A regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil, a partir da Lei 4.119 de 27 de agosto de 1962, completou sessenta anos. Tal regulamentação expressou na época uma necessidade da categoria, cujos profissionais já se encontravam em atuação principalmente nos campos da educação e da testagem psicológica. Desde a década de 1950, surgiram os primeiros cursos de graduação em Psicologia -na PUC-RIO em 1953, e em seguida, na PUC-RS em 1954-desenvolveram-se laboratórios, associações e periódicos da área (Jacó-Vilela, 2012).
Entre a regulamentação da profissão, em 1962, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - Lei N° 9.394/96), o currículo mínimo da Psicologia não sofreu grandes mudanças, priorizando o uso de técnicas e instrumentos psicológicos. Novas diretrizes curriculares foram então pensadas, a partir da reunião de especialistas na formação em Psicologia promovida pela LDB, tendo sido promulgadas em definitivo em 2004. As novas diretrizes buscavam retirar o foco das técnicas e ampliar habilidades e competências. Ainda assim, análises recentes de especialistas revelam críticas relativas à deficiência técnica e epistemológica, bem como, um descolamento frente às demandas da sociedade (Amendola, 2014; Lisboa & Barbosa, 2009).
Segundo Lisboa e Barbosa (2009) a evidente expansão dos cursos, principalmente na década de 1990, suscita preocupações em termos qualitativos, uma vez que grande parte apresentava conceito médio nas avaliações, aspecto que se mantém no quadro atual (Cadastro e-MEC, 2020). Atualmente, 878 instituições de ensino superior possuem curso(s) em atividade de bacharelado em Psicologia, ofertando 174.358 vagas. Em relação ao universo de profissionais formados, segundo dados do Conselho Federal de Psicologia (2020), havia 384.510 psicólogos com inscrições ativas no Brasil.
Em relação ao perfil dos estudantes brasileiros de Psicologia, Yamamoto et al. (2011) e Ristoff (2014) descrevem mudanças nas últimas décadas, a partir de dados socioeconômicos advindos do Exame Nacional de Desempenho do Estudante (Enade). Essas mudanças impulsionadas por políticas de acesso à educação superior apontam uma gradativa tendência à democratização do ensino, com a ampliação da presença de: estudantes não brancos; com menor renda; vindos de escolas públicas; com pais com menor escolaridade, dentre outros (Ristoff, 2014).
Cabe sinalizar, no entanto, que essa tendência de expansão e democratização tem sofrido recentes abalos. Como aponta Ferrari (2019), a postura do governo Bolsonaro de cortes e/ou ameaças de cortes, bem como, a desvalorização das universidades públicas como espaço de conhecimento, tem produzido repercussões amplamente divulgadas pela mídia. Em referência ao noticiário da revista Época, Ferrari (2019) descreve as principais polêmicas no campo da educação nos primeiros seis meses do governo Bolsonaro: "menos investimentos em ciências humanas; punição a 'balbúrdia' das universidades federais; corte orçamentário em todas as federais; cortes de bolsas da Capes; varrer a 'ideologia' no Enem; punir alunos agressores; filmar alunos cantando hino, e por fim mudar livros didáticos" (p. 71). Tal cenário gera um estado de apreensão na comunidade acadêmica, tendo também impulsionado protestos como os vistos em maio de 2019.
Diante desse cenário amplo de atuação profissional e formação acadêmica em Psicologia, este trabalho se interessou por compreender como estudantes de psicologia pensam sua formação, a partir de diferentes contextos. No âmbito teórico, situa-se no campo da Psicologia Social, interessando-se pelo pensamento social deste grupo, mais precisamente pelas representações sociais (Moscovici, 1961/2012, 2009), por meio da abordagem estrutural ou teoria do núcleo central (Abric, 2000a; Flament, 2000; Sá, 1996).
