Introdução
A América do Sul vivencia problemas regionais que, adicionados a outros, a exemplo da imigração, representam desafios à segurança:
[...] esses problemas [imigrantes venezuelanos adentrando as fronteiras de países vizinhos] foram adicionados aos desafios de segurança duradouros enfrentados pelos governos regionais, como a ameaça do narcotráfico, crime organizado, necessidade de assistência humanitária e tarefas de socorro a desastres. As Forças Armadas permanecem no centro dessas questões (The International Institute for Strategic Studies - IISS, 2019, p. 375).
Por sua vez, o Livro Branco de Defesa Nacional brasileiro ressalta que a América do Sul é uma região pacífica e que os países buscam a cooperação (Ministério da Defesa do Brasil, 2016). A Política de Defesa e Segurança (PDS) da Colômbia, de 2019, é convergente ao defender a diplomacia e a cooperação para a manutenção da paz:
[...] Em matéria de defesa nacional, o país manterá a capacidade de dissuasão militar diante de agressões externas, desenvolverá uma diplomacia que fortaleça as alianças, defenderá a vigência do direito internacional e ratificará seu compromisso com a manutenção da paz e da segurança internacionais (Ministerio de Defensa Nacional de Colombia, 2019, p. 15)1.
No entanto, Franchi, Migon e Villarreal (2017) apontam que a percepção da América do Sul como uma região pacífica necessita ser revista. Os autores propõem a discussão da expressão "longa paz sul-americana", uma vez que as classificações tradicionais de guerras e conflitos não traduzem a realidade da América do Sul. Nesse sentido, a região estaria mais próxima dos conceitos de "paz violenta" e "de conflitos latentes".
Rudzit (2014), ao analisar a aquisição de equipamentos militares na América do Sul, também apresenta discordância sobre a imagem da região como um continente pacífico. Na sua concepção, o uso da força ou a ameaça do seu uso é um instrumento comum na região.
[...] A movimentação de tropas para regiões de fronteira, a realização de exercícios militares, o teste de novas armas ou a diplomacia das canhoneiras (a visita a portos de outros países por navios de guerra) são exemplos típicos da utilização dos meios militares a fim de impressionar ou pressionar outros governos. No continente americano tal instrumento não deixou de ser usado (Rudzit, 2014, p. 98).
Para Franchi et al. (2017), um dos argumentos utilizados para defender a existência de uma estabilidade regional estaria relacionado à prevalência da diplomacia em relação ao uso da força, a partir de iniciativas historicamente construídas pelas forças armadas sul-americanas, como a assinatura de acordos e tratados bilaterais de cooperação, os exercícios combinados, a cooperação acadêmica etc.
É no recorte da cooperação militar em operações combinadas, entre dois países que compartilham entre si a Amazônia Legal e problemas como crimes transnacionais, que transcorre este artigo. Busca-se verificar a existência de pontos de convergência entre o Brasil e a Colômbia que proporcionem uma cooperação militar vantajosa para os dois Estados. Desse modo, o objetivo geral deste artigo é analisar a viabilidade de uma cooperação militar entre a FAB e a FAC, com a utilização do novo vetor multimissão da FAB, o KC-390, na defesa e segurança da Amazônia.
A aeronave KC-390 é uma plataforma capaz de realizar vários tipos de missões. Conta com moderna tecnologia embarcada (Comando da Aeronáutica do Brasil, 2018a), além da capacidade de reabastecer aeronaves em voo (Revo) ou ser reabastecida por outra. Por sua vez, a Colômbia, que não possui aeronaves táticas de Revo, opera o Boeing KC-767, Júpiter, como o reabastecedor estratégico da FAC (IISS, 2018). A aparente complementaridade entre as capacidades de Revo das duas forças aéreas pode sinalizar para uma cooperação futura. A cooperação militar ainda poderá ser aprofundada, caso a intenção de compra da aeronave KC-390, realizada pelo governo colombiano (Ministério da Defesa do Brasil, 2010), concretize-se nos próximos anos.
Esses elementos sinalizam para a cooperação, mas é necessário verificar sua viabilidade, com base em uma metodologia voltada para a análise das possibilidades da cooperação militar no cenário mais difícil de ocorrer, o realista ofensivo (Rezende, 2013).
Para esta análise, o artigo encontra-se dividido em quatro seções. Na primeira, apresenta-se o percurso metodológico da pesquisa, o qual combina revisão bibliográfica, levantamento documental e análise técnico-operacional, a partir, preponderantemente, da ótica brasileira. Na segunda seção, são apresentados e discutidos conceitos e questões relevantes ao desenvolvimento da pesquisa, como a influência da polaridade do sistema internacional na cooperação, a diplomacia de segurança e de defesa, a cooperação militar, a cooperação na América do Sul e a importância estratégica da Amazônia. Na terceira seção, realiza-se um levantamento sobre a afinidade operacional entre o Brasil e a Colômbia, e as possibilidades de atuação das forças aéreas na Amazônia. A quarta seção aborda casos bem-sucedidos de cooperação entre forças aéreas, mais especificamente os casos da Força Aérea Americana (Usaf) e da European Defense Agency (EDA), com vistas a verificar possibilidades de emulação para a cooperação na América do Sul. Por fim, são apresentadas as principais conclusões do estudo e as sugestões para o desenvolvimento de uma cooperação entre a FAB e a FAC para a defesa e segurança da Amazônia.
