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Tecné, Episteme y Didaxis: TED
Print version ISSN 0121-3814
Rev. Fac. Cienc. Tecnol. no.33 Bogotá Jan./June 2013
Práticas didáticas construtivistas: critérios de análise e caracterização
Constructivist didactics practices: criteria for analysis and characterization
Constructivist didactics practices: criteria for analysis and characterization
José Francisco Custódio*
José de Pinho Alves Filho**
Luiz Clement***
Graziela PiccoliRichetti****
Gabriela Kaiana Ferreira*****
**Universidade Federal de Santa Catarina. Santa Catarina, Brasil. jopinho@fsc.ufsc.br
***Universidade do Estado de Santa Catarina. Santa Catarina, Brasil. lclement@joinville.udesc.br
****Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica. Santa Catarina, Brasil. grazirichetti@yahoo.com.br
*****Colégio de Aplicação da UFSC. Santa Catarina, Brasil. gabikaiana@gmail.com
Artículo recibido el 13-06-2012 y aprobado el 9-07-2013
Resumo
Nesse artigo apresentamos uma breve descrição do movimento construtivista educacional, explicitando suas características essenciais. O construtivismo educacional pode ser dividido em duas linhas, uma designada de construtivismo pessoal e outra de construtivismo social. Esta separação se justifica pelas perspectivas educacionais e as bases teóricas que fundamentam cada uma dessas vertentes. Com base nesse movimento objetivamos o estabelecimento de critérios que possam ser úteis para análise e caracterização de práticas didáticas construtivistas. Neste sentido, realizamos o estudo e análise do artigo de Baviskar, Hartle e Whitney (2009), em que os referidos autores propõem quatro critérios para caracterizar o ensino construtivista.
Nossa análise suscitou algumas críticas e a necessidade da proposição de um quinto critério (Ajuda para a Apropriação do Conhecimento), focalizando o processo de orientação e organização didático-pedagógica para a construção de conhecimentos novos. Entendemos que a forma como o conhecimento novo será sistematizado e organizado, nas interações professor-aluno e aluno-aluno, serão determinantes para que a aula seja construtivista, pois, isso refletirá a concepção sobre a aprendizagem.
Na sequência, com o propósito de validar os cinco critérios estabelecidos, inspirados na metodologia utilizada por Baviskar et al. (2009), re-analisamos inicialmente os mesmos artigos avaliados por estes autores. Em um segundo momento, analisamos quatro artigos publicados em periódicos brasileiros, seguindo os mesmos procedimentos de análise. Objetivamos também identificar se os autores dos artigos analisados, ao retratarem práticas didáticas construtivistas, mantiveram alguns dos elementos essenciais numa atividade de ensino construtivista. A análise dos artigos evidenciou que alguns destes, mesmo se auto-intitulando construtivistas, não retratam os elementos essenciais do construtivismo educacional. Sob este aspecto concordamos com Baviskar et al. (2009) quando sinalizam que isso pode ser fruto da literatura demasiadamente teórica sobre a temática do construtivismo. Diante disso, acreditamos que há uma demanda em termos de pesquisa para investigações que tenham como foco a análise de intervenções didático-pedagógicas construtivistas. A partir da análise que apresentamos será possível uma maior discussão entre os aspectos teóricos e práticos do construtivismo educacional, quem sabe ampliando o número de critérios para julgar até que ponto o construtivismo está efetivamente presente em seu planejamento escolar. No momento, sugerimos que os proponentes de atividades didáticas orientadas pelo enfoque construtivista considerem se elas atendem os cinco critérios analisados.
Palavras chave: Construtivismo Educacional; Critérios Construtivistas; Construção de Conhecimento.
Resumen
En este artículo se presenta una breve descripción del movimiento constructivista en la educación, explicando sus características esenciales. El constructivismo educativo puede ser dividido en dos líneas, uno llamado constructivismo personal y el otro constructivismo social. Esta separación se justifica por las perspectivas educativas y las bases teóricas que sustentan cada uno. Con base en este movimiento, se propone como objetivo establecer los criterios que pueden ser útiles para el análisis y caracterización de las prácticas de enseñanza constructivista. En este sentido, se realizó el estudio y análisis del artículo Baviskar, Whitney y Hartle (2009), en el los autores proponen cuatro criterios para la caracterización de la enseñanza constructiva.
El análisis suscitó algunas críticas y la necesidad de proponer un quinto criterio (ayuda para la apropiación del conocimiento ), centrándose en la orientación del proceso y pedagógico -didáctico para construir nuevos conocimientos. Se entiende que la forma como el nuevo conocimiento será sistematizado y organizado en las interacciones profesor-alumno y alum-no-alumno, determinará que el aula sea constructivista, pues ello reflejará la concepción con respecto al aprendizaje.
Además, con el fin de validar los cinco criterios establecidos nos hemos basado en la metodología de Baviskar et al. (2009), volviendo a analizar los mismos artículos inicialmente evaluados por estos autores. En segundo lugar, se analizaron cuatro artículos publicados en revistas brasileñas, siguiendo los mismos procedimientos de análisis. El objetivo fue también identificar si los autores de los artículos analizados, mostraban las prácticas didácticas constructivistas, y si mantenían algunos de los elementos esenciales de una actividad de aprendizaje constructivista. El análisis mostró que algunos de estos artículos, aunque tenían un título relacionado con el constructivismo, no mostraban los elementos esenciales de este enfoque. En este sentido, estamos de acuerdo con Baviskar et al. (2009 ) quienes señalan que esto puede ser el resultado de una literatura excesivamente teórica sobre el tema del constructivismo. Por lo tanto, creemos que existe una demanda en materia de investigación para trabajos que se centran en el análisis de la enseñanza constructivista y las intervenciones pedagógico - didácticas. A partir del análisis que presentamos será posible discutir entre los aspectos teóricos y prácticos del constructivismo educativo, tal vez aumentando el número de criterios para evaluar el grado en que este esta realmente presente en la planificación de la escuela. Por ahora, se sugiere a quienes propone actividades de aprendizaje guiadas por el enfoque constructivista considerar si cumplen los cinco criterios examinados.
Palabras clave: Constructivismo Educación, criterios constructivistas, construcción del conocimiento.
Abstract:
In this paper we present a brief description of the educational constructivist movement, highlighting its essential characteristics. Educational constructivism can be divided into two lines, one called personal constructivism and the other social constructivism. This separation is justified by the educational prospects and the theoretical basis underlying each of these lines. Based on educational constructivism we aimed establish criteria that might be useful for analysis and characterization of constructivist didactics practices. In this sense, we studied and analyzed the article Baviskar, Hartle e Whitney (2009), in which the authors had proposed four criteria to characterizing the constructivist teaching.
Our analysis has raised some criticism and the need for proposing a fifth criterion (Help to the Appropriation of Knowledge), focusing on the process of didactic-pedagogic orientation to the construction of new knowledge. We understand that the way how the new knowledge to will systematized and organized, in teacher-student and student-student interactions, will be determinant that to the lesson be constructivist, because this will reflect the conception of learning.
Subsequently, with the aim of validate the five criteria, inspired by the methodology used by Baviskar et al. (2009), we reanalyzed the same initially reviewed articles by these authors. In a second moment, we analyzed four articles published in Brazilian journals, following the same procedures of analysis. We aimed also to identify whether the authors of the articles analyzed, in describing the constructivist didactics practices, remained some of the essential elements in a constructivist learning activity. The analysis showed that some of these articles, even if that call themselves constructivists, don't portray the essential elements of educational constructivism. In this respect we agree with Baviskar et al. (2009) when they indicate that this can be result of too theoretical literature about constructivism. Given this, we believe that there is an demand in terms of research for investigations that focus on the analysis of didactic-pedagogical constructivist interventions. From the analysis we present will be possible an more discussion between the theoretical and practical aspects of educational constructivism, perhaps increasing the number of criteria to judge the extent to which constructivism is actually present in their school planning. At the moment, we suggest that proponents of didactic activities guided by constructivist approach they can consider whether these comprise the five criteria analyzed.
