Introdução
A leitura é um comportamento operante e, como tal, não há uma tendência inata para a sua emissão (Skinner, 1978). Geralmente o ensino desse comportamento se inicia por volta dos 4 aos 7 anos de idade, mas nem sempre esse processo é bem-sucedido. Por exemplo, a dislexia é um transtorno específico de aprendizagem, apontado pela literatura neuropsicológica como uma limitação de ordem neurológica associado a algumas dificuldades específicas de leitura (cf. Lyon, Shaywitz, & Shaywitz, 2003). Em virtude de sua prevalência, diversos pesquisadores têm dirigido seus estudos à investigação e proposição de estratégias de ensino a participantes com dislexia (e.g., Capovilla & Capovilla, 2012; Cidrim, Braga, & Madeiro, 2018). Uma estratégia que tem se mostrado eficaz com crianças com diferentes tipos de dificuldades relativas ao comportamento de ler envolve o ensino das relações condicionais características da leitura (e.g., de Rose, de Souza, Rossito, & Rose, 1989; Paixão & Assis, 2018). No entanto, essa estratégia ainda tem sido pouco utilizada com crianças com dislexia, conforme demostram as revisões de literatura de (Gomes, Benitez, Domeniconi e Verdu, 2017), e (Guidugli, 2020), a exceção sendo o estudo de (Araújo, 2007). A utilização desse recurso, combinado a um arranjo sistemático de variáveis importantes no estabelecimento do controle de estímulos por unidades mínimas, pode constituir uma contribuição relevante ao ensino desse repertório ao público disléxico.
A dislexia é caracterizada por dificuldades no reconhecimento preciso e/ou fluente de palavras e na decodificação e soletração (cf. Lyon et al., 2003). Essas características podem levar a consequências secundárias, como dificuldade de leitura com compreensão e comprometimento no crescimento do vocabulário. De acordo com uma revisão de literatura realizada por (Deuschle e Cechella, 2009) sobre a relação entre o termo dislexia e o termo consciência fonológica, as dificuldades características da dislexia estão relacionadas a prejuízos em habilidades de consciência fonológica. Para (de Souza e de Rose, 2006), por sua vez:
A consciência fonológica é definida como o conhecimento que as pessoas têm sobre os sons que constituem as emissões faladas (para nossos propósitos, as palavras). Em termos comportamentais, isto pode ser definido como controle de estímulo por unidades sonoras menores do que palavras (p. 91-92).
O controle por unidades menores que a palavra é fundamental para a aquisição da leitura, pois favorece a aprendizagem da nomeação de palavras (de Souza, Hanna, Albuquerque, & Hübner, 2014). Além disso, favorece a leitura de palavras novas compostas a partir da recombinação das unidades que compõem as palavras inicialmente aprendidas, o que torna desnecessário o ensino de todas as palavras do vocabulário a ser aprendido (Matos, Hübner, Serra, Basaglia, & Avanzi, 2002). Além da correspondência entre respostas verbais e um texto escrito, a leitura implica a compreensão do texto. Isso permite destacar, conforme foi feito por (de Rose, 2005), que o comportamento textual é uma condição necessária, mas não suficiente para a leitura com compreensão. Para (Skinner, 1978), a leitura com compreensão requer que uma mesma pessoa desempenhe as funções de falante e de ouvinte de si mesmo. O leitor passa a desempenhar a função de ouvinte de si mesmo quando sua fala fica sob controle, não apenas do texto, mas de toda a classe da qual ele faz parte.
A classe caracterizada pelo comportamento de ler envolve uma rede de relações condicionais entre estímulos e entre estímulos e respostas, na qual o estímulo impresso (o texto) é apenas um dos elementos (de Souza et al., 2014). De acordo com essa formulação, o ensino de relações condicionais geralmente é feito por intermédio da “escolha de acordo com o modelo” (do inglês, Matching to Sample - MTS). Por meio desse procedimento, diante de um arranjo de dois ou mais estímulos de comparação, a escolha de um deles, realizada condicionalmente à presença de um determinado estímulo-modelo, é reforçada (de Rose et al., 1989; Sidman, 1986). O ensino de duas relações condicionais com um estímulo em comum, leva à formação de classes de estímulos equivalentes.
Apesar da produtividade do método de formação de classes de estímulos equivalentes para o ensino de leitura com compreensão, esse procedimento, por si só, sem um arranjo sistemático de outras variáveis (por exemplo, tempo de exposição às contingências, quantidade de palavras utilizadas, posição das sílabas nas palavras etc.) não assegura a transferência de controle de unidades maiores para unidades menores e, assim, não garante a leitura recombinativa. Por exemplo, em um estudo realizado por (Matos et al., 2002), as relações de equivalência estabelecidas, após ensino por meio do MTS, não levaram à emergência das relações “figura-palavra impressa” e “palavra impressa-figura” de palavras compostas pela recombinação das sílabas das palavras ensinadas. Assim, não levaram os participantes a apresentar leitura recombinativa.