Metodologia
O presente artigo visa analisar a viabilidade e o formato de uma cooperação militar entre o Brasil e a Colômbia, para a defesa e segurança da região amazônica por meio da aeronave KC-390. Assim, o objeto de pesquisa estabelecido, a cooperação militar entre forças aéreas, apresenta variáveis que o influenciam como: o balanço de poder regional, a existência de interesses comuns em questões de segurança e defesa da Amazônia, a afinidade operacional entre as forças aéreas dos países estudados e as demandas para cumprir missões de aeronaves multimotores na Amazônia.
Estudos sobre cooperação militar, segundo Rezende (2013), devem considerar cinco variáveis: 1) a distribuição de recursos entre as unidades do sistema; 2) o tipo de cooperação; 3) o efeito da cooperação na capacidade estatal; 4) o desenho das instituições geradas e 5) a emulação de casos bem-sucedidos. Essa proposição de Rezende (2013) busca entender os diferentes cenários da cooperação militar e suas possibilidades na América do Sul; portanto, é adaptada para a realidade desta pesquisa.
Para a pesquisa documental, foram levantadas informações de documentos oficiais dos países estudados com o objetivo de identificar se a Amazônia é vista como interesse nacional de defesa para o Brasil e para a Colômbia, e se há o mesmo entendimento sobre os riscos e as ameaças dirigidos à região amazônica. Dessa forma, foram analisadas a Políticas de Defesa Nacional (PDN) do Brasil (Ministério da Defesa do Brasil, 2012) e a PDS da Colômbia (Ministerio de Defensa Nacional de Colombia, 2019).
Para identificar o grau de envolvimento operacional entre as forças aéreas brasileira e colombiana, foi realizada uma adaptação dos tipos de cooperação militar pontuados por Abdul-Hak (2013): formação de recursos humanos, desenvolvimento de tecnologia militar e intercâmbio de inteligência e exercícios combinados. Os dados sobre esses tópicos foram levantados em atas de reuniões bilaterais entre o Brasil e a Colômbia, de 2007 a 2016, considerando o acervo de atas disponível pela FAB. A essas variáveis, foi acrescentado o levantamento do comércio de armamento militar entre esses dois países, realizado por meio da base de dados do Stockholm International Peace Research Institute (Sipri), visto ser este um elemento contribuinte para a cooperação militar (Rudzit, 2014).
Foi realizada também uma abordagem técnico-operacional, na qual foram consideradas as definições do Comando da Aeronáutica expressas nos documentos dcai-1 (Portaria 278/GC3, de 21 de junho de 2012) e MCA 55-20 (Comando da Aeronáutica do Brasil, 2014) para as Ações de Força Aérea empregadas na defesa e segurança da Amazônia, com foco naquelas realizadas por aeronaves multimotores. Posteriormente, foi apresentada a aeronave KC-390, suas potencialidades e quais as capacidades que o vetor multimissão utilizará na Amazônia, mediante a publicação técnica da aeronave, os contratos de desenvolvimento e aquisição, e os relatórios operacionais da FAB sobre o projeto2.
Para a identificação das aeronaves de transporte militares existentes na Colômbia e das possibilidades de realização das missões de defesa e segurança demandadas pela região, foram consultadas bases internacionais de defesa, como o The Military Balance, o Anuário Latinoamericano de La Defensa, o Scramble, bem como as informações técnicas disponibilizadas pelos fabricantes das aeronaves.
Por fim, dada a proposta de Rezende (2013) de "emulação de casos bem-sucedidos", foram consideradas as análises de Rolleston, Trimillos e Gill (2014) para o caso da Usaf, e de Vlachos-Dengler (2005) para o caso da European Defense Agengy (EDA), uma vez que abordam estruturas já existentes e que têm larga experiência em cooperação entre forças aéreas com diferentes países. A partir desses estudos, são pontuados aspectos que poderiam ser utilizados para uma cooperação militar entre o Brasil e a Colômbia, por meio da aeronave kc-390, em prol da segurança e defesa da Amazônia.
Distribuição de poder no sistema internacional e cooperação militar
No Sistema Internacional (SI), existem relações de influência, em maior ou menor escala, que podem impactar as possibilidades de sucesso de processos de cooperação entre Estados. Mearsheimer (2001) define quatro estruturas de si: a multipolaridade desequilibrada, a multipolaridade equilibrada, a bipolaridade equilibrada e a hegemonia regional. O autor afirma que os Estados Unidos têm a hegemonia regional, sem adversários capazes de confrontar sua posição.
Para Huntington (1999), o si é uni-multipolar, um conceito híbrido definido pela fusão de características multipolares e unipolares (Laidi, 2003), posto que polos como a China, o Japão ou a União Europeia não poderiam ser considerados potências fracas. O mundo é unipolar do ponto de vista militar e multipolar, quando tratamos de questões econômicas e culturais (Laidi, 2003).
Para Rudzit (2018), a América do Sul é multipolar, pois o Brasil, a Colômbia e a Venezuela estariam mais envolvidos nas decisões de segurança e deffesa da região. Considerando, então, o foco militar, a polaridade global seria unipolar e a regional poderia ser classificada como multipolar. Segundo Rezende (2013), essa distribuição de poder entre as unidades do si (uni-multipolar) favorece iniciativas de cooperação, como uma possível cooperação militar entre o Brasil e a Colômbia, analisada nesta pesquisa.