Keywords: Educational constructivism; constructivism criteria; construction of knowledge.
Introdução
Ao nos depararmos com a expressão construtivismo, no âmbito do Ensino de Ciências, algumas ideias são prontamente associadas, sejam elas aceitas ou não, tais como elicitar os conhecimentos prévios dos alunos, realizar aulas experimentais, despreocupar-se em desenvolver o conteúdo formal, não utilizar o livro didático, entre outras (Rangel, 2002). Essas ideias contribuem para o surgimento de diversas compreensões acerca dessa teoria de aprendizagem, sendo que algumas se apresentam equivocadas ao sugerirem mudanças um tanto radicais. Mas afinal, como podemos entender o que é a teoria construtivista? O que significa adotar uma prática construtivista em aulas de Ciências? Existem critérios que auxiliam a definir uma atividade, projeto, aula ou atitude construtivista?
Bastos (1998) indica que é um erro pensar que existe uma única definição sobre o que é o construtivismo, pois "construtivismos diferentes são possíveis" (p. 9). Esses têm suas origens nos domínios teóricos da filosofia, psicologia e sociologia, sendo que na literatura existem referências "ao construtivismo como teoria psicológica, como teoria de pesquisa nas Ciências Sociais, no Ensino de Ciências e como teoria educativa" (Galiazzi, 2008, p. 135). Galiazzi (2008) encontrou quinze significados diferentes para o termo construtivismo que embora compartilhassem a ideia de construção do conhecimento, possuíam interpretações diversas. A polissemia do termo e a reivindicação da compreensão de suas diversas origens ainda é fonte de controvérsias, como atesta o debate, relativamente recente, encontrado nos trabalhos de Gil-Pérez et al. (2002) e Niaz et al. (2003).
Nossa discussão será orientada pelo construtivismo educacional, movimento que iniciou na década de 1960 como uma possibilidade de solucionar os problemas da educação tradicional (Galiazzi, 2008; Larochelle, Bednarz e Garrison, 1998). Historicamente, as obras de Piaget e Vygotsky foram fundamentais na sua consolidação e no surgimento de novos modelos de ensino e aprendizagem. Fosnot (1998) considera que "o construtivismo é uma teoria sobre a aprendizagem, não uma descrição do ensino" (p. 46) e tem como pressuposto principal entender "a aprendizagem como um processo de construção recursivo, interpretativo, realizado por aprendizes ativos que interagem com o mundo físico e social" (p. 47).Ao defender determinadas concepções epistemológicas e ontológicas, o construtivismo tende a sustentar uma diretriz pedagógica responsável por orientar ações metodológicas para a sala de aula. Nesse sentido, o construtivismo busca a transição de uma atitude escolar objetivista para uma construtivista, o que implica em mudanças na visão, planejamento e desenvolvimento das práticas didáticas. De acordo com Davis, McCarty, Shaw e Sidani-Tabbaa (1993), ao analisarem e compararem as atitudes objetivista e construtivista, apontam que uma transição da primeira para a segunda implica em considerar seis requisitos inter-relacionados de mudança, quais sejam: perturbação, consciência da necessidade de mudança, compromisso com a mudança, estabelecimento de uma visão, uma projeção de si nesta visão e, reflexão. Haja vista que a transição para uma educação construtivista rompe com uma atitude educacional consolidada, críticas acabam sendo feitas, cuja origem reside na distância entre as orientações que apontam à necessidade de uma mudança pedagógica e à evidência de que essa mudança está realmente acontecendo (Laburú e Arruda, 2002).
Faremos uma breve descrição do movimento construtivista educacional, explicitando suas características essenciais, e fundamentadas nos pressupostos deste movimento, objetivamos o estabelecimento de critérios que caracterizem práticas didáticas construtivistas. Para a construção destes critérios realizamos o estudo e análise do artigo de Baviskar, Hartle e Whitney (2009), em que os autores propõem quatro critérios essenciais para caracterizar o ensino construtivista. Discorremos a respeito desses critérios e propomos um quinto critério. Por fim, utilizamos esses cinco critérios para (re) analisar os artigos avaliados por Baviskar et al. (2009) e analisar cinco artigos publicados no Brasil.
Construtivismo educacional
O construtivismo educacional pode ser dividido em duas linhas, uma designada de construtivismo pessoal e outra de construtivismo social. Esta separação se justifica pelas perspectivas educacionais e as bases teóricas que fundamentam cada uma dessas vertentes. Para uma melhor compreensão, apontaremos alguns aspectos destas tradições que julgamos serem mais relevantes, tendo em vista o propósito deste artigo.
À luz dos referenciais piagetiano e kellyano, o construtivismo pessoal apropriou-se e expandiu a ideia que a aprendizagem é um processo majoritariamente individual, no qual a construção de conhecimentos ocorre mediante interações do indivíduo com o mundo (Aguiar, 1998; Laburú, Carvalho e Batista, 2001; Matthews, 1997, 2000). Além disso, nessa perspectiva difundiu-se vigorosamente a noção que qualquer desenvolvimento eficaz de novos conhecimentos pelos alunos começa com o reconhecimento de suas crenças e ideias prévias, em um processo dialético de geração e superação de conflitos cognitivos.
Um dos principais defensores e propositores do construtivismo pessoal foi Ernst Von Glasersfeld, Segundo Glasersfeld (1989), o construtivismo, se baseia em dois princípios que são fundamentais para o estudo do desenvolvimento cognitivo, do ensino e da aprendizagem: (1) o conhecimento não é passivamente recebido, mas ativamente construído pelo sujeito cognoscente e (2) a função da cognição é adaptativa e serve à organização do mundo experiencial e não à descoberta da realidade ontológica" (p. 162).Glasersfeld radicalizou a versão original, incluindo asserções sobre a impossibilidade de acesso à realidade, inspirando muitos relativistas a se apropriarem de suas ideias (Pietrocola, 1999).
Várias críticas foram dirigidas ao construtivismo pessoal, muitas delas sem indicar precisamente qual de seus aspectos, e foram sendo difundidas e discutidas em artigos da área da educação em ciências. Uma das críticas mais fortes apontou para o foco central da teoria, minando a suposição de que o conhecimento científico pudesse ser construído individualmente pelo aluno. Os críticos, em geral, se apoiaram no argumento que, didaticamente falando, "nenhuma experiência ou observação individual pode, de todo, estabelecer ou orientar a construção de conceitos científicos, que são, em última instância, construções abstratas, idealizadas" (Laburú e Arruda, 2002, p. 479). Além disso, outros autores questionaram o critério de validade dos conhecimentos construídos; a possibilidade de uma universalização de conhecimentos e a impossibilidade da aprendizagem mediante a transmissão de significados, entre outros (Garrison, 1997; Hardy e Taylor, 1997; Laburú e Arruda, 2002; Matthews, 2000).
Para contornar as críticas direcionadas ao construtivismo pessoal, alguns pesquisadores das áreas de educação e de educação em ciências apoiaram-se no construtivismo social. Com esta vertente buscou-se, fundamentalmente, superar a visão de que a construção do conhecimento se daria de maneira essencialmente individual. Sendo assim, o construtivismo social defende que "[...] o conhecimento é visto como construído por um sujeito (estudante) em interação com o seu meio social (escola e cultura extra-escolar)" (Laburú e Arruda, 2002, p. 478). Os autores ainda enfatizam que "O ponto importante é que os construtivistas sociais acreditam que a construção do conhecimento tem uma componente social e não pode ser considerada gerada por um indivíduo, agindo independentemente do seu contexto social" (Laburú e Arruda, 2002, p. 478). Dessa forma, Vygotsky passa a ser um referencial importante para o construtivismo social, em função de sua argumentação plausível e consistente sobre a construção de conhecimento mediada por interações sociais.
O construtivismo social também não se isentou de críticas e questionamentos, e aqui destacamos alguns deles: Como se estabelece na aprendizagem a relação entre as componentes sócio-cultural e pessoal? O que se quer dizer com a importância da negociação que deve ocorrer entre o expert e o aprendiz? Se a legitimação do saber estabelece-se para cada grupo sócio-cultural, então como se poderia pensar na universalização de saberes? Qual visão sobre a construção dos conhecimentos científicos e o critério de verdade (aspecto epistemológico)? Entre outros (Laburú, Carvalho e Batista, 2001; Matthews, 2000).
