INTRODUÇÃO
Em todo o mundo, foram registradas em 2010, 1,24 milhões de mortes por acidente de trânsito, além de deixar entre 20 e 50 milhões de pessoas feridas1. No Brasil, este é o agravo de maior impacto na saúde da população, não somente pelos óbitos, mas também pelas internações e sequelas deixadas em suas vítimas2. Atualmente, tais agravos compõem "epidemias" para as sociedades, reafirmando a necessidade de atenção na agenda da saúde pública junto às morbimortalidades por causas externas3.
Dentre os acidentes de transporte, os motociclistas destacam-se entre as vítimas1;3. A motocicleta representa um meio de transporte socialmente importante e vem sendo utilizada tanto nas grandes metrópoles como nas pequenas cidades, principalmente para os indivíduos que a utiliza para condução e/ou para serviços de mototáxi, motoboy ou motofrete4. Tais serviços tem sido muito utilizados por empresas e pessoas, o que faz com que estes profissionais constituam nova modalidade de trabalho e transporte remunerado no Brasil3.
O surgimento desta modalidade de trabalho parece estar intimamente relacionado ao aumento de acidentes, onde ao aumentar a frequência do uso de motocicletas no trabalho houve um aumento dos acidentes de transporte envolvendo esses profissionais, acrescendo aí sérias implicações para o seu processo saúde/doença5. Os estudos apontam o perfil dos indivíduos envolvidos, destacando os jovens do sexo masculino, em idade produtiva6.
Diante deste cenário, o Ministério da Saúde tem reunido esforços, a fim de implantar e implementar políticas públicas de saúde com o intuito de reduzir as taxas de morbimortalidade no que tange às causas externas, especialmente os acidentes de trânsito. Nesse sentido, foi criada em 2001 a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências considerada um instrumento orientador acerca da atuação do setor saúde mediante a problemática dos acidentes de trânsito7.
Em meio as inúmeras Leis, Resoluções e Portarias brasileiras que versam sobre a atenção às urgências e emergências, destaca-se a Portaria nº 1.600 de julho de 2011 que reformula a Política Nacional de Atenção às Urgências, de 2003 e institui a Rede de Atenção às Urgências e Emergências (RUE) no Sistema Único de Saúde (SUS)8. Esta rede objetiva articular e integrar os equipamentos de saúde, a fim de ampliar e qualificar o acesso humanizado e integral as pessoas em situação de urgência e emergência, de modo que se tenha uma assistência à saúde de forma ágil e oportuna, em todo o território nacional9. Nesse sentido, a RUE vem sendo implantada em vários estados brasileiros. Na Bahia, o processo foi iniciado no ano de 2012, quando a Comissão Intergestores Bipartite (CIB) nº 044, aprovou as diretrizes, critérios e requisitos para elaboração dos Planos Estadual, Regionais e Municipais.
Dentre os serviços de saúde que compõe a RUE está o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). Este é o elemento do SUS, que tem por objetivo ordenar o fluxo assistencial e viabilizar o atendimento precoce e transporte adequado, rápido e resolutivo às pessoas que necessitam de assistência urgente de qualquer natureza9. Além disso, o SAMU objetiva reduzir o número de óbitos, o tempo de permanência hospitalar, bem como as sequelas oriundas da falta de atendimento precoce nos casos de urgência10.
Nesse sentido, o SAMU é um dos componentes essenciais da RUE e por ter sido elaborado para prestar a primeira assistência em situações de urgência sofre os maiores impactos dos acidentes de trânsito, sobretudo acidentes motociclísticos11.
Portanto, estudos que buscam caracterizar os atendimentos do SAMU são compreendidos como relevantes, especialmente quando se trata de atendimentos causados por algum tipo de causas externas, como por exemplo, os acidentes de trânsito, envolvendo motocicletas. Além disso, o presente estudo poderá direcionar as ações de promoção e prevenção de gestores e profissionais da RUE, sobretudo aqueles que atuam diretamente no SAMU, no que tange os acidentes motocilísticos.
Dessa forma, este estudo objetivou caracterizar os acidentes de trânsito, envolvendo motociclistas atendidos pelo componente SAMU da RUE de Jequié/Bahia, entre os anos de 2014 e 2015, segundo aspectos sociodemográficos, do acidente e referentes ao atendimento.