Cottey e Foster (2004), ao estudar os motivos que impulsionaram o novo modelo de cooperação militar surgido no pós-Guerra Fria, utilizam a expressão "nova diplomacia de defesa", apresentada, também, por Silva (2015): "[...] práticas relacionadas com o uso não coercitivo dos recursos humanos e materiais que os países dispõem no âmbito da Defesa" (p. 183). Assim, o conceito de "diplomacia de defesa" pressupõe que a capacidade do poder militar não reside apenas na sua capacidade bélica, mas também em sua capacidade de atuar além do uso da violência e utilizar meios alternativos de promoção dos interesses nacionais.
Algumas razões apontadas por Cottey e Foster (2004) para a utilização da diplomacia de defesa são a utilização democrática das forças armadas para a prevenção e resolução de conflitos; o alcance de objetivos comuns de defesa pela sinergia das forças armadas, como o intercâmbio produtivo entre militares ou servidores civis; a intermediação dos adidos de defesa; os arranjos cooperativos, e as atividades de treinamento. A essa lista de atividades, podem ser acrescidas as reuniões entre altos escalões decisórios, como ministérios da defesa ou uma cooperação militar que envolva a esfera industrial de defesa no desenvolvimento de tecnologia militar. Atualmente, essas atividades de diplomacia de defesa são parte integrante da maioria das estratégias nacionais (Bhatia, Chaudhari e Singh, 2016).
Silva (2015) destaca a mudança nas forças armadas, de forças de confrontação para forças de cooperação, o que leva ao foco desta pesquisa: a cooperação militar.
Para Muthanna (2006), a cooperação militar tem que atender, dentre outras, às seguintes demandas:
[...] garantia do aumento da segurança nacional externa e interna; que não prejudique os próprios interesses de segurança nacional ou a capacidade de autossuficiência dos militares; que seja compatível com outros arranjos cooperativos ou alianças que o estado já possua, caso haja, e que não contraponha tais acordos (p. 12).
Muthanna (2006), portanto, afirma que a cooperação militar contribui para três eventos: cria um cenário de estabilidade e paz na região dos países envolvidos; ajuda na manutenção das forças armadas e racionaliza os gastos no orçamento, tornando-os mais adequados à realidade e interesse dos Estados participantes.
Uperlainen (2012) apresenta as expressões "cooperação rasa" ou "profunda". A cooperação rasa refere-se a arranjos temporais e com objetivos predeterminados que ocorrem sob certas condições específicas, como acordos bilaterais. Já a cooperação profunda exige ajustes políticos difíceis de serem revertidos, como ocorre na União Europeia. A cooperação profunda, segundo Uperlainen (2012), gera um aumento na dependência entre os Estados e o enfraquecimento de sua autonomia.
Muthanna (2006) diferencia "cooperação em segurança" e "cooperação em defesa", afirmando que cooperação em segurança trata de uma ação mais abrangente, pois engloba todas as formas relacionadas à segurança internacional, inclui relações bilaterais e multilaterais e a participação de servidores civis e militares; além disso, é dividida em: cooperação político-militar (atuação nas operações de paz da Organização das Nações Unidas), cooperação civil em segurança (no caso do Brasil, a atuação da Polícia Federal no policiamento das fronteiras, por exemplo) e cooperação em defesa.
Esta última engloba os ministérios da defesa, as agências associadas a eles e as forças armadas, especificamente nas questões de cooperação militar (Muthanna, 2006).
A cooperação militar faz parte da diplomacia de defesa, na qual, segundo Cottey e Foster (2004), existe o excludente do viés ideológico. Esse entendimento é importante para esta pesquisa, pois significa dizer que a cooperação militar pode ocorrer independentemente das ideologias que permeiam os governos, desde que não seja antagônica aos anseios de defesa dos países. A cooperação militar, sob a bandeira da diplomacia de defesa, permite que as forças armadas compartilhem soluções de segurança e defesa entre os países aliados, além de ser um mecanismo para a construção de medidas de confiança (Uperlainen, 2012).
Para Dutta (2009), a cooperação militar é uma "ferramenta ideal para promover os objetivos da política externa nacional, construindo pontes de amizade, prevenindo conflitos e construindo confiança e capacidades mútuas numa base global" (p. 31). Tal processo pode sinalizar o compromisso político de desenvolver relações cooperativas e dissipar a desconfiança e a percepção errônea sobre questões de interesse militar comum. A cooperação militar promove a paz e a estabilidade intra e extrarregional mediante o diálogo e a confiança mútua, assim como reforça a transparência por meio da divulgação de informações militares (Dutta, 2009).
A confiança mútua depende da construção de medidas de confiança e, por esse motivo, a cooperação militar impacta também nesse aspecto. Para Pagliari (2015), torna-se claro que os acordos e os mecanismos de cooperação bilaterais e sub-regionais, em matéria de segurança e defesa, prevenção de conflitos e solução pacífica de controvérsias, são essenciais para a estabilidade e a segurança do hemisfério.
Na América do Sul, o maior exemplo da construção de medidas de confiança aconteceu com a criação do Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS). No entanto, uma das ações mais contundentes do arranjo seria a criação de uma metodologia de transparência que facilitasse a apresentação dos gastos estatais com defesa de cada um dos integrantes do CDS o que, segundo Saint-Pierre e Palacios Jr. (2014), não foi realizado. Teixeira Jr e Sousa (2013) relembram também que as iniciativas do CDS possibilitariam aprimorar a interoperacionalidade entre as forças armadas da região.
