INTRODUÇÃO
A Organização Mundial de Saúde (OMS) descreve a saúde como a união entre o bem-estar mental, físico e social, abrangendo esse termo além de somente ausência de enfermidades e doenças [1]. Em 2008, a OMS juntamente com a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), definiram "One Health", traduzida para saúde única, como ações interdisciplinares e integrativas com intuito de promoção de saúde a partir das estratégias que promovem a saúde humana, animal e ambiental [2].
A OMS também conceituou a medicina tradicional, que é um conjunto heterogêneo de práticas médicas convencionais seguidas pelos países [3]. No Brasil, em 1980, foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS), a fim de descentralizar e promover melhor a saúde. Em 2006, o SUS incluiu as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), caracterizada como recursos terapêuticos voltados à prevenção e tratamento complementar à medicina convencional de diversas doenças e promoção de saúde [4,5].
Svoboda et al. [6] esquematizou, como o "guarda-chuva", a junção da Saúde Única e das práticas comunitárias integrativas como uma rede complexa individual e coletiva, afim de ser instituído em esferas administrativas para melhor planejamento e protocolos, com uma perspectiva fraternal. Seguindo esse conceito, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece, de forma integral e gratuita, 29 procedimentos PICS, destacando-se a fitoterapia, homeopatia, acupuntura, quiropraxia, ozonioterapia, entre outras [7].
A fitoterapia consiste na terapêutica utilizando plantas medicinais e suas diferentes preparações farmacêuticas, sem adição de ativas isoladas, ainda que de origem vegetal [7]. Cerca de 80% da população mundial depende da medicina tradicional referente à atenção primária à saúde, e 85% desses utilizam plantas ou preparações à base de vegetais [8]. No Brasil, considera-se que ainda está no início da formação em PICs para o SUS, apesar de iniciativas, apresentando uma maior formação as instituições privadas [9]. Dessa forma, o objetivo dessa revisão é descrever a atuação da fitoterapia como prática integrativa da saúde única, mediante a escassez sobre o assunto.
METODOLOGIA
Uma revisão narrativa de literatura permite estabelecer relações entre produções anteriores sobre o tema, auxiliando na identificação de novas temáticas e novas perspectivas [10]. Com isso, o presente estudo é classificado como uma revisão narrativa de caráter descritivo, a respeito da fitoterapia como atenção primária a saúde.
A pesquisa foi realizada entre setembro e outubro de 2021, e utilizou-se para as pesquisas as bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), Nacional Library of Medicine (PubMed), Google Acadêmico e US National Library of Medicine (MedLine).
Foi definido como critério de inclusão, a seleção de artigos publicados entre os anos de 2011 e 2021 que relatassem sobre Plantas Medicinais, Práticas Integrativas Complementares e Saúde Única. Os artigos selecionados deveriam estar disponíveis na forma de artigos originais ou de revisão, selecionando experiências brasileiras e internacionais. Além disso, foram utilizados legislações e livros voltados ao assunto abordado.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Saúde Única: um breve histórico
O conceito e os princípios de One Health não são novos [11]. Esta ideia foi moldada ao longo dos séculos, desde o tempo antigo, e ganhou impulso nos últimos 15 anos com outras disciplinas que fundamentam teorias anteriores [12].
Embora houvesse muitos precedentes para a One Health, eles não seguiram este termo, pois ocorreram em momentos onde problemas de saúde, ideias científicas e o mundo em geral eram muito diferentes de hoje [13]. Este estado de coisas torna impossível impor uma simples estrutura para eventos passados, ou para ligá-los, em forma linear, até a Saúde Única atual. Essas contas são estruturadas em torno de figuras históricas importantes e avanços científicos, cujas contribuições para a saúde são usadas para argumentar sobre a importância de buscar uma abordagem de saúde única hoje [13].