MATERIAS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo epidemiológico de corte transversal e quantitativo acerca dos acidentes de trânsito, envolvendo motociclistas atendidos pelo SAMU-192 Regional de Jequié/BA. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no ano de 2010 o município de Jequié contava com uma população de 151.895 mil habitantes, sendo considerada uma cidade de porte médio, possui uma área de unidade territorial de aproximadamente 2.969,034 km2, estando localizada no Nordeste do Brasil12.
O serviço móvel de urgência foi implantado em Jequié/BA no dia 05 de setembro de 2004 e de acordo com as informações do Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde13, conta com 04 unidades móveis de nível pré-hospitalar na área de urgência, sendo 03 ambulâncias de suporte básico de vida e 01 de suporte avançado, e compõe a RUE desde a sua implantação, por meio da Resolução Comissão Intergestores Bipartite (CIB) nº 218/2013.
A pesquisa foi realizada na base do SAMU-192 Regional de Jequié/BA. Não foi necessário o Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), tendo em vista que os dados foram coletados a partir da ficha telefônica preenchida pelo Técnico Auxiliar de Regulação Médica (TARM), bem como as fichas das ocorrências do atendimento pré-hospitalar gerados por meio da assistência prestada pelas equipes nas Unidades de Suporte Básicas e/ou Avançadas. O referido SAMU aceitou participar do estudo, sendo entregue à pesquisadora responsável pelo estudo o termo de aceitação, devidamente assinado.
Este estudo originou-se a partir do projeto de pesquisa multicêntrico intitulado “Morbimortalidade dos Acidentes Envolvendo Motociclistas em Serviços Pré e Intra-Hospitalar”, que foi submetido à apreciação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, conforme Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sob parecer nº1.461.993, sendo aprovado sob nº do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 47391615.5.1001.0055.
Foram estabelecidos como critérios de inclusão todas as ocorrências envolvendo acidentes motociclísticos, no período de 1º de janeiro de 2014 a 31 de dezembro de 2015. Foram excluídos os casos cujo atendimento foi cancelado pela Regulação Médica, seja por evasão da vítima do local do acidente ou por remoção antecipada.
As variáveis analisadas foram às características sociodemográficas dos acidentados (sexo, faixa etária, estado civil, cor/raça, município de residência); características do acidente (tipo de vítima, outras vítimas envolvidas, outra parte envolvida, uso do capacete, suspeita do consumo de bebida alcoólica, turno, cidade do acidente, local do acidente, local do bairro, natureza da lesão); características das lesões (escoriações, ferimento cortocontuso, ferimento perfurante, contusão, fratura aberta, fratura fechada, sangramento extensivo, queimadura); aspectos clínicos (nível de consciência, respiração, classificação da pressão arterial, avaliação pupilar, classificação da glicose); características do atendimento [(punção venosa, curativo, sondagem, instalação de oxigênio, intubação, imobilização, apoio, tipo de unidade (Unidade de Suporte Básico e/ou Unidade de Suporte Avançado)]; Técnico Auxiliar de Regulação Medica (TARM), encaminhamentos).
Para a coleta das informações, foi utilizado um instrumento específico, elaborado pelos pesquisadores. As consultas as ficham se deram manualmente e foram realizadas para todos os atendimentos diários, no período do estudo. Os dados foram tabulados no Excel, e posteriormente, analisados por meio do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21, sendo apresentados através da estatística descritiva (Frequência, Porcentagem válida, Porcentagem acumulativa).
RESULTADOS
Segundo os dados obtidos no estudo, o SAMU-192 Regional de Jequié/BA realizou 1.812 atendimentos decorrentes de acidentes motociclísticos nos anos 2014 e 2015. Do total de atendimento, 1.100 (60,7%) eram do sexo masculino e 1.207 (66%) tinha idade entre 20 a 59 anos. Quanto a variável raça/cor, esta foi ignorada em 100% dos casos.
No que se refere os aspectos do acidente, evidenciou-se também uma elevada proporção de casos ignorados para as seguintes variáveis: tipo de vítima 1.796 (99,1%), outras vítimas envolvidas 815 (45%) e outra parte envolvida 642 (35,5%). Quanto ao uso do capacete e suspeita de consumo de bebidas alcoólicas no momento do acidente, verificou-se grande número de subregistros 1.503 (82,9%) e 1.653 (91,2%), respectivamente. Dentre os municípios atendidos pelo SAMU-192, Jequié/BA foi a cidade que apresentou o maior número de solicitações para atendimentos de acidentes envolvendo motocicletas 1.789 (98,7%). Em relação ao turno do acidente, verificou-se que a maior frequência das ocorrências 728 (40,2%) aconteceu a tarde, em via pública 1.572 (86,8%), sendo a periferia o local do município onde houve maior proporção 1.332 (73,5%) dos casos. Quanto a ocorrência de lesão, observou-se que 1.161 (64,1%) das vítimas tiveram algum tipo de lesão, conforme a Tabela 1.
