Introdução
Crack é uma substância ilícita que surgiu na década de 1980, em bairros pobres e marginalizados de Los Angeles, Nova York e Miami. Resulta da dissolução de cloridrato de cocaína em água e adição de uma base que, aquecida, forma pedaços de cristais e pó 1. Seu uso pode causar dependência psicológica e resultar em sentimentos de vazio, solidão, angústia e depressão 2.
O uso de drogas ilícitas durante a gravidez tornou-se um problema de saúde pública mundial. Nos Estados Unidos da América, a prevalência do uso de drogas ilícitas durante a gravidez em mulheres entre 15 e 44 anos que relataram o uso dessas substâncias nos últimos 30 dias atingiu 4,4 %. Na Europa, estudo que analisou substâncias ilícitas indicou que 7,9 % das gestantes foram expostas a substâncias psicoativas. Em 4,4 %, o uso foi exclusivamente de cocaína 3. Estudo em que se analisaram pacientes de 25 Unidades Básicas de Saúde do município de Maringá, no Estado do Paraná, e concluiu-se que a prevalência de uso de drogas ilícitas foi de 1,5 % em mulheres grávidas 4.
O World Drug Report 5, publicado em 2016 pelo United Nations Office on Drugs and Crime, apontou que há uma tendência em nível global em relação ao aumento no consumo de cocaína, seja na forma intranasal (pó), seja na fumada (crack, merla ou oxi), principalmente na América do Sul. No Brasil, especificamente, o índice cada vez mais elevado de consumo de crack, nas diferentes regiões do país, tem sido objeto de publicações específicas por parte dos órgãos especializados e tem se constituído uma preocupação crescente das autoridades de saúde.
Considerando que há um grande número de mulheres usuárias, sendo muitas gestantes, essa situação se torna ainda mais grave. Isso porque o uso de crack está associado à relação sexual desprotegida e à não realização do pré-natal, o que leva à negligência da própria saúde e a do bebê 6. Pesquisa que buscou verificar a heterogeneidade dos dependentes de substâncias psicoativas constatou que, embora a prevalência do consumo de crack masculino seja maior, as mulheres têm um risco mais significativo de contrair infecções sexualmente transmissíveis, pois a prostituição como atividade informal é mais prevalente entre o grupo de mulheres 7.
Estudo mostrou que essas mulheres são resistentes em aderir ao tratamento e aos programas de auxílio psicossocial direcionados a gestantes em situações de vulnerabilidades. Constatou-se que a maioria das mulheres grávidas eram solteiras, ficaram grávidas três ou mais vezes e relataram ter trocado sexo por dinheiro ou por substâncias psicoativas 8.
O uso de crack ou de outras formas de administração da cocaína está relacionado a graves efeitos adversos maternos, como risco aumentado de descolamento prematuro de placenta, líquido amniótico meconial, ruptura prematura de membranas ovulares, anomalias de trato geniturinário, prematuridade e baixo peso ao nascimento. Pacientes dependentes que desenvolvem hipertensão durante a gestação devem ser investigadas para pré-eclâmpsia e intoxicação aguda 9-10.
Os recém-nascidos sofrem os efeitos da dependência já nas primeiras horas de vida e podem apresentar quadro de irritabilidade, sudorese, hipertonia e dificuldade nos ciclos de sono e vigília. Todos esses sinais requerem ser averiguados para constatar se o recém-nascido precisa de medicação 8. Dentre as limitações infantis mais frequentes, estão alterações no padrão de sucção, comprometimento cognitivo, menor propensão a interagir socialmente e maior propensão a morrer de síndrome da morte súbita 10.
Essa realidade torna necessário o auxílio profissional à puérpera usuária de crack para sua instrumentalização ao cuidado do recém-nascido. Cabe, então, aos profissionais da saúde, o delineamento de ações voltadas a essas crianças e puérperas, assim como a prevenção, a detecção precoce e o tratamento adequado, com vistas à reabilitação da díade mãe e bebê. No intuito de facilitar o cuidado à criança exposta ao crack, destaca-se a intervenção baseada na orientação da puérpera para a prestação dos cuidados à criança e para a promoção da saúde desta.