Um dos primeiros registros de saúde única remonta à agricultura de civilizações antigas e relata o uso da fitoterapia [12]. Os escritos de Quatorze Editos da Rocha (pedras com regulamentos colocados perto de estradas) do reinado do Rei Ashoka (304-232 a.C), na Índia, indicam a utilização de ervas medicinais no tratamento médico de humanos e animais:
[...] em todos os lugares tem Amados-dos-Deuses, O Rei Piyadasi previu dois tipos de tratamento médico - tratamento médico para humanos e tratamento médico para animais. Onde quer que ervas medicinais adequadas para humanos ou animais não estejam disponíveis, mandei importá-las e cultivá-las. Onde quer que raízes ou frutas medicinais não estejam disponíveis, mandei importá-las e cultivá-las. Ao longo das estradas, fiz poços cavados e árvores plantadas para o benefício de humanos e animais. [14].
O médico grego Hipócrates (460-367 a. C), identificou e descreveu a interdependência da saúde pública com o meio ambiente e como todas as formas de doenças tinham uma causa natural em "No Ar, Águas e Lugares" ("Aere, Aquis et Locis") [15], numa época em que a maioria das pessoas atribui doenças à ira dos deuses e superstições [12].
No século XIX, Rudolf Virchow (1821-1902) sentenciou: "Entre medicina humana e animal não existe uma linha que divida e nem deveria existir. O objetivo é diferente, mas a experiência obtida constitui a base de toda medicina" [16]. Com isso, o médico patologista e antropólogo alemão cunhou o termo "zoonoses" para indicar as ligações de doenças infecciosas entre animais e humanos [17].
Calvin Schwabe, médico veterinário epidemiologista, propôs em 1964 que profissionais da medicina e medicina veterinária colaborassem para combater doenças zoonóti-cas. Em 1976, no seu livro "Medicina Veterinária e Saúde Humana" ressaltou o termo "Medicina Única", traduzida do inglês "One Medicine", já utilizado na literatura inglesa pelo físico canadense, considerado o pai da patologia veterinária William Osler e por Rudolph Virchow [18], dando vida e forma ao conceito de Saúde Única [12].
Em 2011, em Melbourne, Austrália, foi realizado o 1° Congresso Internacional de Saúde Única, o qual abordou questões científicas e políticas; não só disciplinas de doenças infecciosas; mas, questões muito mais amplas de comércio, segurança alimentar e impactos no meio ambiente, compreendendo assim a interdependência da saúde humana, animal e ambiental [19] .
Com a reemergência de doenças infecciosas e o surgimento de novas zoonoses, profissionais de todo o mundo têm promovido o conceito Saúde Única para incorporar as ciências de saúde animal, humana e ambiental e expandir as colaborações interdisciplinares em todos os aspectos dos cuidados com a saúde pública [13].
As ideias e conceitos de One Health, ambos continuaram a evoluir no século XX e atualmente são disseminados e discutidos em nível global por meio de diferentes visões nos termos conhecidos como One Health, EcoHealth, Planetary Health e Population Health - One Health [12].
Assim, a Saúde Única é considerada condição básica de vida no Planeta Terra, sendo um termo constantemente redescoberto e amplamente explorado ao longo da história humana [6].
Atualmente, o conceito reconhece uma abordagem colaborativa para fortalecer os sistemas de prevenção, preparar, detectar, responder e se recuperar de doenças, principalmente, infecciosas e questões relacionadas, como resistência antimicrobiana que ameaça a saúde humana, a saúde animal e a saúde ambiental coletivamente, usando ferramentas como vigilância e relatórios com a finalidade de melhorar a segurança da saúde global e obter ganhos em desenvolvimento [20].
Dessa maneira, One Health abrange as interconexões entre saúde humana, animal e ambiental em uma abordagem interdisciplinar representada por um complexo sistema biológico e social, que envolve múltiplos atores e processos e suas interações ao longo do tempo a nível local, nacional e global [21].
Oriundo dessa variedade de saberes dentro do contexto de saúde única, as práticas integrativas e complementares (PIC's) surgiram como uma opção à ampliação do modelo de saúde, direcionado para o cuidado integral ao indivíduo e a coletividade [6].
Práticas integrativas complementares (PIC's)
No Brasil, a legitimação e a institucionalização de abordagens relacionadas à atenção primária à saúde iniciaram-se a partir da década de 80. O processo de construção da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) se baseou em um conjunto de regulamentações e tentativas, que formaram um caminhar histórico. [22].