Contudo, o CDS perdeu força nos últimos anos, como apontado por Naddi (2018):
[...] O ano de 2018 apresentou dois importantes obstáculos às atividades do Conselho de Defesa Sul-Americano: um de cunho estrutural e outro de caráter ideacional. O obstáculo "estrutural" diz respeito à decisão de metade dos membros da Una-sul - Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Peru e Paraguai - de suspender sua participação no bloco a partir de abril deste ano por tempo indeterminado [...], portanto, o CDS, parte dessa estrutura maior que é a Unasul, assim como toda a política de integração sul-americana, se vê reduzido a um racha político (p. 1).
Apesar do enfraquecimento do CDS, considera-se a importância da construção de medidas de confiança mútua para dirimir possíveis tensões e crises. E, dentre essas medidas, a cooperação militar é um dos recursos a serem utilizados como mecanismo de contribuição para a estabilidade, a defesa e a segurança regional.
A importância estratégica da Amazônia e a cooperação militar
A PDN brasileira define a Amazônia e o Atlântico Sul como prioridades para a Defesa Nacional. A PDN ressalta que suas riquezas minerais e biodiversidade são foco da atenção internacional, de modo que se torna necessária a garantia da presença do Estado. O documento aponta, ainda, a necessidade de integração e cooperação com países vizinhos (Ministério da Defesa do Brasil 2012).
Essa percepção já era apontada na PDN de 2005:
Para contrapor-se às ameaças à Amazônia, é imprescindível executar uma série de ações estratégicas voltadas para o fortalecimento da presença militar, efetiva ação do Estado no desenvolvimento socioeconômico e ampliação da cooperação com os países vizinhos, visando à defesa das riquezas naturais e do meio ambiente (Ministério da Defesa, Brasil, 2005, grifo nosso).
Em consonância à PDN, a concepção estratégica da Força Aérea também orienta pela defesa da solução pacífica de conflitos e pelo estreito relacionamento entre os países amazônicos, por meio de "missões de transporte aerologístico e reconhecimento, de responsabilidades crescentes em operações internacionais de apoio à política exterior do Brasil e da ampliação da capacidade de busca e salvamento, com o advento dos sistemas aeroembarcados do KC-390" (Comando da Aeronáutica do Brasil, 2018a, p. 16).
Por sua vez, a PDS da Colômbia também deixa clara a importância da Amazônia para o país; contudo, demonstra preocupação central com a questão do narcotráfico na região. Na PDS, a Colômbia aborda o crescente desmatamento para o cultivo da coca e a baixa presença do Estado como causas do desflorestamento. Ao reconhecer que suas reservas minerais também estão sendo contrabandeadas e admitir o crescimento do narcotráfico, o governo colombiano destaca a importância do território amazônico, tanto para o combate a ilícitos como por sua grande riqueza de recursos naturais:
[...] Temos 2,4 milhões de hectares de páramos, cinco encostas hidrográficas, para a Legalidade, Empreendedorismo e Equidade, acesso a dois oceanos e compartilhamos a Amazônia, o principal pulmão do mundo. Tais recursos são ativos estratégicos para o país e constituem um fator central do poder nacional (Ministerio de Defensa Nacional de Colombia, 2019, p. 14)3.
A PDS colombiana aponta os objetivos estratégicos para a defesa e segurança, dos quais três estão relacionados com esta pesquisa: preservar e defender a água, a biodiversidade e os recursos naturais, como ativos estratégicos da nação; cooperar com os países amazônicos para a proteção da floresta; liderar modelos de segurança cooperativa e fortalecer a diplomacia para a segurança e defesa (Ministério de Defensa Nacional de Colombia, 2019).
Considerando a importância individual para cada Estado, observa-se que a Amazônia brasileira ocupa 61% do território nacional (Ministério da Defesa do Brasil, 2016) e a colombiana perfaz 42% (Ministério de Defensa Nacional de Colombia, 2019). É possível calcular, de acordo com o tamanho do território amazônico de cada país, que o Brasil e a Colômbia possuem juntos um total de 85% de toda a região amazônica. O desejo colombiano de liderar modelos de segurança cooperativa na região e a proposição da PND brasileira convergem para uma cooperação bilateral em segurança e defesa.
Percebe-se, portanto, que as questões de segurança e defesa na Amazônia estão relacionadas a dois eixos principais: a proteção dos recursos naturais e o combate aos crimes transnacionais (Becker, 2005).
Marques (2007) buscou identificar como se estabelece a percepção de segurança na Amazônia e a estratégia militar adotada para defendê-la. A autora passa pelo papel das forças armadas na questão apresentada e aponta para a presença militar na qual a Marinha e a Força Aérea desempenhavam, inicialmente, papéis coadjuvantes. Segundo a autora, a participação da FAB até a década de 1980 era focada nas ações de apoio ao Exército Brasileiro. No entanto, na década de 1990, a atuação da FAB assumiu contornos mais significativos, especialmente após o surgimento do Sistema de Vigilância da Amazônia, o qual transferiu maiores responsabilidades de defesa à FAB (Marques, 2007).
