O uso abusivo de bebidas alcoólicas é considerado um grave problema de Saúde Pública que, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), provocou a morte de aproximadamente três milhões de pessoas no mundo em 2016, dentre as quais 2,3 milhões eram homens 1. Entre as mortes atribuídas ao consumo abusivo de álcool, as principais causas foram as doenças do aparelho digestivo (21,3%), lesões não intencionais como acidentes de trânsito (20,9%), e as doenças cardiovasculares (19,8%) que acometem mais as mulheres (41,6% vs. 13,4%) 1.
Os prejuízos causados pelo abuso de bebidas alcoólicas se manifestam, também, nos padrões alimentares e no estado nutricional. Um estudo de revisão mostra que o uso excessivo de álcool se associa com deficiências nutricionais ou inadequação no consumo de vários nutrientes, tais como vitaminas A, C, D, E, magnésio, selênio e zinco 2. O álcool estimula a preferência por alimentos ricos em açúcar e gordura 2,3. Na Holanda, um ensaio clínico randomizado evidenciou que o consumo moderado de álcool aumenta a ingestão ad libitum de alimentos, principalmente de produtos com alto teor de gordura, como patê e salame 3.
Em pesquisa que investigou os padrões de consumo de álcool de mulheres da Nova Zelândia, Parackal et al.4 identificaram maior ingestão de carboidrato e gordura nas que bebiam mais do que 4 doses em um dia típico ao menos 1 vez por semana, e observaram menor nível sérico de folato entre todas que bebiam. Na Espanha, Escrivá Martínez et al.5 averiguaram uma relação direta entre compulsão alimentar, ingestão de gordura e uso abusivo de álcool.
No Brasil, estudos revelam maiores prevalências de consumo abusivo de bebidas alcoólicas entre os homens 6,7, alcançando 21,6% no sexo masculino e 6,6% no feminino, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNs/2013). Ademais, os homens apresentam com maior frequência outros comportamentos prejudiciais à saúde, como a alimentação não saudável e tabagismo 8. Azevedo e Silva et al.9 estimaram as frações de câncer atribuídas à fatores de risco modificáveis na população adulta e verificaram, nos homens, maiores proporções de casos devido ao tabagismo, inatividade física, consumo insuficiente de hortaliças e frutas, elevado consumo de sal e uso de álcool.
Considerando que o consumo abusivo de álcool e a alimentação não saudável integram o conjunto dos principais fatores de risco para o desenvolvimento e agravamento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), que poucos estudos exploraram os hábitos alimentares frente ao consumo de álcool, o objetivo deste artigo foi estimar a prevalência da coocorrência do uso abusivo de álcool e alimentação não saudável em adultos brasileiros e verificar sua relação com o consumo alimentar, segundo o sexo.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal de base populacional realizado nas capitais dos estados brasileiros e no Distrito Federal (DF), com adultos de 20 anos ou mais residentes em domicílios que possuem telefone fixo. Os dados utilizados derivam da pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel/2016). O Vigitel foi implantado pelo Ministério da Saúde do Brasil (MS), em 2006, de acordo com o modelo do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco Comportamentais (Behavioral Risk Factors Surveillance System - BRFSS), criado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (Centers for Disease Control and Prevention - CDC).
Para compor a amostra, o Vigitel realiza um sorteio sistemático e estratificado por código de endereça-mento postal de 5 000 linhas telefônicas em cada uma das 27 cidades, a partir do cadastro eletrônico de linhas de telefone fixo. As linhas sorteadas são divididas em réplicas de 200 linhas para identificar as linhas residenciais ativas e, posteriormente, efetuar o sorteio de um morador adulto (>18 anos). Em 2016, o Vigitel fez 127 200 ligações telefônicas distribuídas em 636 réplicas, encontrando 77 671 linhas ativas. Foram realizadas 53 210 entrevistas, amostra que permite estimar com coeficiente de confiança de 95% e erro máximo de 2% a frequência dos principais fatores de risco para DCNT 10.