Tudo se inicia em 1985, com a celebração de convênio entre o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) e universidades, com o objetivo de institucionalizar a assistência homeopática na rede pública de saúde. Então, em 1986, com a 8a Conferência Nacional de Saúde (CNS), veio a introdução de práticas alternativas de assistência à saúde no âmbito dos serviços, contribuindo para que a sociedade tivesse um maior direito de escolha terapêutica [23].
Uma reforma sanitária ocorrida em 1988, foi um impulso para a criação do SUS, e o início às proposições sobre novas práticas de saúde não tradicionais. As resoluções da Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação (Ciplan) fixaram normas e diretrizes para o atendimento às práticas como Homeopatia, Acupuntura, Termalismo, Técnicas Alternativas de Saúde Mental e Fitoterapia. As normas foram importantes para que em 1996, com a 10a Conferência Nacional de Saúde, ocorresse a aprovação à incorporação dessas práticas de saúde ao SUS, em todo o País, contemplando as terapias alternativas e práticas populares [22].
Então, em 2000, após a inclusão das consultas médicas em Homeopatia e Acupuntura na tabela de procedimentos do SIA/SUS (Portaria GM N° 1230 de outubro de 1999), ocorreu a 11a Conferência Nacional de Saúde, com o intuito de incorporar na atenção básica: Rede Programa Saúde da Família (PSF) e Programa de Agentes Comunitários de saúde (PACS) práticas não convencionais de terapêutica como Acupuntura e Homeopatia [23].
Após isso, o ano de 2003 é marcado pela realização do relatório final da 12a CNS que delibera para a efetiva inclusão da Medicina Natural e Práticas Complementares (MNPC) no SUS (atual PNPIC). A 12° Conferência foi considerada o impulso para sua expansão, por reafirmar o direito à saúde pública de qualidade como direito de cidadania [24]. Em 2005, após a inclusão da PNPIC como nicho estratégico de pesquisa dentro da Agenda Nacional de Prioridades em Pesquisa, um Decreto presidencial criou o Grupo de Trabalho para elaboração da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos [23].
Com a implantação da política em 2006, se criou normativas para o cadastramento de serviços de práticas integrativas e complementares no Sistema Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES), além da formação de procedimentos específicos das PIC's, o que permitiu e facilitou o monitoramento da implantação desses serviços no país. Além disso, trouxe diretrizes norteadoras para Medicina Tradicional através da introdução de variadas práticas alternativas de assistência à saúde [25].
O Ministério da Saúde brasileiro adotou pela Portaria MS n. 971/2006 o termo de Práticas Integrativas e Complementares para os seguintes procedimentos: a Homeopatia, a MTC (acupuntura, moxabustão e auriculoterapia), Termalismo Social/ Crenotera-pia e a Medicina Antroposófica, as plantas medicinais e a fitoterapia [26].
Em 2017, a PNPIC reconhece a real importância de valorizar técnicas preventivas e terapêuticas aos usuários do SUS, com o objetivo de estimular, incrementar e disponibilizar as intervenções aos pacientes do sistema, e utilizou como referência o Guia de Estratégias das Medicinas Tradicionais de 2014 até 2023 da OMS para inserir 14 novas PICS pela Portaria MS 849/2017, revogada pela Portaria MS 702/2018, que incluiu mais 10, resultando em 29 PICS totais: apiterapia, aromaterapia, arteterapia, ayurveda, biodança, bioenergética, constelação familiar, cromoterapia, dança circular, geotera-pia, hipnoterapia, homeopatia, imposição de mãos, medicina antroposófica, MTC/ acupuntura, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, ozonoterapia, plantas medicinais/fitoterapia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa, terapia de florais, termalismo/crenoterapia e yoga [27].
A presença de tratamentos alternativos é algo considerado antigo, sendo necessário a compreensão do objetivo geral para entender o funcionamento no individual. Uma das opções presentes é a fitoterapia por meio de plantas medicinais que apresentam atividades biológicas, sendo aplicadas para prevenção, promoção e tratamento das mais diversas patologias existentes [28].
