.
c. Bateria de Provas de Raciocínio (BPR-5)
A Bateria de Provas de Raciocínio foi construída e validada por Primi e Almeida (2000), é composta por cinco provas, mas no presente trabalho será descrito apenas o Raciocínio Abstrato (RA) e Raciocínio Verbal (RV), pois são subtestes utilizados em nosso estudo. A Prova de Raciocínio Abstrato (RA) é composta por 25 itens, responsável por avaliar a capacidade de estabelecer relações abstratas em situações novas, compreendê-las e criar conceitos. A Prova de Raciocínio é elaborada por 25 itens que buscam avaliar a extensão de vocabulário e a capacidade de estabelecer relações abstratas entre conceitos verbais. Para a presente pesquisa foi utilizada a versão informatizada dos subtestes RA e RV. A precisão de RV foi de 0.71 e de RA foi de 0.83.
d. Inventário Dimensional Clínico da Personalidade versão 2 (IDCP 2)
O IDCP-2 (Carvalho & Primi, 2011) é composto por 12 dimensões da personalidade, sendo elas: dependência, agressividade, instabilidade de humor, excentricidade, necessidade de atenção, desconfiança, grandiosidade, isolamento, evitação à crítica, autossacrifício, conscienciosidade e impulsividade. O fator dependência está relacionado à crença na incapacidade de tomar decisões por si só; a agressividade refere-se a falta de consideração do outro nas reações para obter o que deseja; a instabilidade de humor é a tendência a humor triste e irritável ou oscilações; a excentricidade diz sobre as expressões idiossincráticas de comportamentos; a necessidade de atenção é a busca exagerada por atenção dos outros; a desconfiança está ligada a preocupação em ser enganado e que os outros têm segundas intenções; a grandiosidade é a necessidade exagerada de admiração pelos outros; o isolamento é a preferência por ficar sozinho e evitar contatos sociais; evitação à crítica se caracteriza pela crença em ser humilhado pelos outros por ser incapaz; o autossacrifício é o auxílio exagerado dos outros em detrimento de si próprio; a conscienciosidade refere-se a preocupação em fazer as coisas da maneira mais organizada possível; e a impulsividade diz sobre reações impulsivas e inconsequentes (Miguel, Finoto & Miras, 2013). Os índices de precisão das 12 dimensões variaram entre 0.82 a 0.93.
Procedimento
A divulgação da pesquisa ocorreu após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 207867.8.0000.5231), por meio de redes sociais e solicitação aos participantes iniciais indicar para outras pessoas. Aqueles que demonstraram interesse em participar da pesquisa foram apresentados ao termo de consentimento. Após a concordância com a participação, os participantes tiveram acesso aos instrumentos da pesquisa, alocados em um sistema online para aplicação informatizada. Apenas a BFP foi aplicada pessoalmente, no Laboratório de Avaliação e Pesquisa Psicológica (LAPPSÍC) da Universidade Estadual de Londrina.
Análise de dados
Todas as informações foram organizadas em banco de dados para análise estatística, sendo o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 23. Inicialmente, foram feitas as análises de distribuição de normalidade da amostra por meio do teste estatístico de Shapiro-Wilk para determinar se os dados seriam analisados por estatísticas paramétricas ou não-paramétricas.
A análise de Shapiro-Wilk indicou que o PEP, RA, RV, os fatores Dependência, Agressividade, Instabilidade de Humor, Excentricidade, Desconfiança, Isolamento, Evitação à Críticas, Autossacrifício e Impulsividade do teste IDCP-2 e os fatores N1, N4, S1, S2, R1, R2, A2 da BFP não seguiram uma distribuição normal, enquanto os fatores Necessidade de Atenção, Grandiosidade e Conscienciosidade do IDCP-2 e os fatores N3, Neuroticismo, E1, E2, E3, E4, Extroversão, S3, Socialização, R3, Realização, A1, A3 e Abertura da BFP não seguiram uma distribuição normal.