Variáveis do estudo
A variável dependente compreende a coocorrência de dois fatores de risco: consumo abusivo de álcool e alimentação não saudável. O uso abusivo de álcool (>5 doses para homens, >4 doses para mulheres em uma única ocasião), pelo menos uma vez nos últimos 30 dias, foi obtido em resposta à pergunta: "Nos últimos 30 dias, o sr. chegou a consumir cinco ou mais doses de bebida alcoólica em uma única ocasião?" ou "Nos últimos 30 dias, a sra. chegou a consumir quatro ou mais doses de bebida alcoólica em uma única ocasião?". Uma dose de bebida alcoólica corresponde a uma lata de cerveja, uma taça de vinho ou uma dose de cachaça, whisky ou qualquer outra bebida alcoólica destilada 10.
O indicador de alimentação não saudável foi derivado do instrumento proposto por Francisco et al.8, composto por oito alimentos, entre os quais cinco são reconhecidos como marcadores de alimentação saudável (feijão, frutas, leite e hortaliças cruas e cozidas) e três como marcadores de alimentação não saudável (carne vermelha, doces, refrigerante/suco artificial). Dependendo do alimento e da frequência semanal de consumo, foram conferidas pontuações variando de zero a quatro. Nenhum ponto (zero) foi atribuído para os alimentos saudáveis consumidos todos os dias e para os não saudáveis cuja frequência era nunca/quase nunca. A pontuação máxima foi aplicada para os alimentos saudáveis que nunca/quase nunca eram consumidos e para os não saudáveis consumidos diariamente (Quadro 1) 8. O escore total variou de 0-32 pontos (escores mais altos indicam pior padrão alimentar). A pontuação total foi classificada em quartis e posteriormente, os quartis 2, 3 e 4 foram agrupados (≥10 pontos) para compor a variável alimentação não saudável (sim, não).
Alimentos | Critérios de pontuação | ||||
---|---|---|---|---|---|
0 | 1 | 2 | 3 | 4 | |
Feijão | Todos os dias | 5 a 6 dias/semana | 3 a 4 dias/semana | 1 a 2 dias/semana | Nunca ou quase nunca |
Frutas | Todos os dias | 5 a 6 dias/semana | 3 a 4 dias/semana | 1 a 2 dias/semana | Nunca ou quase nunca |
Hortaliças cruas1 | Todos os dias | 5 a 6 dias/semana | 3 a 4 dias/semana | 1 a 2 dias/semana | Nunca ou quase nunca |
Hortaliças cozidas2 | Todos os dias | 5 a 6 dias/semana | 3 a 4 dias/semana | 1 a 2 dias/semana | Nunca ou quase nunca |
Leite | Todos os dias | 5 a 6 dias/semana | 3 a 4 dias/semana | 1 a 2 dias/semana | Nunca ou quase nunca |
Carne vermelha3 | Nunca ou Quase nunca | 1 a 2 dias/semana | 3 a 4 dias/semana | 5 a 6 dias/semana | Todos os dias |
Refrigerante ou suco artificial | Nunca ou Quase nunca | 1 a 2 dias/semana | 3 a 4 dias/semana | 5 a 6 dias/semana | Todos os dias |
Doces4 | Nunca ou Quase nunca | 1 a 2 dias/semana | 3 a 4 dias/semana | 5 a 6 dias/semana | Todos os dias |
1Salada de alface e tomate ou salada de qualquer outra hortaliça crua. 2Consumo de hortaliças cozidas com a comida ou na sopa, como por exemplo, couve, cenoura, chuchu, berinjela, abobrinha, exceto batata, mandioca ou inhame. 3Carne vermelha: boi, porco, cabrito.4Consumo de doces como: sorvetes, chocolates, bolos, biscoitos e outros doces. Fonte: Francisco et al.8.
Independentes
Sociodemográficas. Faixa etária (20-29, 30-39, 40-59, ≥60 anos), cor da pele/raça (branca, preta, parda, amarela/indígena), situação conjugal (com cônjuge, sem cônjuge), escolaridade (0-8, 9-11, ≥12 anos de estudo) e posse de plano de saúde (sim, não).
