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Anagramas -Rumbos y sentidos de la comunicación-

Print version ISSN 1692-2522On-line version ISSN 2248-4086

anagramas rumbos sentidos comun. vol.22 no.44 Medellín Jan./June 2024  Epub Mar 05, 2024

https://doi.org/10.22395/angr.v22n44a09 

Artículos

Meios de Comunicação de Massa e Meios Digitais: Remassificação e internetilização*

Mass Media and Digital Media: Remassification and Internetization

Medios Masivos y Medios Digitales: Remasificación e Internetización

** Doutor em Comunicação e Semiótica Centro de Comunicação e Letras, Universidade Presbiteriana Mackenzie - Brasil. Email: patricio.dugnani@gmail.com


Resumo

Pretende-se observar, nesse artigo, como a substituição da hegemonia dos meios de comunicação de massa pelos meios digitais estaria produzindo, ao invés da valorização da diversidade de informação, uma remassificação dos conteúdos: internetilização. Dessa forma, o esclarecimento humano e a liberdade prometida pela revolução da tecnologia parecem estar apenas recriando o processo de Indústria Cultural e massificação. Para essa reflexão, serão utilizados conceitos da Teoria dos Meios, contrapostos pelas ideias da Escola de Frankfurt. Embora sejam teorias de posições e políticas diferentes, espera-se que a contraposição desses pensamentos tão antitéticos possa desenvolver uma reflexão que aponte para a síntese da questão que povoa a Modernidade Tardia: será que o processo de massificação está ficando no passado, quando os meios de comunicação de massa eram hegemônicos, ou a era dos meios digitais ainda mantém esse processo atual? Sendo assim, a partir de uma pesquisa exploratória e com base em um levantamento teórico, pretende-se observar, a partir de uma visão funcionalista, que os meios digitais pareciam indicar uma revolução nos processos de comunicação; no entanto, quando observados pelo viés da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, os efeitos de alienação e massificação parecem permanecer os mesmos. Por fim, o método da Arqueologia do Saber de Michel Foucault, atualizado por Giorgio Agamben em seu livro “Signatura Rerum”, somado à Teoria dos Meios de Marshall McLuhan, contraposta pela visão crítica da Escola de Frankfurt, será o método utilizado por essa reflexão.

Palavras-chave: Meios de Comunicação; Remassificação; Internetilização; Meios de Comunicação de Massa; Meios Digitais; Escola de Frankfurt; Teoria dos Meios

Abstract

It is intended to observe in this article how the replacement of the hegemony of the mass media by digital media would be producing, instead of valuing the diversity of information, a remassification of contents: internetization. In this way, the human enlightenment and freedom promised by the technology revolution, it seems that it is just recreating the process of Cultural Industry and massification. For this reflection, concepts from the Theory of Media will be used, opposed by the ideas of the Frankfurt School. Although they are theories of different positions and policies, it is hoped that the opposition of these very antithetical thoughts can develop a reflection that points to the synthesis of the question that populates Late Modernity: is the massification process remaining in a past where the means of mass communication were hegemonic, or does the age of digital media still maintain this current process? Thus, from an exploratory research and based on a theoretical survey, it is intended to observe, from a functionalist view, that digital media seemed to indicate a revolution in communication processes, however, when observed through the bias of Theory Criticism of the Frankfurt School, the effects of alienation and massification seem to remain the same. Finally, Michel Foucault’s Archeology of Knowledge method, updated by Giorgio Agamben, in his book Signatura Rerun, added to Marshall McLuhan’s Theory of Means, opposed by the critical view of the Frankfurt School will be the method used for this reflection.

