Atualmente, no campo da linguística aplicada, muitos pesquisadores têm dedicado seus estudos e discussões na linguagem jurídica. Nessa perspectiva, através de uma abordagem interdisciplinar, a obra intitulada Linguagem e Argumentação Jurídica. Peças Processuais: Estrutura e Argumentação, organizada por Alda da Graça Marques Valverde -mestre em Língua Portuguesa pela UFRJ, professora de português jurídico da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro-, Néli Luiza Cavalieri Fetzner -doutoranda em Análise de Discurso, coordenadora de metodologia da pesquisa e didática do ensino superior da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro-, e Nelson Carlos Tavares Junior -mestre em Letras Vernáculas pela UFRJ, graduado em Direito pela UNESA, coordenador substituto das disciplinas Metodologia da Pesquisa e Didática do Ensino Superior na mesma instituição-, estabelece uma importante relação dialógica entre o direito e as ciências da linguagem, na qual pesquisadores de ambas as áreas abordam ferramentas linguísticas que dão forma e comunicabilidade aos conteúdos jurídicos.
A obra, conforme consta na sinopse, «representa uma parcela da vivência dos autores - professores de Língua Portuguesa na graduação do Curso de Direito e na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro» (p. 12) e está organizada em seis capítulos. O primeiro, intitulado «A prática interpretativa do Direito», discorre sobre a importância da palavra como instrumento de comunicação, especialmente para os profissionais do Direito, uma vez que se trata de uma ciência social aplicada. O texto evidencia a preocupação em contemplar, de maneira didática, como interpretar, adequadamente, textos que circulam no contexto jurídico.
Na sequência, o segundo capítulo dispõe sobre a relevância da boa compreensão, mormente aos advogados, quanto à estrutura organizacional das peças processuais. Tendo em vista que as peças processuais requerem uma boa redação jurídica e são documentos elaborados frequentemente pelos advogados, a abordagem apresentada neste capítulo é relevante não somente aos profissionais do Direito, mas principalmente aos futuros profissionais da área.
O terceiro capitulo, denominado «Gramática e produção do texto jurídico», traz a imprescindível observância quanto à frase, às figuras de linguagem a que se recorre, à seleção vocabular, entre outros fatores, que deverão fazer parte e são responsáveis pelo conteúdo final do texto produzido pelo profissional forense.
Seguindo, «Redação das peças processuais», quarto capítulo, contribui para o norteamento das noções fundamentais no que tange ao gênero e tipo textual na produção de peças processuais, bem como seu liame com o gênero redação jurídica. Não diferente dos demais capítulos que compõem a obra, o texto configura-se como orientações significativas para uma boa elaboração de peças processuais.
O penúltimo capítulo, denominado «Aspectos relevantes para a produção da narrativa jurídica», dedica-se ao estudo dos tipos de narrativa jurídica, aprofundando os conhecimentos sobre a maneira como esse tipo textual é produzido no âmbito do judiciário. Por fim, e não menos importante que os demais, o sexto e último capítulo, intitulado «A argumentação nas peças processuais», discute o reconhecimento da importância da argumentação para o Direito, demonstrando aspectos de suma importância no domínio das técnicas argumentativas.
Por meio de uma abordagem pragmática, trata-se de uma obra de extrema relevância, pois os leitores dispõem de reflexões de especialistas nas áreas de direito e ciências da linguagem, numa obra de cunho interdisciplinar e inovador, evidentemente necessário ao contexto de ensino e aprendizagem do direito.
A primeira parte traz no seu bojo a capacidade de falar e os autores procuram evidenciar como a palavra possui poder, pois uma vez empregada, revelará não apenas o conteúdo do que foi exposto, mas também o caráter daquele que a utiliza. Desta maneira, transladando isso para o direito, uma ciência humana e objetiva, organizadora da conveniência social e da prática política, procurou demonstrar a necessidade do profissional dessa área em «compreender + reformular ou reexprimir sob forma nova» (p. 13), processo desenvolvido pelos próprios autores, a busca do sentido textual, uma vez que as palavras podem transmitir não apenas um sentido, mas sentidos variados.
Como exemplo, desenvolve-se essa ideia principal do capítulo na compreensão das palavras «propriedade», «princípio da insignificância», entre outros termos, onde é apresentado casos jurídicos e significados diversos dentro do discurso judicial. O foco que se busca exprimir é, portanto, que se alcance a interpretação textual dentro das vastas possibilidades de sentidos que se pode ter, verificando o propósito de quem gerou o texto e se está em conformidade com as demais fontes do direito.
O segundo capítulo mostra e instrui, através de exemplos ilustrativos, a macroestrutura básica das peças processuais, realizadas através de habilidades relativas à linguagem. São descritos os requisitos essenciais, por exemplo, da petição inicial, contestação, parecer técnico-jurídico, entre outras peças que se encontram no contexto jurídico.
O texto deixa claro, por óbvio, que os exemplos que o leitor apreciará não são a única opção adequada para produzir a peça jurídica, visto que o redator sempre terá certa liberdade de estilo, que precisa ser respeitada. Contudo, como contrapartida, ressalta que será útil o rol de exemplos ofertados, dada a insegurança que cerca o início de qualquer atividade profissional.