Hábito alimentar. Avaliado pela frequência semanal de consumo de hortaliças cruas e cozidas, frutas, suco natural, leite, feijão e frango (≥5 dias/semana), carne vermelha, refrigerante ou suco artificial e doces (≥3 dias/semana). Entre os que consomem esses alimentos, investigou-se a frequência diária de consumo de hortaliças cruas e cozidas (1 vez ou 2 vezes/dia), frutas, suco (1 vez ou ≥2 vezes/dia), refrigerante (1 ou ≥2 copos/latinhas/dia), tipo de refrigerante (normal/ dietético ou somente diet/light/zero), leite (quanto ao teor de gordura, se integral/com redução de gordura ou desnatado/semidesnatado), carne de frango (come com pele ou sem pele), carne vermelha (com gordura ou sem gordura) e doces (1 ou ≥2 vezes/dia). Também foi verificado o número de dias na semana que a refeição do almoço e do jantar foi substituída por lanches (1-2 ou ≥3 dias/semana).
Análise dos dados
Foram estimados os percentuais do consumo abusivo de bebidas alcoólicas e do consumo alimentar não saudável (sim, não), segundo características sociodemográficas. Em seguida, foram calculadas as prevalências da coocorrência de uso abusivo de álcool e alimentação não saudável (>io pontos), de acordo com variáveis socio-demográficas. Todas as análises foram estratificadas por sexo e as associações verificadas pelo teste Qui-quadrado de Pearson, com nível de significancia de 5%.
Também foram estimadas as prevalências da ocorrência simultânea de uso abusivo de álcool e alimentação não saudável, segundo o consumo semanal de alimentos saudáveis e não saudáveis, por sexo. Utilizou-se regressão logística ajustada por idade e escolaridade para se obter as razões de chances (odds ratio-OR). Para verificar as diferenças entre homens e mulheres, foi avaliada a interação entre sexo e consumo semanal de cada alimento. Utilizou-se, após a análise de regressão logística, o comando contrast para modelos não lineares que possibilita testar a interação de variáveis categóricas. Estimaram-se ainda, as prevalências da coocorrência dos fatores de risco segundo o consumo diário de alimentos e modos de consumo. As associações foram determinadas pelo teste de Wald com valor de p<o,05. O peso de pós-estratificação foi utilizado em todas as análises estatísticas, e os dados foram analisados no módulo survey do programa Stata 15.1.
Os objetivos da pesquisa foram informados aos participantes no momento do contato telefônico e o consentimento livre e esclarecido foi substituído pelo verbal. O projeto Vigitel foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, do MS, sob Parecer N° 355 590 de 26/06/2013.
RESULTADOS
Foram analisadas informações de 32 195 mulheres e 19 490 homens. O consumo abusivo de bebidas alcoólicas referido por 19,18% (IC95%:18,44-19,95) dos adultos, por 27,85% dos homens (IC95%:26,54-29,20) e 11,95% das mulheres (IC95%:11,17-12,78). Entre os homens, revelou-se maior nos indivíduos de 40-59 anos vs. 30-39 anos, nos mais escolarizados e nos sem cônjuge. Entre as mulheres, maiores percentuais foram observados nas mais escolarizadas e sem cônjuge, e menor nas idosas. Em ambos os sexos, observou-se menor proporção de uso abusivo de álcool entre os que se declararam pretos e amarelos/indígenas (Tabela 1).