Diante dos resultados das análises do teste de normalidade Shapiro-Wilk, optou-se por analisar os dados da amostra de forma não-paramétrica, uma vez que a maioria dos testes não seguiram um padrão de normalidade. Para a hipótese que afirma que a inteligência emocional tem crescimento ascendente e decai com a idade foi utilizado o teste não-paramétrico de Mann-Whitney para avaliar as diferenças de médias das faixas etárias dos grupos de 18 a 35 anos, de 36 a 50 anos e >50 anos.
Para a hipótese que afirma que as mulheres têm melhor desempenho na capacidade de perceber as emoções primárias quando comparado aos homens foi utilizado o teste estatístico U de Mann Whitney (para avaliar as diferenças de médias entre o grupo feminino e masculino), considerando o nível de significância de p ≤ 0.05 (Dancey & Reidy, 2018). Para investigar a correlação entre o PEP e os instrumentos BFP, IDCP e subtestes RA e RV da BPR-5 foi utilizado o coeficiente da correlação de Spearman. Os níveis de magnitudes das correlações foram considerados leve entre 0.10 e 0.29; mediano entre 0.30 e 0.49; forte entre 0.50 ou acima (Cohen, 1992; Hemphill, 2003; Vacha--Haase & Thompson, 2004). Utilizou-se o nível de significância p ≤ 0.05 como estatisticamente significativa para todos os testes de correlação (Dancey & Reidy, 2018).
Resultados
Inicialmente foram realizadas as estatísticas descritivas das variáveis PEP, RA e RV da BPR-5, BFP e IDCP-2. A tabela 2 ilustra os dados referentes à pontuação geral dos testes aplicados no estudo. Após, os resultados serão apresentados de acordo com as hipóteses levantadas no presente estudo.
Variáveis | N | Média | DP | Mediana | Média normativa |
---|---|---|---|---|---|
PEP | 491 | 0.07 | 0.99 | 0.02 | |
RA | 132 | 108.77 | 4.31 | 20.00 | 18.27 |
RV | 123 | 103.50 | 3.48 | 19.00 | 17.75 |
BFP | |||||
Neuroticismo | 116 | 3.89 | 1.06 | 3.88 | 3.19 |
N1 | 116 | 3.95 | 1.28 | 4.00 | 3.49 |
N2 | 116 | 4.14 | 1.43 | 4.16 | 3.68 |
N3 | 116 | 4.27 | 1.29 | 4.33 | 3.45 |
N4 | 116 | 3.20 | 1.41 | 3.00 | 2.33 |
Extroversão | 116 | 4.05 | 1.05 | 3.92 | 4.34 |
E1 | 116 | 3.86 | 1.40 | 3.66 | 4.28 |
E2 | 116 | 3.71 | 1.14 | 3.66 | 3.67 |
E3 | 116 | 4.31 | 1.23 | 4.40 | 4.79 |
E4 | 116 | 4.34 | 1.43 | 4.28 | 4.82 |
Socialização | 116 | 5.04 | 5.11 | 0.73 | 5.30 |
S1 | 116 | 5.72 | 0.77 | 5.83 | 5.30 |
S2 | 116 | 5.32 | 1.07 | 5.50 | 5.59 |
S3 | 116 | 4.07 | 1.13 | 4.06 | 5.59 |
Realização | 116 | 4.86 | 0.81 | 4.85 | 4.73 |
R1 | 116 | 4.83 | 1.10 | 4.90 | 4.96 |
R2 | 116 | 4.90 | 1.24 | 5.00 | 5.17 |
R3 | 116 | 4.86 | 1.06 | 5.00 | 4.78 |
Abertura | 116 | 4.77 | 0.85 | 4.79 | 4.68 |
A1 | 116 | 4.76 | 1.22 | 4.70 | 4.58 |
A2 | 116 | 5.01 | 1.12 | 5.00 | 4.84 |
A3 | 116 | 4.54 | 1.14 | 4.50 | 4.61 |
IDCP 2 | |||||
Dependência | 120 | 2.05 | 0.68 | 1.94 | Média |
Agressividade | 120 | 1.80 | 0.59 | 1.68 | Média |
Instabilidade de humor | 120 | 2.07 | 0.63 | 2.00 | Baixa |
Excentricidade | 120 | 2.02 | 0.56 | 1.94 | Média |
Necessidade de atenção | 120 | 2.22 | 0.57 | 2.23 | Média |
Desconfiança | 120 | 2.10 | 0.57 | 2.05 | Média |
Grandiosidade | 120 | 2.00 | 0.52 | 1.94 | Média |