Variáveis | N | % |
---|---|---|
Tipo de vítima | ||
Condutor | 12 | 0,7 |
Passageiro | 4 | 0,2 |
SI(a) | 1796 | 99,1 |
Outras vítimas | ||
Não | 493 | 27,2 |
Sim | 504 | 27,8 |
SI(a) | 815 | 45,0 |
Outra parte envolvida | ||
Automóvel | 374 | 20,6 |
Motocicleta | 162 | 8,9 |
Bicicleta | 28 | 1,5 |
Objeto fixo | 10 | 0,6 |
Sem outra parte/queda | 562 | 31,0 |
Pedestre | 3 | 0,2 |
Outros | 31 | 1,7 |
SI(a) | 642 | 35,5 |
Capacete | ||
Não | 239 | 13,2 |
Sim | 70 | 3,9 |
SI(a) | 1503 | 82,9 |
Suspeita do consumo de bebida alcoólica | ||
Não | 4 | 0,2 |
Sim | 155 | 8,6 |
SI(a) | 1653 | 91,2 |
Turno | ||
Madrugada | 126 | 7,0 |
Manhã | 433 | 23,8 |
Tarde | 728 | 40,2 |
Noite | 502 | 27,7 |
SI(a) | 23 | 1,3 |
Cidade do acidente | ||
Jequié | 1789 | 98,7 |
Apuarema | 3 | 0,2 |
Outros | 9 | 0,5 |
SI(a) | 11 | 0,6 |
Local do acidente | ||
Via pública urbana | 1572 | 86,8 |
Via rural | 13 | 0,7 |
Rodovia | 114 | 6,3 |
SI(a) | 113 | 6,2 |
Local do Bairro | ||
Centro | 282 | 15,6 |
Periferia | 1332 | 73,5 |
Zona Rural | 23 | 1,3 |
Rodovia | 98 | 5,4 |
SI(a) | 77 | 4,2 |
Lesão | ||
Não | 230 | 12,7 |
Sim | 1161 | 64,1 |
SI(a) | 421 | 23,2 |
Fonte: Dados organizados pelas autoras, Brasil, Jequié, BA, 2014 e 2015. (a) Sem informação
Os dados da Tabela 2, mostram que em relação à natureza da lesão, houve predominância de escoriações 831 (45,9%).
Variáveis | n | % |
---|---|---|
Escoriação | ||
Não | 981 | 54,1 |
Sim | 831 | 45,9 |
Ferimento cortocontuso | ||
Não | 1575 | 86,9 |
Sim | 237 | 13,1 |
Ferimento Perfurante | ||
Não | 1809 | 99,8 |
Sim | 3 | 0,2 |
Contusão | ||
Não | 1800 | 99,3 |
Sim | 12 | 0,7 |
Fratura aberta | ||
Não | 1768 | 97,6 |
Sim | 44 | 2,4 |
Fratura fechada | ||
Não | 1752 | 96,7 |
Sim | 60 | 3,3 |
Sangramento extensivo | ||
Não | 1782 | 98,3 |
Sim | 30 | 1,7 |
Queimadura | ||
Não | 1811 | 99,9 |
Sim | 1 | 0,1 |
Fonte: Dados organizados pelas autoras, Brasil, Jequié, BA, 2014 e 2015.
O presente estudo evidenciou ainda uma elevada incompletude de dados nas fichas de atendimentos das ambulâncias do SAMU-192 Regional de Jequié/BA, quanto às variáveis referentes aos aspectos clínicos dos acidentados, a saber: nível de consciência 1.067 (58,9%); respiração 1417 (78,2%); avaliação pupilar 1804 (99,6%); classificação da pressão arterial 1.432 (79%) e da glicose 1.784 (98,5%).
Quanto aos procedimentos pré-hospitalares mais realizados na ambulância, evidenciou-se que foram feitos principalmente imobilizações 855 (47,2%) e curativos 320 (17,7%).