Medeiros Filho (2010) apresenta a ideia de "dissuasão regional", na qual promove a hipótese de que a aproximação entre os países sul-americanos estaria pautada em dissuadir possíveis ameaças oriundas de Estados não pertencentes à região, advertindo que existe uma dificuldade em se identificar, claramente, quais seriam essas ameaças.
Os acordos bilaterais e multilaterais já existentes reforçam que a segurança da Amazônia é, portanto, um objetivo compartilhado entre os países sul-americanos, um ponto de convergência em segurança e defesa, cujas ameaças vão desde os problemas de baixo povoamento, má utilização de recursos às questões de cobiça internacional e crimes transnacionais (Becker, 2005).
Afinidade operacional e possibilidades de atuação das Forças Aéreas na Amazônia
Segundo Dutta (2009), exercícios militares são uma ferramenta real para medir o grau de afinidade operacional entre as forças armadas de dois ou mais países. Quando se faz o recorte da região amazônica com foco nas atividades de forças aéreas, é necessário identificar o histórico de cooperação que se tem nesse tipo de operação. Por esse motivo, por meio de levantamento documental e bibliográfico, foi possível identificar a operação Colômbia e Brasil (Colbra).
A operação Colbra é um exercício militar combinado entre o Brasil e a Colômbia, realizado na área da fronteira entre os dois países, que tem por objetivo principal o treinamento dos pilotos de ambas as forças aéreas, simulando a interceptação de aeronaves envolvidas em atividades ilegais e que estejam cruzando a fronteira dos países. O histórico dessas atividades mostra que há sinergia na identificação dos problemas transnacionais que assolam esses dois países, especialmente o narcotráfico. Ocorreram três edições do exercício: 2005, 2007 e 2009 (Fuerza Aérea Colombiana, 2007 e 2015; Comunello, 2015).
Outra proximidade operacional observada entre a FAB e a FAC relaciona-se às atividades operacionais desenvolvidas pelas forças após a aquisição, por parte da Colômbia, de 25 aeronaves de ataque leve Super Tucano (A-29) em 2005 (Sipri, 2019). Segundo dados da FAB, anualmente, após 2007 e até 2013, ao menos um piloto brasileiro de A-29 foi enviado para a Colômbia para atuar como instrutor de voo da aeronave. Ao longo dos anos, a atividade tornou-se menor, mas ainda ocorre (Comando da Aeronáutica do Brasil, 2018b).
Segundo Rudzit (2014), quando um Estado adquire armamento militar de outro país, significa dizer que já foram analisados, pelo comprador, os aspectos econômicos, políticos e militares externos e internos, assim como o histórico de relacionamento entre os países. A venda de aeronaves poderia, portanto, demonstrar que há uma aproximação operacional doutrinária entre o fornecedor e o comprador. Assim, quando as transações são concluídas, fica evidenciada a afinidade entre os dois Estados. Rudzit (2014) também reforça que a venda de armamentos pode acompanhar treinamento e exercícios militares, o que, para esta pesquisa, significa dizer que contribui para o incremento em operações combinadas.
Por meio da análise de atas de reuniões bilaterais entre o Brasil e a Colômbia, no período de 2007 a 2016, é também possível identificar as áreas em que os países apresentam maior afinidade operacional. Foram identificadas oito atas de reuniões entre a Colômbia e o Brasil, e os assuntos tratados podem ser resumidos conforme o Gráfico 1.
Considerando a aquisição pela Colômbia das aeronaves A-29 junto ao Brasil, compreende-se o motivo de o tema operações combinadas (que incluem exercícios operacionais, treinamentos e operações reais) fazer parte de todas as atas disponíveis para a consulta desde 2007. Em todas as atas, é demonstrada a preocupação com a segurança da fronteira entre os dois países, especialmente contra os crimes transnacionais.
De 2007 a 2009, os ilícitos fronteiriços foram focados especialmente em ações contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Segundo a análise das atas consultadas, existe também uma preocupação de ambos os países com a defesa dos recursos naturais existentes na Amazônia, com foco em atividades logísticas que permitam a presença de elementos do Estado na região. As atividades de inteligência são alternadas nos anos, e tal fato está relacionado à independência dos assuntos entre si. Alguns tratam de ações anuais de interceptação de aeronaves ilegais que cruzam a fronteira, outros tratam de intercâmbios de informações de inteligência entre as forças aéreas dos dois países.
A busca por parte da Colômbia de uma projeção no cenário internacional como parceiro global da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) é outra importante questão para a análise. Tal pleito foi formalizado em 2018, pelo Programa de Parceria Individual e Cooperação (Arciniegas e Dos Santos Filho, 2019). O compromisso assumido exigiu a reforma de suas forças armadas, em um processo de modernização operacional, tecnológica e doutrinária, previsto no Plan Estratégico Militar 2030. Quando as negociações para o atendimento do pleito colombiano ainda estavam em andamento, foi publicado o documento Doutrina Damasco, como um novo modelo doutrinário para as forças armadas, o que transformou o Exército em uma "força multimissão" (Ejército Nacional de Colombia, 2016).