Ademais, conforme os autores, cabe ao professor que inicia o estudante de Direito na produção de peças processuais auxiliá-lo, progressivamente, a acumular todo o repertório linguístico e jurídico necessário à: a) organização das ideias; b) seleção e combinação de informações; c) redação de textos jurídicos; d) produção convincente dos argumentos; e) identificação das características estruturais de cada peça; f) redação em conformidade com a norma culta da língua, etc. Destarte, se faz observar, à luz daquilo que se vê em muitas universidades, a extrema relevância do capítulo para os operadores jurídicos, posto a riqueza de detalhes e informações que muitas vezes não são encontradas no meio acadêmico, seja pelo descaso com a linguagem jurídica ou a falta de profissionais qualificados no campo das palavras.
O terceiro capítulo da obra conduz os leitores ao campo gramatical e textual. É frisado que o domínio da norma culta, portanto, não pode ser considerado item acessório na formação do acadêmico de direito. Língua e discurso integram-se de tal maneira que a eficiência das peças processuais depende também da construção de parágrafos simples, claros, objetivos e concisos.
Assim, com enfoque maior nos textos argumentativos, haja vista seu objetivo de persuadir e convencer o auditório, elementos coesivos são discorridos durante o tema. Nessa esteira, têm-se como primeira ilustração uma tabela contida com expressões que podem ser utilizadas na redação de textos jurídico-argumentativos, voltadas, pode-se dizer em um primeiro momento, aos iniciantes da prática argumentativa, visto que são locuções que em algum momento da graduação, em tese, o acadêmico terá contato.
Na sequência, são ofertados ao leitor dois trechos para avaliação: o primeiro sendo o relatório de uma sentença e o segundo a reescritura desse. Neste caso, considerando o objetivo precípuo da obra e que em um momento já citado os próprios autores falam sobre o respeito à liberdade de estilo do redator -aplica-se aqui uma analogia-, entende-se que não se deve ter os exemplos prestados como um paradigma sedimentado, mas sim como dicas de auxílio.
A quarta parte do livro apresenta noções de gênero textual e tipo textual como fundamentos linguísticos para a produção de peças processuais. Nesta seção os autores trazem como norte disciplinar a finalidade daquele que escreve; o tipo de publicação em que se expõe o texto; o público-alvo do texto; o lugar e o momento em que o texto é veiculado. Exprimindo um ensinamento básico que todo profissional forense deveria acolher, é estabelecido que cabe ao advogado saber narrar a lide, ou seja, deve haver um atendimento a chamada progressão temporal, onde esse tipo textual deve tentar responder às seguintes perguntas essenciais: o quê?, quem?, onde?, quando?, como? e por quê?
Outrossim, preceitua-se ainda quanto à diferença entre dissertação expositiva da dissertação argumentativa, bem como quanto aos tipos textuais e a sua importância para o texto jurídico -narrativo, descritivo e argumentativo-.
Seguindo, o quinto capítulo aprofunda-se no estudo dos tipos de narrativa jurídica, direcionando-se às narrativas jurídicas simples e valoradas; a seleção dos fatos da narrativa; a valoração da narrativa na petição inicial e na contestação; a relevância da precisão temporal e da cronologia dos fatos na narrativa; a polifonia na narrativa jurídica e a função argumentativa da narração.
Por fim, o sexto capítulo é composto por três textos. O primeiro discorre sobre questões teóricas relativas à argumentação no direito, como: antecedentes importantes; noção de auditório; polifonia; demonstração e argumentação; argumentação simples e argumentação complexa. O segundo tem como objeto principal o planejamento do texto argumentativo, desse sendo discorrido acerca do pedido, da tese, seleção de fatos, prova e indícios. O terceiro e último ponto dedica-se à defesa da tese e tipos de argumentos, abarcando inúmeros temas como o introito, desenvolvimento, uso da dedução e indução na produção dos argumentos, princípios gerais do direito e a formulação dos argumentos, entre outros.
Verifica-se, portanto, que a obra conta com um vasto instrumental para os iniciantes no contexto jurídico que buscam auxílio para produção de petições iniciais, contestações, bem como de pareceres. Cumpre mencionar que a elaboração de peças jurídicas contribui, diretamente, para o Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, certames públicos e, até mesmo, para o ambiente acadêmico. Desse modo, por meio de uma linguagem objetiva e didática, oferece materiais indispensáveis à produção de textos -sem desprezo à técnica própria da linguagem jurídica- para serem claros, transparentes, elegantes.
Assim sendo, indica-se a obra àqueles que têm interesse em iniciar ou aperfeiçoar a linguagem jurídica, principalmente no que se refere à adequada elaboração de documentos que circulam pelo contexto jurídico. Nesse sentido, portanto, percebe-se a relevância da coletânea de textos que compõem o livro ao contexto acadêmico, podendo até ser considerado como um manual necessário aos futuros operadores do Direito.