Do total de atendimentos por acidentes motociclísticos, 1.582 (87,3%) não necessitaram de apoio para conduzir as vítimas. Quanto ao tipo de ambulância usada nas ocorrências, 1.236 (68,3%) utilizaram a Unidade de Suporte Básico (USB). Constatou-se ainda que 822 (45,4%) dos TARM atenderam o solicitante e preencheram os dados que lhes compete em até 03 minutos. Em relação aos encaminhamentos dos indivíduos que sofreram acidentes motociclísticos um total de 1.419 (78,3%) foi conduzido ao Hospital Geral Prado Valadares (HGPV), localizado no município de Jequié/BA, este também componente da RUE, sendo considerado o hospital estratégico para essa região de saúde14. Em 2013, tornou-se habilitado pelo Ministério da Saúde como Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Traumatologia e Ortopedia15, conforme evidenciado na Tabela 3.
Variáveis | N=1812 | % |
---|---|---|
Punção venosa | 195 | 10,8 |
Curativo | 320 | 17,7 |
Sondagem | 1 | 0,1 |
Instalação de O2 | 52 | 2,9 |
Intubação | 9 | 0,5 |
Imobilização | 855 | 47,2 |
Apoio | ||
PM(b) | 33 | 1,8 |
PRF(c) | 2 | 0,1 |
PRE(d) | 1 | 0,1 |
Bombeiros | 163 | 9,0 |
Guarda Municipal ou setor de trânsito | 1 | 0,1 |
Outro | 30 | 1,6 |
Não houve apoio | 1582 | 87,3 |
Tipo de Unidade | ||
USB(e) | 1236 | 68,3 |
USA(f) | 336 | 18,5 |
Mais de um tipo de unidade | 4 | 0,2 |
SI(a) | 236 | 13,0 |
TARM | ||
0 – 1 | 396 | 21,8 |
2 – 3 | 822 | 45,4 |
4 – 5 | 22 | 1,2 |
7-11 | 4 | 0,4 |
SI(a) | 568 | 31,2 |
Encaminhamentos | ||
Conduzido ao hospital | 1419 | 78,3 |
Conduzido a UPA | 3 | 0,2 |
Óbito no local | 7 | 0,4 |
Óbito no deslocamento | 2 | 0,1 |
Atendido e deixado no local | 59 | 3,3 |
Recusou atendimento | 33 | 1,7 |
Meios próprios | 10 | 0,6 |
Recusou deslocamento | 22 | 1,2 |
SI(a) | 257 | 14,2 |
Fonte: Dados organizados pelas autoras, Brasil, Jequié, BA, 2014 e 2015. (a) Sem informação (b)Polícia militar (c)Polícia Rodoviária Federal (d)Polícia Rodoviária Estadual (e)Unidade Suporte Básico (f)Unidade Suporte Avançado.
No que tange o Tempo Resposta (TR) verificou-se uma média de tempo em minutos da solicitação de 12,67, tempo decorrido 10,6 e chegada à unidade de pronto atendimento hospitalar de 8,29 minutos. Tendo duração média de atendimento de aproximadamente 30 minutos por ocorrência de acidentes motociclísticos.
DISCUSSÃO
Este estudo demonstrou que os indivíduos de faixa etária entre 20 a 59 anos e do sexo masculino foram as principais vítimas dos acidentes de trânsito, envolvendo motociclistas, entre os atendimentos do SAMU-192 Regional de Jequié/BA nos anos de 2014 e 2015. No Inquérito sobre Violências e Acidentes em Serviços de Urgência e Emergência (VIVA Inquérito) desenvolvido pelo Ministério da Saúde foi evidenciado que os acidentes de transporte terrestres envolvendo motociclistas atingem mais os jovens de 20 a 39 anos16. Outros estudos ainda identificaram a faixa etária entre 20 a 49 anos como a mais acometida, achados que diferem do encontrado neste estudo17-18.
Quanto aos dados referentes a variável sexo, os achados são semelhantes aos encontrados em outro estudo16. Os estudos apontam o predomínio do sexo masculino nos atendimentos de urgência realizados pelo SAMU. Isso pode estar relacionado as características próprias de comportamento do sexo masculino, como o gosto pela velocidade excessiva, às manobras arriscadas, a autoconfiança, a agressividade e negligência ao consumir álcool e outras drogas. Além disso, a cultura, as crenças e os valores influenciam no comportamento viril, expondo o homem a uma maior incidência de acidentes motociclísticos19-20.