Variáveis | Uso abusivo de álcool | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Não | Sim | p* | Não | Sim | p* | |||||
Homens | Mulheres | |||||||||
n | % | n | % | n | % | n | % | |||
Faixa etária (em anos) | ||||||||||
20-29 | 2215 | 24,6a | 1049 | 30,7ab | <0,0001 | 2981 | 18,7a | 630 | 31,9a | <0,0001 |
30-39 | 1959 | 22,6a | 1056 | 27,1a | 3819 | 22,3bd | 634 | 30,6a | ||
40-59 | 4972 | 34,1b | 2041 | 34,7b | 10260 | 36,9c | 1215 | 32,9a | ||
60 ou mais | 5366 | 18,7c | 832 | 7,5c | 12233 | 22,0d | 423 | 4,7b | ||
Total | 14512 | 72,1 | 4978 | 27,8 | 29293 | 88,1 | 2902 | 12,0 | ||
Escolaridade (em anos) | ||||||||||
0-8 | 3999 | 36,8a | 820 | 26,9a | <0,0001 | 8807 | 35,0 | 398 | 20,3a | <0,0001 |
9-11 | 4926 | 34,5a | 1815 | 35,4bc | 9591 | 33,5ab | 958 | 33,5b | ||
12 ou mais | 5587 | 28,7b | 2343 | 37,8c | 10895 | 31,5b | 1546 | 46,2c | ||
Raça/cor da pele | ||||||||||
Branca | 6222 | 45,9a | 2043 | 43,3ac | 0,2227 | 14511 | 49,3a | 1198 | 42,7ac | <0,0001 |
Preta | 1163 | 10,7b | 456 | 12,5b | 1996 | 8,5b | 299 | 14,9b | ||
Parda | 5457 | 39,4c | 2053 | 40,7c | 11810 | 38,9c | 1203 | 40,2c | ||
Amarela/indígena | 486 | 4,0d | 148 | 3,5d | 798 | 3,4d | 62 | 2,2d | ||
Estado conjugal | ||||||||||
Sem cônjuge | 5138 | 42,7a | 2159 | 53,5a | <0,0001 | 15871 | 51,0a | 1726 | 65,8a | <0,0001 |
Com conjugue | 9256 | 57,3b | 2789 | 46,5b | 13113 | 49,0 | 1152 | 34,2b | ||
Posse de plano de saúde | ||||||||||
Não | 6716 | 54,7a | 2129 | 49,2a | 0,0010 | 12501 | 51,6a | 1105 | 46,5a | 0,0094 |
Sim | 7763 | 45,4b | 2845 | 50,9a | 16677 | 48,4b | 1794 | 53,5a |
Valor de p do teste Qui-quadrado de Pearson (Rao-Scott). abcd: letras diferentes indicam valores diferentes.
A alimentação não saudável atingiu uma proporção de 76,48% (IC95%:75,71-77,23) para o conjunto dos adultos, de 82,94% (IC95%:81,84-83,99) para o sexo masculino e 71,09% (IC95%:70,04-72,12) para o feminino. Para ambos os sexos, os indivíduos de 40-59 anos vs. <40 anos apresentaram maior percentual de alimentação não saudável, enquanto que nos idosos e nos pretos e amarelos/ indígenas foi menor. Os homens com menos que 12 anos de estudo, com cônjuge e os que não possuíam plano de saúde exibiram maiores percentuais de alimentação não saudável. Nas mulheres foram averiguadas proporções superiores entre as mais escolarizadas, com cônjuge e nas que não possuíam plano de saúde (Tabela 2).
Variáveis | Alimentação não saudável | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Não | Sim | p* | Não | Sim | p* | |||||
Homens | Mulheres | |||||||||
n | % | n | % | n | % | n | % | |||
Faixa etária (em anos) | ||||||||||
20-29 | 347 | 16,9a | 2917 | 28,3a | <0,0001 | 586 | 11,5a | 3025 | 23,9a | <0,0001 |
30-39 | 401 | 18,2a | 2614 | 25,0b | 1072 | 18,1b | 3381 | 25,4b | ||
40-59 | 1430 | 38,6b | 5583 | 33,4c | 3941 | 40,5c | 7534 | 34,8c | ||
60 ou mais | 1877 | 26,4c | 4321 | 13,3d | 5436 | 29,9d | 7220 | 15,9d | ||
Total | 4055 | 17,1 | 15435 | 82,9 | 11035 | 28,9 | 21160 | 71,1 | ||
Escolaridade (em anos) | ||||||||||
0-8 | 963 | 35,2a | 3856 | 33,8a | 0,0421 | 3464 | 40,3a | 5741 | 30,3a | <0,0001 |