Uma variação do MTS, denominada de “escolha de acordo com o modelo com resposta construída” (do inglês, Constructed Response Matching to Sample - CRMTS) tem se mostrado uma possibilidade eficiente para estabelecer o controle de estímulos por unidades mínimas e gerar repertórios novos - a leitura recombinativa (de Souza et al., 2014; Paixão & Assis, 2018). Por meio do CRMTS, diante de um estímulo condicional (por exemplo, palavra impressa), é exigido que o participante emita um comportamento explícito em relação a cada unidade desse estímulo (por exemplo, a escolha de letras ou sílabas em sua sequência correta) (cf. Stromer, Mackay, & Stoddard, 1992). Segundo Stromer et al., por enfatizar as unidades menores de uma palavra, o ensino de respostas construídas tem sido considerado um meio vantajoso de ensinar algumas das relações condicionais que levam à formação de classes de equivalência características da leitura.
Para o ensino da leitura e de construção de sentenças (Paixão e Assis, 2018) utilizaram o CRMTS, com a participação de três crianças com Transtorno do Espectro Autistas. Essa pesquisa foi dividida em três estudos, porém aqui será descrito apenas o Estudo 1, no qual foi avaliado o ensino do comportamento textual e da leitura com compreensão de 12 palavras. Nesse estudo, as palavras ensinadas foram: SAPO, VACA, TATU, GATA, BOLA, SINO, PULA, COME, CAVA, ROLA, GIRA e TOCA. Cada palavra foi ensinada em uma sequência contendo sete blocos de ensino: (a) construção da primeira sílaba com letras impressas diante da sílaba impressa, (b) construção da primeira sílaba com letras impressas diante da sílaba ditada, (c) construção da segunda sílaba com letras impressas diante da sílaba impressa, (d) construção da segunda sílaba com letras impressas diante da sílaba ditada, (e) construção da palavra com sílabas impressas diante da palavra impressa, (f) construção da palavra com sílabas impressas diante da palavra ditada, (g) construção da palavra com sílabas impressas diante da figura. De forma geral, os autores concluíram que os três participantes do estudo demonstraram repertório de leitura textual e de leitura com compreensão de palavras, sugerindo a formação de classes de equivalência, a partir do procedimento de CRMTS.
Além do uso do CRMTS, outros aspectos podem auxiliar a aquisição da leitura recombinativa. Um exemplo foi apresentado por (Matos et al. 2002). As autoras realizaram oito estudos a fim de demonstrar quais procedimentos foram mais eficazes para gerar a emergência de leitura recombinativa. O Estudo 1 consistiu no ensino das relações pré-requisitos para a emergência de relações de equivalência: palavra ditada/figura (AB) e palavra ditada/palavra impressa (AC). Nos Estudos 2 e 3, foram avaliados, respectivamente, os efeitos da oralização fluente e escandida após os testes de equivalência. Nos Estudos 4 e 5, foram avaliados os efeitos da oralização fluente e da oralização escandida durante a aquisição das relações pré-requisitos. No Estudo 6, foi realizado o ensino de cópia por construção, após os testes de equivalência, sem oralização. O mesmo foi feito no Estudo 7, mas com a inclusão da oralização fluente, e o Estudo 8, adicionalmente ao procedimento do Estudo 7, incluiu um treino explícito em oralização escandida. Os procedimentos de oralização fluente durante a aquisição das relações pré-requisitos e, principalmente, o procedimento de cópia silábica com oralização escandida foram os mais eficientes para gerar leitura recombinativa. Eles produziram em testes, mais de 75% de acertos em sete de 13 participantes (no primeiro caso) e em sete de 11 participantes (no segundo caso).
Para auxiliar a aprendizagem de leitura de crianças e adolescentes com dislexia e estabelecer o controle de estímulos por unidades mínimas, (Araújo, 2007) utilizou estratégias adicionais que incluíram o treino de consciência fonológica (cf. Capovilla & Capovilla, 2000). Após os pré-testes, foram realizados treinos de relações condicionais via MTS e testes de leitura com compreensão. Participantes que não atingiam os critérios de acertos foram submetidos a treinos de consciência fonológica de palavras e aqueles que não atingiam os critérios de acertos novamente, eram submetidos a treinos de consciência fonológica de sílabas. Os participantes apresentaram redução no número de erros na comparação entre o pré e o pós-teste no ditado manuscrito e dois dos três participantes apresentaram redução de erros na leitura em voz alta. Araújo concluiu que os resultados evidenciam “a necessidade do ensino explícito de habilidades metafonológicas para o domínio da leitura competente” (p. 9).
A habilidade metafonológica, que consiste na identificação e manipulação das unidades da palavra, envolve a habilidade fonológica (Cunha & Capellini, 2009). O desenvolvimento da habilidade fonológica é realizado por meio de estratégias de ensino de reconhecimento de rimas, aliteração, correspondência grafema/fonema, discriminação de sílabas, palavras e frases (e.g., Capovilla & Capovilla, 2000; Cidrim et al., 2018; Rodrigues & Ciasca, 2016). Essas estratégia e o ensino de relações de equivalência podem ser viabilizadas e complementadas pelo procedimento de CRMTS, que se mostrou eficaz no ensino de diferentes populações, como crianças com autismo e deficiência intelectual (cf. Gomes et al., 2017; Guidugli, 2020; Paixão & Assis, 2017). No entanto, apenas um estudo (Araújo, 2007) fez uso de uma combinação de estratégias de ensino tendo como participantes crianças com dislexia. Assim, o presente estudo teve como objetivo avaliar os efeitos do uso do CRMTS com oralização fluente e escandida sobre a leitura das palavras de ensino e a leitura recombinativa de crianças com dislexia e com risco de dislexia.