Quanto ao turno das ocorrências, o período vespertino corroborou com outros estudos10;21. O predomínio dos eventos relacionados ao turno da tarde pode estar relacionado a fatores como o horário de saída do trabalho e da busca dos filhos na escola, deslocamento para aulas noturnas, aumento dos serviços de tele-entrega, transporte de passageiros ou, até mesmo, ida ou retorno de atividades recreativas21.
Dentro desta região de saúde, a cidade de Jequié/BA ocupou a primeira posição, em relação as ocorrência dos acidentes envolvendo motocicletas. Isso pode ser justificado por este ser o maior município, em extensão e número populacional, atendido pelo SAMU-192 Regional de Jequié/BA. Além disso, a sede da central de regulação também está localizada nesta cidade, o que facilita o acesso para a prestação de assistência nas ocorrências. Outro fator, diz respeito ao aumento da frota total de veículos cadastrados circulantes em Jequié/BA, pois entre janeiro de 2006 a outubro de 2018, houve uma elevação de 296,9%. Destes, destacam-se as motonetas que aumentaram 845,4%, seguido de motocicletas 339,6% e automóveis 242,8% (BRASIL, 2018)22.
O crescente número de motonetas e motocicletas para esta região do país pode estar relacionado ao labor dos indivíduos. Tal região, inclui a cidade de Jequié/BA, apresenta um elevado número de pessoas que buscam as atividades ligadas ao trânsito como alternativa de emprego, por exemplo, os mototaxistas, que nos últimos anos tem se tornado uma atividade muito forte no suprimento da necessidade de deslocamento da população23.
Os acidentes motociclísticos tiveram um maior percentual de ocorrência em vias públicas, e mais precisamente, nos bairros periféricos da cidade de Jequié/BA. O aumento dos acidentes em vias públicas pode estar relacionado ao grande volume de pedestres e veículos em trânsito, ou ainda por se tratar de uma via que se caracteriza por possibilitar acesso rápido, seja para o deslocamento e/ou retorno ao trabalho, escola, universidade, às suas residências em horário de pico24. Em relação à ocorrência na periferia, para esta região estudada, pode estar relacionada as péssimas condições das vias e a má sinalização do trânsito nas cidades.
No que se refere à determinação do tipo de lesão, trata-se de um item importante para avaliar a gravidade da lesão e para que sejam tomadas medidas de intervenção. A escoriação foi o tipo de lesão mais predominante, concordando com os achados de outros estudos20;25. É importante ressaltar que no presente estudo foram identificadas outros tipos de lesões, entretanto, apareceram em uma proporção menor, o que está de acordo com outros estudos18-19;26. Os referidos autores chamam atenção que quaisquer tipos de lesões devem ser avaliados e são de grande valia, especialmente, após o acidente motociclístico, devido ao grande risco de complicações das lesões leves se tornarem graves e até lesões fatais18-19;26.
Quanto aos procedimentos realizados no atendimento pré-hospitalar às vítimas de acidentes motociclísticos, este estudo identificou maior proporção para imobilização e curativo. Tais resultados estão de acordo com o estudo realizado em Teresina/PI, ressaltando-se apenas que para este, houve um número expressivo também da utilização de prancha longa20. Adverte-se que a instalação de oxigênio, a manutenção de vias aéreas pérvias e a intubação são procedimentos importantes para tentar garantir a manutenção da vida dos acidentados27. Além desses, qualquer procedimento possível de ser realizado no âmbito pré-hospitalar é preciso ser feito, a fim de estabilizar o acidentado no local da cena e em seguida, conduzi-lo a unidade hospitalar ou serviço correspondente, garantindo uma maior possibilidade de sobrevida para o indivíduo28.
No que se refere ao tipo de ambulância, o SAMU-192 Regional de Jequié/BA possui dois tipos: a Unidade de Suporte Básico (USB) que é tripulada por um condutor socorrista e um técnico de enfermagem e a Unidade de Suporte Avançada (USA) que é composta por um condutor socorrista, um médico e um enfermeiro. Esta última é considerada uma UTI-Móvel, pois permite realizar procedimentos invasivos. Para fins deste estudo, identificou-se que a maior proporção das ocorrências foram atendidas pela USB, achado semelhante ao encontrado em outros estudos20;26.
No que diz respeito à gravidade dos acidentados não foi possível categorizar por nível, no entanto acredita-se que em sua maioria foram leves ou moderadas, haja vista ao suporte enviado as ocorrências terem sido majoritariamente USB e não USA26.