9-11 | 1285 | 31,0a | 5456 | 35,5a | 3497 | 30,7bc | 7052 | 34,7bc | ||
12 ou mais | 1807 | 33,8a | 6123 | 30,7b | 4074 | 29,0c | 8367 | 35,0c | ||
Raça/cor da pele | ||||||||||
Branca | 1818 | 46,2ac | 6447 | 44,9a | 0,5030 | 5184 | 51,3a | 9327 | 47,4a | 0,0148 |
Preta | 301 | 9,6b | 1318 | 11,6b | 720 | 9,3b | 1575 | 9,2b | ||
Parda | 1486 | 40,3c | 6024 | 39,7c | 3763 | 36,1c | 8038 | 40,2c | ||
Amarela/indígena | 136 | 3,8d | 498 | 3,9d | 311 | 3,4d | 549 | 3,2d | ||
Estado conjugal | ||||||||||
Sem cônjuge | 1222 | 37,8a | 6075 | 47,4a | <0,0001 | 5830 | 48,3a | 11767 | 54,6a | <0,0001 |
Com conjugue | 2797 | 62,2b | 9248 | 52,6b | 5065 | 51,7a | 9200 | 45,4b | ||
Posse de plano de saúde | ||||||||||
Não | 1524 | 47,7a | 7321 | 54,3a | 0,0007 | 4217 | 48,4a | 9389 | 52,1a | 0,0052 |
Sim | 2522 | 52,3a | 8086 | 45,7b | 6777 | 51,6a | 11694 | 47,9b |
Valor de p do teste Qui-quadrado de Pearson (Rao-Scott). a,b,c,d: letras diferentes indicam valores diferentes.
A prevalência da ocorrência simultânea de uso abusivo de álcool e alimentação não saudável foi de 16,71% (IC95%:16,00-17,45) para o total dos adultos avaliados, de 24,73% (IC9590:23,47-26,04) e 10,03% (IC95%:9,29-10,82) para o sexo masculino e feminino, respectivamente. Entre homens e mulheres, a simultaneidade dos fatores de risco foi menos prevalente nos grupos de 40-59 anos e ≥60 anos, e foi mais prevalente nos grupos com melhor escolaridade, sem cônjuge e nos cobertos por plano de saúde. As mulheres pretas apresentaram maior coocorrência dos fatores estudados, comparadas as brancas (Tabela 3).
Variáveis | Coocorrência do uso abusivo de álcool e alimentação não saudável | |||
---|---|---|---|---|
Homens (%) | Valor de p* | Mulheres (%) | Valor de p* | |
Faixa etária (em anos) | ||||
20-29 | 30,2 | <0,0001 | 17,0 | <0,0001 |
30-39 | 28,5 | 13,8 | ||
40-59 | 24,4 | 8,2 | ||
60 ou mais | 10,7 | 2,0 | ||
Total | 24,7 | 10,0 | ||
Escolaridade (em anos) | ||||
0-8 | 20,1 | <0,0001 | 6,1 | <0,0001 |
9-11 | 25,3 | 10,0 | ||
12 ou mais | 29,2 | 13,9 | ||
Raça/cor da pele | ||||
Branca | 24,2 | 0,3356 | 9,3 | <0,0001 |
Preta | 28,0 | 15,9 | ||
Parda | 26,0 | 10,7 | ||
Amarela/indígena | 23,6 | 6,7 | ||
Estado conjugal | ||||
Sem cônjuge | 29,7 | <0,0001 | 13,0 | <0,0001 |
Com cônjuge | 20,7 | 6,8 | ||
Posse de plano de saúde | ||||
Não | 23,5 | <0,0400 | 9,2 | 0,0356 |
Sim | 26,2 | 10,9 |
* Valor de p do teste Qui-quadrado de Pearson (Rao-Scott).
Entre os homens, a coocorrência do uso abusivo de álcool e alimentação não saudável associou-se a menores chances de consumir hortaliças cruas e cozidas, frutas, suco natural, leite e frango (≥5 dias/semana), e maiores chances de consumir carne vermelha e refrigerante/ suco artificial (≥3 dias/semana). Achados semelhantes foram verificados para o sexo feminino, acrescentando a menor chance de consumir feijão regularmente. Quanto as diferenças entre os sexos, nas mulheres, a maior frequência de consumo de frutas e feijão reduziu as chances da coocorrência dos fatores avaliados, enquanto a de refrigerante/suco artificial, aumentou (Tabela 4).