O uso do procedimento CRMTS foi empregado a fim de ensinar relações condicionais que levam à formação de classes de equivalência características da leitura com compreensão e, junto com o procedimento de oralização escandida, auxiliar no estabelecimento do controle de estímulos por unidades mínimas e na aquisição da leitura recombinativa. No presente estudo foram utilizadas palavras que possuem consoantes surdas e sonoras, pois uma das dificuldades observadas no público disléxico é a leitura de palavras com essas características (cf. Araújo, 2007). Segundo (Baratieri, 2017), as consoantes surdas (como p, t e k) são produzidas sem vibração das cordas vocais, enquanto as consoantes sonoras (como b, d e g) são produzidas com vibração das cordas vocais. Ainda, como no estudo de (Souza, 2009), para obtenção de melhores resultados na leitura recombinativa, nas fases de ensino tomou-se o cuidado de garantir uma incidência equilibrada de sílabas e letras das palavras, bem como buscou-se utilizar palavras que possuem a mesma correspondência entre grafemas e fonemas (apenas uma palavra não atendeu a esse critério).
Método
Participantes
Nove crianças, dentre as avaliadas, atenderam ao critério de inclusão do estudo, que consistia em apresentar 50% ou mais de erros nas tarefas de leitura textual das palavras de ensino e recombinadas (especificadas na seção Materiais), que faziam parte do teste pré-intervenção. Cinco dos nove participantes (P1, P2, P3, P4, P5) tinham diagnóstico de dislexia e quatro apresentavam comportamentos de risco de dislexia (P6, P7, P8 e P9). A idade dos participantes variou de 6 anos e 9 meses a 11 anos e 11 meses.
Todos os responsáveis e crianças selecionadas aceitaram participar da pesquisa. Após a aceitação, os responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e os participantes o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido.
Local e Materiais
A coleta de dados ocorreu na clínica particular da primeira autora deste artigo. A indicação de participantes foi solicitada para profissionais da educação e da saúde que atuam no interior do estado de São Paulo.
Os seguintes materiais foram utilizados: notebook, fone de ouvido, mouse, filmadora, os softwares PROLER versão 7.1 (Assis & Santos, 2010) e Power Point®. Foram utilizados como consequências para as respostas itens de interesse dos participantes, conforme indicação dos pais: lápis e canetas, bolhas de sabão, massinha, slime, carrinhos, adesivos, peão e ioiô.
Software PROLER. Desenvolvido para o ensino da leitura por meio de tarefas de ensino das relações condicionais via CRMTS e MTS. O programa permite diferentes configurações de apresentação de estímulos (auditivos e visuais) e a realização de tarefas de ordenação e formação de conceitos. Ao final de cada sessão, são fornecidos relatórios de desempenho dos participantes. Nas tarefas de CRMTS, na parte superior da tela do computador é apresentado o estímulo-modelo; na região mediana está localizada a “área de construção”; na parte inferior fica a “área de escolha”, contendo estímulos que podem ser aleatorizados quanto a suas posições (ver Figura 1). Nas tarefas de MTS, tanto o estímulo-modelo quanto os comparação são exibidos em campos alternados dentro de nove células formando um quadrado (ver Figura 2).
Estímulos. Os estímulos usados (ver Tabela 1) foram palavras que possuem consoantes surdas (t ou p) e sonoras (d ou b) e as figuras correspondentes. As palavras foram distribuídas em dois conjuntos: Conjunto 1 - palavras com sílabas envolvendo as consoantes “t” e/ou “d”; Conjunto 2 - palavras formadas por sílabas com as consoantes “p” e/ou “b”. Nas fases de testes e nas sondas, foram usadas palavras formadas pela recombinação das sílabas e letras das palavras de ensino.
Procedimento
Na Figura 3 está o diagrama esquemático da rede de relações condicionais ensinadas e testadas. As relações diretamente ensinadas foram: BD (nomeação de figuras), FE (construção de sílaba impressa), GE (construção de sílaba ditada), CF (construção de palavra impressa), AF (construção de palavra ditada). As relações testadas foram: FD (leitura de sílabas), BC (figura/palavra impressa), CB (palavra impressa/figura), CDpe (leitura das palavras de ensino), CDpsr (leitura de palavras com sílabas recombinadas), CDplr (leitura de palavras com letras recombinadas) e BD (nomeação de figuras).
Seleção de reforçadores
Antes de serem utilizados, os itens indicados pelos responsáveis eram submetidos a uma seleção por meio do teste de preferência com múltiplos estímulos sem reposição, que ocorreu de forma similar a descrita por (Carr, Nicholson e Higbee, 2000), e (Silva, Panosso, Ben e Gallano, 2017). Em cada sessão, eram apresentados quatro itens posicionados um ao lado do outro, em ordem aleatória. Em seguida, era solicitado ao participante que escolhesse um item. Após a escolha do participante, os itens que restavam eram reapresentados em uma nova sequência. O procedimento era repetido até todos os itens terem sido selecionados.