Isolamento | 120 | 2.00 | 0.61 | 1.88 | Média |
Evitação à críticas | 120 | 2.02 | 0.68 | 1.94 | Média |
Autossacrifício | 120 | 2.18 | 0.65 | 2.16 | Média |
Conscienciosidade | 120 | 2.17 | 0.48 | 2.13 | Média |
Impulsividade | 120 | 1.76 | 0.58 | 1.66 | Média |
De acordo com as estatísticas descritivas, os participantes do presente trabalho apresentaram desempenho próximo da média normativa dos testes. A hipótese 1 verifica se a inteligência emocional tem crescimento ascendente, atinge estabilidade e decai com a idade, no entanto, ressalta-se que para o presente estudo deveria ser observável que o grupo de faixa etária jovem apresente médias mais altas no PEP em comparação com o grupo de faixa etária mais avançada, uma vez que o grupo crianças e adolescentes não foram avaliados.
Os resultados referentes a hipótese 1 evidenciaram que na faixa etária de 18 a 35 anos há um desempenho maior nas pontuações do PEP (N = 378, Posto Médio = 261.21, X 2 = 37.251, gl = 2, p = 0.00), enquanto que observa-se o decaimento nas pontuações do PEP nas demais faixas etárias de 36 a 50 anos (N = 85, Posto Médio = 178.78, X 2 = 37.21, gl = 2, p = 0.00) e acima de 50 anos (N = 19, Posto Médio, 129.89, X 2 = 37.21, gl = 2, p = 0.00), apresentando um desempenho menor em relação a pontuação anterior. A partir desses dados, foi possível demonstrar que houve diferenças significativas entre as médias no PEP entre os grupos de faixas etárias distintas, sugerindo que a capacidade de perceber emoções parece ter uma diminuição constante de acordo com a idade.
Os resultados também indicaram que houve diferença significativa nas médias no PEP entre os grupos de 18 a 35 anos e 36 a 50 anos (tamanho do efeito médio, d de Cohen = 0.46) e entre os grupos de 18 a 35 anos e >50 anos (tamanho do efeito médio, d de Cohen = 0.42). A tabela 3 apresenta os resultados encontrados para essa análise.
Idade | N | Posto Médio | Mann-Whitney | p | |
---|---|---|---|---|---|
18 a 35 anos | 378 | 246.42 | 10613.500 | < 0.001 | |
36 a 50 anos | 85 | 167.83 | |||
pep | 18 a 35 anos | 378 | 204.29 | 1591.000 | < 0.001 |
> 50 anos | 19 | 93.74 | |||
36 a 50 anos | 85 | 53.93 | 687.000 | 0.31 | |
> 50 anos | 19 | 46.16 |
De acordo com a tabela 3, também é possível perceber que não houve diferença significativa entre as médias dos grupos de faixas etárias entre 36 a 50 anos e > 50 anos.
A segunda hipótese buscou verificar se as mulheres têm melhor desempenho na capacidade de perceber as emoções primárias quando comparadas aos homens. De acordo com o teste estatístico U de Mann-Whitney = 29415.000, p = 0.65, não houve diferença significativa nas médias entre o desempenho dos homens em relação às mulheres dessa amostra
A terceira hipótese foi elaborada com base na afirmação de que haveria correlação significativa positiva, leve ou mediana entre o desempenho nos subtestes RA e RV e a pontuação alcançada no PEP. Os resultados indicaram que houve correlação significativa positiva e leve entre o PEP e o subteste RV (r = 0.23, p = 0.01) e correlação significativa positiva e moderada entre o PEP e o subteste RA (r = 0.30, p = 0.00).