O consumo de crack é um grave problema de abrangência mundial, que atinge não apenas o usuário, mas também as pessoas que com ele convivem, o que inclui sua família. Atender adequadamente a esse público requer dos enfermeiros sensibilidade e conhecimento científico para embasar as práticas profissionais desenvolvidas com essas pessoas nos diferentes cenários onde buscam assistência em saúde 4.
O uso de crack no período gestacional é tema de difícil abordagem na prática assistencial. Devido à necessidade do cuidado ao recém-nascido exposto ao crack e à usuária, o objetivo do presente estudo foi conhecer as dificuldades e as facilidades de puérperas usuárias de crack no cuidado ao recém-nascido. Considera-se que o conhecimento produzido poderá auxiliar os profissionais da saúde/enfermagem na instrumentalização para atuar ante o binômio puérpera usuária e recém-nascido.
Método
Trata-se de uma pesquisa do tipo exploratória e descritiva, com abordagem qualitativa. A pesquisa exploratória e descritiva aborda a descrição do fenômeno investigado e possibilita conhecer os problemas vivenciados, além de aprofundar seu estudo nos limites de uma realidade específica 11. A abordagem qualitativa considera, como fonte de estudo, a ótica dos indivíduos que vivenciam determinado fenômeno e seus significados 11.
Foi realizada em uma maternidade de um hospital universitário do sul do Brasil (HU), referência em gravidez de alto risco e no atendimento a usuários de drogas. Participaram 18 puérperas usuárias de crack. Os critérios de inclusão foram: ser usuária de crack, ter tido o filho no HU, estarem lúcidas e orientadas, e terem 18 anos ou mais. O número de participantes foi definido pela saturação dos dados definida quando, na avaliação do pesquisador, ocorre uma certa redundância ou repetição, não sendo considerado relevante persistir na coleta de dados 12.
Todas foram orientadas acerca dos objetivos e da metodologia do estudo; em seguida, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas únicas com cada participante, nas quais se questionaram sobre suas percepções acerca da influência do uso de crack no cuidado ao recém-nascido. As entrevistas objetivaram inferir algo a respeito de uma realidade representativa de uma população que também apresenta unidades individuais 13. Foram realizadas no pós-parto em sala da unidade que garantiu o conforto e a privacidade da participante. Foram gravadas e transcritas para análise. As falas das participantes foram identificadas pela letra M, seguida do número da entrevista.
Os depoimentos foram submetidos à análise de conteúdo de Bardin 13, compreendida como um conjunto de instrumentos metodológicos que se aplicam a discursos, o que proporciona, ao investigador, a busca pelo latente, não aparente e escondido. Esse método foi operacionalizado manualmente por meio de três fases: pré-análise, exploração do material e, por último, tratamento dos resultados, inferência e interpretação.
A pré-análise foi a fase de organização do material transcrito com o objetivo de tornar operacional e sistematizar as ideias iniciais a partir da leitura flutuante, o que permitiu constituir um corpus. Na fase de exploração e análise do material, o texto foi recortado em unidades de registro para posterior codificação e categorização. Após, foi realizada a leitura dos resultados obtidos para mais cinco puérperas usuárias de crack, com a finalidade de confirmar os dados encontrados da análise, complementá-los e validá-los 13.
Foram respeitados os princípios éticos, conforme a Resolução 466/2012 da pesquisa que envolve seres humanos 14. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e aprovado mediante Parecer 135/2013.
Resultados
A seguir, apresentam-se as participantes do estudo e as categorias geradas a partir da análise dos dados.
Caracterização das participantes do estudo
Participaram do estudo 18 puérperas usuárias de crack que tiveram seus filhos na maternidade do HU, no período de realização do estudo. Suas idades variaram entre 24 e 36 anos.
Todas residentes na periferia da cidade do Rio Grande (estado do Rio Grande do Sul, Brasil). Residem em casas de duas a cinco peças; quatro das entrevistadas moram em casas de alvenaria; oito, de madeira, e seis, mista (alvenaria e madeira), com água e luz, sendo que cinco casas não possuem saneamento básico. Quanto à escolaridade, todas possuíam o Ensino Fundamental incompleto. Quanto ao estado civil, 11 referiram ser solteiras; três casadas e quatro em união estável. Quanto à profissão, sete se autointitularam do lar; oito, desempregadas, e três, profissionais do sexo. Quanto ao número de filhos, cinco referiram possuir dois filhos; seis, três; cinco, quatro; uma, cinco, e uma, oito filhos. Apenas duas utilizavam exclusivamente o crack. As outras, além do crack, utilizam, também, cocaína, maconha, álcool, merla e tabaco. Iniciaram a utilizar substâncias psicoativas entre 14 e 32 anos. Apenas duas tiveram o crack como primeira droga de consumo.