Keywords: Media; Remassification; Internetilization; Mass Media; Digital Media; Frankfurt School; Media Theory

Resumen

Se pretende observar en este artículo cómo la sustitución de la hegemonía de los medios masivos por los medios digitales estaría produciendo, en lugar de valorar la diversidad de la información, una remasificación de los contenidos: la internetización. De esta manera, la ilustración y libertad humana prometida por la revolución tecnológica, parece que sólo está recreando el proceso de Industria Cultural y masificación. Para esta reflexión se utilizarán conceptos de la Teoría de los Medios, contrapuestos a las ideas de la Escuela de Frankfurt. Si bien son teorías de posiciones y políticas diferentes, se espera que la oposición de estos pensamientos tan antitéticos pueda desarrollar una reflexión que apunte a la síntesis de la pregunta que puebla la Modernidad Tardía: ¿el proceso de masificación queda en un pasado donde los medios de ¿La comunicación masiva fue hegemónica, o la era de los medios digitales aún mantiene este proceso actual? Así, a partir de una investigación exploratoria y con base en un levantamiento teórico, se pretende observar, desde una mirada funcionalista, que los medios digitales parecían indicar una revolución en los procesos de comunicación, sin embargo, cuando se observan a través del sesgo de la Teoría Crítica de la Escuela de Frankfurt, los efectos de alienación y masificación parecen seguir siendo los mismos. Finalmente, el método de la Arqueología del Conocimiento de Michel Foucault, actualizado por Giorgio Agamben, en su libro Signatura Rerun, sumado a la Teoría de los Medios de Marshall McLuhan, contrapuesta por la mirada crítica de la Escuela de Frankfurt, será el método utilizado para esta reflexión.

Palabras llave: Medios; Remasificación; Internetilización; Medios de Comunicación en Masa; Medios Digitales; Escuela de Fráncfort; Teoría de los Medios

Introdução

As massas fragmentadas pela substituição da hegemonia dos meios de comunicação de massa pelos meios digitais, internet e redes sociais são remassificadas. Ou seja, as estratégias da comunicação, com o uso principalmente dos algoritmos, são capazes de criar artificialmente novos modelos médios, novos gostos médios, ou seja, uma nova cultura média: uma nova cultura de massa. Contudo, essa remassificação ocorre em grupos menores, mais fragmentados. Os modelos estereotipados se disfarçam em múltiplas fantasias, dando uma falsa aparência de originalidade, como um produto que muda o design, mas a tecnologia é a mesma. No entanto, a antiga forma de valorizar modelos que atraem mais audiência continua eficiente. Só que a audiência se disfarça em curtidas, likes, compartilhamentos, seguidores, cliques, ou seja lá qual métrica estiver sendo usada naquele momento, mas que, no fim, não deixa de ser a mesma e velha questão da audiência.

Como numa ciranda, uma dança das cadeiras, e de maneira esquizofrênica, os indivíduos fragmentados, de tribos fragmentadas, de uma massa fragmentada trocam de identidades estereotipadas, dentro de um limite de modelos, desenvolvido a partir do uso dos algoritmos. Tomando essa ideia como norte, pretende-se entender, neste artigo, como o processo de perda da hegemonia dos meios de comunicação de massa para os meios digitais, internet e redes sociais tem produzido um efeito de fragmentação das massas, de acordo com Norval Baitello (2015), ao mesmo tempo em que tem criado comunidades instantâneas e desenvolvido modelos cada vez mais efêmeros, mais líquidos (Bauman, 1998), os quais acabam, artificialmente, por produzir um efeito de remassificação.

Criada através do uso de algoritmos, agora uma massa móvel, cujo modelo é exatamente baseado no que tem sido chamado no marketing de personas, é absorvida pelo alto potencial de adaptação do mercado. As personas são modelos estereotipados dos novos consumidores que estão substituindo o antigo públicoalvo das métricas dos meios de comunicação de massa. Tudo que revoluciona o comportamento não fere o mercado; pelo contrário, fortalece, pois essa entidade quase viva tem um potencial de adaptação impressionante. Tudo que agride o mercado é absorvido e volta como produto. Nesse sentido, e de maneira pessimista e cética, a revolução do discurso das múltiplas identidades criadas na Modernidade Tardia será absorvida pelo mercado e acabará por produzir novas mercadorias padronizadas. A multiplicidade e a diferença são o produto da vez e serão fabricadas e reproduzidas pelos meios de comunicação - não mais de massa, mas sim os digitais - até serem transformadas em mercadorias acessíveis à massa fragmentada e homogeneizada pelo uso dos algoritmos.