Para a quarta hipótese era esperado que ocorresse correlação leve entre o teste de percepção de emoções (PEP) e os fatores da personalidade (BFP). Pode-se observar os resultados das análises na tabela 4. Os resultados indicaram que a maioria das correlações não foram estatisticamente significativas, havendo correlação significativa positiva e leve apenas entre o PEP e o fator Abertura (r = 0.25, p = 0.01) e o sub-fator A2 - Liberalismo (r = 0.22, p = 0.02).
Subescalas BFP | Rhô de Spearman | p | N |
---|---|---|---|
Neuroticismo | -0.06 | 0.52 | 116 |
N1 | -0.12 | 0.22 | 116 |
N2 | -0.02 | 0.85 | 116 |
N3 | 0.01 | 0.95 | 116 |
Extroversão | -0.03 | 0.76 | 116 |
E1 | -0.06 | 0.50 | 116 |
E2 | -0.06 | 0.55 | 116 |
E3 | 0.02 | 0.81 | 116 |
E4 | -0.01 | 0.96 | 116 |
Socialização | -0.08 | 0.37 | 116 |
S1 | -0.11 | 0.24 | 116 |
S2 | -0.12 | 0.21 | 116 |
S3 | 0.02 | 0.82 | 116 |
Realização | -0.02 | 0.81 | 116 |
R1 | -0.08 | 0.42 | 116 |
R2 | 0.11 | 0.23 | 116 |
R3 | -0.15 | 0.21 | 116 |
Abertura | 0.25** | 0.01 | 116 |
A1 | 0.15 | 0.10 | 116 |
A2 | 0.22* | 0.02 | 116 |
A3 | 0.15 | 0.01 | 116 |
Nota. *p<0.05 **p<0.01.
A quinta hipótese afirma que há correlação positiva, fraca e negativa entre a percepção de emoções (PEP) e transtornos de personalidade (ID-CP - 2). A seguir, a tabela 5 mostra os resultados para essa hipótese.
IDCP-2 | Rhô de Spearman | p | N |
---|---|---|---|
Dependência | -0.09 | 0.31 | 120 |
Agressividade | -0.01 | 0.88 | 120 |
Instabilidade de humor | -0.02 | 0.84 | 120 |
Excentricidade | 0.02 | 0.79 | 120 |
Necessidade de atenção | -0.01 | 0.92 | 120 |
Desconfiança | 0.06 | 0.51 | 120 |
Grandiosidade | 0.01 | 0.90 | 120 |
Isolamento | -0.05 | 0.59 | 120 |
Evitação à críticas | -0.13 | 0.15 | 120 |
Autossacrifício | -0.09 | 0.36 | 120 |
Conscienciosidade | -0.07 | 0.43 | 120 |
Impulsividade | 0.05 | 0.60 | 120 |
Os resultados apontados indicaram que não houve correlação significativa entre o teste de percepção de emoções primárias (PEP) e traços patológicos de personalidade (IDCP-2).
Discussão
Neste estudo, investigou-se a relação entre o PEP e as variáveis externas idade, sexo, inteligência e personalidade (traços saudáveis e patológicos), mensurados respectivamente pelos subtestes RA e RV da BPR-5, BFP e IDCP-2. Os resultados mostraram que houve declínio no nível de percepção emocional da faixa etária 18 a 35 anos para as faixas seguintes, contudo não houve declínio significativo da capacidade na faixa etária a partir dos 50 anos. Portanto, os resultados corroboraram parcialmente com os achados da literatura (Cabello et al., 2014, 2016; Fernández-Berrocal et al., 2012; Oliveira et al., 2015). Uma possível explicação pode ser a quantidade de participantes acima de 50 anos (apenas 19 pessoas), fazendo com que esse grupo se apresente mais homogêneo, embora ainda assim diferenciado de idades mais jovens. Além disso, a coleta de dados ocorreu no formato online, que tende a ser uma plataforma menos utilizada por pessoas de idade mais avançada.