Dificuldades de puérperas usuárias de crack no cuidado ao recém nascido
Como dificuldades para o cuidado ao recém-nascido, verificou-se que, na tentativa de não usar o crack, as puérperas apresentam abstinência da droga e, com isso, manifestam sintomas como, fraqueza, cansaço e depressão, além de desejo de conversar com a criança ou de se apegar a ela.
Preciso de repouso. Ganhei um bebê e estou com crises depressivas de abstinência do crack. Me sinto fraca e cansada. Estou em acompanhamento psicológico aqui no hospital. Fiquei depressiva. Não consigo ter vontade de dar carinho e de cuidar minha filha. Sinto falta da droga que parei de usar há dois meses. (M1)
Estou depressiva, agitada e sem carinho para dar à criança. (M5)
Só vou me apegar a ela quando eu perceber que vai sobreviver. Vou dar para ela os cuidados que precisar. Está difícil, pois estou sem a droga. (M6)
Além disso, algumas puérperas relatam a recomendação recebida para a não amamentação da criança, tendo em vista que os resíduos do crack podem ser transmitidos ao leite para o bebê e podem afetá-lo.
Não posso amamentar o meu bebê. Sou usuária de crack. (M12)
Não estão querendo deixar eu amamentar meu bebê. Disseram que estou com o efeito do crack e que vou passar para ele a droga. Fiquei preocupada! (M13)
O uso do crack impede que eu amamente em função da droga passar pelo leite. Ela já nasceu com crise de abstinência e muito parada. Foi direto para a UTI infantil, com dificuldades respiratórias. (M8)
Não vou poder amamentar. Vai passar a droga pelo leite para minha filha. A neném é viciada porque eu usei crack toda a gestação. No dia que vim para o hospital ganhar minha filha, eu fumei crack, mas não muito. (M6)
A dependência química do crack, associada à falta de apoio familiar para o cuidado ao recém-nascido fazem com que a puérpera fique sob a vigilância do Conselho Tutelar. Por isso algumas puérperas referem medo pela sua falta de condições em assumir a criação da criança sozinha.
Como sou dependente de crack, o Conselho Tutelar não quer deixar a criança morar comigo. O pai dela está preso e não tenho condições de criar sozinha. (M11)
Não quero que o Conselho Tutelar tire ele de mim, por causa do uso do crack. Embora pretenda parar de usar. Acho que eles não vão acreditar em mim. (M13)
Constata-se que, devido aos episódios de tremores, advindos da abstinência do crack, referiram dificuldades de prestar cuidados diretos à criança, como dar banho e realizar curativos do coto umbilical, portanto necessitam da ajuda de familiares para isso.
Quando estou tremendo, minha dificuldade passa a ser o dar o banho. Quem dá banho é o pai dele. Ele sabe que tremo da abstinência e, por isso, ele me ajuda. Tenho medo do umbigo aparecendo. (M3)
Tenho medo do umbigo. Parece que vou machucar meu filho. Minha mãe é quem faz os cuidados. Ela aproveita e já dá o banho. (M7)
Algumas puérperas também expressam dificuldades para cuidar o recém-nascido prematuro, com problemas respiratórios e malformação congênita, temendo machucá-lo. Para tanto, passam a conviver com o apoio dos serviços de saúde e a enfrentar a necessidade de cuidados diferenciados da criança.
A dificuldade para cuidar da minha filha é o medo que tenho de quebrar ela. É pequena e delicada. Pesou 910 gramas. Nasceu de seis meses de gravidez. (M11)
Ela nasceu com problema respiratório. Teve uma parada cardíaca, mas se recuperou bem. Ela é muito parada, não se mexe e nem chora muito. A fonoaudióloga disse que terei que levar minha filha ao Centro de Referência para Correção de Fenda Palatina e Lábio Leporino para tentarem corrigir a boca e o lábio dela que estão abertos e exigem cuidados. (M15)
Minha filha nasceu com malformações. Ela não tem uma orelhinha e não tem a mandíbula. Não sei nem por onde começar a cuidar. (M16)
Revelam sua dificuldade de aprender a lidar com as tecnologias que a criança necessita para sobreviver.