Em qualquer uma de suas vertentes, o construtivismo educacional foi responsável por questionar, na década de 1970, uma visão de ensino hegemônica, fundamentada epistemologicamente no positivismo. Teceu críticas ao ensino transmissivo e apresentou uma nova visão sobre o processo de aprendizagem e, consequentemente, sobre o ensino. Nesse sentido, surgiu uma nova visão sobre o aluno e seu papel enquanto aprendiz. O aluno deixa de ser visto como um indivíduo passivo, vazio de conhecimento, e passa a assumir uma participação ativa no processo de aprendizagem. Diante disso, a motivação do aluno também passou a ser considerada como um elemento importante no processo de construção do conhecimento, muito embora, ainda bastante negligenciado nas ações de ensino e aprendizagem construtivistas (Palmer, 2005). Ainda, segundo Aguiar (1998) uma das maiores influências do movimento construtivista para o contexto educacional foi a de deslocar o centro de atenção dos métodos de ensino (técnicas) para os processos de aprendizagem.
De acordo com Rangel (2002, p. 71) "o construtivismo nos faz ousar uma nova abordagem do ensino fundamentado no aprofundamento do conhecimento e na gênese de sua construção". A autora profere essa afirmação ao final de seu livro, no qual analisa e problematiza uma série de falsas verdades sobre o construtivismo. Ainda segundo Rangel, as falsas verdades podem "... desvirtuar o verdadeiro significado do 'ser construtivista'" (p. 71). Para Ogborn (1997, p. 131) o construtivismo educacional também contribuiu para o avanço da investigação sobre processos de ensino-aprendizagem, o qual ele sintetiza corretamente em quatro aspectos, elencados abaixo:
- A importância do envolvimento ativo do estudante para o alcance de entendimentos;
- A importância do respeito pelo estudante e por suas próprias ideias;
- A compreensão de ciência constituída de ideias criadas por seres humanos;
- A primazia por uma concepção de ensino que capitaliza e usa o que os estudantes já sabem, com o intuito de superar suas dificuldades para a compreensão de novos saberes com base na sua visão de mundo.
Tendo por base os aspectos positivos do movimento construtivista educacional, vários estudos teóricos e empíricos, visando incursões em sala de aula são realizados no campo da educação em ciências. No entanto, é importante estarmos atento às características de uma ação didática que possa se intitular construtivista. Além disso, pesquisas de caráter empírico nos oferecem uma oportunidade de análise e avaliação da possibilidade de desenvolvimento de um ensino construtivista. Então, como fazer uma análise de trabalhos pedagógicos que se intitulam construtivistas?
Quais as características que estas atividades devem ter? Há critérios estabelecidos para isso? Com vistas a este tipo de questionamentos que realizamos um estudo do artigo de Baviskar et al. (2009).
Critérios para caracterizar o ensino construtivista
Para estabelecermos um conjunto de critérios que sejam úteis na avaliação de práticas didáticas construtivistas partimos para a análise do artigo intitulado "Essential Criteria to Characterize Constructivist Teaching: Derived from a review of the literature and applied to Five constructivist-teaching method articles" de Baviskar et al. (2009). Neste artigo são propostos quatro critérios, considerados pelos autores como essenciais e indispensáveis para designar uma metodologia didático-pedagógica como construtivista. Estes critérios foram formalizados com base nas características fundamentais exigidas pelo construtivismo. Os critérios propostos são os seguintes: elicitação dos conhecimentos prévios; criação do conflito cognitivo; aplicação do conhecimento com feedback e reflexão sobre a aprendizagem. A partir desses critérios, os pesquisadores analisaram cinco artigos publicados em periódicos, os quais tinham como propósito a descrição e análise de métodos de ensino-aprendizagem construtivistas.
Na tabela 1 sintetizamos a descrição que Baviskar et al. (2009) fazem sobre cada critério e, também, indicamos algumas das estratégias pedagógicas que propuseram para o desenvolvimento de uma atividade construtivista focada nestes critérios.
Baviskar et al. (2009) sinalizam claramente que concebem o construtivismo como uma teoria de aprendizagem e não uma teoria da estrutura curricular. Comisso, não pretendem que os critérios sejam lidos como uma metodologia para a estruturação de ações construtivistas, mas sim que possam servir de referência para análise de propostas de ensino que queiram seguir a visão construtivista. Para eles, estes critérios são representativos da teoria do construtivismo pessoal, vertente foco do artigo.
Escolhemos esse artigo por concordarmos, ainda que parcialmente, quanto ao estabelecimento desses critérios. Acreditamos que eles sejam representativos no que concerne à teoria educacional construtivista (pessoal e social), mas não suficientes. Diante disso, sentimos a necessidade de fazer algumas críticas quanto à proposição de apenas quatro critérios bem como ao propósito deles estarem direcionados ao construtivismo pessoal.
Aparentemente é possível perceber uma coerência e linearidade entre os critérios, no sentido de que o desenvolvimento de cada um só pode ser feito após a conclusão do anterior. Entretanto, parece haver um salto grande entre o segundo e terceiro critérios, escondendo alguma etapa importante no processo de construção de conhecimento dos alunos. Pois assim como está retratado pelos critérios, nada se fala entre a passagem da geração de conflito cognitivo e a aplicação do conhecimento com feedback. Cabe questionar então: em uma perspectiva de ensino construtivista, como se chega ao desenvolvimento de um "conhecimento novo" que possa ser aplicado? A elicitação dos conhecimentos prévios e a criação do conflito cognitivo não parecem garantir por si sós que se estabeleça um conhecimento a ser aplicado. Para se chegar a um novo conhecimento aplicável, necessariamente deverão ocorrer ações didático-pedagógicas que conduzirão os alunos em seu processo de construção deste conhecimento. No construtivismo, estas práticas didáticas não podem ser quaisquer, devendo ser coerentes com esta teoria de aprendizagem.
Reestruturação dos critérios
A lacuna que sinalizamos, ao analisar os critérios propostos por Baviskar et al. (2009), poderá ser preenchida ao se estabelecer um outro critério que se refira ao processo de orientação, sistematização e organização do conhecimento novo em ações de ensino-aprendizagem construtivistas. Entendemos que a forma como o conhecimento novo será sistematizado e organizado, nas interações professor-aluno e aluno-aluno, será determinante para que a aula seja construtivista, pois, isso refletirá a concepção sobre a aprendizagem.
Em decorrência do exposto acima, propomos mais um critério que denominamos como: Ajuda para a Apropriação do Conhecimento. Uma vez que seja gerado um conflito cognitivo, motivado pela problematização dos conhecimentos prévios dos alunos no confronto com os conhecimentos científicos, esperamos que eles possam refletir, argumentar e defender seus pontos de vista. Sendo assim, o tempo didáticonão permitirá que os alunos possam superar individualmente todas as suas dúvidas, exigindo que o professor ajude-os no trabalho de orientação e sistematização para que eles possam se apropriar dos novos conhecimentos. Na visão construtivista, essa ajuda não poderá ser em forma de discurso autoritário, dogmático e diretivo, mas sim mediante exposições, discussões e defesas argumentativas, em que os alunos deverão ter papel ativo e participativo. Admitimos aqui que determinados conhecimentos devem ser transmitidos aos alunos e por meio da discussão conjunta poderão ser apropriados por eles. Esse aspecto será determinante para que ocorra a construção dos conhecimentos novos (escolares).
Para que possamos compreender melhor a importância deste critério que estamos propondo, fundamental para a análise de práticas didáticas que se intitulam construtivistas, é apropriado caracterizar como concebemos o contexto escolar, ou seja, a educação escolar. Nossa visão é similar àquela expressada por Coll (2004), quando afirma que "... a educação escolar, da mesma forma que outros tipos de práticas educativas vigentes em nossa sociedade, é antes de tudo, e sobretudo, uma prática social complexa com uma função, entre outras, claramente socializadora" (p. 24). Com isso, acreditamos que a aprendizagem conduzirá ao crescimento e desenvolvimento pessoal à medida que propiciar um duplo processo, de interação social e de individualização permitindo que "... os alunos construam uma identidade pessoal no âmbito de um contexto social e cultural determinado" (p. 24).