Como dizia o grupo Titãs, na música Desordem, de composição de Charles Galvin, Marcelo Fromer e Sérgio Britto: “[...] pois tudo tem que virar óleo pra pôr na máquina do estado”. Apenas substituiria, a ideia de estado, por mercado. Porque o mercado, parece uma grande substância, como aquelas bolhas que tudo absorvem em filmes de ficção científica. Essa é a magia do mercado, apoiado pelos meios de comunicação: a capacidade de absorver qualquer diferença, qualquer revolta, qualquer novidade, e transformar no mesmo, no igual, no modelo vigente, o qual é capaz de atrair maior audiência e ampliar o consumo.

Sendo assim, neste artigo, pretende-se refletir se a substituição da hegemonia dos meios de comunicação de massa pelos meios digitais estaria produzindo, ao invés da valorização da diversidade na informação, uma nova massificação, ou melhor, uma remassificação, ou como Dugnani (2021) denominou, uma internetilização. Dessa forma, se essa ideia se confirmar, a grande transformação prometida pela revolução dos meios digitais não seria apenas, e mais uma vez, o velho processo de Indústria Cultural e massificação tardia apresentada pela Escola de Frankfurt, disfarçado por um discurso de liberdade e esclarecimento. Ou seja, não seria mais uma vez a antiga promessa iluminista de que a tecnologia libertaria o ser humano revisitada e fragmentada?

Para essa análise, serão usados conceitos de Marshall McLuhan (2016), contrapostos de maneira dialética com as ideias de Theodor Adorno e Max Horkheimer (2000) da Escola de Frankfurt. Embora sejam autores de posições teóricas e políticas diferentes, espera-se que a contraposição desses pensamentos tão antitéticos possa fazer surgir uma reflexão que aponte para a síntese dessa questão que povoa a Modernidade Tardia: será que o processo de massificação está ficando num passado onde os meios de comunicação de massa eram hegemônicos, ou a era dos meios de comunicação digital ainda mantém esse processo vivo e em funcionamento?

Neste texto, ao invés de utilizar o termo Pós-modernidade, como é mais comum em autores contemporâneos, como, por exemplo, Lyotard (2000), Harvey (1996) e Hall (2004), pretende-se entender o presente pela visão da Hipermodernidade de Gilles Lipovetsky (2004) e, principalmente, de Hartmut Rosa (2019) e denominar a contem- poraneidade como Modernidade Tardia, ou seja, uma aceleração da Modernidade, ao invés de uma nova organização política e social como sugere o termo Pós-modernidade.

Métodologia

A visão metodológica que engloba este artigo parte de uma pesquisa mais ampla que está sendo desenvolvida para identificar os paradigmas que compõem o momento contemporâneo, denominado a partir de agora como Modernidade Tardia, pelo viés das transformações impressas pelo advento de novos meios de comunicação.

Este método busca relacionar as ideias de Marshall McLuhan (2016) e a Teoria dos Meios com a busca de Michel Foucault (1990) em constituir um método arqueológico de análise: sua Arqueologia do Saber. Toma-se, dessa forma, como uma visão metodológica, o interesse em revelar os paradigmas e assinaturas dos discursos que compõem o pensamento de uma determinada época, nesse caso, a Pós-modernidade, a partir da análise dos efeitos do uso dos meios de comunicação na sociedade. Essa estratégia pretende compreender o pensamento de uma época, de acordo com o método da Arqueologia do Saber de Foucault (1990), e pela atualização dessa visão metodológica, descrita por Giorgio Agamben, em seu livro “Signatura Rerum” (2019), somada à Teoria dos Meios. Esta reflexão metodológica, enfim, pode contribuir com a compreensão de como o uso dos meios de comunicação pode produzir transformações de comportamento e consciência na sociedade.