A teoria do núcleo central permite a compreensão da estrutura e dinâmica das representações sociais no cotidiano, lidando com a aparente incompatibilidade, no que se refere à permanência e mudança de formas de pensar e agir (Abric, 2000a,b; Flament, 2000). Assim, ao postular os sistemas central e periférico concilia aspectos resistentes e duráveis, com elementos fluidos e adaptáveis em uma mesma estrutura representacional. O núcleo central é responsável por dar significado e organização para a representação, estando fortemente ligado à memória do grupo. Já periferia está conectada ao cotidiano e as experiências dos indivíduos (Abric, 2000b).
Sendo a representação social um conjunto estruturado de cognições ou cognemas, Flament (2000) observa que tais elementos possuem características prescritivas e/ou descritivas. As prescrições definem formas de agir específicas diante de diferentes contextos. Algumas dessas prescrições são absolutas, essenciais para a estrutura representacional como componentes do núcleo da representação e sua mudança implica a mudança da própria representação. Por outro lado, a maioria das prescrições são condicionais, permitindo maior variabilidade na forma de pensar do grupo social, uma vez que, ainda é possível conceber o objeto sem a presença do cognema.
Para Guimelli e Rouquette (1992) os elementos da representação em geral e os do núcleo central em específico poderiam ter três dimensões distintas: funcional (em situações com finalidade operatória são priorizados elementos relativos à realização da tarefa), a dimensão avaliativa (voltada aos afetos, as ideologias, aos estereótipos e atitudes) e a dimensão descritiva (voltada aos fatos, características e eventos).
O modelo dos Esquemas Cognitivos de Base -do francês Schème Cognitif de Base (SCB)-, proposto por Guimelli (2003) e Guimelli e Rouquette (1992) se enquadra neste modelo tridimensional das representações e se aplica ao estudo das relações entre os elementos da estrutura representacional.
O modelo SCB e suas técnicas derivadas permitem o teste da centralidade de elementos repre-sentacionais e o estudo das dimensões ativadas no pensamento social.
Ter uma dimensão presente significa que o objeto em questão ativou na população do estudo um registro cognitivo nesta dimensão. [...] Evidentemente a realidade é mais complexa que uma simples divisão dicotômica de cada dimensão, e se aproximaria de um continuum sem ruptura. (Wolter et al., 2016, p. 1146)
O estudo que propomos aqui parte, portanto, desses pressupostos teóricos e do cenário da formação em Psicologia no país e tem como objetivos:
Estudar a estrutura da representação social da graduação em contexto de crise (avaliação) de práticas e de descrição;
Estudar as dimensões da representação social ativadas em contexto de crise, (avaliação) de práticas e de descrição.
Método
A pesquisa realizada utilizou dois instrumentos de coleta: o questionário de SCB e a técnica de Escolha Sucessiva por Blocos -do francês Choix Par Bloc (CPB)-.1 Os dados coletados foram analisados com: o cálculo das valências e teste Lambda, para o SCB, e análise de similitude, para o CPB. A coleta incluiu também questões sociodemográficas e Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que foi lido e assinado por cada participante.
Os cognemas selecionados para a composição dos instrumentos foram levantados em coleta prévia com a técnica exploratória de evocação livre de palavras (uma para cada contexto: neutro, normativo e prático). Os termos utilizados para o CPB em contexto neutro foram: dificuldade, ansiedade, medo, formatura, trabalho, oportunidade, psicologia, sonho, realização, conhecimento, responsabilidade, futuro, profissão, estudo, leitura, esforço, textos e cansaço. Para o CPB em contexto normativo os termos foram: dedicação, estudo, conhecimento, psicologia, amor, realização, sonho, profissão, trabalho, medo, tempo, insegurança, cansaço, diploma, preocupação, ansiedade, futuro e pesquisa. Já para o CPB em contexto prático utilizamos os cognemas: dificuldade, medo, trabalho, paciência, pesquisa, trabalhos acadêmicos, formação, estudo, conhecimento, orgulho, ansiedade, psicologia, felicidade, realização, crescimento, esforço, sonho e futuro.