Em relação aos encaminhamentos das USB, observou-se neste estudo que o maior percentual dos acidentados foram direcionados para o HGPV por se tratar da unidade hospitalar de referência desta região de saúde, bem como, por sua capacidade em assistir os casos de Traumatologia e Ortopedia. Logo, o tipo de direção dado aos casos de acidentes de motocicletas seguem a lógica de outras pesquisas, que direcionam os pacientes para unidades hospitalares que possuam boa infraestrutura e profissionais habilitados para este tipo de atendimento20.
Uma variável considerada relevante no que tange o atendimento do SAMU-192 diz respeito ao TR. Trata-se da quantidade de tempo entre a requisição da solicitação de socorro por meio da ligação telefônica realizada pelo 192 até a chegada da equipe à cena29. No presente estudo, a média do TR foi de aproximadamente 30 minutos, valor menor ao encontrado em outro estudo que apresentou uma média de 34 minutos29. Contudo, quando comparado a padrões internacionais, este resultado encontra-se bastante aquém do preconizado, tendo em vista que o atendimento total deve ser de 7,7 minutos, entretanto, chama-se atenção que o TR neste padrão não necessariamente implica em uma melhor prática, mais eficiência do serviço ou melhores resultados, pois o TR é apenas um dos componentes considerado como relevante no que tange as medidas de desempenho dos serviços de emergência e apresenta a fragilidade de não ser capaz de mensurar o resultado, qualidade ou custos, nem alcança outros serviços essenciais, como os de prevenção, investigação e educação desempenhados por esses serviços de urgência30.
No que diz respeito aos aspectos clínicos, destacou-se neste estudo a incompletude dos dados nas fichas de atendimento da ambulância do SAMU-192, o que impossibilita a discussão mais aprofundada acerca destas variáveis. Tal constatação não é uma particularidade deste estudo, uma vez que em outro, esta é uma falha apontada como fator que pode interferir nos resultados de algumas variáveis10.
Enfim, foi possível caracterizar os acidentes de trânsito envolvendo motociclistas, quanto aos aspectos sociodemográficas, do acidente e do atendimento. O mesmo constitui-se um sério problema de saúde pública e não se limita apenas as metrópoles, mas já atingem cidades de médio e pequeno porte, o que demonstra a necessidade de políticas públicas de prevenção mais eficazes e de grande abrangência. Novos estudos, em outras localidades do Brasil, serão importantes afim de dar visibilidade a este problema e incentivar que as políticas públicas já implantadas sejam implementadas no que se refere aos acidentes de trânsito, especialmente aqueles que envolvem motocicletas.
A incompletude dos dados verificada nas fichas de atendimento da ambulância do SAMU-192 pode ser apontada como uma limitação do estudo, visto que a falta de informações de variáveis importantes não preenchidas pelos profissionais de saúde envolvidos, pode interferir nos resultados, não esclarecendo ou corroborando com a caracterização dos acidentes de trânsito envolvendo os motociclistas atendidos no período investigado. Contudo, este fator não inviabilizou o estudo, sendo possível apresentar a descrição das vítimas dos acidentes motocilísticos.
CONCLUSÕES
Os resultados encontrados corroboram com os dados mencionados na literatura, pois apontam que os acidentes envolvendo motociclistas acometem predominantemente uma população jovem, economicamente ativa e do sexo masculino, sendo as escoriações o tipo de lesão mais prevalente.
Os resultados do estudo podem cooperar com o SAMU-192 ao apontar a necessidade de (re) organização do serviço, bem como denota a necessidade de qualificar melhor os profissionais de saúde e sensibilizá-los quanto ao preenchimento adequado das fichas de atendimento, tendo em vista que as informações contidas nestas poderão auxiliar no processo de cuidado às vítimas não apenas no âmbito pré-hospitalar, mas também hospital, já que neste haverá a continuação do cuidado.
Portanto, os resultados apontam a necessidade do desenvolvimento de ações intersetoriais que possam ir além dos componentes da RUE. Os acidentes motociclísticos envolve não apenas o setor saúde e por isso deve-se lançar mão de estratégias que incluam as políticas de trânsito, desenvolvendo condutas adequadas que promovam educação em saúde e sensibilizem a população, em especial, os condutores, a fim de reduzir o número de ocorrências e consequentemente a morbimortalidade por esse tipo de agravo.