Alimentos | Homens | Mulheres | Diferenças por sexo | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
% | OR a | p b | % | OR a | p b | p b | |
Hortaliças cruas | 21,7 | 0,71 | <0,0001 | 9,3 | 0,81 | 0,0250 | 0,2195 |
Hortaliças cozidas | 18,5 | 0,62 | <0,0001 | 8,2 | 0,77 | 0,0150 | 0,1455 |
Frutas | 19,0 | 0,62 | <0,0001 | 6,2 | 0,45 | <0,0001 | 0,0020 |
Suco natural | 22,4 | 0,79 | 0,0030 | 7,9 | 0,68 | <0,0001 | 0,2952 |
Feijão | 24,2 | 0,94 | 0,4110 | 8,2 | 0,66 | <0,0001 | 0,0021 |
Leite | 20,5 | 0,65 | <0,0001 | 7,2 | 0,55 | <0,0001 | 0,0716 |
Frango | 20,6 | 0,68 | <0,0001 | 8,0 | 0,69 | 0,0030 | 0,6568 |
Carne vermelha | 28,1 | 1,80 | <0,0001 | 12,4 | 1,65 | <0,0001 | 0,8257 |
Refrigerante ou suco artificial | 30,5 | 1,46 | <0,0001 | 16,3 | 1,84 | <0,0001 | 0,0109 |
Doces e sobremesas | 26,3 | 1,01 | 0,8940 | 11,7 | 1,00 | 0,9960 | 0,5085 |
aOdds ratio (OR) ajustado por idade e escolaridade. b Valor de p do teste de Wald.
A Tabela 5 mostra que os indivíduos do sexo masculino com coocorrência dos fatores de risco tiveram menores chances de consumir frutas ≥3 vezes/dia e refrigerante dietético, e maiores chances de consumir suco natural ≥3 vezes/dia, frango com pele e carne com excesso de gordura. Entre as mulheres, a chance de consumir ao menos 3 frutas/dia foi menor, por outro lado, foram maiores as chances de consumir frango com pele, carne com excesso de gordura, e de substituir a refeição do almoço e do jantar por lanches (≥3 vezes/semana).
Variáveis | Homens | OR a | p b | Mulheres | OR a | p b |
---|---|---|---|---|---|---|
Hortaliças cruas | ||||||
1 vez | 25,6 | 0,87 | 0,1350 | 9,9 | 0,95 | 0,6420 |
2 vezes | 23,5 | 10,0 | ||||
Hortaliças cozidas | ||||||
1 vez | 24,6 | 1,01 | 0,9170 | 9,6 | 1,03 | 0,7920 |
2 vezes | 25,4 | 10,4 | ||||
Frutas | ||||||
1-2 vezes | 26,3 | 0,77 | 0,0010 | 12,4 | 0,53 | <0,0001 |
> 3 vezes | 21,6 | 6,7 | ||||
Suco natural | ||||||
1-2 vezes | 20,3 | 1,29 | 0,0030 | 9,8 | 0,88 | 0,1940 |
> 3 vezes | 26,8 | 9,8 | ||||
Tipo de leite | ||||||
Integral ou desnatado/semidesnatado | 23,3 | 0,92 | 0,3660 | 9,5 | 0,82 | 0,0810 |
Desnatado ou semidesnatado | 21,3 | 7,2 | ||||
Costuma comer frango com pele | ||||||
Não | 23,3 | 1,36 | <0,0001 | 9,4 | 1,55 | <0,0001 |
Sim | 30,4 | 15,5 | ||||
Costuma comer carne vermelha com gordura | ||||||
Não | 21,0 | 1,90 | <0,0001 | 8,8 | 2,18 | <0,0001 |
Sim | 34,1 | 18,8 | ||||
Tipo de refrigerante | ||||||
Normal ou dietético | 29,4 | 0,63 | 0,0020 | 13.0 | 1,06 | 0,7100 |
Diet/light/zero | 18,5 | 11,1 | ||||
Quantidade de refrigerante | ||||||
1 copo/latas | 25,6 | 1,16 | 0,1070 | 11.1 | 1,23 | 0,0530 |
> 2 copos/latas | 29,8 | 14,5 | ||||
Substituição do almoço por lanches | ||||||
0-2 vezes | 24,5 | 1,25 | 0,2130 | 9,7 | 1,71 | 0,0060 |
> 3 vezes | 30,5 | 18,3 | ||||
Substituição do jantar por lanches | ||||||
1-2 vezes | 23,9 | 1,11 | 0,1560 | 9,4 | 1,27 | 0,0100 |
> 3 vezes | 27,2 | 11,5 | ||||
Doces | ||||||
1 vez/dia | 25,4 | 1,07 | 0,4560 | 10,8 | 0,90 | 0,3430 |
> 2 vezes | 27,5 | 10,5 |
a OR ajustado por idade e escolaridade. b Valor de p do teste de Wald.