Já para os esquemas cognitivos de base, no contexto neutro, utilizamos os cognemas: ansiedade, conhecimento, dificuldade, esforço, estudo, futuro, medo, psicologia, sonho e trabalho. No contexto normativo: ansiedade, conhecimento, futuro, medo, pesquisa, preocupação, psicologia, realização, sonho, trabalho e insegurança. Por fim, no contexto prático utilizamos os termos: ansiedade, conhecimento, esforço, estudo, futuro, pesquisa, psicologia, realização, sonho, trabalho e crescimento
População
A população do estudo foi composta por 340 estudantes de graduação em psicologia (251 mulheres, 87 homens e 3 participantes com outras identificações), de todos os semestres, com idade média de 21.57 (DP = 5.39). Os participantes estudavam em três instituições públicas de ensino superior escolhidas por conveniência, uma no Espírito Santo e duas no Rio de Janeiro. Os 340 participantes foram divididos aleatoriamente em três contextos de aplicação: 104 em contexto neutro (descritivo ou normal), 108 em contexto prático e 108 em contexto avaliativo.
Procedimento
Por tratar-se de pesquisa de opinião, esta pesquisa encontra-se em conformidade com a Resolução N° 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, dispensando a aprovação em Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e resguardando sigilo aos participantes. A coleta ocorreu por convite aos estudantes durante aulas da sua graduação em psicologia, sendo os questionários aplicados conjuntamente, nos anos de 2019 e 2020.
Os três contextos cognitivos foram ativados da mesma forma, com uma caracterização da graduação em psicologia que em seguida se dividia:
Na apresentação de um corte de verbas das ciências humanas (ativação de contexto normativo ou avaliativo);
Na apresentação de que a universidade prevê atividades concretas, estágios, iniciação científica e projetos de extensão (contexto prático);
Na apresentação de dados gerais sobre a graduação em psicologia, como quantidade de estudantes no Brasil (contexto descritivo ou neutro).
Instrumentos de coleta: Esquemas Cognitivos de Base (SCB) e Escolha Sucessiva por Blocos(CPB)
A coleta com os SCB
O primeiro instrumento do questionário, o SCB, consiste em três etapas: associação contínua, justificação das respostas e análise das relações palavra indutora/palavra induzida (Wolter et al., 2016). A terceira etapa consiste de fato nos SCB pois há a análise das relações entre os cognemas, o termo indutor e cada uma das respostas. Essa parte consiste em 28 expressões padronizadas das relações possíveis para cada um dos diferentes cognemas, as 3 palavras induzidas solicitadas inicialmente, totalizando 84 sentenças. O participante deve responder "sim", "não" ou "talvez" às expressões, indicando a existência ou não da relação. Toda vez que o participante escolher o "sim" consideramos que o conector ligando o termo indutor à resposta foi ativado.
A coleta com o CPB
O segundo instrumento do questionário, o CPB, consiste em escolher a alocação de palavras em três categorias, conforme sua relação com o objeto: as que mais têm relação, as que menos têm relação e as que sobraram (Guimelli, 1989; Sá, 1996). Tal procedimento visa explorar a centralidade dos cognemas por meio da quantidade e distância das conexões entre eles.
Análise de dados
Análise dos SCB: Valências e Lambda
A lógica de funcionamento do SCB pressupõe que quanto maior for a ativação de um termo induzido (cognema resposta), baseado na quantidade de "sim" na análise das expressões, mais forte é a relação com o termo indutor apresentado (cognema candidato ao núcleo central). A valência geral é um índice de centralidade do cognema induzido, pela densidade de suas relações, e as valências específicas indicam a proporção da conectividade nas diferentes dimensões da representação social (RS) (Wolter et al., 2016). Já o teste Lambda pressupõe que o equilíbrio entre alta ativação das dimensões práticas e avaliativa é indicativo de centralidade, pela saliência de julgar e agir sobre o objeto da representação. A alta ativação das duas dimensões pressupõe cognemas que gerem e organizam diferentes propósitos das representações sociais (avaliação e prática). Essa dupla gestão é característica de elementos centrais, tendo em vista que gerem elementos periféricos em condições que exigem tanto avaliar quanto agir.