Meu cuidado tem sido em virar ele de lado. Tenho medo que ele fique machucado ou se engasgue com a sondinha que vai até o estômago. (M9)
Aqui no hospital é feita nebulização para que não dê falta de ar. Também, é dada a medicação receitada pelo médico do plantão. Me sinto insegura e peço informações. (M14)
Em relação ao sustento e ao cuidado da criança, algumas puérperas revelaram dificuldades financeiras, referindo medo de recorrer novamente à prostituição, como forma de atividade econômica.
Não tenho condições para comprar o leite. Quando eu sair do hospital, vou pedir ajuda no posto de saúde. Aqui no hospital o leite é dado de graça. (M12)
Vou ter dificuldades em cuidar da minha filha. Não poderei amamentar e comprar os mantimentos dela. Estou sem dinheiro. Vou pedir ajuda para o pai dela e para minha mãe. Se a situação financeira não melhorar, terei que voltar para a prostituição. Tenho medo dessa situação, pois me levará a ficar mais perto das drogas. (M18)
Facilidades de puérperas usuárias de crack no cuidado ao recém-nascido
Quanto às facilidades para o cuidado direto ao recém-nascido, puérperas usuárias de crack referiram que o fato de a criança chorar pouco, ser tranquila e quieta facilita seu cuidado.
Meu filho é um bebê que não dá trabalho. É tranquilo e pouco chora. (M7)
Cuido direitinho do meu bebê. Não me incomoda em nada. Dou leite, troco as fraldas e coloco para dormir. Gosto dele porque está sempre quieto. Não é um chorão. (M3)
Ela é boazinha e quase não chora. Quero sair da maternidade e amamentar minha filha para não precisar fazer maisena grossa e nem dar leite de saquinho na mamadeira. Não terei dificuldade de cuidar minha filha. (M16)
Outra facilidade elencada foi o apoio da família para a prestação do cuidado direto à criança. Os dados do estudo mostram que mães, sogras, companheiros, irmãos e filhos mais velhos se organizam para auxiliar a puérpera no cuidado direto ao recém-nascido.
Confio minha filha aos cuidados da minha mãe, por ser a única pessoa em quem confio. Minha filha só poderá sair daqui do hospital com a assinatura da minha mãe se responsabilizando pelos cuidados dela. Meu irmão, também, me disse que vai auxiliar minha mãe nos cuidados da minha filha. (M17)
Tenho a ajuda do meu marido, aqui no hospital. Ele reveza os cuidados comigo. Enquanto ele trabalha, sou eu quem cuida e, quando ele chega para cuidar, sou eu quem vai para casa descansar. (M4)
A única ajuda que tenho é dada pela minha sogra. Ela ajuda a cuidar do bebê para mim. Foi ela quem me ajudou a fazer o enxoval do meu filho. Sempre me deu todo apoio. (M10)
O meu marido será meu apoio. Ele gosta de alimentar, dar banho e trocar as fraldas. Disse que me ajudará a levar ao médico quando necessário. Tenho dificuldades de ser carinhosa com minha filha. (M15)
Além dos familiares, constatou-se que vizinhos e amigos também se aproximam da puérpera usuária de crack a fim de compor uma rede de apoio social para seu auxílio, oferecendo roupas, fraldas e leite para o bebê, além do apoio emocional e do incentivo à puérpera.
Minha comadre juntou as roupinhas que não servem no bebê dela para mim. Todas as conhecidas dela estão ajudando também. (M18)
Tenho uma vizinha e duas amigas que me ajudaram na aquisição das fraldas e do leite. Isso me incentiva a cuidar do meu bebê. (M2)
Outra forma de facilitar o cuidado ao recém-nascido pela puérpera é o fornecimento de auxílio financeiro pelo companheiro e pela sogra para que a criança tenha suas necessidades atendidas.
