Introdução
A monitorização da pressão arterial, durante qualquer procedimento anestésico, é de extrema importância como parte da avaliação da função do sistema cardiovascular. Geralmente, o sistema circulatório do animal anestesiado tem sua função comprometida, apresentando hipotensão, alteração da coloração de mucosas e do tempo de preenchimento capilar, portanto, a monitorização contínua destas variáveis clínicas é indispensável para reduzir a morbidade e mortalidade anestésicas 1,2,3.
De forma básica, existem dois métodos para aferir a pressão arterial, o método invasivo e o não invasivo. O primeiro é o método mais preciso no qual, por meio da cateterização de uma artéria periférica, se avalia diretamente a pressão. As técnicas não invasivas, ou seja, aquelas que não requerem a perfuração dos tecidos do animal, são mais utilizadas recentemente na clínica e anestesiologia de diversas espécies, para tal, é preciso um manguito aneroide acoplado a um esfigmomanômetro (eletrônico ou manual) fixado em algum dos membros do animal 4.
O sistema de aferição da pressão arterial invasiva, necessita que o cateter arterial se ligue a um equipo extensor contendo solução salina heparinizada e a pressão será mensurada por meio de um transdutor (manômetro analógico ou eletrônico). A função do transdutor eletrônico é captar as pressões que chegam à extremidade do cateter, transforma-as em sinais elétricos e transmiti-as a um monitor na forma de ondas que mediante algoritmos intrínsecos são convertidas em valores numéricos de pressões sistólica, diastólica e média. Já quando se usa o manômetro analógico, este capta as variações na pressão e no seu indicador ou ponteiro exibirá apenas a pressão arterial média. Esta técnica requer habilidade e experiência do profissional, e está sujeita a riscos como infecção, tromboembolismo, hematomas e necrose tecidual 5,6.
No método não invasivo, um manguito inflável é utilizado para obstruir a passagem do sangue de uma artéria periférica, o manguito é envolto em torno de um dos membros do animal, a pressão no manguito é elevada mediante insuflação até que o pulso desapareça. Posteriormente o manguito se desinfla progressivamente, neste momento o microprocessador oscilométrico ou o avaliador humano com ajuda de um doppler vascular irá interpretar oscilações dentro do manguito ou sons no doppler vascular, respectivamente, para fornecer os valores das pressões arteriais sistólica e diastólica. Para os clínicos e anestesistas na rotina é preferível utilizar a técnica não invasiva, por ser simples, livre de riscos e não causar estresse nem dor ao paciente 7.
A técnica oscilométrica é uma das mais utilizadas dentre as não invasivas, como já foi descrito, nessa técnica a pressão exercida pelo manguito sobre a artéria permite a sensibilização e transmissão dos valores para o oscilômetro que, de forma eletrônica, apresenta as pressões diastólica e sistólica e, segundo o algoritmo eletrônico, até a média. Uma desvantagem é sua baixa acurácia na mensuração da pressão em animais de pequeno porte 8 e por tal motivo, o Doppler vascular é utilizado como alternativa. Mediante o Doppler vascular é possível escutar o movimento do sangue na artéria, assim se coloca o mangito da mesma maneira, se insufla até desaparecer qualquer classe de som no Doppler e se desinfla lentamente, na pressão no manguito, na qual é possível voltar a escutar o som do movimento do sangue na artéria é considerada a pressão arterial sistólica para o avaliador, este método apresenta acurácia aceitável em pequenas espécies, não é invasivo, mas é dependente da habilidade do profissional 7.
A técnica de monitoração da pressão arterial invasiva em pequenos ruminantes é reconhecida como a mais precisa, mas devido à perfuração, está relacionada a maiores riscos ao paciente, propiciando problemas futuros, como isquemia, formação de trombos ou embolia. Por conseguinte, a técnica não invasiva tem sido utilizada, com auxílio de dois equipamentos convencionais, o Doppler e o oscilométrico, por sua praticidade 9. Em ovinos, estudos foram feitos e confirmaram discrepância da pressão arterial não invasiva quando relacionada ao método invasivo 4,7, os mesmos apontaram uma maior semelhança dos valores da pressão arterial sistólica, diastólica e média quando mensurada pelo aparelho Doppler, já os resultados obtidos na utilização do método oscilométrico foram mais distantes das observadas nos métodos anteriores. Em caprinos, de forma similar aos ovinos, o monitoramento da pressão arterial por meio do método não invasivo, a partir da utilização do Doppler ou método oscilométrico, obtém-se valores diferentes do método reconhecido como padrão ouro 10.
Com os preceitos apresentados e em vista da necessidade de métodos práticos que permitam a avaliação acurada da pressão arterial em pequenos ruminantes sob anestesia, este estudo clínico teve por objetivo, validar a mensuração da pressão arterial pelo oscilométrico mediante sua comparação com o método invasivo em ovelhas e cabras sob anestesia geral.
Material e métodos
Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP/Jaboticabal (Protocolo 007244/13 e 009761/13). Foram utilizados 40 animais, sendo 20 ovelhas da raça Santa Inês e 20 cabras da raça Alpino, adultas e saudáveis (exame físico, hemograma, dosagem sérica de creatinina, alanina-amino-transferase e fibrinogênio).