Neste sentido, como poderá ser pensada a função do professor na construção de conhecimentos dos alunos? Ainda, como deverá ser caracterizada a Ajuda para a Apropriação do Conhecimento? Nesta discussão não podemos perder de vista que no construtivismo ressalta-se que o aluno possui a responsabilidade por sua aprendizagem, sendo que o conhecimento deverá ser construído por ele próprio, não podendo outro indivíduo executar esta tarefa por ele. Isso nos conduz a concordar com Coll (2004) quando o autor destaca que "... ninguém pode suprir o aluno em seu processo de construção pessoal e que nada pode substituir a ajuda que supõe a intervenção pedagógica, para que essa construção seja realizada" (p. 31). Sendo assim, para Coll a ajuda pedagógica é determinante para que ocorra a construção de conhecimento por parte do aluno e, além disso, esta ajuda se caracteriza por um processo da mesma forma como concebe a aprendizagem escolar. Por essa razão Coll afirma que
[...] não se pode assimilar a concepção construtivista com uma metodologia didática ou com um método de ensino particular. Não acredito que exista uma metodologia didática construtivista; o que existe é uma estratégia didática geral de natureza construtivista que é regida pelo princípio de ajuste da ajuda pedagógica e que pode ser caracterizada em múltiplas metodologias didáticas particulares de acordo com o caso. Em algumas ocasiões, o ajuste da ajuda pedagógica é obtido proporcionando-se ao aluno uma informação organizada e estruturada; em outras, formulando indicações e sugestões mais ou menos detalhadas para resolver algumas tarefas; em outras, ainda, permitindo-lhe que escolha e desenvolva de forma totalmente autônoma, determinadas atividades de aprendizagem (p. 31).
A ajuda pedagógica ao aluno, a quem cabe a construção do conhecimento, é necessária, uma vez que, "[...] sem ela é altamente improvável que os alunos cheguem a aprender, e a aprender da maneira mais significativa possível, os conhecimentos necessários ao seu desenvolvimento pessoal e à sua capacidade de compreensão da realidade e de atuação nela, que a escola tem a responsabilidade social de transmitir" (Onrubia, 2009, p. 123). Diante disso, Onrubia defende um ensino como ajuda ajustada, que pressupõe "[...] desafios abordáveis para o aluno; abordáveis não no sentido de que possa resolvê-los ou solucioná-los sozinho, mas de que possa enfrentá-los graças à combinação entre suas próprias possibilidades e os apoios e instrumentos recebidos pelo professor" (p. 125). Depreende-se deste argumento, que o princípio da ajuda ajustada resgata a possibilidade de incidência sobre a aprendizagem e de encaminhá-la para certa direção.
Assim, a ajuda pedagógica, ao valorizar o papel do professor e do contexto, não pressupõe a transmissão direta de conhecimentos, mas, sobretudo, que a intervenção didática, sem a qual os conhecimentos novos não podem ser adquiridos, se ajuste à atividade construtiva dos alunos a cada passo do processo de aprendizagem. Isto leva a considerar que a atividade construtiva dos alunos é diversa, portanto, um único método de ensino, utilizado à exaustão, será incapaz de suprir as necessidades de ajuda de todos os alunos ao mesmo tempo, ou de certo aluno em todos os momentos. Ignorar esse fato é um dos grandes equívocos do ensino tradicional.
Nesta perspectiva, Onrubia (2009) sugere como encaminhamento que, para oferecer uma ajuda ajustada é interessante que se criem Zonas de Desenvolvimento Proximal (ZDP) e nelas se ofereça assistência. A noção de ZDP foi proposta por Vygotsky, ao abordar a importância da relação e interação social para promoção da aprendizagem e desenvolvimento humano. Vygotsky (1984) caracteriza as ZDP como uma distância entre dois níveis de desenvolvimento - real e potencial. O nível de desenvolvimento real é caracterizado pela capacidade atual da pessoa agir e resolver problemas de forma individual. Já o nível de desenvolvimento potencial é determinado mediante a atuação e resolução de problemas sob a orientação de um adulto, mais experiente ou em colaboração com iguais mais capazes. Para Vygotsky a ZDP "[...] define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de 'brotos' ou 'flores' do desenvolvimento, ao invés de frutos do desenvolvimento" (p. 97).
Enfim, acreditamos que quando se objetiva avaliar práticas didáticas de natureza construtivista, constata-se a relevância de um critério que analise o papel do professor no processo de oferecer uma ajuda ajustada, para que os alunos construam seus conhecimentos. Para tal, propomos o critério denominado Ajuda para a Apropriação do Conhecimento. Este critério se caracteriza como um elemento de vigilância da ação do professor e das estratégias e instrumentos didático-metodológicos, para o oferecimento da ajuda ajustada. Portanto, defendemos a inclusão de mais este critério aos quatro propostos por Baviskar et al. (2009), totalizando cinco critérios relevantes para a análise de práticas didáticas construtivistas, quais sejam:
- elicitação dos conhecimentos prévios;
- criação do conflito cognitivo;
- ajuda para a apropriação do conhecimento;
- aplicação do conhecimento com feedback;
- reflexão sobre a aprendizagem.
É importante ressaltar que a noção de ajuda ajustada carrega uma premissa de que "[...] aquilo que o aluno pode realizar com ajuda, em determinado momento, poderá realizar de maneira independente mais tarde, e que o fato de participar da tarefa conjuntamente com um colega mais competente ou experiente é, precisamente, o que provoca as reestruturações e as mudanças nos esquemas de conhecimento que tornarão possível essa atuação independente" (Onrubia, 2009, p. 127). Além disso, na escola o aluno não está sozinho, ele é parte de uma comunidade escolar e, de forma mais restrita, em sala de aula, ele compartilha ideias, opiniões, saberes com seus colegas e com o professor. Desse modo, a sua apropriação de conhecimento é mediada por momentos de compartilhamento e por momentos de transferência de significados, seja do professor para o aluno ou de aluno para aluno. Isso retrata muito mais um contexto que possa ser guiado por uma perspectiva educacional própria do construtivismo social do que do construtivismo pessoal, como priorizado e focado por Baviskar et al. (2009).
Acreditamos muito mais na exequibilidade de uma proposta de desenvolvimento de aprendizagem escolar que se fundamente no construtivismo social do que no pessoal. Nossa afirmação é justificável por algumas constatações oriundas da realidade escolar de vários países e por compartilharmos de determinada visão de ensino e escola. Grande parte das escolas são, em geral, organizadas por turmas numerosas, por vezes, com diferentes origens sociais e culturais devido a grande miscigenação e grandes diferenças sociais e econômicas existentes em alguns países. Um cenário como esse dificulta muito ou mesmo não propicia o desenvolvimento de um ensino fundamentado nas perspectivas de aprendizagem do construtivismo pessoal.
Baviskar et al. (2009) afirmam que um elevado número de alunos não pode ser visto como um empecilho para o desenvolvimento de um ensino baseado no construtivismo pessoal. Nós concordamos parcialmente com a visão destes autores, pois, um elevado número de alunos por turma quando somado a outros aspectos e características, como as indicadas acima, de fato coloca restrições para que se possa desenvolver um ensino que retrate e respeite as perspectivas do construtivismo pessoal. No construtivismo pessoal não se valoriza a transferência (no sentido acima exposto) de significados de uma pessoa para outra, e em sua visão mais radical, tudo deve ser construído individualmente. A escola, assim como a sociedade em geral, não se organiza ou se constitui por ações essencialmente individuais, demanda-se de interações interpessoais que conduzem a aprendizagem e construção intrapessoal (Bertrand, 2001).