Procedimento de ensino e teste
O procedimento era composto por cinco etapas, cada uma com um número específico de blocos (ver Tabela 2). Durante as etapas de ensino, respostas corretas eram seguidas por consequências sociais, como “Parabéns!” e “Muito bem!”, e o participante recebia uma ficha. No final da sessão, as fichas eram trocadas por itens preferidos. Respostas incorretas eram seguidas por consequências como “Não” e “Vamos tentar de novo”, e auxílio verbal da experimentadora. Durante as etapas de testes e sondas, as respostas dos participantes não eram seguidas por consequências. Porém, motivadores como “Continue!” e “Vamos lá!” eram apresentados, de forma não contingente.
Nota: Tent. - Número máximo de tentativas. C.A. - critério de acertos. No teste pré-intervenção, o sinal “˂” refere-se à quantidade máxima de acertos que as crianças poderiam ter para serem incluídas no estudo.
As sessões de ensino eram realizadas durante os dias letivos da semana. Cada sessão tinha duração de 1 h, com intervalos de 5 min a cada 15 min de tarefa. Nos intervalos, os participantes podiam desenhar, pintar personagens, assistir vídeos e ter acesso a jogos ou brinquedos.
Etapa 1: Teste pré-intervenção
O teste pré-intervenção tinha como objetivo selecionar os participantes do estudo e avaliar o repertório prévio de leitura. Era solicitado para o participante:
1) Ler em voz alta sílabas de ensino, que eram apresentadas, individualmente, por meio do programa Power Point®.
2) Relacionar (por meio do MTS) figuras às palavras impressas de ensino. Nesse bloco, os estímulos eram apresentados por meio do programa PROLER e cada relação era testada de forma randomizada. Era apresentada uma figura como estímulo-modelo e duas palavras como estímulo de comparação. A seguinte instrução era dada: “Escolha a palavra onde está escrito o nome dessa figura” (era apontado para a figura).
3) Relacionar (por meio do MTS) palavras impressas às figuras correspondentes. A palavra era apresentada como estímulo-modelo e duas figuras como estímulos de comparação. A seguinte instrução era dada: “Escolha a figura que representa o que está escrito nessa palavra” (era apontado para a palavra).
4) Ler em voz alta as palavras de ensino, que eram apresentadas, individualmente, por meio do programa Power Point®.
5) Ler em voz alta as palavras formadas pela recombinação das sílabas das palavras de ensino. O procedimento era o mesmo descrito no Item 4.
6) Ler em voz alta palavras formadas pela recombinação das letras das palavras de ensino. Procedimento semelhante ao do Item 4.
7) Nomear as figuras utilizadas na fase de ensino.
Etapa 2: Nomeação de Figuras
Ensino de nomeação das figuras que os participantes não conseguiam nomear na etapa anterior. As figuras eram apresentadas no programa Power Point®, individualmente. Na primeira tentativa de cada palavra, a experimentadora apontava para a figura, dizia o seu nome (dica verbal total) e pedia para o participante repetir. Na tentativa seguinte, não era fornecida dica. Nos casos em que o participante errava ou não respondia dentro de 10 segundos, era fornecida dica verbal parcial (apresentação de uma parte do nome da figura). Na tentativa seguinte, não era fornecida dica. Nos casos em que o participante errava ou não respondia dentro de 10 s, era fornecida dica verbal total e o procedimento descrito se repetia até gerar a primeira resposta independente.
O critério de acertos para prosseguir para a etapa seguinte era de três respostas corretas consecutivas e independentes na nomeação de cada figura. Se após nove tentativas consecutivas de nomeação de uma figura, o participante não atingia o critério, era ensinada a nomeação de uma nova figura. Ao final, o participante era exposto novamente ao ensino daquelas figuras diante das quais ele não havia alcançado o critério. O procedimento era repetido até três vezes.
Etapa 3: Ensino por CRMTS (sílabas)
Na Etapa 3, os estímulos-modelo eram as duas sílabas das palavras a serem ensinadas na etapa seguinte, apresentadas dois tipos de blocos de construção. No primeiro tipo de bloco, de construção, era apresentada uma sílaba impressa como estímulo-modelo e três letras impressas, incluindo uma com função distratora (que variava a cada apresentação), como estímulos de comparação. No segundo tipo de bloco de construção, o software emitia o som de uma sílaba como estímulo-modelo e três letras impressas eram apresentadas como estímulos de comparação, incluindo uma com função distratora.
Após uma resposta de observação, o estímulo-modelo era apresentado e simultaneamente, na “área de escolha”, os estímulos de comparação. A seguinte instrução era apresentada ao participante, dependendo do bloco de ensino: “Quando você clicar aqui (o estímulo-modelo era apontado), uma sílaba irá aparecer” (quando o estímulo-modelo era uma sílaba impressa) ou “você ouvirá o som da sílaba” (quando o estímulo-modelo era uma sílaba ditada). “Escolha aqui (os estímulos de comparação eram apontados) as mesmas letras que compõem esta sílaba e as coloque nesses quadrados” (a área de construção era apontada). Nos casos em que o participante errava ou não respondia dentro de 10 segundos, eram fornecidas dicas para minimizar novos erros. Inicialmente, a experimentadora apontava para a primeira letra da sílaba e depois, ao apontar para a letra de comparação correta, solicitava que fosse efetuado um clique sobre ela. Em seguida, a experimentadora apontava para a segunda letra da sílaba, pedia para o participante a localizar entre os estímulos restantes e realizar um clique sobre ela. Quando necessário, era dada ajuda para o participante localizar e clicar na letra correta. Gradualmente, a experimentadora removia sua ajuda: inicialmente deixava de apontar para a segunda letra e depois de apontar para a primeira.