Meios de Comunicação de massas e a massificação

Com a revolução dos meios elétricos e o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, novas transformações foram impressas na sociedade que se organizava em torno dos princípios da Modernidade. Para Nicolau Sevcenko (2001), a modernidade se organiza a partir de três fases. A primeira, que iria do século XVI a meados do século XIX, se caracteriza como uma fase em que ocorreu o desenvolvimento tecnológico, o qual possibilitou o uso de novas fontes de energia, meios de comunicação e transporte, e outros conhecimentos. A segunda fase caracteriza-se pelo desenvolvimento do uso da eletricidade, dos derivados do petróleo, dos motores a combustão, das indústrias químicas, dos meios de transporte e dos meios de comunicação, como os meios elétricos e de comunicação de massa. Na terceira fase, embora a confiança no progresso pareça ter atingido seu auge, a humanidade cai em um momento obscuro, com o desenrolar das guerras, apoiadas pelo desenvolvimento tecnológico.

Sendo assim, para Sevcenko (2001), esse período se assemelhou ao movimento de subidas e quedas da montanha russa, transformando a Modernidade num período de transformações velozes, de aceleração das mudanças, do aumento da sensação de fragmentação, do desenvolvimento tecnológico, mas coroada pela sensação de um “apocalipse iminente” (Sevcenko, 2001, p. 17).

Porém, pretende-se destacar desse período o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e a transformação do indivíduo em uma multidão efêmera e instável: a massa propriamente dita.

No final do século XIX, quando o tópico da dinâmica de funcionamento da massa galvaniza os teóricos, Gabriel de Tarde contrapõe o público, de natureza virtual e relativamente estável, à multidão, que presume proximidade física e efemeridade. (Castro, 2021, p. 93)

Desse processo, posteriormente os teóricos da Escola de Frankfurt, como Theodor Adorno e Max Horkheimer, chegariam aos conceitos de massificação, Indústria Cultural e cultura de massa. Essa relação entre o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e a uniformização dos gostos é o que será destacado nesse momento.

Com o advento dos meios de comunicação de massa, a relação entre emissão e recepção sofre um impacto bastante sensível, pois nesse tipo de meio a transmissão deixa de ser feita entre indivíduos para ser efetuada na relação: instituições que detêm poder econômico e controlam a emissão para uma grande quantidade de indivíduos que passam a se tornar receptores passivos. Os indivíduos nos meios de comunicação de massa, como receptores, têm pouca interferência sobre o conteúdo emitido, pois o que passa a importar é a audiência, ou seja, a quantidade de receptores que são atingidos pelas mensagens. Ou seja, a mensagem dos meios de comunicação de massa não é mais direcionada aos indivíduos, mas sim à massa. O gosto individual dá lugar ao gosto da massa. Um gosto medido estatisticamente, que busca, segundo Adorno e Horkheimer (2000), atingir um gosto médio. Esse gosto médio, conforme é repetido pelos meios, dominados pelas grandes emissoras e ávidos em busca de aumentar sua audiência, acaba por formar uma cultura média, uma média dos gostos da maioria, uma cultura de massa.

Nesse processo, inevitavelmente, os conteúdos das mensagens passam por uma uniformização que, com o passar do tempo, produz uma uniformização no gosto dos indivíduos, o que acaba por desenvolver a massificação, ou seja, a uniformização das informações, a uniformização do gosto da massa.

Embora os meios de comunicação de massa produzam, segundo McLuhan (2016), uma extensão na percepção do indivíduo, além de propiciar maior velocidade no processo de comunicação e um aumento na quantidade de informações para um grande público (a massa), também acabam por produzir um efeito uniformizante, que desenvolve um processo de alienação, pois nem todos os conteúdos geram grande audiência, por isso o espaço para eles não é dividido de maneira igualitária. Nesse sentido, o espaço maior é dedicado àqueles conteúdos que podem criar maior audiência, limitando assim a diversidade de conteúdos transmitidos pelos meios de comunicação de massa. Aumenta-se a quantidade de informações, mas diminui-se, com isso, a diversidade, para poder satisfazer o mercado.

O autor Yuval Harari, em seu livro “Homo Deus” (2016), afirma que a quantidade de dados cria uma espécie de censura. Essa censura, conforme comentado por Harari (2016), refere-se à inviabilidade de acessar a informação devido à imensa quantidade de dados para administrar, bem como à repetição constante de informações e à irrelevância da maioria delas. Esse processo também resulta no desenvolvimento de bolhas de informações que impossibilitam a concentração, devido à quantidade de informações irrelevantes, além de limitar os conteúdos que poderiam ser relevantes ao sujeito.