Baviskar et al. (2009) ao referenciar o construtivismo social o concebem fora do contexto educacional, fazendo uma leitura desta vertente no campo da investigação sociológica. Nossa discussão está no campo da educação, conforme apontamos na parte inicial do artigo. Na educação há a compreensão da existência de duas perspectivas de ensino construtivista: a pessoal e a social. O construtivismo social, neste contexto, sugere e valoriza formas de trabalho pedagógico que deverão propiciar aprendizagens mediante a interação entre aluno-aluno e professor-aluno. Assim sendo, diferentemente da sinalização de Baviskar et al., acreditamos que os critérios apresentados por eles e incluindo o critério que nós acrescentamos, permitem a análise de trabalhos do construtivismo social.
Análise de Artigos
Com o propósito de validar os cinco critérios estabelecidos, inspirados na metodologia utilizada por Baviskar et al. (2009), reanalisamos inicialmente os mesmos artigos avaliados por estes autores. Em um segundo momento, analisamos quatro artigos publicados em periódicos brasileiros, seguindo os mesmos procedimentos de análise. Nosso objetivo principal foi identificar se os autores dos artigos analisados, ao retratarem práticas didáticas construtivistas, mantiveram alguns dos elementos essenciais numa atividade de ensino construtivista.
Na sequência apresentamos uma breve descrição de cada um dos artigos analisados. Esta descrição persiste em uma síntese na qual estabelecemos: a) o objetivo principal de cada artigo, b) a proposta de ensino-aprendizagem, c) o desenvolvimento da proposta e d) se os critérios essenciais do construtivismo são contemplados. Organizamos nossa análise em dois blocos, sendo o primeiro dedicado à reanálise dos artigos avaliados por Baviskar et al. (2009) e o segundo destinado para os artigos brasileiros. Ressaltamos também que todos os artigos analisados se auto-intitulam construtivistas.
Reanálise dos artigos avaliados por Baviskar et al. (2009)
Artigo I: Usando computadores para criar ambientes de aprendizagem construtivista: impacto sobre a pedagogia e desempenho. (Using computers to create constructivist learning environments: impact on pedagogy and achievement).
O estudo de Huffman, Goldberg e Michlin (2003) descreveu a atuação de professores que desenvolveram o projeto Constructing Physics Understanding (CPU) para criar ambientes de aprendizagem construtivistas. As unidades modulares do projeto abordaram conceitos de Luz e Cor, Corrente elétrica, Eletricidade estática e Magnetismo, Fundamentos de Movimento e Força, Ondas e Modelo de partículas elementares da matéria. Cada unidade contém atividades, simulações computacionais e um jornal eletrônico, e o seu desenvolvimento foi dividido em ciclos de construção de ideias com três fases: a) elicitação; b) desenvolvimento; e c) aplicação. O estudo foi desenvolvido em 23 salas de aula do ensino médioeos autores observaram três grupos de professores: 1) Lead computer teachers: professores do ensino médios mais experientes, conhecedores do CPU e que ajudaram a ministrar os workshops; 2) Beginning CPU teachers: professores recém capacitados para o CPU e que estavam desenvolvendo o projeto pela primeira vez; e 3) Um grupo comparativo, com professores que não participaram dos workshops e não aplicaram o projeto, mas ministraram o mesmo conteúdo de Física - Força e Movimento - utilizando métodos tradicionais.
Ao descreverem o projeto e seus objetivos, Huffman et al. (2003) apresentaram uma proposta que poderia ser caracterizada como construtivista. Entretanto, observa-se que sua execução pelos diferentes grupos de professores não seguiu as orientações do projeto. Havia uma expectativa dos autores em relação aos leads CPU teachers, pois esses professores tinham experiência em sala de aula e na utilização do CPU. Entretanto, o professor observado pelos autores agiu como instrutor, não atuando de forma construtivista. No texto do artigo não há evidências de que suas ações tenham sido direcionadas a elicitar os conhecimentos prévios, criar conflitos cognitivos, oferecer um feedback nas discussões com os estudantes e favorecer a reflexão deles sobre os conteúdos aprendidos, prestando de fato uma ajuda para a apropriação do conhecimento. Diante disso, ficou evidente que os critérios essenciais para uma prática construtivista não foram considerados. A professora observada no grupo dos beginning CPU teachers reconheceu que não atuou de forma construtivista. Embora tenha realizado a elicitação dos conhecimentos prévios, precisou assumir as discussões porque os alunos não respondiam as questões e não se manifestavam voluntariamente. No grupo comparativo, o professor atuou de forma tradicional, pois inicialmente realizou a exposição do conteúdo e em seguida solicitou que os alunos respondessem algumas questões e realizassem o experimento. Além disso, cabe destacar algumas diferenças quanto à utilização de computadores pelos alunos participantes do projeto. Enquanto os alunos dos leads CPU teachers tinham à disposição computadores para todos, os do grupo beginning CPU teachers precisaram se revezar para utilizar os computadores e os alunos do grupo comparativo não tinha computadores disponíveis no laboratório.
Huffman et al. (2003) afirmaram que durante a realização do projeto os alunos desenvolveram, testaram e modificaram suas ideias. Não podemos afirmar se isso realmente aconteceu, pois não foi observado no texto do artigo. Em relação ao impacto na aprendizagem dos alunos, o tratamento estatístico dos dados mostrou que os alunos dos lead CPU teachers tiveram pontuações maiores se comparados com os outros dois grupos. Isso mostra que o projeto contribuiu para uma melhor compreensão dos conceitos de física, mas não significa que os alunos aprenderam sob uma perspectiva construtivista.
"Artigo II: Construtivismo na educação superior de massa: um estudo de caso" (Constructivism in mass higher education: a case study).
O estudo de caso descrito por Bostock (1998) refere-se a um curso que utilizou a Internet e o ciberespaço como ambientes de aprendizagem construtivista no ensino superior. Participaram deste curso 300 alunos de graduação da área de humanas e ciências sociais. O autor proferiu palestras semanais com duração de uma hora durante onze semanas. As aulas de laboratório aconteceram em duas horas por semana, com a supervisão de um tutor. O autor ressalta que os alunos foram preparados, em um curso anterior, para utilizar a Internet, participar de discussões online, utilizar e-mails e o sistema operacional Windows.
Com base na literatura, o autor indicou cinco princípios que caracterizam uma abordagem construtivista e sobre os quais o projeto do curso foi elaborado: a) avaliação autêntica; b) responsabilidade e iniciativa do estudante; c) geração de estratégias de aprendizagem; d) contexto de aprendizagem autêntico e e) apoio cooperativo. As atividades envolveram a elaboração de um diário, tarefas de texto enviadas por e-mail para o tutor, pesquisas na Internet, elaboração de uma página da Web, mapa conceitual e um relatório final. Bostock reconheceu que a aprendizagem presencial com 300 estudantes era impossível e, por essa razão, os contatos individuais mais frequentes aconteceram com o tutor, presencialmente ou por e-mail.
Embora o autor afirme que a proposta do curso foi alicerçada na perspectiva construtivista, não observamos indicativos de que os critérios foram contemplados. O curso introdutório ficou caracterizado como um pré-requisito necessário para que os alunos pudessem ter um bom desempenho no curso ministrado por Bostock. O fato dos alunos terem sido preparados não significa que os conhecimentos prévios seriam elicitados posteriormente. O tutor que acompanhou os estudantes em diversos momentos foi solicitado para esclarecer dúvidas e orientar os alunos na realização das tarefas, ou seja, os alunos tiveram mais contato com o tutor do que com o professor durante a realização do curso. Mesmo contemplando atividades diversificadas, não foi possível afirmar que houve a criação do conflito cognitivo, aplicação do conhecimento com feedback ou reflexão sobre a aprendizagem. Quanto à ajuda para a apropriação do conhecimento, consideramos que ela teve um alto direcionamento, restringindo-se basicamente a um suporte técnico oferecido pelo tutor. Assim, concordamos com Baviskar et al. (2009) quando afirmam que "o artigo falha em cumprir a maioria dos nossos critérios da pedagogia construtivista" (p. 546). Essa falha é mais evidente quando Bostock descreve as atividades realizadas pelos alunos.