Meu atual companheiro vai me ajudar no cuidado e nas despesas com ela. Disse que na pobreza e na tristeza vai sempre me ajudar. Ele não usa droga. Ganha bem com o salário da aposentadoria e do emprego de moto-táxi. (M2)
Quando sair da maternidade, será meu marido e minha sogra quem me sustentarão. Vamos ficar morando com a minha sogra. (M1)
Discussão
A partir da análise, constatou-se que a puérpera usuária de crack pode apresentar abstinência do crack logo após o parto, quando procura diminuir seu consumo devido à gestação 15. A abstinência faz com que as puérperas se sintam cansadas, enfraquecidas e deprimidas, portanto não têm vontade de conversar e isso pode influenciar na diminuição do seu apego à criança. Devido à dependência do crack, podem tornar-se insensíveis e deixar de se preocupar com atividades básicas da vida diária, as quais consideravam importantes, como lazer em família, sono e repouso, estudo, trabalho, leis, regras e higiene corporal, podendo sequer lembrar-se da sua gravidez ou do bebê 16.
Em geral, as pessoas que usam crack tendem a ser irritadas e deprimidas, o que impede um ambiente afetivo sadio de cuidado para que a criança se desenvolva adequadamente 17. O uso prolongado dessa substância pela mulher pode prejudicar suas habilidades cognitivas e emocionais, a função executiva e a atenção, importantes habilidades necessárias ao cuidado da criança 18.
Outra dificuldade referida pelas puérperas usuárias de crack é a não indicação da amamentação 19. Evidências clínicas demonstram efeitos adversos do aleitamento materno para os recém-nascidos e desaconselham seu uso. Comportamento agressivo e conflitivo dessas pacientes, associado à diminuição de senso de julgamento, pode levá-las a não aderirem adequadamente às orientações médicas e de enfermagem. Por tais motivos, é recomendado que dependentes ativas de cocaína ou crack e pacientes sem histórico confiável de suspensão do uso da droga sejam consideradas contraindicadas ao aleitamento materno (9, 18). A utilização de crack durante a gravidez e a amamentação pode trazer consequências graves para o bebê devido a suas propriedades farmacocinéticas. Ele pode ficar excessivamente irritável e taquicárdico 20.
A falta de apoio familiar para o cuidado ao recém-nascido assim como o temor da vigilância do Conselho Tutelar e da perda da guarda da criança foram referidas. Geralmente, são mulheres usuárias de crack que se encontram em situação de vulnerabilidade social, com rompimento dos vínculos familiares, percebidas como falha de caráter 21. A perda do vínculo familiar pode fazer com que vivam em situação de moradia de rua. Em São Paulo (Brasil), no ano de 2007, houve apenas um caso de dependente de crack que perdeu a guarda de seu filho recém-nascido, mas esse número está aumentando a cada ano. Em 2008, foram 15; em 2009, o número cresceu para 26 e, em 2010, o número de casos em que os hospitais encaminharam os recém-nascidos para o Conselho Tutelar ou para a Vara da Infância e da Juventude foi de 43, crescimento de 65 % apenas de 2009 a 2010 22.
Estudo acerca da influência do ambiente familiar no consumo de crack apontou a deficiência de suporte parental dos usuários 23. Outro estudo realizado com o objetivo de conhecer o vínculo familiar de usuários atendidos em um serviço de emergência psiquiátrica identificou graves perdas nos vínculos relacionais com a família e o meio social. Os autores referiram que a falta de vínculos familiares pode estimular a continuidade do uso de drogas. Entre os usuários participantes do estudo, poucos mantinham contato com as famílias, e a maioria dos vínculos familiares encontrava-se fragilizada ou totalmente rompida 24.
Puérperas usuárias de crack podem apresentar dificuldade em prestar cuidados diretos ao recém-nascido quando retornam a casa 25 e necessitar do auxílio de familiares -rotineiramente, da mãe ou da avó- para se adaptarem ao puerpério no domicílio. O agravante passa a ser o estresse sofrido pela retomada dos cuidados com o lar e com o recém-nascido, como o banho e o curativo do coto, visto que ainda se encontram em uma fase de recuperação pós-parto e podem apresentar abstinência do crack 26.