O mundo está mudando com inigualável rapidez e estamos inundados por quantidades impossíveis de dados, de ideias, de promessas e de ameaças. Humanos renunciam à autoridade em favor do livre mercado, da sabedoria das multidões e de algoritmos externos em parte porque não conseguem lidar com o dilúvio de dados. No passado, a censura funcionava bloqueando o fluxo de informação. No século XXI, ela o faz inundando as pessoas de informação irrelevante. Não sabemos mais a que prestar atenção e frequentemente passamos o tempo investigando e debatendo questões secundárias. Em tempos antigos ter poder significava ter acesso a dados. Atualmente ter poder significa saber o que ignorar. (Harari, 2016, p. 403)

Este é um grande dilema dos meios de comunicação de massa. Embora sua recepção seja mais democrática, pois pretende-se que seus conteúdos atinjam o maior número de pessoas, a escolha dos conteúdos é limitada a interesses econômicos e ao aumento da audiência. Por isso, o acesso às decisões do que deve ser transmitido por esses meios é menos democrático. Afinal, o que acaba sendo transmitido são aqueles conteúdos que agradam ao gosto da massa, estatisticamente determinados por pesquisas. Esse processo é o que leva à massificação dos conteúdos e à uniformização das informações, características comuns da comunicação de massa predominante no período que compreende, principalmente, a Modernidade.

Esse efeito massificante dos conteúdos, que esperava-se eliminar com o surgimento dos meios digitais, a internet e as redes sociais, parece cada vez mais revigorado na Modernidade Tardia. Nesse sentido, a euforia do discurso libertário que os meios digitais causaram com a sua chegada não se confirmou, principalmente no sentido da massificação e da alienação (Dugnani, 2020).

Essa é a questão que se pretende colocar em reflexão a seguir: Os processos de massificação, com os meios digitais, foram substituídos pelo gosto dos indivíduos, ou continuam a produzir uma uniformização vinculada à audiência?

Meios de comunicação digitais, algoritmos e a remassificação/ internetilização

Pierre Levy (2010) é um dos autores que abraçou com mais otimismo a chegada dos meios digitais, da comunicação em rede, e do desenvolvimento de uma cultura, a qual ele denominou de cibercultura.

Para o autor, a cibercultura, oriunda da utilização dos meios digitais, se desenvolveria de maneira diferenciada em relação à cultura de massa, influenciada pelo uso dos meios de comunicação de massa. Enquanto a cultura de massa se caracterizaria por um processo de massificação, uniformização de conteúdos, e consequente desenvolvimento de um processo alienatório vinculado à audiência, como observado anteriormente, o uso dos meios digitais propiciaria a organização de uma cultura universal, contudo liberta de qualquer constituição totalizante de conteúdos, informação, e, consequentemente, da criação de gostos globais e homogeneizados. Para Levy (2010), ocorreria, justamente o contrário, a cibercultura se caracterizaria como um sistema aberto, sem a imposição de modelos massificados, que privilegiaria a emancipação humana, principalmente baseada, de certa forma, no esclarecimento, na independência e na participação dos indivíduos na construção do conhecimento.

De certa forma, essa concepção de valorização, libertação e esclarecimento dos indivíduos pelo uso das novas tecnologias não é nova, nem exclusiva a autores que defenderam, e ainda defendem, a visão de que os meios digitais possibilitariam a emancipação dos indivíduos. Na verdade, inspirados na visão de Adorno e Horkheimer (2000), vislumbra-se que a promessa libertária do uso dos meios digitais, não passa da velha promessa iluminista, que nunca se cumpre: a de que o desenvolvimento tecnológico desenvolveria o esclarecimento e a emancipação dos seres humanos. A mesma promessa do século XVIII dos iluministas, recuperada nos séculos XIX e XX pela Revolução Industrial e o advento dos meios de comunicação de massa, parece manter-se a mesma no início do século XXI, agora com os meios digitais.

Essa é a questão, que para este artigo, estaria entrando em cheque, com o desenvolvimento tecnológico e com o uso dos meios digitais, principalmente através dos algoritmos: ao invés de emancipação, novamente a alienação, a massificação.