Artigo III: Construindo conhecimentos em salas de aula (Constructing knowledge in the lecture hall).
Klionsky (1998), com o objetivo de promover um ambiente de aprendizagem que favorecesse o construtivismo, argumentou que a aprendizagem ativa dos estudantes em classes numerosas (entre 250 e 350 alunos) deveria acontecer fora de sala de aula na medida em que ocorresse a mudança de hábitos de estudo desses alunos.
O autor não denomina seu trabalho como construtivista, entretanto tenta promover em sua classe uma aproximação construtivista como forma de ir além de um ensino meramente transmissivo. Argumentando não ter encontrado nenhuma referência metodológica construtivista adequada às classes numerosas, propôs em seu curso a realização de leituras prévias e testes em sala de aula, além de atividades de resolução de problemas como forma de promover uma interação entre os alunos possibilitando o compartilhamento das respostas entre eles. A elicitação dos conhecimentos prévios e a criação de conflito cognitivo não faziam parte de seu planejamento, apesar da descrição que faz de uma aula sobre carboidratos contemplar uma pequena e tênue aparição desses elementos. Os testes e questões realizadas em sala de aula foram utilizados pelo autor como oportunidade de aplicação do conhecimento com feedback pelos alunos, mas no entanto não garantiam a reflexão da aprendizagem, na medida em que a técnica de avaliação utilizada não priorizava a tomada de consciência dos alunos sobre o conhecimento adquirido. Vale destacar a necessidade e importância dada pelo professor em seu planejamento para a sistematização e organização, ou seja, a ajuda para a apropriação do conhecimento. Entretanto, essa ajuda não estava centrada no aluno, e sim, no conteúdo das anotações fornecidas para os alunos, sem levar em consideração as eventuais discussões geradas em sala de aula nas atividades em grupo durante a resolução de problemas. Dessa forma, a ajuda oferecida se caracterizou essencialmente como uma orientação e designação das tarefas que os alunos deveriam executar, com isso, não atendendo plenamente às características da ajuda para a apropriação do conhecimento.
Artigo IV: A Abordagem Centrada no Aluno para o Ensino de Biologia Geral Que Realmente Funciona: O Modelo Construtivista de Lord's Posto à Prova (A Student-Centered Approach to Teaching general Biology That Really Works: Lord's Constructivist Model Putto a Test).
Burrowes (2003), com o objetivo de ajudar seus alunos de um curso universitário de biologia (100 alunos) a obterem melhores notas em exames, desenvolverem habilidades de pensamento e modificarem suas atitudes em relação à biologia aplicou o "Modelo de Aprendizagem Construtivista" de Yager (1991), o modelo "5E" (Engajar, Explorar, Explicar, Elaborar, Avaliar) desenvolvido por Bybee (1993), e a aprendizagem cooperativa, conforme proposto por Lord (1998, 1999, 2001). A autora utilizava pequenas exposições para engajar os alunos que na sequência se organizavam em grupos para responder as questões solicitadas pela professora na etapa "explorar". Os alunos em grupos discutiam suas opiniões visando um consenso de forma a explicar as respostas dadas às questões. Quando o tempo designado para essa atividade terminava, alguns grupos eram chamados à frente da classe para apresentarem suas respostas ao grande grupo. Então, seguia-se a fase denominada "elaborar", na qual a professora gerenciava os equívocos apresentados nas respostas dos alunos, além de organizar a discussão para o novo conhecimento. Na etapa destinada a avaliar, um membro de cada grupo era sorteado para realizar o teste em nome do grupo. As questões respondidas durante as aulas também eram avaliadas.
O trabalho desenvolvido pela autora contemplou os elementos construtivistas, claramente reveladas em seus referenciais metodológicos construtivistas. A combinação das etapas "explorar", "explicar" e "elaborar" favoreceu e garantiu a elicitação dos conhecimentos prévios dos alunos e a criação do conflito cognitivo nos pequenos e grande grupos. Além disso, a fase de elaboração também permitiu a aplicação do conhecimento com feedback, e, juntamente com a etapa de avaliação, satisfez a reflexão sobre a aprendizagem. Nesse trabalho percebemos a importância da ação da professora no momento da sistematização e organização do conhecimento e que atendeu o critério de ajuda para a apropriação do conhecimento ocorrido na etapa denominada elaboração, de acordo com a metodologia aplicada. Consideramos que essa etapa atendeu aos critérios construtivistas pelo fato da professora levar em consideração o conhecimento discutido e construído pelos alunos nos grupos, e, a partir daí, iniciar a apresentação e encaminhar as aulas de forma a ajudar os alunos a se apropriarem dos conhecimentos novos.
Artigo V: "Ensino da herança biológica e da evolução dos seres vivos no ensino escolar secundário" (Teaching of biological in heritance and evolution of living beings in secondary school).
Banet e Ayuso (2003) com o objetivo de analisar algumas soluções para problemas envolvidos na aprendizagem e ensino da herança biológica e evolução dos seres vivos na escolarização secundária, elaboraram e implementaram uma unidade de ensino de biologia estruturada em uma perspectiva construtivista O primeiro critério, elicitação dos conhecimentos prévios, está presente de forma marcante e teve grande importância no desenvolvimento da unidade de ensino. As ideias prévias dos alunos foram levantadas por pré-testes, as concepções foram analisadas de forma bastante detalhada e, além disso, foi realizado um acompanhamento da evolução das ideias dos alunos com pós-testes ao término da implementação da unidade e testes de retenção três meses depois de finalizada a implementação.
O segundo critério, criação do conflito cognitivo, foi contemplado na medida em que as ideias prévias dos alunos foram problematizadas e os novos problemas, que demandavam a construção de conhecimentos para além das ideias primeiras dos alunos, foram propostos para serem solucionados pelos estudantes. A ajuda para a apropriação do conhecimento se fez presente por estratégias de explanação do professor, trabalhos práticos, consulta de bibliografias, entre outras. Nesta fase o professor também atuou na proposição, organização e supervisão de atividades e no fornecimento de informações. As ações relativas à aplicação do conhecimento com feedback foram realizadas pela proposição de novas situações-problema em que a solução demandava a aplicação do conhecimento construído, e a reflexão sobre a aprendizagem por meio da comparação entre as ideias novas e as antigas, bem como pela discussão das resoluções dos problemas. Por fim, a unidade de ensino de biologia, proposta por Banet e Ayuso (2003) se constitui efetivamente como construtivista e os resultados apresentados atestam que ela foi bem sucedida. Ao término da análise destes artigos constatamos que a presença dos cinco critérios ocorreu apenas em dois dos artigos analisados, conforme ilustrado na tabela 2, apresentada abaixo:
A análise dos artigos, guiada pela busca da identificação de critérios essenciais do construtivismo educacional, evidencia que alguns trabalhos que pretendem retratar ações construtivistas ficam aquém desta perspectiva educativa ou o relato e análise feita não foi suficientemente clara para retratar os aspectos essenciais do construtivismo educacional.
Análise dos artigos brasileiros
Buscamos por artigos publicados nos principais periódicos brasileiros da área de Ensino de Ciências, nos últimos dez anos (2000-2010), cujos objetivos envolvessem a descrição e análise de práticas didáticas construtivistas (trabalhos desenvolvidos em sala de aula). Foram selecionados quatro trabalhos, desenvolvidos nas reas de Ensino de Física e Ensino de Química. A escolha foi feita obedecendo a mesma regra utilizada por Baviskar et al. (2009), ou seja, artigos em que os autores afirmam explicitamente terem implementado uma proposta de ensino construtivista em sala de aula. Assim sendo, apresentamos na sequência as sínteses das análises destes artigos brasileiros. Da mesma forma que fizemos anteriormente, analisamos se as propostas de atividades construtivistas contemplam os cinco critérios que consideramos essenciais para uma prática construtivista.
Artigo VI: Avaliação da hipermídia no processo de ensino e aprendizagem da física: o caso da gravitação.