O critério de acertos para o prosseguimento do procedimento era de três respostas corretas consecutivas e independentes em cada bloco de construção das sílabas. Se após nove tentativas consecutivas de um bloco, o participante não atingia o critério, era realizado o ensino do bloco seguinte. Ao final, o participante era novamente exposto ao ensino dos blocos, nos quais ele não havia alcançado o critério. O procedimento era repetido até três vezes.
Etapa 4: Sonda de leitura oral das sílabas de ensino e das palavras de ensino
As sílabas impressas ensinadas eram apresentadas no programa Power Point®, individualmente, e era solicitado ao participante realizar a leitura delas em voz alta. Cada sílaba era apresentada apenas uma vez. Nos casos em que o participante não alcançava o critério de 100% de acertos, o mesmo era exposto novamente à Etapa 3, e se ele lesse corretamente apenas uma sílaba, era reexposto apenas ao ensino da sílaba lida incorretamente.
Nos casos em que o participante alcançava o critério de acertos na sonda da leitura das duas sílabas, era realizada a sonda de leitura da palavra a ser ensinada na Etapa 5. Se o participante realizasse a leitura correta da palavra, ele não era exposto ao ensino de construção da mesma na Etapa 5.
Etapa 5: Ensino por CRMTS (palavras) com oralização fluente e escandida
Nesta etapa, eram utilizadas como estímulos-modelo as palavras constituintes de cada grupo silábico. O ensino ocorria de forma semelhante ao da Etapa 3: (a) construção da palavra sob controle da palavra impressa; (b) construção da palavra sob controle da palavra ditada, com o ensino de uma palavra por vez, sendo sempre aquela composta pelas sílabas ensinadas na etapa anterior. No entanto, existindo sílabas repetidas nas palavras, cada sílaba foi ensinada apenas uma vez na Etapa 3. Se o participante já tivesse aprendido a construção das duas sílabas que compunham a palavra, ele era diretamente exposto ao teste de sonda de leitura dessas sílabas e da palavra por elas compostas.
Além das tarefas de construção, na Etapa 5 era realizado o ensino explícito da oralização fluente e escandida das palavras. Inicialmente, a experimentadora dizia o nome da palavra e solicitava ao participante repeti-lo. Em seguida, a experimentadora apontava para a primeira sílaba da palavra, dizia o seu nome, pedia que o participante o repetisse. Depois, ao apontar para a sílaba de comparação correta, solicitava que fosse efetuado um clique sobre ela. Em seguida, a experimentadora apontava para a segunda sílaba da palavra, dizia seu nome, pedia que o participante o repetisse, e localizasse a sílaba entre os estímulos restantes e realizasse um clique sobre ela. Quando necessário, era dada ajuda para o participante localizar e clicar na sílaba correta. Gradualmente, a experimentadora removia sua ajuda: inicialmente deixava de apontar para a segunda sílaba, depois de apontar para primeira e, por fim, não fornecia modelo oral do nome da palavra e das sílabas.
O critério de acertos para o prosseguimento do procedimento era de três respostas corretas consecutivas e independentes em cada bloco de construção das palavras. Se após nove tentativas consecutivas em um bloco, o participante não atingia o critério, era realizado o ensino do bloco seguinte. Ao final, o participante era novamente exposto ao ensino dos blocos nos quais ele não havia alcançado o critério. O participante poderia ser submetido até três vezes ao ensino de cada bloco. O procedimento se repetia até que todas as palavras do Conjunto 1 fossem ensinadas.
Etapa 6: Sonda de leitura oral das palavras de ensino
Eram apresentadas no programa Power Point®, individualmente, as palavras impressas do Conjunto 1 e ao participante era solicitado realizar a leitura delas em voz alta. Quando o participante alcançava o critério de 100% de acertos na leitura das palavras do Conjunto 1, as Etapas 3 e 4 eram repetidas para o ensino de todas as sílabas e palavras do Conjunto 2. Quando ele não alcançava o critério, era exposto novamente à Etapa 5 para o ensino apenas da(s) palavra(s) do Conjunto 1 a(s) qual(is) não havida lido corretamente.
Resultados
A quantidade total de sessões necessárias para a realização dos blocos de ensino variou para cada participante. P2 e P5 precisaram de três sessões, P1, P3, P4 e P7, precisaram de quatro sessões, e P6 e P8 precisaram de cinco. O desempenho foi avaliado a partir de: (a) número de tentativas necessárias para cada participante atingir o critério de acertos estabelecido para os blocos de ensino e sondas, (b) número de acertos nas etapas de teste pré e pós-intervenção, e (c) tipo de erros apresentados pelos participantes.