Desde 2008, oficiais da Otan prestam serviço de assessoria e oferecem cursos aos militares das FACS (Arciniegas e Dos Santos Filho, 2019). Portanto, antes mesmo de ser publicado o documento colombiano de 2016, já se conhecia a necessidade de imprimir o modelo "multitarefa" às forças armadas. E ser multitarefa não compreende somente treinamento, mas também equipamentos que viabilizem a operação multimissão. Esse fator pode estar relacionado à apresentação, pelo governo colombiano, da carta de intenção de compra de 12 aeronaves KC-390, posto a capacidade embarcada do vetor aéreo brasileiro apresentar componentes tecnológicos essenciais para as pretensões colombianas.
Missões aéreas realizadas na Amazônia pela FAB e pela FAC
De acordo com a Doutrina Básica da Força Aérea (Portaria 278/GC3, 2012), podem ser observadas diversas "ações de Força Aérea" passíveis de serem cumpridas por aeronaves multimotoras na região amazônica, tais como: missão antissubmarino, que consiste em empregar meios de força aérea para identificar submarinos utilizados por traficantes e enviar a informação de localização para as forças de superfície ou forças policiais; assalto aeroterrestre, em que ocorre o emprego da força aérea para introduzir paraquedistas em áreas de interesse; contraterrorismo, com o emprego da força aérea para neutralizar a ação de grupos terroristas, em um contexto de Garantia da Lei e da Ordem ou de defesa da pátria; evacuação aeromédica (Evam); patrulha marítima, na qual os meios de força aérea são empregados para identificar navios inimigos, a fim de apoiar as operações navais; Revo, para ampliar a autonomia e alcance das aeronaves amigas; reconhecimento aéreo, para coletar dados específicos sobre forças inimigas e áreas de interesse, como locais de queimada e garimpo ilegal; transporte aéreo logístico (TAL), para deslocar pessoal e material para as operações militares ou ações governamentais; ações cívico-social (Aciso); aerolevantamento, para obter imagens do terreno, e combate a incêndio em voo (Portaria 278/GC3, 2012).
A aeronave KC-390 possui modernos sensores embarcados e, por esse motivo, é capaz de realizar todas essas missões, conforme apontado no documento Concepção de Emprego da Aeronave kc-390 (Comando da Aeronáutica do Brasil, 2018a). Por ter a capacidade de receber combustível em voo, a aeronave KC-390 poderia realizar Revo com uma aeronave KC-767 da FAC em operações combinadas e possibilitar, por exemplo, a realização de uma missão na Amazônia, desde a decolagem de Anápolis, Goiás, Brasil4, com sobrevoo na região de fronteira entre os dois países, regressando para a sede, sem pouso.
Para apontar quais as missões que as aeronaves multimotores colombianas cumprem na Amazônia, foram identificadas aquelas que a FAC possui, por meio do Military Balance 2019, e as capacidades dos sensores nelas embarcados, posto que cada ação de força aérea exige um tipo de sensor. O Quadro 1 traz uma comparação entre as missões que o KC-390 poderá executar e as missões que o c-130, KC-130 e KC-767 podem executar na Amazônia.
Problema de segurança e defesa e outras atividades | Ação de força aérea ou ações complementares | Aeronaves e missões que executam | |||
---|---|---|---|---|---|
c-130 | Kc-130 | Kc-767 | Kc-390 | ||
Ameaças externas | Antissubmarino | - | - | - | x |
Assalto aeroterrestre | x | - | - | x | |
Evam | x | - | x | x | |
Exfiltração aérea | x | - | - | x | |
Infiltração aérea | x | - | - | x | |
Patrulha marítima | - | - | - | x | |
Revo | - | x | x | x | |
Reconhecimento aéreo | - | - | - | x | |
TAL | x | x* | x | x | |
Crimes transnacionais | Antissubmarino | - | - | - | x |
Assalto aeroterrestre | x | - | - | x | |
Contraterrosismo | x | - | - | x | |
Patrulha marítima | - | - | - | x | |
Revo | - | x | x | x | |
Reconhecimento aéreo | - | - | - | x | |
TAL | x | x* | x | x | |
Aerolevantamento | - | - | - | x | |
Combate a incêndio em voo | x | - | - | x | |
Outras atividades | Aciso | x | - | x | x |
Evam | x | - | x | x |
Fonte: elaboração própria baseado na Doutrina da Aviação de Transporte (Comando da Aeronáutica do Brasil, 2014) e na dca 1-1 (2012).
Obs.: *a aeronave executa a atividade com restrições, posto possuir tanques de combustíveis em seu interior.
Observa-se que a FAC tem 12 aeronaves multimotores; destas, o modelo KC-767 (Boeing) realiza ações de Revo. No entanto, por se tratar de uma aeronave de grande porte, apresenta restrições com relação ao tipo e comprimento de pista que pode operar, o que significa dizer que, para sua utilização na Amazônia, terá que ter sua decolagem restrita aos grandes aeródromos.
O KC-767 não possui autodefesa, apesar de poder ser operado com óculos de visão noturna, o que reduz seu espectro de atuação na Amazônia, considerando cenários compostos por ameaças de solo e ar. Já as aeronaves C-130 da FAC têm condições de operar na Amazônia em grande parte das missões, excetuando-se missões de antissubmarino, aerolevantamento, reconhecimento e patrulha marítima (Airbus, 2019; Boeing, 2019; Scramble, 2019).