DISCUSSÃO
Este estudo investigou a simultaneidade do uso abusivo de álcool e adoção de práticas alimentares não saudáveis na população adulta (≥20 anos) residente nas capitais brasileiras e no DF. Os resultados evidenciam os segmentos sociodemográficos mais afetados, e os prejuízos da combinação dos fatores de risco estudados, em ambos os sexos. De modo geral, a coocorrência dos fatores de risco foi superior nos adultos mais jovens, nos homens, nos mais instruídos, com plano de saúde e sem companheiro. Quanto aos hábitos alimentares, associou-se com menores chances de consumo de alimentos saudáveis e com maiores chances de consumo de carne vermelha, bebidas açucaradas e carnes com excesso de gordura. Nas mulheres, o consumo regular de frutas e feijão reduziu as chances da coocorrência do uso abusivo de álcool e alimentação inadequada, por outro lado, o de refrigerantes, aumentou.
De acordo com o Vigitel/2019, as prevalências de consumo abusivo de álcool foram de 25,3% e 13,3% entre homens e mulheres respectivamente, atingindo maiores patamares nos segmentos mais jovens e mais escolarizados 11. Uma pesquisa com adultos norte-americanos identificou que o uso excessivo de álcool foi maior nos homens, nos mais jovens, sem cônjuge, com níveis inferiores de renda, escolaridade e em situação de insegurança alimentar 12. Na Espanha, um estudo de coorte com idosos observou mudanças nos padrões de consumo de álcool entre homens que viviam sós e mulheres que faziam as refeições sem companhia, resultando em maior risco de beber abusivamente 13. Entretanto, nos últimos anos no Brasil 14 e em outros países, como os Estados Unidos 15, vem ocorrendo um aumento progressivo do consumo de álcool entre mulheres, tendendo a convergência das prevalências. O que prevê piora dos dados aqui analisados entre as mulheres nos próximos anos.
A alimentação não saudável é um fator de risco para o surgimento e agravamento de DCNT 16 e um problema em constante crescimento no Brasil devido à maior participação de alimentos ultraprocessados na dieta 17. Com base nos marcadores de qualidade alimentar da PNs/2013, pesquisadores identificaram pior padrão de consumo alimentar na população adulta do sexo masculino, de cor da pele preta e parda, com menor renda, escolaridade e sem plano de saúde 18.
Em Florianópolis/SC, um estudo transversal realizado com adultos (20-59 anos) encontrou prevalência de 24,0% para consumo abusivo de álcool, de 1,2% para hábito alimentar inadequado, definido pelo baixo consumo de frutas e hortaliças (<5 dias/semana) e 1,3% para os dois fatores de risco. Observaram, ainda, maiores prevalências de uso abusivo de álcool (29,6% vs. 9,6%) e alimentação inadequada (86,5% vs. 76,9%) no sexo masculino, uma queda nas prevalências de cada fator com o aumento da idade, a partir dos 30 anos para uso de álcool e 40 anos para dieta inadequada, e prevalências inferiores de dieta inadequada naqueles com maior escolaridade e renda 19. Pesquisa que avaliou a combinação de dieta inadequada e uso abusivo de álcool, identificou prevalências de 21,2% nos adultos e 7,7% nos idosos e que o uso de álcool aumentava em 1,45 e 1,96 a chance de apresentar uma alimentação não saudável 20.