O número de tentativas necessárias para que os participantes atingissem o critério de acertos na nomeação das figuras (Etapa 2) correspondentes às palavras de ensino variou entre os participantes e entre as figuras ensinadas. O P7, por exemplo, na nomeação da figura correspondente DOTE, teve que ser exposto ao número máximo de tentativas (nove) estabelecido para atingir o critério de acertos. Além disso, dois participantes, P6 e P5, mesmo tendo realizado nove tentativas de nomeação das figuras correspondentes à DATA, PAPO e BIPI, e da figura do POBI, respectivamente, não atingiram o critério de acertos em apenas uma exposição ao procedimento. O P6 precisou ser submetido duas vezes ao ensino de nomeação das figuras correspondentes à DATA e PAPO, e três vezes ao ensino da figura BIPI; P5 precisou ser submetido duas vezes ao ensino da nomeação da figura POBI. Foi realizado o ensino apenas das figuras nomeadas de forma incorreta pelos participantes no teste pré-intervenção. As figuras do DEDO e da PIPA precisaram ser ensinadas para apenas dois participantes: a figura do DEDO para P1 e P6, e a figura da PIPA para P4 e P6. A figura que precisou de um maior número de tentativas de ensino, pela maior parte dos participantes (seis para P2, sete para P8, nove para P6 e 13 para P5), foi a do POBI.
Na Figura 4 está a distribuição do número de tentativas de construção das sílabas realizadas nos Blocos 3.1, 3.2, 3.3 e 3.4. Nas Figuras 4A e 4B estão, respectivamente, o número de tentativas necessário para os participantes alcançarem o critério de acertos na construção da primeira sílaba impressa das palavras dos Conjuntos 1 e 2, (Etapa 3 - Bloco 3.1). As sílabas DA, DE, DO, TO, PO, BO e BI do Bloco 3.1 já haviam sido ensinadas anteriormente. No entanto, foi necessário ensinar a sílaba DA para P6; as sílabas TO e DO para P7; a sílaba DA para P6; a sílaba BI para P1, P3 e P7. No ensino de construção de todas as sílabas ensinadas no Bloco 3.1 (TA, TE, TO, DA, DO, PA, PI, BA e BI), a maioria dos participantes precisou de apenas três tentativas para atingir o critério de acertos definido.
As Figuras 4C e 4D apresentam o número de tentativas necessário para os participantes alcançarem o critério de acertos na construção da primeira sílaba ditada das palavras dos Conjuntos 1 e 2, respectivamente (Etapa 3 - Bloco 3.2). As sílabas ditadas ensinadas no Bloco 3.2 foram as mesmas do Bloco 3.1 (TA, TE, TO, DA, DO, PA, PI, BA e BI), mas no Bloco 3.2 houve maior variação no número de tentativas necessário para o alcance do critério de acertos. No caso de P5, esse número ultrapassou o limite de nove tentativas na construção da sílaba TA, tendo sido submetido novamente ao procedimento, totalizando 12 tentativas. P3 foi submetido duas vezes ao procedimento de ensino da sílaba PA.
Nas Figuras 5A e 5B está a distribuição do número de tentativas necessário para os participantes alcançarem o critério de acertos na construção da segunda sílaba impressa dos Conjuntos 1 e 2, respectivamente (Etapa 3 - Bloco 3.3). As sílabas desse bloco que já haviam sido ensinadas foram: TA, TE PA, PI e BA. Entretanto, precisaram ser ensinadas: a sílaba TA para P3; a sílaba TE para P4 e P7; e a sílaba PI para P4. No ensino de construção das sílabas do Bloco 3.3 (TA, TE, TO, DA, DE, DO, PI, PO, BI e BO), a maioria dos participantes precisou de apenas três tentativas para atingir o critério de acertos definido.
Nas Figuras 5C e 5D está a distribuição do número de tentativas necessário para os participantes alcançarem o critério de acertos na construção da segunda sílaba ditada dos Conjuntos 1 e 2, respectivamente (Etapa 3 - Bloco 3.4). As sílabas ditadas ensinadas no Bloco 3.4 foram as mesmas do Bloco 3.3. No Bloco 3.4, houve maior variação no número de tentativas necessário para o alcance do critério de acertos entre os participantes e entre as sílabas ensinadas. No caso de P8, esse número ultrapassou o limite de nove tentativas na construção das sílabas TO e DE, sendo necessário repetir o procedimento, totalizando 15 e 16 tentativas, respectivamente. Outras pontuações também ultrapassaram nove tentativas, porém são correspondentes à somatória das tentativas de todas as vezes que os participantes foram submetidos ao bloco.
Uma análise de dados individuais mostrou que o P9 não atendeu aos critérios estabelecidos na Etapa 3 e no teste de sonda, pois mesmo após ter sido submetido por três vezes ao procedimento, não atingiu o critério de acertos na sonda de leitura da sílaba “DA”. Ele necessitou de duas a três exposições ao ensino dessa etapa para atingir o critério de acertos na sonda das demais sílabas ensinadas (TA, TO, TE e DE). Um procedimento adicional foi realizado com o ensino de leitura receptiva das sílabas que já tinham sido ensinadas. Diante do som emitido pela experimentadora, era solicitado ao participante selecionar uma sílaba impressa em meio a um conjunto de sílabas apresentadas em cartelas, na fonte Times New Roman, tamanho 100. Foi realizado, também, um treino de leitura textual (nomeação das sílabas) com apresentação de um modelo oral e solicitação do ecóico quando a resposta estava incorreta. O critério de acertos desse procedimento era de três respostas corretas consecutivas e independentes em cada tarefa, sendo possibilitado o máximo de nove tentativas para cada uma delas. O participante atingiu o critério exigido na tarefa de linguagem receptiva, porém não o atingiu na de leitura textual. Por isso, não foi dado prosseguimento no procedimento com esse participante.