Machado e Santos (2004) descrevem uma ação construtivista baseada na utilização de um software hipermídia Gravitação Universal, destinado ao ensino e à aprendizagem da Gravitação no Ensino Médio. O software foi estruturado com base no construtivismo cognitivista, contemplando as ideias de Ausubel e Piaget. Na proposta de utilização da hipermídia, os autores indicam a realização de atividades que contemplam os cinco critérios construtivistas. Cabe ressaltar que "a hipermídia torna possível o desenvolvimento de sistemas que facultam ao aluno a exploração de um banco de informações conforme suas dúvidas e interesses" (p. 82). Dessa forma, seu desenvolvimento não é linear e durante a realização das atividades, tanto os conteúdos de física quanto os critérios construtivistas foram requeridos de forma alternada e dinâmica. Durante a navegação pela hipermídia1, o aluno tem acesso a vários links com questionamentos e problemas, cujos objetivos envolvem a elicitação dos conhecimentos prévios, a criação do conflito cognitivo, a aplicação do conhecimento e a reflexão sobre a aprendizagem. De acordo com o artigo, a fim de auxiliara apropriação do conhecimento, o professor pode sugerir diferentes trilhas aos estudantes, visando o entendimento e a compreensão dos conceitos. Além disso, os alunos podem consultar fontes externas à hipermídia, como internet, livros, revistas, jornais, entre outros.A aplicação dessa proposta teve duração de quatro semanas, intercalando aulas em sala de aula e no laboratório de informática, e envolveu uma turma do segundo ano do ensino médio, composta por 28 alunos. As atividades foram realizadas em grupos de dois a três alunos, que ao final de cada aula entregavam ao professor as soluções dos problemas propostos pela hipermídia e o resumo dos textos estudados em sala de aula. Isso nos permite afirmar que essa avaliação contínua contemplou os critérios de aplicação do conhecimento com feedback, e, propõe uma reflexão sobre a aprendizagem. Além disso, de acordo com as orientações propostas ao professor, consideramos que o critério de ajuda para a apropriação do conhecimento também foi contemplado. Ao final do artigo, os autores apontaram algumas limitações percebidas durante a realização das atividades, como o pequeno número de computadores e a ausência de um monitor para auxiliar os alunos a utilizarem o software, o que possibilitaria ao professor maior dedicação no desenvolvimento pedagógico da proposta. Afora esta limitação, o artigo descreve uma típica ação construtivista, contemplando os critérios essenciais.
Artigo VII: A entropia no ensino médio: utilizando concepções prévias dos estudantes e aspectos da evolução do conceito.
Para compreender a evolução do conceito de entropia entre alunos do segundo ano do ensino médio, Covolan e Silva (2005) elaboraram um minicurso com estratégias de ensino norteadas pela perspectiva construtivista, apoiando-se na proposta construtivista para a realização de trabalhos em sala de aula apresentada por Wheatley (1991).
Na primeira aula, os autores realizaram a elicitação dos conhecimentos prévios dos estudantes por meio de questões em que os alunos deveriam expressar suas noções sobre a reversibilidade e irreversibilidade de processos físicos. Na segunda aula os alunos foram incentivados a debater suas hipóteses em grupos a fim de gerarem perturbações com sua ideias, possibilitando assim a criação do conflito cognitivo. Nessa aula, o professor percorreu os grupos a fim de orientá-los quanto à apropriação dos conhecimentos novos, esclarecendo dúvidas quando essenciais para o avanço das discussões e propondo novos questionamentos. Nas duas aulas seguintes, a sistematização dos conceitos foi realizada a partir da leitura e reflexão de dois textos didáticos sobre a evolução histórica do conceito de entropia. Após a leitura, outras questões foram propostas aos alunos pelo professor com o objetivo de gerar mais discussões sobre os processos abordados. O professor teve pa-pel determinante nessas duas aulas, visto que organizou as discussões e sistematizou as falas dos alunos e as concluiu com a organização dos conceitos explorados, caracterizando a ajuda para a apropriação do conhecimento. Na última aula, os alunos responderam a um questionário, com o objetivo de avaliar a evolução conceitual sobre os processos reversíveis e irreversíveis e o conceito de entropia. Nessa aula, assim como nos momentos de discussão oportunizados nas aulas anteriores, os alunos tiveram a oportunidade de aplicar os conhecimentos adquiridos com feedback, e, refletir sobre a aprendizagem.
Os autores reconhecem que uma das limitações da proposta refere-se à imediata aplicação do conhecimento pelos alunos (5ª aula), que poderiam ainda estar imersos em um processo de conflito cognitivo gerado nas aulas anteriores. Nesse sentido, os autores argumentam para a necessidade de um período de tempo maior para a reequilibração (segundo Piaget), ou seja, uma melhor estruturação dos conceitos pelos estudantes. Mesmo assim, a ação pedagógica descrita se constitui em uma proposta de ensino-aprendizagem construtivista.
Artigo VIII: Um curso de astronomia e as pré-concepções dos alunos.
Com a finalidade de levar os alunos à compreensão de fenômenos ligados à astronomia e a desenvolverem competências para uma autonomia cidadã, Scarinci e Pacca (2006) desenvolveram um curso de astronomia (54 horas/aula), com alunos da 5ª série de uma escola particular, embasado em uma metodologia de natureza construtivista. O curso era composto de três partes: i) identificação das pré-concepções dos participantes; ii) estudo dos fenômenos astronômicos elementares; e, iii) discussão de outros eventos astronômicos e conceitos de interesse.
Inicialmente, a aplicação de um questionário com perguntas que instigavam os alunos a pensarem sobre fenômenos de movimento e visualização dos astros favoreceu a elicitação dos conhecimentos prévios. A partir daí, a professora conduziu uma discussão com os alunos, organizados em grupos, com o objetivo de clarear dúvidas das respostas dos questionários, e também evidenciar aos estudantes suas próprias ideias sobre os fenômenos e as contradições das mesmas favorecendo a criação do conflito cognitivo. Na segunda parte do curso, a fim de ensinar os conceitos científicos relacionados à astronomia, foram utilizadas aulas expositivas, debates, discussões em grupos e com a classe, atividades individuais escritas, entre outras que possibilitaram à professora realizar a ajuda para a apropriação do conhecimento. Nesse trabalho, os autores consideraram apropriada a exposição de conteúdos em determinados momentos em que o conhecimento precisa ser organizado e sistematizado. Finalizada a apresentação e discussão dos fenômenos astronômicos básicos e suas causas, foi realizada uma saída de estudos noturna para a observação do céu equipados com instrumentos de observações astronômicas. Algumas das observações feitas foram sugeridas pela professora, e outras partiam dos próprios alunos que já estavam se preparando para uma posterior discussão a respeito das observações. Essa atividade permitiu aos alunos a aplicação dos conhecimentos, a reflexão sobre a aprendizagem e novamente a elicitação de conhecimentos prévios e a criação de conflitos cognitivos, já que realizaram observações além daquelas sugeridas pela professora.
Na terceira parte do curso, foram realizadas discussões sobre os registros da observação ao céu noturno, foram retomadas às concepções e explicações anteriores e o estudo dos fenômenos astronômicos considerados mais complexos. A professora realizou algumas exposições com base nas discussões suscitadas pelos alunos. Os alunos fizeram pesquisas, apresentações e leituras e ao retomarem para o livro didático, passaram a ter uma leitura mais crítica dos textos, figuras e representações, considerando-os pouco explicativos para estudantes que "ainda não sabem astronomia", e a partir disso tiveram a iniciativa de escrever um "livro" para ensinar astronomia. As atividades realizadas nessa terceira parte do curso favoreceram a aplicação do conhecimento com feedbacke a reflexão sobre a aprendizagem, visto que o material produzido pelos alunos foi avaliado. Por fim, foi realizada uma avaliação em duas etapas: uma entrevista individual e uma produção escrita em que os estudantes deveriam discorrer sobre alguns fenômenos astronômicos, causas e regularidades. De acordo com o exposto, consideramos que a proposta de atividade do ensino de astronomia de Scarinci e Pacca (2006) aqui apresentada contempla todos os critérios construtivistas.
Artigo IX: Abordando soluções em sala de aula - uma experiência de ensino a partir das ideias dos alunos.