Essas usuárias podem apresentar medo de machucar o bebê devido à sua prematuridade, malformações congênitas, problemas respiratórios e uso de tecnologias mais complexas de cuidado. Apresentam necessidades específicas e fragilidade, em termos de condições clínicas pós-natais, quando comparados a recémnascidos a termo de mães não usuárias da droga. Muitas vezes, puérperas usuárias de crack justificam sua falta de vínculos com a criança devido ao medo que o bebê morra. Demonstram, geralmente, indiferença em relação a outras pessoas, tendo uma tendência para distúrbios de humor. Podem apresentar, também, uma má reação ao estresse, alienação e estados agressivos relacionados a distúrbios orgânicos causados pelo uso do crack 10,27.
A falta de recursos financeiros dificulta o cuidado à criança, o que deixa a puérpera usuária de crack em situação de maior fragilidade 28. Além disso, essas crianças podem nascer com alteração no tempo de emissão e no timbre do choro devido à ação do crack no sistema nervoso central 26.
O apoio da família, vizinhos e amigos para o cuidado ao recém-nascido corrobora para o cuidado da mãe com o bebê. Diante da necessidade de se adaptar à maternidade, a puérpera recorre à sua rede de apoio social, que age como mediadora na reestruturação de suas relações afetivas.
O contexto que envolve essas puérperas usuárias de crack implica a necessidade de apoio social com olhar compreensivo, especialmente para o enfrentamento de sentimentos como medo e incompetência materna, e deve promover suporte favorável à saúde mental da puérpera e do recém-nascido 29. Sabe-se que a maternidade é mobilizadora de recursos pessoais e financeiros para o enfrentamento das demandas acrescidas pela gravidez, e que promove suporte favorável à saúde mental da puérpera e do recém-nascido 30.
Conclusão
O estudo possibilitou conhecer dificuldades e facilidades de puérperas usuárias de crack no cuidado ao recém-nascido. Constatou-se como dificuldades para o cuidado a abstinência da droga, o que dificultou seu apego à criança; a recomendação da não amamentação; a falta de apoio familiar; a vigilância dos profissionais do Conselho Tutelar; a falta de habilidade para a realização de cuidados diretos à criança; o medo de machucar a criança com malformações e problemas respiratórios, além da falta de condições financeiras para prover as necessidades da criança. Como facilidades, revelaram o fato de a criança chorar pouco, ser tranquila e quieta assim como o apoio da família, de vizinhos e amigos, além do auxílio financeiro do companheiro e familiares.
Os dados indicam que as puérperas usuárias de crack necessitam de auxílio para desempenharem adequadamente seu papel de cuidadoras do recém-nascido, tendo em vista as dificuldades que enfrentam. Assim, precisam ser precocemente captadas e acolhidas pelos profissionais da saúde/enfermagem durante a gestação e acompanhadas de forma a realizarem o pré-natal.
Embora não haja dados concretos no Brasil acerca do número de gestantes usuárias de crack, os profissionais da saúde/enfermeiros que atuam nas maternidades e centros obstétricos precisam estar preparados para conduzir o parto dessas mulheres, acompanhando-as no seu puerpério imediato. É preciso saber orientar a mulher acerca dos cuidados com o recém-nascido e verificar aqueles em risco social para fazer os devidos encaminhamentos, o que garantirá sua segurança e cuidado. Do mesmo modo, as puérperas necessitam ser acolhidas em serviços de apoio que lhes deem sustentação para que possam superar suas dificuldades de forma mais amena, desenvolvendo habilidades e competências para o cuidado ao recém-nascido.
Recém-nascidos de puérperas usuárias de crack, a partir da alta hospitalar, devem ter garantido o acompanhamento periódico por profissionais da saúde e do Conselho Tutelar para que possam ser identificadas, precocemente, situações de abandono e maltrato, garantindo sua segurança. Para tanto, os profissionais de saúde/enfermagem devem refletir acerca de sua atuação ante a puérpera usuária de crack e o recém-nascido, além de identificar e aplicar intervenções terapêuticas eficazes e eficientes em prol da sua saúde.
Aponta-se como estratégia no novo cenário da saúde mental que os serviços de saúde mental atuem e pautem suas ações de forma a contemplar a gestante e a puérpera usuárias de crack e o recém-nascido. Como limitação do estudo, destaca-se ter sido realizado com participantes vinculadas a um único hospital, o que levou a achados de uma realidade específica à compreensão do fenômeno sob um dado ponto de vista. Futuros estudos que considerarem outras realidades poderão contribuir com novos achados sobre o fenômeno em questão.