No ensino de construção de palavras impressas e ditadas, o número de tentativas necessárias variou entre os participantes que foram submetidos a todo o procedimento e entre as palavras ensinadas. Na Figura 6 está a distribuição desses dados que correspondem ao Bloco 4.1 e ao Bloco 4.2 do procedimento. Os participantes realizaram menor número de tentativas na maior parte das tarefas de construção de palavras quando esse estímulo era ditado. Na Etapa 5, um participante (P3) precisou ser submetido novamente ao Bloco 4.2 para a construção da palavra ditada BIPI. Os dados superiores a nove se referem à somatória de tentativas de todas as vezes que o participante foi submetido ao procedimento. A ausência de colunas nos gráficos corresponde às palavras que não precisaram ser diretamente ensinadas, pois elas foram lidas corretamente nas sondas realizadas após o ensino das sílabas que as compõem.
Na Figura 7 está a distribuição da porcentagem de acertos nas relações FD, CDpe, CDpsr, CDplr, BD, BC e CB dos testes pré e pós-intervenção. Os três primeiros testes representados nas figuras (FD, CDpe e BD) correspondem às tarefas que foram diretamente ensinadas nas Etapas 2, 3 e 4 do procedimento. Os outros testes referem-se às relações (CDpsr, CDplr, BC e CB) não ensinadas diretamente e tiveram como objetivo analisar as relações emergentes e o estabelecimento do controle de estímulos por unidades menores do que a palavra.
Os resultados foram semelhantes para os oito participantes (Figura 7). No teste pré- intervenção, observou-se que eles leram corretamente algumas sílabas e palavras de ensino ou recombinadas, porém em todos os casos, esse repertório foi ampliado após o procedimento de ensino. Referente às relações BC e CB, notou-se que o número de acertos no teste pré-intervenção foi ainda maior que das outras relações. No entanto, a ampliação desse repertório também foi evidente para todos os participantes. Com relação à nomeação de figuras (BD), essa foi a única tarefa em que um participante (P6) apresentou pontuação zero no teste pré-intervenção. O número máximo de acertos (três) foi obtido por P2. A diferença máxima dos desempenhos dos participantes com relação ao teste pré-intervenção foi de 11 pontos (P6).
Na Tabela 3 está a distribuição das categorias e as somatórias de erros cometidos pelos participantes nas tarefas de leitura (FD, CDpe, CDpsr, CDplr) dos testes pré e pós-intervenção. Há respostas que se enquadram em mais de um erro. Por exemplo, quando o participante lia “tôte” no lugar de “dote”, eram classificados dois erros: troca surda/sonora e erro de sílaba tônica.
Discussão
O presente estudo teve como objetivo avaliar os efeitos do uso de tarefas de construção de palavras com oralização fluente e escandida sobre a leitura de palavras de ensino e de generalização de crianças com dislexia ou com risco de dislexia. Para atingir esse objetivo, foram selecionadas palavras com sílabas surdas e sonoras, e para promover a leitura recombinativa, procurou-se estabelecer uma incidência equilibrada de sílabas e de letras nas palavras. Em todos os blocos de ensino e de testes, foram utilizadas palavras que possuem a mesma correspondência entre grafemas e fonemas, a única exceção foi a palavra “dote”.
Devido aos critérios estabelecidos para a seleção das palavras de ensino, algumas delas foram difíceis de serem representadas por figuras inequívocas, sendo que as imagens correspondentes a elas eram comumente nomeadas de forma diferente da especificada pelas pesquisadoras. Por exemplo, no caso da figura da DATA, muitos participantes a nomearam como “calendário”, pois a forma como ela foi representada era um calendário com uma flecha apontando para uma data. Isso pode ter contribuído para a nomeação de figuras ter sido a resposta que apresentou menores índices de acertos, se comparado com todas as demais respostas avaliadas. No bloco de ensino de nomeação, a maioria dos participantes (P3, P8, P6, P2 e P5) precisou de um maior número de tentativas para aprender a nomear a figura do POBI em comparação às demais figuras. O fato de a palavra não existir no vocabulário brasileiro pode ter contribuído para essa dificuldade (cf. Souza et al., 2014). No entanto, o mesmo não aconteceu com a figura que representava a palavra TEDE, que também não existe no vocabulário brasileiro. Uma possível explicação para isso é que, usualmente, pelúcias de ursos são nomeados “Téde”.
Nos blocos de construção de sílabas (Etapa 3), constatou-se que foi necessário um maior número de tentativas quando o estímulo-modelo era auditivo do que quando era impresso. Provavelmente porque quando o estímulo-modelo era impresso, a tarefa se caracterizava como treino de MTS de identidade. No entanto, o inverso ocorreu nos blocos de construção de palavras (Etapa 5), sendo necessário um maior número de tentativas quando o estímulo-modelo era impresso. Isso porque no bloco de construção de palavras, quando o estímulo era impresso, além da seleção correta dos estímulos de comparação, era exigida a leitura escandida e fluente da palavra.