Carmo e Marcondes (2008) apresentam uma proposta de ensino com o objetivo de auxiliar os alunos de química do ensino médio no entendimento do conceito de solução, considerando as ideias prévias dos alunos. A proposta, aplicada com alunos das 2as e 3as séries do ensino médio de uma escola da rede pública da cidade de São Paulo, consistia de três etapas. Na primeira delas, por meio de quatro questões abertas os alunos foram solicitados a apresentarem seus entendimentos da palavra "solução" e da expressão "dissolver uma substância em outra", no contexto da aula de Química; a fornecerem exemplos de soluções conhecidas e, por fim, representarem por meio de desenhos e explicações o processo de dissolução do sal de cozinha em água. Essa atividade possibilitou a elicitação dos conhecimentos prévios dos alunos.A segunda etapa foi realizada em duas aulas, de 50 minutos cada. Na primeira aula, foram realizadas demonstrações, discussões e a produção de um mapa conceitual sobre os aspectos estudados. A partir da apresentação de frascos contendo diferentes sistemas, os alunos deveriam classificar os conteúdos em substâncias puras e misturas, bem como apontar o critério utilizado para a classificação. Seguida a essa primeira atividade, os alunos compartilharam e discutiram os critérios utilizados com toda a classe, confrontando suas ideias com as dos colegas. Complementando essa discussão, observaram um experimento que contrapunha as concepções apresentadas e favorecendo assim a criação do conflito cognitivo. Com o objetivo de organizar e verificar como os conceitos construídos relacionam-se, os alunos foram solicitados a construírem um mapa conceitual, que também contribuiu para o processo de avaliação, pelo professor, da aprendizagem desses conceitos. No entanto, essa sistematização partiu dos alunos, e não do professor como sugerimos no terceiro critério construtivista. Na segunda aula foram realizadas atividades experimentais e discussões semelhantes àquelas da primeira aula, com o intuito de retomar conceitos que não foram apresentados adequadamente pelos alunos em seus mapas conceituais. Mesmo havendo novas discussões e realização de atividades experimentais, notamos que a ajuda para a apropriação do conhecimento não foi contemplada, pois, as atividades foram em sua maioria bastante diretivas.
Na terceira etapa, realizada cerca de um mês após as atividades descritas anteriormente, foram aplicadas três questões em que os autores buscavam verificar os conhecimentos elaborados pelos alunos sobre os conceitos estudados, mas que não pareceram promover nenhum dos critérios construtivistas. Sendo assim, consideramos que esta proposta contempla parcialmente os critérios essenciais do construtivismo.
artigos contemplaram os cinco critérios construtivistas. Na tabela 3 ilustramos a ocorrência dos critérios em cada um dos trabalhos analisados:
A procura pelos critérios essenciais do construtivismo educacional nos trabalhos brasileiros analisados demonstra que existe uma preocupação em desenvolver/realizar propostas didáticas construtivistas. Cabe ressaltar que, assim como observamos na análise dos artigos avaliados, primeiramente, por Baviskar et al. (2009), a descrição feita pelos autores dos artigos pode não ter sido suficientemente clara para assegurar o atendimento dos critérios construtivistas. Em alguns casos, dependendo da atitude do professor em sala de aula, uma proposta construtivista pode não ser desenvolvida como tal. Destacamos aqui a importância da ajuda para a apropriação do conhecimento.
Algumas considerações
A reflexão efetuada neste artigo situa-se no campo da educação, em especial sobre a influência e adoção do construtivismo neste contexto. O movimento construtivista não se atém exclusivamente à educação, sendo referência também na epistemologia, na filosofia, na psicologia, na sociologia, entre outras áreas. Por essa razão procuramos demarcar em nossa reflexão duas linhas centrais do construtivismo educacional, a saber: uma voltada para o construtivismo pessoal e a outra direcionada para o construtivismo social. Estas duas vertentes partilham de alguns aspectos centrais da visão do construtivismo, mas se diferenciam quanto a alguns fundamentos do processo de ensino-aprendizagem. O construtivismo pessoal valoriza um processo de construção de conhecimento essencialmente individualizado. Já o construtivismo social reconhece a possibilidade da transmissão de informações entre os indivíduos, ressaltando e valorizando a construção de conhecimento de forma coletiva, ou seja, atenta-se para as relações interpessoais no processo de ensino-aprendizagem.
Acreditamos que as características essenciais do construtivismo educacional estejam retratadas nos cinco critérios explicitados anteriormente. Sob este aspecto consideramos que o trabalho desenvolvido por Baviskar et al. (2009) teve fundamental importância, por tomar a iniciativa na demarcação de critérios que caracterizam uma atividade como construtivista. Portanto, julgamos que os cinco critérios podem ser essencialmente úteis para guiar análises de práticas didáticas que se autodenominam construtivistas, assumindo assim um papel meta-analítico. Uma de nossas críticas dirigidas ao artigo de Baviskar et al. (2009) referiu-se a falta de um critério que pudesse evidenciar como, ao longo do processo de ensino-aprendizagem, ocorre a orientação e organização didático-pedagógica para a construção do conhecimento novo. Com o propósito de preencher esta lacuna, propomos inspirados em Coll (1990, 2004), mais um critério que intitulamos Ajuda para a Apropriação do Conhecimento. Este critério permite distinguir uma ação didático-pedagógica construtivista de uma ação tradicional, centrada em um único método, bem como, permite diferenciar, com mais clareza, uma ação de ensino-aprendizagem que está baseada no construtivismo pessoal da que se estrutura de acordo com o construtivismo social.
Vale ressaltar também a nossa discordância com a interpretação dada por Baviskar et al. (2009) ao construtivismo social no campo da educação, embora estes autores não tivessem tido a intenção de propor uma discussão completa sobre o construtivismo. Entendemos que eles fizeram uma transposição demasiadamente linearizada e direta da discussão em torno do construtivismo social no campo da sociologia para o campo da educação. Como consequência afirmaram que o construtivismo social nada teria dito sobre como um indivíduo poderia construir conhecimento em um curso de graduação, em especial, se referiram a um curso de biologia. Reforçamos que o construtivismo social na educação possui uma argumentação bastante consistente e fortemente baseada na teoria vygotskiana. Além disso, o construtivismo social se mostra uma alternativa educacional interessante, uma vez que, respeita os preceitos centrais do movimento construtivista e supera algumas críticas dirigidas à vertente do construtivismo pessoal.
O construtivismo educacional buscou a superação de perspectivas de ensino fundamentadas em teorias behavioristas e empiristas. Ressalta-se então, que a construção de conhecimento por parte do aluno deverá ocorrer mediante um processo que viabilize sua participação ativa, manipulativa ou intelectual/ cognitiva. Além disso, é de suma importância que no processo de ensino-aprendizagem se trabalhe com os conhecimentos prévios dos alunos e que se coloquem os mesmos em discussão, visando a geração de conflitos cognitivos. Estes aspectos essenciais do movimento construtivista no campo da educação estão retratados nos cinco critérios propostos acima, fato que viabiliza seu uso para fins de análise de práticas didáticas construtivistas.
Por fim, apontamos que a análise dos artigos evidenciou que alguns destes, mesmo se auto-intitulando construtivistas, não retratamos elementos essenciais do construtivismo educacional. Sob este aspecto concordamos com Baviskar et al. (2009) quando sinalizam que isso pode ser fruto da literatura demasiadamente teórica sobre a temática do construtivismo. Sendo assim, acreditamos que há uma demanda em termos de pesquisa para investigações que tenham como foco a análise de intervenções didático-pedagógicas construtivistas. A partir dessas análises será possível uma maior discussão entre os aspectos teóricos e práticos do construtivismo educacional, quem sabe ampliando o número de critérios para julgar até que ponto o construtivismo está efetivamente presente em seu planejamento escolar. No momento sugerimos que os proponentes de atividades didáticas orientadas pelo enfoque construtivista considerem se elas atendem os cinco critérios analisados.
Pie de página
1A navegação pela hipermídia é sugerida, pelos autores, na forma de trilhas, em que os alunos podem optar por quais caminhos seguir.
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