Entende-se como algoritmos nos meios digitais, principalmente na internet e redes sociais, programações que desenvolvem rotinas lógicas, associadas e relacionadas através de um monitoramento de pesquisas executadas pelos seus usuários, o qual permite a solução de problemas, mas que no entanto, também possibilitam um controle sobre as informações e como elas seriam distribuídas, apoiadas nos gostos dos indivíduos, mas, muitas vezes, visando, não a emancipação, mas a audiência (compartilhamentos, likes, seguidores...), o aumento do tempo de permanência do usuário no sistema (o que traz um valor maior às plataformas e espaços virtuais) e propiciando a divulgação de marcas e produtos.

Algoritimos podem ser definidos com rotinas logicamente encadeadas. Também podem ser compreendidos como o conjunto de instruções introduzidas em uma máquina para resolver um problema bem definido (INTRONA, 2013). [...] Em geral, eles expressam uma solução computacional em termos de suas condições lógicas (conhecimento sobre o problema) a partir de estruturas de controle, ou seja, estratégias para resolver o problema. (KOWALSKI, 1979). (Silveira, 2017, p. 268)

Ou seja, o funcionamento dos meios digitais, pelo uso de algoritmos (e outros sistemas), parece cada vez mais vinculado à velha fórmula dos meios de comunicação de massa, onde a informação é vista mais como mercadoria, um mero produto, do que um conteúdo capaz de desenvolver a autonomia e a emancipação humana. O uso dos algoritmos é um jogo de cartas marcadas, cada vez mais similar às estratégias usadas pelos meios de comunicação de massa, pois possibilitam que empresas, instituições e governos possam interferir, manipular e regular a distribuição da informação, criando, de certa forma, territórios e governos virtuais.

Atualmente, assistimos à crescente relevância de plataformas reguladas por algoritmos e pertencentes a grandes corporações, como Facebook e Google, que podem ser consideradas “plataformas algorítmicas” (CASTRO, 2019a), nas quais se exerce uma “governança algorítmica” (CASTRO, 2018). (Castro, 2021, p. 92)

Os algoritmos, aproveitando a metáfora com jogos, são como dados viciados, que levam à repetição de informações, mediadas por rotinas lógicas, programações baseadas nas pesquisas dos usuários, que visam o aumento da audiência e a permanência do indivíduo nas plataformas, fazendo com que se criem áreas de concentração de informação, o que tem sido denominado como bolhas informacionais. Nessas bolhas, as informações circulam de maneira repetitiva e baseada na concordância de comunidades virtuais, ou seja, são refletidas no gosto comum e uniformizado desses usuários. Por isso, a informação se torna viciada, propiciando o desenvolvimento de processos alienatórios. Afinal, como a frequência e distribuição das informações estão baseadas em algoritmos, os conteúdos mais relevantes, que surgem nas pesquisas daquele grupo, ganham mais espaço que outros conteúdos, possibilitando maior audiência e permanência. Esse terreno se torna fértil para o desenvolvimento das chamadas notícias falsas (fake news) e, principalmente, da pós-verdade (Cadima, 2018), entendida como uma verdade conveniente a um grupo, ao invés de ser embasada em observações objetivas dos fatos.

O fenômeno das fake news, na dimensão que se apresenta está estreitamente relacionado à atual configuração do capitalismo comunicacional (PRADO; PRATES, 2017), na qual os fluxos contínuos propiciados pelas redes sociotécnicas instauram um processo de circulação que rompe com o esquema das mídias de massa, dispostas, anteriormente, entre os polos da emissão e da recepção. (Pereira; Prates, 2022, p. 116)

Concorda-se, aqui, com Prado, Pereira e Prates (2022), pois, sim, essa dimensão estreita laços com a organização de um capitalismo comunicacional; o processo rompe tecnicamente com o esquema linear de emissão e recepção dos meios de comunicação de massa, instaurando a comunicação em rede; no entanto, mesmo com esse rompimento no funcionamento, os efeitos da comunicação dos meios digitais em rede cada vez mais se parecem com os efeitos dos meios de comunicação de massa: produzem alienação pela uniformização dos conteúdos que são vinculados à audiência, como modelos de negócios, como afirma Castro (2021).