Portanto, as lacunas das capacidades militares da FAC são: antissubmarino, aerolevantamento, controle e alarme em voo, reconhecimento aéreo, patrulha marítima e combate a incêndio em voo. Por sua vez, a FAB, no momento, não dispõe de uma aeronave de transporte aerologístico e reabastecedora estratégica do mesmo porte que os KC-767 da FAC. Devido à existência dessas lacunas, vislumbra-se a possibilidade de uma convergência de interesses para a cooperação entre as duas forças aéreas.
Emulação de casos bem-sucedidos
O governo norte-americano conta com uma agência especializada em cooperação militar, denominada "Defense Security Cooperation Agency" (DSCA), subordinada ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos. O objetivo dessa agência é promover os interesses de segurança nacional e política externa dos Estados Unidos, fortalecendo a capacidade das forças de segurança estrangeiras para responder aos desafios compartilhados (DSCA, 2019).
Importante observar que a DSCA oferece, também, armamentos, o que deixa clara a intenção de promover a aproximação verificada por Rudzit (2014), especialmente quando se trata da afinidade entre o país fornecedor e o país comprador. "Esses objetivos incluem o desenvolvimento de capacidades específicas de parceiros, a construção de alianças e parcerias e a facilitação do acesso dos EUA" (DSCA, 2019, p. 1)5. A cooperação oferecida pela agência norte-americana é do tipo profunda (Uperlainen, 2012), bastante motivada pelo interesse do Estado parceiro em manter um nível de cooperação duradouro.
Rolleston et al. (2014) consideram o sistema de cooperação militar norte americano bem-sucedido e oferecem uma análise das vantagens financeiras adquiridas por meio da DSCA. Porém, as análises dos autores (2014) focam na melhoria do processo de cooperação militar, considerando a necessidade de modificar o treinamento militar dos países parceiros, tornando-os mais capacitados para enfrentar a nova demanda de guerra existente (irregular). Os autores fornecem uma visão geral sobre a arquitetura desenvolvida pelo país no setor, que promove a cooperação entre marinhas, exércitos e forças aéreas.
Quanto ao investimento, os valores financeiros apresentados por Rolleston et al. (2014) ultrapassam o valor do investimento que o Brasil exerce em toda a área de defesa. Para uma comparação, em 2013, o governo americano investiu 135 bilhões de dólares na DSCA e, no mesmo ano, o Brasil investiu 31,5 bilhões (Sipri, 2019) em toda a área de defesa. A cooperação militar norte-americana também não se restringe aos vizinhos com interesses comuns e tem alcance em várias regiões.
Vlachos-Dengler (2005) faz uma extensa análise da cooperação militar dos países da União Europeia e sua visão sobre a cooperação profunda differe da de Uperlainen (2012). Para Uperlainen (2012), a dependência dos países europeus e suas forças armadas das capacidades dos países parceiros fez com que suas forças perdessem a autonomia operacional, além de terem a capacidade industrial de defesa compartimentada entre os países da União Europeia.
Vlachos-Dengler (2005), por sua vez, argumenta pelo sucesso do modelo europeu, o qual proporcionou grande economia de recursos financeiros para os países envolvidos e uma soma de esforços em prol de um objetivo comum, o que aumentou a capacidade individual pela força coletiva dos membros. O autor dedica um capítulo para tratar da EDA, instituição com a finalidade de capitanear as necessidades de segurança e defesa dos países-membros e prover a gestão dos recursos existentes para o melhor aproveitamento das demandas operacionais e de emprego de cada Estado-membro.
A agência atua em diferentes áreas: ações de logística que utilizam aeronaves multimotores dos próprios países, provendo a comunicação entre eles, ou em um modelo de cooperação militar combinada que pode ou não envolver custos financeiros diretos entre dois ou mais países. Dentre as várias iniciativas da EDA, destacam-se dois modelos de cooperação militar: o Atares e o Strategic Airlift Capability (SAC).
O Atares foi criado para solucionar o problema de deficiência com aeronaves de reabastecimento em voo que existe na Europa, observado durante operações em Mali, Líbia e Kosovo (EATC, 2019). A cooperação ocorre por meio da troca de serviços, o mecanismo chamado "Equivalent Flying Hour" (EFH), uma espécie de "moeda". Cada aeronave participante oferece uma aeronave e uma missão que consegue realizar. O país a solicita ao país B uma aeronave Revo; o país B fica com crédito com o país a e pode solicitar um transporte de carga para o país A, por exemplo. O custo da hora de voo do avião de a e o custo da hora de voo do avião de b serão transformados em EFH para verificar como se dará a troca.
O projeto ainda considera o reaparelhamento de cada país e, entre as estratégias da cooperação, está o item "introdução da capacidade de Revo da frota A400M europeia". Esse item se refere à aquisição de equipamentos que permitam converter uma aeronave A400 em aeronave Revo, incluindo a agilidade no processo de certificação (EATC, 2019).
A outra iniciativa de cooperação militar, o sac foi um produto da assinatura de um memorando em 2008 por dez países-membros da Otan (Bulgária, Estônia, Hungria, Lituânia, Holanda, Noruega, Polônia, Romênia, Eslovênia e Estados Unidos) somados à Finlândia e à Suécia. O acordo consiste em reunir recursos para adquirir capacidade máxima de transporte aéreo em um ambiente orçamentário restritivo. Cada país participante contribui com uma parte das horas de voo totais disponíveis no acordo e que podem ser usadas para missões sem a necessidade de consultar as outras nações-membros do SAC. As horas de voo podem ser utilizadas em diversos tipos de missão, dependendo da aeronave que se disponibilize para cumprir as horas (Otan, 2018).