Desse modo, tem-se uma análise das relações entre cognemas, que traz como resultados a quantidade de ativação total dos cognemas testados (termos indutores) e também a quantidade das dimensões específicas em cada um deles (Wolter et al., 2015). Na presente pesquisa, a utilização de contextos distintos de indução permite a comparação da ativação do mesmo cognema em cada um, indicando também a associação do cognema com as diferentes dimensões da RS pela saliência de cada contexto.
Logo para cada elemento representacional em seu contexto serão calculadas:
Valência Total (Vt)
Valência descritiva (Vd)
Valência Atributiva/avaliativa (Va)
Valência prática (Vp)
Após o cálculo da valência é necessário criar para cada elemento um valor Lambda de ajuste (Rouquette & Rateau, 1998; Wolter et al., 2015).
O Lambda permite saber se o elemento é central (valores entre 0.9 e 1.1) ou periférico (outros valores).
O CPB e sua análise
O segundo instrumento do questionário, o CPB, consiste em escolher a alocação de palavras (cognemas) em três categorias, conforme sua relação com o objeto: as que mais têm relação, as que menos têm relação e as que sobraram (Guimelli, 1989; Sá, 1996). Tal procedimento visa explorar a centralidade dos cognemas, por meio da quantidade e distância das conexões entre eles.
A partir das respostas é possível calcular um índice de distância D (Bouriche, 2003) entre cada par de cognemas que servirá para construção da árvore de similitude:
Dm corresponde à distância máxima possível entre dois elementos (caso onde todos os sujeitos inserem os dois termos em categorias opostas). Do corresponde à distância observada nos dados aqui analisados.
A árvore de similitude é no caso presente, tal qual realizada por Guimelli (1989) ou preconizada por Bouriche (2003) uma árvore máxima que reproduz com um mínimo de arestas o máximo de relações (os índices mais altos de distância).
Resultados
Como neste estudo foram adotados diversos métodos, em três contextos diferentes, serão apresentados os resultados da análise de similitude (aplicada ao CPB) e do SCB, de acordo com os contextos normativo, prático e descritivo (neutro), conforme exposto no método.
O objetivo foi demonstrar quais ideias e que dimensões formam o núcleo central e o sistema periférico da representação e de que forma essas ideias são moduladas de acordo com cada um dos contextos. Seguem os resultados de acordo com o contexto induzido ao sujeito: neutro, normativo e prático.
Contexto neutro
Neste tópico, serão apresentados os resultados da análise de similitude e do SCB do contexto neutro, onde não foram realizadas induções práticas e normativas, ou seja, neste contexto o sujeito se deparava apenas com informações gerais sobre a graduação em psicologia.
A árvore de similitude apresenta 3 cognemas (Figura 1), "Conhecimento", "Estudo" e "Medo" com alta conexidade, ou seja, que se conectam com muitos outros elementos. Esse número elevado de conexões é um indicativo de que estas três ideias são centrais, pois gerenciam muitas outras ideias.
A árvore apresenta também que os termos "Realização", "Psicologia", "Responsabilidade", "Leitura" e "Formatura" se conectam diretamente com os termos centrais e possuem ainda mais uma conexão com outros elementos mais periféricos. Esses elementos possuem conexidade média e têm relação direta com o núcleo central, demonstrando que apesar de periféricos, possuem uma posição relevante na representação.
Por último temos os elementos de menor conexi-dade, que possuem apenas uma conexão com outras ideias, que são "Dificuldade", "Ansiedade", "Sonho", "Futuro", "Profissão", "Cansaço", "Textos" e "Esforço". Esses são os elementos mais periféricos da representação, tendo em vista que estão mais isolados.