[...] as plataformas algorítmicas favorecem a desinformação, por causa da maneira como suas características tecnológicas são instrumentalizadas por seu modelo de negócios. Tipicamente, esse modelo requer a captação de dados dos usuários, utilizados para personalizar as ofertas comerciais que lhes são dirigidas. Quanto maior for a participação dos usuários, maior será a quantidade de dados captada. (Castro, 2021, p. 93)

Castro (2021), analisando a comunicação principalmente do universo jornalístico, ainda observa que a informação que deixa de ser veiculada pelas formas jornalísticas tradicionais, acaba sendo encontrada nas plataformas de notícias, ganhando um acance global, mas paradoxalmente, refletindo as opiniões e ideologias de pequenos grupos e, até mesmo, de indivíduos.

Nesse cenário, equivalente a um “capitalismo de plataforma” (SRNICEK, 2017), uma porção notável dos encargos da distribuição e inclusive da produção de notícias é transferida das empresas jornalísticas tradicionais para as plataformas. É verdade que os conteúdos encontrados nas plataformas muitas vezes são de teor pessoal, ou familiar, ou envolvendo pequenos grupos de conhecidos. (Castro, 2021, p. 92)

Ou seja, confirma-se aqui, no recorte sobre a questão jornalística de Castro (2021), uma questão importante, que pode ser estendida para todos os meios digitais: a valorização do potencial dos indivíduos de se comunicarem em âmbito global, independente das grandes emissoras ou instituições, impressas no uso dos meios digitais, não está garantindo a emancipação humana, nem a diversificação dos conteúdos, ou esclarecimento, mas sim, tem favorecido a disseminação de fake news, da pós-verdade, da desinformação e da alienação na sociedade, pois suas informações estão ainda vinculadas, principalmente a questão da audiência, ou pior, a ideologias e opiniões baseadas na visão desses grupos, ao invés de uma observação objetiva, ou científica dos fatos.

A eles, no entanto, se misturam conteúdos ostensivamente noticiosos, extraídos de fontes jornalísticas. Também são conspícuos nas redes conteúdos que podem ser associados de um modo ou de outro a notícias, em postagens de jornalistas, especialistas, políticos ou celebridades; postagens que mesclam elementos noticiosos a ingredientes de marketing e entretenimento; postagens que repercutem a ponto de virarem notícia; ou postagens de usuários comuns contendo informações de interesse mais geral. Esse embaralhamento das balizas entre o que é notícia ou não pavimenta o caminho para conteúdos que se apresentam como notícias mas não seguem preceitos jornalísticos, isto é, não resultam de apuração, nem se estribam em evidências, abrigando doses variadas de ficção. Tais conteúdos são comumente designados como “fake news”; mas, para evitar a conotação de algo falso apenas acidentalmente, prefere-se aqui traduzir essa expressão por “notícias fraudulentas”. E, de forma mais abrangente, recorre-se ao termo “desinformação” - de uso mais tradicional, consignado em dicionários - para enfatizar o aspecto enganoso, deliberado e sistemático presente com frequência nesse material. As notícias fraudulentas são tomadas, portanto, como exemplares do fenômeno geral da desinformação. (Castro, 2021, p. 92)

Por isso, discordando de Levy (2010), acredita-se, sim, que os meios digitais até teriam um potencial técnico para desenvolver a emancipação dos indivíduos, sem a formação de conteúdos totalizantes. No entanto, não têm conseguido imprimir esse potencial, pois o uso desses meios ainda está alicerçado em preceitos e condições que foram instituídos, senão anteriormente, pelo menos pelo uso dos meios de comunicação de massa. Concordando com Dugnani (2021), os meios digitais, as redes sociais, o uso, principalmente, dos algoritmos, a busca pela audiência, têm guiado o potencial emancipatório desses meios, não para o caminho da libertação e esclarecimento humano (como se espera desde o iluminismo), mas têm levado o processo para uma remassificação, ou seja, uma nova uniformização de conteúdos, talvez não mais para as massas, mas para as comunidades virtuais, lacradas em suas bolhas informacionais, e validando, por elas mesmas, suas verdades convenientes (pós-verdades). A emancipação é substituída pela remassificação: uma internetilização dos conteúdos (Dugnani, 2021).