A emulação com a cooperação militar entre FAC e FAB poderia ocorrer, por um lado, com a utilização de aeronaves KC-390 por esta última, oferecendo as missões que carecem à FAC e, por outro, esta ofereceria a capacidade de transporte e de Revo do KC-767 para o treinamento das tripulações de KC-390 brasileiras. A joint venture, recentemente assinada entre as fabricantes das aeronaves KC-390 e KC-767 (Infomoney, 2018), e o atual alinhamento dos governos de ambos os países com a potência unipolar americana poderiam ser considerados como facilitadores para a certificação do reabastecimento em voo entre o KC-390 e o KC-767.
Considerações finais
Este artigo se propôs a verificar qual a possibilidade e o formato de uma cooperação militar entre a FAC e a FAB para proteger a Amazônia, por meio do emprego da aeronave KC-390. Para isso, recorreu-se ao proposto por Rezende (2013) e à divisão da pesquisa em objetivos pautados na análise da viabilidade da cooperação militar, sob a perspectiva do realismo ofensivo.
Foi possível classificar o ambiente global, militarmente, como unipolar, e o regional, relativo à América do Sul, como multipolar, o que poderia favorecer cenários de cooperação regional. Inicialmente, por meio da análise dos documentos das políticas nacionais de defesa, pôde-se constatar que a Colômbia, tal qual o Brasil, não apenas considera a Amazônia como uma região estratégica importante, mas também estimula os processos de cooperação militar. A cooperação militar, elemento da diplomacia de defesa, é considerada fundamental para a construção de medidas de confiança mútua, resolução pacífica de conflitos e manutenção da estabilidade regional.
A viabilidade da cooperação entre forças aéreas de diferentes países passa pela identificação de convergências políticas e afinidades operacionais. Nesse aspecto, tornou-se possível identificar a proximidade entre a FAB e a FAC, exemplificada pelo exercício Colbra, além da aquisição, pela Colômbia, das aeronaves Super Tucano (A-29) em 2005, o que levou à necessidade da presença de pilotos brasileiros na Colômbia para ministrar a instrução destas, propiciando o aprofundamento das relações militares entre os países envolvidos, bem como um alinhamento doutrinário ocasionado pela necessária troca de experiências.
A partir da classificação por áreas de cooperação militar, adaptada dos estudos de Abdul-Hak (2013), foram analisadas atas de reuniões entre o alto escalão dos ministérios da defesa e chefes de Estado-Maior das forças aéreas do Brasil e da Colômbia. A análise das atas permitiu verificar que o tema "operações combinadas" fez parte de todas as reuniões bilaterais desde 2007, o que reforça a concepção de que há afinidade operacional entre as forças aéreas dos dois países.
Aeronaves multimotores são empregadas para diversos tipos de missões na Amazônia, e as capacidades da FAC e da FAB podem se complementar para o incremento da defesa da região. Pela análise das aeronaves KC-390 brasileira e KC-767 colombiana, foi possível apontar as lacunas e complementariedades entre as duas forças aéreas, para problemas de defesa e segurança que precisam ser solucionados por "ações de Força Aérea" na Amazônia.
Na avaliação de casos bem-sucedidos, considera-se que a emulação do caso norte-americano, em sua totalidade, é inviável para o tipo de cooperação a ser realizada na América do Sul. No entanto, é possível resgatar duas lições para formular um modelo de cooperação na Amazônia entre forças aéreas: a divisão da cooperação militar por forças singulares e a necessidade de exercícios militares combinados entre forças amigas, a fim de estarem aptas a atuar em uma demanda real de emprego.
No caso europeu, a emulação é possível, com uma adaptação para a realidade dos países amazônicos. Nesse cenário, a cooperação militar mais adequada para a proposta é a do tipo rasa, e o modelo é o Atares, no qual as forças aéreas disponibilizam horas de voo de suas aeronaves para a cooperação e fazem uma equivalência do valor dessas horas de voo como moeda de troca. O Brasil poderia oferecer os serviços contra crimes transnacionais em ações como: aerolevantamento, antissubmarino, combate a incêndio em voo, contraterrorismo, patrulha marítima, Revo em cenários onde existe a possibilidade de contato com forças hostis (mísseis) e reconhecimento aéreo. Como contrapartida, a FAC disponibilizaria suas aeronaves Boeing KC-767 para a realização de treinamento operacional combinado com aeronaves KC-390 brasileiras na ação de Revo.
Somadas, essas possibilidades ampliam as capacidades das duas forças aéreas em relação à proteção da Amazônia, ao suprirem lacunas operacionais e, ao mesmo tempo, permitirem o aumento da confiança mútua e da estabilidade regional, por meio da atuação de uma aeronave produzida na região, o KC-390.
Finalmente, considerando o cenário global com uma superpotência, no ambiente do realismo ofensivo, e a América do Sul como uma região multipolar equilibrada, pode-se dizer que o Brasil e a Colômbia têm condições de realizar uma cooperação militar que utilize a aeronave KC-390 para a segurança e defesa da Amazônia. A probabilidade de cooperação aumentará se seu desenho for do tipo raso, com foco nas demandas de aeronaves multimotores e semelhante ao modelo europeu Atares, formalizado por documentação e sem a necessidade da criação de uma agência de defesa específica para esse fim.