Algumas palavras de ensino não precisaram ser diretamente ensinadas: TATO para seis participantes, DEDO para quatro, PAPO para cinco, PIPA para sete, BABO para três, DATA para três, BOBA para quatro, TODA para três e BIPI para um. Eles conseguiram lê-las após atingirem os critérios de acertos das tarefas de construção das sílabas que as compunham. Nesses casos, o treino silábico demonstrou ser suficiente para a produção do comportamento textual sob controle das unidades. Portanto, o treino silábico, assim como no estudo de (Souza, 2009), mostrou ser um fator que auxilia a aquisição do controle pelas unidades verbais mínimas.
Dentre as palavras que não precisaram ser diretamente ensinadas, destacaram-se cinco que foram lidas por vários participantes após a construção das sílabas que as compõem: TATO, DEDO, PAPO, PIPA e BOBA. O fato dessas palavras serem compostas por apenas um tipo de consoante (surda ou sonora) e duas vogais, pode ter contribuído para esse resultado. Por outro lado, as palavras TEDE, DOTE e POBI precisaram ser ensinadas para todos os participantes. Nesses casos, além dessas palavras incluírem dois tipos de consoantes (surdas e sonoras), duas delas não existem em nosso vocabulário (TEDE e POBI) e a outra (DOTE) não possui correspondência entre o grafema “do” e o fonema /dó/. Somado a isso, a unidade grafêmica DO foi ensinada com um fonema diferente da forma como ela se apresenta na palavra DOTE. Isso pode ter tornado o treino da sílaba DO ineficaz para produzir a emergência da leitura correta da palavra DOTE que, além de ter sido o estímulo que teve maior quantidade de erros nas sondas de leitura de palavras, também o foi na leitura de palavras de ensino (CDpe) do teste pós-intervenção. Esse dado corrobora os achados de (Souza, 2009), segundo a qual a estabilidade entre fonemas e grafemas ensinados e testados é uma variável importante para a emergência de leitura de palavras.
Os participantes que foram submetidos a todo o procedimento demonstraram repertório de leitura textual e de leitura com compreensão das palavras ensinadas diretamente, corroborando (Mackay e Sidman, 1984), que documentaram formação de classes de equivalência a partir do procedimento de CRMTS. Além disso, todos eles ampliaram o repertório de leitura de palavras com sílabas e letras recombinadas (CDpsr e CDplr), demonstrando que o controle de estímulos estabelecido no treino foi eficiente para produzir leitura recombinada. Esses dados corroboram os achados de (Paixão e Assis, 2018), que ensinaram sílabas; e os achados de (Matos et al. 2002), que incluíram a oralização fluente e escandida nas tarefas de construção de palavras; bem como os obtidos por (Souza, 2009), que mostrou a importância da distribuição equilibrada de sílabas e letras e da correspondência entre os grafemas e fonemas no procedimento. Os procedimentos utilizados nesses três estudos foram eficazes para gerar leitura recombinativa. De forma semelhante, no presente estudo, o uso combinado desses procedimentos foi eficaz para a aquisição, pelos participantes com dislexia e risco de dislexia, do controle de estímulos pelas sílabas e a consequente leitura das palavras.
Com relação aos tipos de erros cometidos pelos participantes, os mais frequentes se enquadram na categoria de “troca surda/sonora”. Esse dado corrobora os achados do estudo de (Araújo, 2007), que documentou que uma das dificuldades mais observadas por participantes disléxicos foi a leitura de palavras desse tipo. Ainda que algumas trocas surda/sonora tenham ocorrido no presente estudo, observou-se diminuição delas após o procedimento de ensino, no teste pós-intervenção.
No geral, pode-se concluir que o procedimento de ensino foi efetivo para gerar leitura com compreensão e recombinativa, bem como reduzir a ocorrência de erros próprios de participantes disléxicos. Para tanto, um pequeno número de sessões de ensino (de três a cinco) e um material de baixo custo foram necessários. Esses aspectos tornam o procedimento um recurso viável para a alfabetização de crianças com dislexia. Porém, recomenda-se que sejam utilizadas palavras mais fáceis de serem representadas por figura, e que seja garantida a correspondência entre grafemas e fonemas de todas as palavras utilizadas nas fases de ensino e de testes. As palavras podem ser compostas por apenas uma sílaba surda ou sonora e, não necessariamente, composta pelas duas sílabas com essas características. Por exemplo: BOLO, LOBO, PATO, MATO, MALA, LATA e PATA. Além disso, para a sua utilização em ambiente escolar, é importante que o estudo seja replicado em situação coletiva.
Além do aumento do repertório de leitura dos participantes, outros efeitos puderam ser observados em relação aos seus comportamentos: engajamento e participação ativa nas tarefas realizadas, bem como frequência assídua nas sessões. No último dia, todas as crianças e pais agradeceram a experimentadora pela intervenção realizada. Além disso, a mãe de P5 relatou que, antes da pesquisa, a filha estava desmotivada e não queria mais ir para a escola, mas durante sua participação no estudo, começou a se envolver mais nas tarefas escolares e mostrava maior interesse em ir para a escola. Os pais de P3 relataram que a filha gostava muito de ir nas sessões e que a professora da mesma relatou melhoras em seu desempenho acadêmico após o início do procedimento de ensino. Esses dados demonstram a validade social desta pesquisa.