Quanto à organização da árvore temos um clique (subgrafo que conta com termos [vértices] adjacentes conectados por arestas) com uma ligação entre os elementos psicologia-conhecimento-estudo-leitura com dois elementos de alta conexidade, que se diferencia do clique medo-formatura-trabalho, que traz ideias menos práticas, mais ligadas ao futuro e algumas com conotação negativa.
Pelos resultados do SCB (Tabela 1), os termos "Conhecimento", "Estudo" e "Psicologia" são centrais, já que possuem o Lambda entre 0.9 e 1.1. De fato, "Estudo" e "Conhecimento", possuem alta conexidade na análise de similitude e "Psicologia" se situa próximo destes dois termos e no centro da árvore. O cognema "medo" por sua vez não é diagnosticado como central, o que em si não é uma incoerência já que, a despeito de ter três arestas, se situa em posição longínqua do centro da árvore.
Índice | Vd | Vp | Va | Vt | Lambda |
---|---|---|---|---|---|
Ansiedade | 0.27 | 0.32 | 0.28 | 0.29 | 1.63 |
Conhecimento | 0.44 | 0.52 | 0.40 | 0.46 | 1.08 |
Dificuldade | 0.47 | 0.39 | 0.34 | 0.40 | 1.52 |
Esforço | 0.31 | 0.41 | 0.30 | 0.35 | 1.39 |
Estudo | 0.46 | 0.59 | 0.47 | 0.52 | 0.92 |
Futuro | 0.34 | 0.45 | 0.31 | 0.38 | 1.26 |
Medo | 0.34 | 0.43 | 0.37 | 0.38 | 1.21 |
Psicologia | 0.38 | 0.55 | 0.42 | 0.47 | 0.96 |
Sonho | 0.37 | 0.36 | 0.33 | 0.36 | 1.51 |
Trabalho | 0.35 | 0.46 | 0.34 | 0.40 | 1.20 |
Contexto normativo
As respostas neste contexto foram obtidas por indução normativa, um texto sobre o corte de verbas e redução de financiamentos nas universidades brasileiras, induzindo um caráter de julgamento. Abaixo a análise de similitude, a partir do CPB (Figura 2):
Os cognemas "Trabalho", "Insegurança" e "Realização" aparecem como os mais conexos já que se associam à maior quantidade de ideias. Esse resultado apresenta uma representação organizada de maneira diferente do contexto neutro onde a tríade "estudo-conhecimento-psicologia" formava um eixo central. No caso presente, "conhecimento" e "psicologia" formam um polo numa das extremidades oriunda do termo realização. "Medo" por sua vez se aproximou do centro da árvore se ligando ao termo de alta conexidade "trabalho". É possível notar que muitos termos associados à uma apreensão em relação ao objeto formam uma clique (conjunto de termos e arestas) com os cognemas medo-insegurança-cansaço-ansiedade-preocupação interligados. Tal clique se encontra na árvore em posição oposta aos termos mais esperançosos como amor, conhecimento ou dedicação.
Pela análise do SCB (Tabela 2), os termos "Psicologia", "Conhecimento" e "Trabalho" são diagnosticados como centrais da representação no contexto normativo. "Trabalho" aparece como elemento em comum com a análise de similitude do contexto normativo e há a não centralidade de "Insegurança" e "Realização" no SCB.
Índice | Vd | Vp | Va | Vt | Lambda |
---|---|---|---|---|---|
Ansiedade | 0.31 | 0.38 | 0.28 | 0.33 | 1.48 |
Conhecimento | 0.43 | 0.53 | 0.40 | 0.46 | 1.06 |
Futuro | 0.34 | 0.44 | 0.41 | 0.40 | 1.12 |
Medo | 0.26 | 0.41 | 0.24 | 0.32 | 1.40 |
Pesquisa | 0.36 | 0.50 | 0.36 | 0.42 | 1.11 |
Preocupação | 0.27 | 0.42 | 0.36 | 0.36 | 1.16 |
Psicologia | 0.33 | 0.55 | 0.38 | 0.44 | 0.98 |
Realização | 0.36 | 0.46 | 0.35 | 0.40 | 1.19 |
Sonho | 0.40 | 0.44 | 0.33 | 0.40 | 1.31 |
Trabalho | 0.40 | 0.52 | 0.40 | 0.45 | 1.05 |
Insegurança | 0.26 | 0.35 | 0.26 | 0.30 | 1.58 |
Observam-se os termos "Psicologia" e "Conhecimento" em comum com o núcleo central do contexto neutro. Como diferenças entre os dois contextos há a retirada das ideias "Estudo" e "Medo" do núcleo central, diferença que é corroborada pelas duas análises apresentadas.