Fitoterapia e sua aplicação no Sistema Único de Saúde (SUS)
A palavra fitoterapia deriva do grego phytos, que significa plantas, terapia, tratamento e cuidado. Consequentemente, fitoterapia consiste na utilização interna ou externa das plantas, no manuseio de suas partes, consumo na forma in natura ou de medicamento que apresentam atividade com finalidade terapêutica [29].
Mesmo com o avanço da indústria farmacêutica, as plantas medicinais, continuam contribuindo para o tratamento de doenças em várias partes do mundo, as mesmas são definidas como aquelas que têm capacidade de produzir princípios ativos que ajuda no tratamento ou cura de enfermidades [30].
Na atualidade, nota-se um aumento do uso de fitoterápicos como recurso medicinal, principalmente, devido ao alto custo dos medicamentos sintéticos, ao difícil acesso à assistência médica e à tendência ao uso de produtos naturais enraizados na sociedade que fundamentaram as bases para tratamento de diferentes doenças [31].
O uso de plantas medicinais a partir de 1978 passou a ser oficialmente reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), durante a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, pela Declaração de Alma-Ata, onde foi reconhecido o uso de plantas medicinais e de fitoterápicos com finalidade profilática, curativa e paliativa [32].
A partir de 1980, no Brasil, deram início às iniciativas de inclusão da fitoterapia e de outras práticas. Em seguida, na 8a Conferência Nacional de Saúde, introduziram-se os conceitos sobre as práticas alternativas nos serviços de saúde. Já, em 2006, foi aprovada a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), visando uma melhoria nos serviços públicos de saúde, inserindo diferentes abordagens e com opções preventivas e terapêuticas, de modo a aumentar o acesso aos usuários do SUS, como também foi aprovada a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), objetivando a garantia de acesso seguro e uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos [33].
No Brasil, o uso da fitoterapia pela rede pública de saúde, visa o resgate dos costumes tradicionais do uso das plantas medicinais pela população, a ampliação do seu acesso, prevenção de agravos, a promoção, manutenção e recuperação da saúde, corroborando para fortalecer os princípios fundamentais do SUS [34].
No Sistema Único de Saúde (SUS), a implantação da Fitoterapia não se trata apenas de uma ferramenta terapêutica à disposição do profissional de saúde, representa a fusão entre o saber popular e o saber científico. A aplicação dessas duas linhas apoia o uso de plantas medicinais e realça o quadro em relação à prevenção e ao tratamento de enfermidades [35].
A existência de uma política nacional para a fitoterapia no SUS representa grande importância para o Brasil, pois incentiva à pesquisa focada para as plantas medicinais e produção de fitoterápicos, priorizando a biodiversidade do país [36].
Segundo o estudo de Machado, Czermainski e Lopes [37], demonstrou ser necessário à capacitação dos trabalhadores do SUS sobre terapias integrativas e complementares, como também demonstrou que entre os profissionais atuantes na área da saúde, há prática do uso pessoal de plantas medicinais ou fitoterápicas, bem como a indicação desse recurso terapêutico aos usuários, porém ocorre uma recomendação maior de plantas medicinais em comparação aos fitoterápicos, pois os profissionais e usuários não dispõem de produtos fitoterápicos pela assistência farmacêutica municipal, essa disponibilização precisa ser debatida entre profissionais da saúde, pesquisadores, gestores e o controle social. Dessa forma, a temática necessita ser explorada em atividades de educação, em locais onde os profissionais possam esclarecer as diferenças conceituais de cada prática.
As perspectivas para a Fitoterapia no SUS são boas e resultarão na possibilidade da melhoria da qualidade de vida da população, no apoio político em nível nacional com as políticas já existentes, na adesão dos gestores locais e na participação da comunidade. Este resultado é refletido devido à existência de uma nova opção de tratamento ao Sistema de Saúde [38].
CONCLUSÃO
Diante da relação existente entre saúde única e fitoterapia, é possível afirmar que há políticas públicas e recursos destinados à utilização da fitoterapia no atendimento básico da saúde, porém nota-se um baixo interesse e/ou capacitação do profissional da área, evidenciando a necessidade de investimento na qualificação desses profissionais como também influenciar o desenvolvimento de pesquisas científicas sobre a temática.