Não obstante, ainda não está claro na literatura sobre inteligência emocional se as capacidades que compõem o construto declinam ao longo de idades mais avançadas, como acontece com outros tipos de raciocínio (como inteligência fluida, memória e atenção) ou se permanecem estáveis (como inteligência cristalizada) (ver Schelini et al., 2013). É possível que o aparente declínio encontrado nos estudos transversais não indique uma degeneração dessa capacidade ao longo do desenvolvimento, mas simplesmente reflita níveis diferentes de inteligência emocional ao longo das gerações (Cabello et al., 2014; 2016; Fernández-Berrocal et al., 2012; Oliveira et al., 2015). É possível que, dada a crescente atenção cultural à influência dos aspectos emocionais, a cada geração as pessoas estão desenvolvendo mais essa capacidade, semelhante ao já identificado efeito Flynn para outras inteligências (para uma revisão, ver Schelini et al., 2013). Como a inteligência emocional foi proposta há relativamente pouco tempo, ainda não há estudos longitudinais suficientes para verificar essa questão.
Os resultados em relação ao sexo apontaram que não houve diferença significativa nas médias entre homens e mulheres, corroborando com os achados dos estudos de Ross et al. (2014) e Fischer et al. (2018). É importante ressaltar que os trabalhos que encontraram diferença entre homens e mulheres utilizaram o MSCEIT (Cabello et al., 2016; Fernández-Barrocal et al., 2012; Navarro-Bravo et al., 2019; Salguero et al., 2012), enquanto que aqueles que não encontraram diferenças utilizaram imagens de faces transmitidas por telas de computador como estímulos visuais de emoções como raiva, tristeza, nojo, medo, surpresa, felicidade para avaliar a capacidade de percepção emocional (Fischer et al., 2018; Ross et al., 2014), sendo tarefas semelhantes ao do PEP.
Alguns fatores podem ser apontados: uma possível explicação pode estar relacionada com o estilo de instrumento utilizado para avaliar a percepção de emoções, indicando que pode influenciar nos resultados para percepção de emoções; ou pode estar relacionado aos estímulos (os vídeos de expressões faciais) utilizados no presente estudo que podem ter sido sutis para demonstrar diferenças entre homens e mulheres (Fischer et al., 2018). Outra possível explicação pode ser em concordância com o estudo de Fischer et al. (2018) que não há uma superestimação de gênero quando se trata de percepção de emoções. No entanto, se faz necessário mais estudos com o PEP investigando se há diferenças ou não entre sexos na percepção emocional mensurada por esse teste.
Em relação às tarefas de inteligência, o PEP se correlacionou de maneira significativa, positiva e leve e mediana com o subteste RV e RA, respectivamente. Estes resultados estão alinhados com estudos anteriores (Cobêro et al., 2006; Jesus Junior & Noronha, 2007; Miguel, Ogaki et al., 2013), que demonstraram correlações positivas entre o subteste Faces e Paisagem com os subtestes da BPR-5, sendo correlações entre 0.14 a 0.34, corroborando que a percepção de emoções avaliada por desempenho está relacionada com outras tarefas de inteligência (Farrelly & Austin, 2007; Karim & Shah, 2014; MacCann et al., 2014). Observa-se também que esses resultados são importantes, uma vez que sugerem que o teste PEP e os subtestes RA e RV podem estar avaliando construtos relacionados, mas não podem ser considerados como testes que avaliam o mesmo construto, pois se fossem, seria apontado com altos índices de correlação.