Contexto prático
Os resultados neste contexto foram obtidos por indução prática, um texto sobre estágios, pesquisa e outras atividades, induzindo um caráter de funcionamento.
É possível notar na árvore (Figura 3) um eixo ligando muitos termos de alta conexidade (formação-estudo-psicologia-crescimento). É possível em consequência notar uma grande base concentrada de pensamento já que os termos muito conexos ficam próximos uns dos outros. Há também o termo "felicidade" que se conecta com três outros termos formando um polo de conotação afetiva positiva ("sonho", "orgulho" e "realização"). No outro extremo da árvore e relativamente distante do eixo com termos centrais se situam os termos medo e dificuldade.
O resultado do SCB também apresenta diferenças com relação ao contexto neutro e ao contexto normativo, conforme tabelas abaixo.
De acordo com os resultados do SCB do contexto prático (Tabela 3), há centralidade nos termos "Trabalho", "Crescimento", "Estudo", "Futuro" e "Pesquisa", sendo "Crescimento" o único que é concomitante na análise de similitude do CPB. O termo "Psicologia" com Lambda de 1.11 está bem próximo do limiar de centralidade (1.1), o que ao se levar em conta a sua posição na análise de similitude nos permite aceitar, ou ao menos não rejeitar, sua condição de centralidade.
Índice | Vd | Vp | Va | Vt | Lambda |
---|---|---|---|---|---|
Ansiedade | 0.35 | 0.44 | 0.36 | 0.39 | 1.20 |
Conhecimento | 0.27 | 0.50 | 0.29 | 0.37 | 1.11 |
Esforço | 0.31 | 0.45 | 0.33 | 0.37 | 1.21 |
Estudo | 0.37 | 0.55 | 0.43 | 0.46 | 0.94 |
Futuro | 0.39 | 0.52 | 0.40 | 0.45 | 1.03 |
Pesquisa | 0.40 | 0.55 | 0.41 | 0.47 | 0.99 |
Psicologia | 0.34 | 0.45 | 0.40 | 0.40 | 1.11 |
Realização | 0.48 | 0.49 | 0.38 | 0.46 | 1.21 |
Sonho | 0.38 | 0.48 | 0.32 | 0.41 | 1.23 |
Trabalho | 0.28 | 0.55 | 0.34 | 0.41 | 0.99 |
Crescimento | 0.29 | 0.62 | 0.31 | 0.44 | 0.91 |
Resultados gerais
A Tabela 4 foca no núcleo central, apresentando as ideias centrais de acordo com os contextos induzidos e os métodos de análise que empregamos.