Discussão e Conclusão

Os indivíduos ganhando o potencial de transmitir informações com alcance global, independência das grandes emissoras ou instituições para decisão do que seria relevante para ser discutido, liberdade para escolher os temas que poderiam debater, abertura para o desenvolvimento da autoria, valorização da participação e da construção coletiva do conhecimento: realmente não se pode, de certa forma, desvalorizar o otimismo com que certos teóricos, como Levy (2010), receberam o advento dos meios digitais. No entanto, pelo menos no momento contemporâneo, da Modernidade Tardia, essa promessa não se cumpriu e parece estar um pouco distante de se realizar. O que poderia ter dado errado? Essa é a pergunta que este artigo faz. O que aconteceu?

Observando o fenômeno e na avaliação dessa argumentação, o maior problema deve estar relacionado à semelhança no uso dos meios digitais com o uso dos meios de comunicação de massa que se tem observado nos últimos anos, principalmente em relação à busca do controle e gerenciamento das informações que programações como os algoritmos são capazes de realizar, além do uso cada vez mais comercial desses meios, que acabam por confundir seus objetivos com metas de mercado. A informação, assim como nos meios de comunicação de massa, é tratada como mercadoria e não como um conteúdo capaz de transformações que valorizem a emancipação, esclarecimento e a libertação humana.

Contudo, se antes a informação era um produto comercializado pelas grandes instituições e emissoras, agora é também feita pelos indivíduos. Afinal, cada usuário dos meios digitais, das redes sociais, da internet, agora, se configura como um grande emissor; cada indivíduo se torna uma mídia poderosa. No entanto, parece se repetir a mesma fórmula, onde a relevância das informações está vinculada não ao seu potencial emancipatório, mas na audiência que é capaz de gerar. Entendendo-se audiência, nos meios digitais (plataformas, redes sociais, etc.) como o número de compartilhamentos, seguidores, tempo de permanência; entende-se também que a relevância da informação nos meios digitais, assim como já era pensada para os meios de comunicação de massa, continua, ainda, a ser alicerçada em métricas quantitativas, e não em transformações qualitativas para a sociedade.

Nesse sentido, da valorização da audiência, essa métrica determina o valor do espaço virtual e da informação apenas de maneira quantitativa e não transformadora. Esse imbróglio é que tem impedido o uso dos meios digitais como instrumentos transformadores e de emancipação humana. Enquanto a informação for vista como mercadoria e medida por uma audiência, os meios digitais não poderão, assim como foi com os meios de comunicação de massa, produzir o efeito libertário e emancipatório do indivíduo, quanto a conteúdos totalizantes como previa Levy (2010). Ou seja, enquanto não se modificar os objetivos dos usos dos meios digitais e libertá-los dos vínculos mercadológicos, não será possível cumprir as promessas proféticas e otimistas feitas no momento do advento desses meios, mas apenas serão repetidos os vícios que já estão sendo impressos nos processos de comunicação, desde, pelo menos, o advento dos meios de comunicação de massa.

Sendo assim, ao invés de emancipação e esclarecimento, ainda se manterão os mesmos resultados, que são a alienação, a manipulação da informação em benefício do mercado, das instituições e mesmo dos indivíduos. Enquanto não se desenvolver uma cultura crítica do uso dos meios em benefício da libertação humana, os mesmos vícios deverão se manter intactos, e os meios digitais, cada vez mais, se parecerão com os meios de comunicação de massa. A massificação se torna remassificação, ou internetilização.

Referências bibliográficas

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* Grupo de Pesquisa sobre Linguagens e Narrativas Interculturais Comunicação Globalizada e Interculturalidade: Formatos e Práticas Contemporâneas Nas Organizações Universidade Presbiteriana Mackenzie 2023

Recebido: 22 de Março de 2023; Aceito: 25 de Julho de 2023

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