Para a quarta hipótese, somente o subfator Liberalismo - A2, do fator Abertura, correlacionou de maneira significativa, positiva e leve com o PEP. O subfator Liberalismo - A2 diz sobre como as pessoas lidam com diferentes valores morais e sociais e o quanto são capazes de relativizá-los (Nunes et al., 2009). Dito isso, como a capacidade de perceber emoções está ligada a habilidade de reconhecer expressões faciais em diversos contextos parece aceitável a correlação com esse traço da personalidade, uma vez que identificar as emoções nas interações sociais pode auxiliar na regulação interna e preparar o indivíduo para respostas adequadas ao ambiente (Mayer et al., 2016). Esse resultado está de acordo com a literatura, uma vez que pode ser evidente nos estudos supracitados as poucas correlações entre o fator percepção de emoções e os traços de personalidade, principalmente quando a primeira é mensurada por testes de desempenho e correlacionada com testes de autorrelato de personalidade (Bueno & Primi, 2003; Cobêro et al., 2006; García-Sancho et al., 2016; Karim & Shah, 2014; Lanciano & Curci, 2014). Assim, pode-se indicar que o PEP e a BFP estão avaliando construtos diferentes.
Em relação aos traços patológicos de personalidade, os resultados apontaram que não houve correlação entre PEP e IDCP-2, colaborando com o trabalho de Miguel, Finoto e Miras (2013), indicando mais uma vez que há uma independência dos construtos avaliados pelo PEP e pelo IDCP-2, embora esperava-se que de acordo com o estudo de Miguel, Finoto e Miras (2013) o PEP se correlacionasse significativamente, mas de maneira fraca ou moderada e negativa com o IDCP-2. Uma luz que os autores apontam para ser explorada são as análises realizadas em níveis individuais e não gerais como este estudo e o realizado por eles, pois ao analisar de modo individual pode-se encontrar possíveis relações entre os construtos a depender da história de vida de cada um (Miguel, Finoto & Miras, 2013). De modo geral, a percepção de emoções demonstra divergência com traços patológicos de personalidade, indicando que o PEP pode estar mais para um construto cognitivo do que para o de personalidade (Gardner & Qualter, 2009; Ling et al., 2018; Miguel, Finoto & Miras, 2013; Peter et al., 2017).
Conclusão
O presente estudo teve como objetivo buscar evidências de validade baseada na relação com outras variáveis: convergente, discriminante e teste-critério para o instrumento de avaliação da capacidade de perceber emoções (PEP). Pôde-se verificar que a capacidade de perceber emoções tem decaimento em faixas etárias mais avançadas quando comparada com as faixas mais jovens.
Além disso, esperava-se que as mulheres tivessem médias melhores na habilidade de perceber emoções em relação aos homens (Mayer et al., 2008), no entanto, foi possível notar que não houve diferença significativa nas médias entre esses grupos, indicando que não houve na presente pesquisa uma maior estimação da capacidade de perceber emoções em mulheres. Embora a quantidade de homens e mulheres seja ligeiramente diferente, seria interessante que também estivessem balanceadas para uma comparação mais fidedigna.
A percepção de emoções correlacionou significativa e positivamente com as tarefas de inteligência, como era esperado, uma vez que para ser considerado como um instrumento que avalia habilidades por meio do desempenho máximo, seria desejável que se correlacionasse de maneira leve a moderada com os testes de inteligência (Bueno & Primi, 2003; Cobêro et al., 2006; Jesus Junior & Noronha, 2007; Karim & Shah, 2014; Miguel, Finoto & Miras, 2013; Miguel, Ogaki et al., 2013; Muniz & Primi, 2008). Em contrapartida, em relação aos traços de personalidade, a capacidade de perceber emoções apresentou correlação apenas com o subfator Liberalismo - A2, que consequentemente correlacionou com o fator Abertura da BFP, podendo sugerir que o PEP se evidencia como um teste cognitivo. Quanto aos traços de personalidade patológica, não houve correlações significativas entre o PEP e o IDCP-2.
As limitações do estudo podem estar relacionadas ao não balanceamento das faixas etárias, que apresenta poucos participantes com idade acima de 50 anos. Para melhor investigação sobre a hipótese de que a percepção de emoções atinge certa estabilidade na idade adulta e declina em idades mais avançadas, seria necessário um balanceamento entre as faixas etárias com participantes com idades, como o estudo de Oliveira et al. (2015) que constatou essa trajetória da percepção emocional no PEP. Sugere-se, assim, que novos estudos sejam realizados colaborando ainda mais para a compreensão do instrumento PEP e para a compreensão e avaliação da percepção de emoções