Diversos estudos evidenciaram os prejuízos do uso excessivo de álcool sobre as práticas alimentares. Na Nova Zelândia foi observado que mulheres (18-45 anos) tendem a substituir a energia oriunda de alimentos pela energia do álcool, e que ingestões mais elevadas de bebidas alcoólicas se associaram ao maior consumo de gorduras 4. Uma pesquisa realizada no município de São Paulo encontrou uma associação negativa entre os escores do Índice de Qualidade da Dieta Revisado e a ingestão de álcool 21. Nos Estados Unidos, foi averiguado que dietas com desequilíbrio no consumo de macro e micronutrientes elevavam as chances de ingestão excessiva de álcool 12.
Na Holanda, um estudo de intervenção demonstrou que a ingestão moderada de álcool provocava maior desejo por alimentos salgados com alto teor de gordura, como amendoim, batata frita de pacote, queijo e linguiça 3. Estudo que analisou dados da linha de base da Coorte de Universidades Mineiras verificou que os participantes mais expostos ao binge drinking apresentaram menor média de consumo de alimentos in natura/minimamente processados e maior razão de prevalência de excesso de peso (RP=1,31; IC95%:1,14-1,51) 22.
Por meio da aplicação de um questionário de frequência alimentar em adultos atendidos em um centro de recuperação de alcoólatras de Caruaru/PE, Lima et al.23 detectaram percentuais muito baixos de consumo de leite, arroz, feijão, frango, pães, frutas, hortaliças folhosas e tubérculos. O consumo de carne bovina foi referido por 53%, enquanto que o consumo diário de frutas e hortaliças folhosas foi mencionado por apenas 6,9% e 13,9%, respectivamente. Quanto aos alimentos ultraprocessados, os percentuais de consumo foram de 37% para refrigerantes, 28% para doces/balas e em torno de 20% para chocolates e sorvetes 23.
São poucos os estudos que se propuseram a analisar o hábito alimentar de pessoas com consumo abusivo de bebidas alcoólicas, o que denota a relevância de investigações dessa natureza. Entre as vantagens metodológicas do presente estudo ressalta-se a utilização de dados do Vigitel, um inquérito que contempla uma variedade de temas e questões sobre a frequência de consumo de alimentos considerados marcadores de qualidade da alimentação. Quanto às limitações, a pergunta que avalia o consumo abusivo de álcool em uma mesma ocasião, binge drink, mais frequente entre jovens, de elevada escolaridade e não compreende a quantidade e a frequência de uso de bebidas alcoólicas. As informações referidas pelos participantes quanto ao de consumo dos alimentos podem estar sujeitas a viés de memória. Em relação ao viés de seleção da amostra, composta por indivíduos que possuíam linha telefônica residencial fixa, o uso de fatores de ponderação minimiza as diferenças observadas nas populações com e sem telefone e o peso de pós-estratificação permite que as estimativas sejam extrapoladas para a totalidade dos indivíduos (com e sem telefone) 10.
O estudo mostrou as diferenças por sexo no consumo abusivo de bebidas alcoólicas, alimentação não saudável e na coocorrência destes comportamentos de risco. Os grupos sociais mais acometidos pela combinação dos fatores de risco foram os adultos mais jovens, homens, com maior escolaridade, com plano de saúde e sem cônjuge. Quanto aos hábitos alimentares, a coocorrência destes fatores revelou-se associada com menores chances de consumo de hortaliças, frutas, suco, leite, frango, feijão, e com maiores chances de consumo de carne vermelha, refrigerantes e de carnes com excesso de gordura. Os resultados atestam os prejuízos da ocorrência simultânea dos fatores de risco estudados sobre os padrões alimentares da população adulta, evidenciando a necessidade de subsidiar ações de prevenção de danos à saúde ♠