Termos | Neutro | Normativo | Prático | |||
---|---|---|---|---|---|---|
Similitude (3 ou mais arestas) | SCB Lambda de 0.9 a 1.1 | Similitude (3 ou mais arestas) | SCB Lambda de 0.9 a 1.1 | Similitude (3 ou mais arestas) | SCB Lambda de 0.9 a 1.1 | |
Conhecimento | Sim | Sim | Não | Sim | Não | Não |
Estudo | Sim | Sim | Não | Não | Não | Sim |
Medo | Sim | Não | Não | Não | Não | Não |
Psicologia | Não | Sim | Não | Sim | Sim | Não |
Trabalho | Não | Não | Sim | Sim | Não | Sim |
Insegurança | Não | Não | Sim | Não | Não | Não |
Realização | Não | Não | Sim | Não | Não | Não |
Crescimento | Não | Não | Não | Não | Sim | Sim |
Felicidade | Não | Não | Não | Não | Sim | Não |
Formação | Não | Não | Não | Não | Sim | Não |
Futuro | Não | Não | Não | Não | Não | Sim |
Pesquisa | Não | Não | Não | Não | Não | Sim |
A partir da Tabela 4 é possível notar que no contexto neutro os termos "conhecimento" e "estudo" foram aqueles com forte indício de centralidade nas duas técnicas. No contexto normativo, por sua vez, só o termo "trabalho" é diagnosticado como central pelas duas técnicas. Por fim, no contexto prático, somente o termo "crescimento" se encontra em tal caso. Não é o objetivo deste artigo discutir os métodos, no entanto é altamente provável que termos que se encontram no meio da árvore máxima da análise de similitude e em posição borderline no Lambda do SCB sejam elementos centrais da representação.
Discussão
O pensamento social de estudantes de psicologia acerca de diferentes objetos relacionados à sua profissão foi descrito em diversos trabalhos: percepção sobre a conduta ética dos psicólogos (Wachelke et al., 2004); representações sociais de psicólogo (Nóbrega, 2017; Nóbrega & Andrade, 2017); a noção de psicologia como profissão feminina (Figuerêdo & Cruz, 2017); Representações Sociais da Psicologia do Trabalho (Santos, 2010). Além disso, outros conjuntos de universitários foram investigados no sentido de conhecer representações sociais de psicólogo e da psicologia: representação social do trabalho do psicólogo para universitários de cursos da área da saúde (incluindo a psicologia) (Praça & Novais, 2004); representação social de psicólogo e psicologia para universitários (Administração, Ciências Contábeis, Economia, Biomedicina, Engenharia Ambiental e Arquitetura) de universidade privada (Assis & Matthes, 2014).
Alguns trabalhos tratam especificamente dos modos de agir de estudantes de psicologia frente a sua graduação ou formação. Assim, cabe destacar os trabalhos de Nóbrega (2017) e Nóbrega e Andrade (2017) que apontam que a representação social do psicólogo apresenta um campo semântico expresso em cinco categorias: "perfil, função, trabalho, ciência e processo formativo" (Nóbrega & Andrade, 2017, p. 150). O processo de formação estaria atrelado a evocações f > .4) como: profissão, sonho, futuro, estudos, realização, desafio, estabilidade, luta e formação. As autoras evidenciam que "luta e formação" (Nóbrega & Andrade, 2017, p. 163) são elementos de destaque na busca do sonho futuro de atuação profissional.
Como mencionado, a etapa preliminar desta pesquisa que indicou os termos associados pelos estudantes de psicologia à "Sua Graduação", apontaram termos semelhantes aos achados de Nóbrega (2017) e Nóbrega e Andrade (2017). Ao testar a centralidade dos termos, os resultados apresentados no presente artigo demonstram uma forte modulação de pensamento entre contextos. No contexto neutro o pensamento gira no entorno do eixo de ideias conhecimento-Psicologia-Estudo. De um lado do eixo se encontram palavras como leitura, cansaço ou texto e do outro o polo que gira entorno do medo. No contexto normativo este polo onde se encontra o termo medo toma força, com quase 1/3 dos termos da árvore (5 de 18) mas girando no entorno do termo insegurança. A árvore tem em posição central nesse grupo o termo trabalho que separa a clique centrada em insegurança da outra clique centrada em realização. É interessante notar que ao apresentar um ataque à psicologia, os estudantes retiram o cognema "estudo" do centro de seu pensamento e inserem "trabalho" no seu lugar, que acaba agindo como uma balança entre as esperanças (amor, realização) e os receios (cansaço, insegurança, preocupação).
O contexto prático, por sua vez, apresenta uma organização bem diferente dos outros dois contextos. Dois dos três termos de conotação negativa (medo e dificuldade) se encontram num extremo da árvore bem distante do eixo central. O outro termo ficou próximo do cognema psicologia. O resto da árvore é composto por termos que traduzem a finalidade da graduação, por exemplo, formação, estudo e crescimento, assim como as características do quotidiano na universidade (trabalhos acadêmicos, ansiedade, esforço). Por fim há um polo afetivo positivo com termos como felicidade, sonho ou orgulho.
Tais resultados da análise de similitude mostram que o pensamento dos estudantes é altamente modulável em função do contexto cognitivo, houve uma forte variação de conteúdo e de sentido nos três contextos. Tanto o contexto neutro quanto o normativo trazem os anseios e dificuldades da graduação se opondo às dimensões desejáveis, no entanto, no contexto normativo é o termo trabalho que age como uma balança entre os dois polos. No contexto prático há uma variação de conteúdo comparativamente às duas outras condições e o pensamento dá mais ênfase à finalidade da graduação.
Ao cruzar os resultados da análise de similitude e do SCB é possível notar que "conhecimento" no contexto normal, trabalho no contexto de ataque às ciências humanas e à psicologia (normativo) e "crescimento" no contexto prático são os candidatos de altíssima probabilidade de nuclear o pensamento. Estes termos têm sua centralidade assinalada pelas duas técnicas e é interessante notar que a finalidade de se obter conhecimento dá lugar, no contexto de ataque à área, ao temor do trabalho, que se associa a medo, profissão e tempo. Por outro lado, no contexto prático o lugar de altíssima probabilidade do conhecimento é tomado pela ideia de crescimento pelo esforço, dentro de um contexto de realização.
Em termos teórico-metodológicos tal resultado nos leva a repensar a dinâmica da estrutura repre-sentacional. Segundo a teoria do núcleo central deveria sempre haver um ou alguns elementos em comum em todos os contextos, pois ele é estável e não sensível ao contexto (Abric, 2000b). No entanto observamos uma grande maneabilidade dos elementos centrais entre os contextos. É altamente provável, a nível teórico, que em alguns objetos a estrutura se organize de outras formas com conjuntos de ideias se reordenando em função da situação (Wolter & Peixoto, 2021).
É bem razoável conceber que como o pensamento social de um grupo acerca de um objeto possui estados (Rouquette, 1994; Wolter, 2009, 2016) que a organização de pensamento demonstrada em cada um dos três contextos seja a expressão de um dos estados. A organização seria como uma roupagem que veste a estrutura do pensamento em função do contexto. No caso específico da graduação ela é vista como associada a ansiedade, dificuldades, medo e cansaço, mas também como momento de crescimento, de felicidade e de orgulho e um local onde se pesquisa, se estuda e se adquire conhecimento, tal resultado nos leva a resgatar o conceito de polifasia cognitiva (Moscovici, 2009). O pensamento social é por natureza polimorfo, ideias opostas, por vezes contraditórias, convivem e adquirem sentido para os grupos em contextos concretos. Tal polifasia cognitiva não ocorre sem conflitos cognitivos e sociais já que tanto nas comunicações quanto nas relações intra e intergrupais essa variabilidade de ideias cria tensões, mas cria também uma riqueza de cognemas que permitem a vida dos grupos sociais no seu quotidiano.
A teoria da condicionalidade de Flament (2000) também pode explicar a modulação da representação social a depender do contexto. Existiriam ideias absolutas e gerais (presentes no núcleo central) e ideias condicionais e específicas (no sistema periférico). Nesta perspectiva, a representação modula as ideias centrais e periféricas a depender da finalidade da situação. Nesta perspectiva de atuação conjunta, de periferia e núcleo, não existe contradição entre a perspectiva de um núcleo central e a aparição de diferentes ideias em diferentes contextos. Mais do que um questionamento, tanto a teoria da condicionalidade quando a da polifasia cognitiva propõem um modelo de funcionamento ao duplo sistema que dê conta das contradições e diferentes situações quotidianas.