Os animais foram submetidos a jejum alimentar de 36 horas e hídrico de 12 horas, posteriormente foram pesados e administrada como medicação pré-anestésica (MPA) por via intramuscular (IM) a associação de midazolam 0,25 mg/kg, metadona 0,4 mg/kg ou tramadol 4 mg/kg. Após 15 minutos, realizou-se a cateterização venosa jugular para a administração de fármacos e fluidoterapia de manutenção (Ringer lactato 5 mL/kg/h). Subsequentemente os animais foram induzidos à anestesia mediante a administração intravenosa (IV) de 2 mg/kg de propofol, a cada 30 segundos até conseguir a perda do reflexo palpebral. Posteriormente foram intubados e iniciou-se o fornecimento de isofluorano diluído em oxigênio (FiO2=1,0) por meio de circuito anestésico circular com reinalação de gases, na concentração necessária para manter um plano anestésico cirúrgico adequado, guiado pelos parâmetros clássicos de Guedel 11.
Uma vez que os animais se encontravam em plano anestésico adequado eram posicionados em decúbito dorsal, realizava-se a instrumentação anestésica descrita a continuação e, ao final desta, a equipe cirúrgica era autorizada a iniciar o procedimento cirúrgico de aspiração folicular laparoscópica 12, sempre realizado pela mesma equipe. Ao término do procedimento cirúrgico o fornecimento de isofluorano era encerrado, os animais retirados da maca cirúrgica, extubados e colocados em local limpo, acolchoado, quente e tranquilo, onde eram observados até ficarem em posição quadrupedal.
A paramentação anestésica era realizada da seguinte forma: se iniciava com a cateterização da artéria auricular caudal com cateter 20G com posterior conexão ao transdutor de pressão (Módulo IBP Plus® Dixtal Biomédica, Brasil), conectado ao monitor multiparamétrico (Monitor DX2023®, Dixtal Biomédica, Brasil), para mensuração invasiva da pressão arterial (iPA) sistólica (S), média (M) e diastólica (D) em mmHg. Ao mesmo tempo, um manguito constritor (40-50% da circunferência do membro) era colocado ao redor do membro torácico direito na metade da distância entre o cotovelo e o carpo e adaptado ao conetor do esfigmomanômetro oscilométrico do mesmo monitor multiparamétrico para a mensuração não invasiva das pressões arteriais (NiPA) sistólica (S), média (M) e diastólica (D) em mmHg de forma automática a cada 5 minutos. A cada 5 minutos o monitor emitia um sinal sonoro ao concluir a mensuração das NiPA´s, nesse preciso momento as iPA´s e NiPa´s eram registradas, desde o momento em que os sistemas de mensuração eram montados até o final do procedimento cirúrgico. As variáveis clínicas: frequência cardíaca, respiratória, saturação periférica de oxigênio e a temperatura retal eram também monitoradas no mesmo monitor para garantir a segurança do paciente anestesiado.
Uma vez que os animais assumiam a posição quadrupedal eram considerados recuperados e, nesse momento administrava-se por via IM 20.000 UI/kg de penicilina-G (procaínica e benzatínica), associados a 2 mg/kg de sulfato de diidroestreptomicina (Penfort PPU®, Ourofino, Brasil) e 0,4 mg/kg de meloxicam (Maxicam 0,2%®, Ourofino, Brasil). Os animais eram mantidos em aprisco coletivo, recebendo água e comida balanceada ad libitum, avaliados e tratados diariamente mediante a administração IM de 0,2 mg/kg de meloxicam por 3 dias. Durante 15 dias consecutivos foram realizadas inspeção do estado geral e do comportamento de cada um dos animais tratados a fim de comprovar o estado de saúde e garantir sua recuperação satisfatória.
A análise estatística foi realizada com auxílio do software R (R® Foundation for Statistical Computing, Áustria). As variáveis coletadas das pressões arteriais invasivas e não invasivas, foram submetidas às análises de distribuição (teste de Shapiro-Wilk) e de homogeneidade de variâncias (teste de Barlett). Após a comprovação destes supostos matemáticos, as medidas reais ou transformadas da pressão arterial foram comparadas entre aquelas resultantes da técnica invasiva e não invasiva pelo teste de T-Student, correlacionadas entre si pelo teste de Pearson e submetidas à análise de concordância de Bland-Altman, objetivando determinar a acurácia e viés das medições não invasivas quando comparadas às invasivas. A significância foi fixada para todos os testes em p<0,05 e os dados apresentam-se como a média ± DP (desvio padrão).
Resultados
O procedimento anestésico-cirúrgico e a recuperação pós-operatória foram satisfatórios em todos os animais avaliados. Nas Ovelhas (Figura 1), a pressão arterial sistólica mensurada pelo método não invasivo obteve valores diferentes da pressão arterial sistólica mensurada pelo método invasivo (P<0,001), apresentando uma correlação moderada (r=0,64) que resulta em uma superestimação da pressão arterial sistólica real pelo método não invasivo (Viés 22,5 ± 14,1 mmHg). A pressão arterial média, mensurada pelo método não invasivo obteve valores diferentes da pressão arterial média mensurada pelo método invasivo (P<0,001), apresentando uma correlação moderada (r=0,65), que resulta em uma superestimação da pressão arterial diastólica real (Viés 8,9 ± 13,5 mmHg). Já a pressão arterial diastólica mensurada pelo método não invasivo obteve valores similares à pressão arterial diastólica mensurada pelo método invasivo (P=0,69), apresentando correlação moderada (r=0,65) e culminando em acurácia na mensuração desta variável pelo método não invasivo (Viés 0,7 ± 13,1 mmHg).
Nas Cabras (Figura 2), a pressão arterial sistólica mensurada pelo método não invasivo obteve valores diferentes da pressão arterial sistólica mensurada pelo método invasivo (P=0,009), apresentando uma correlação fraca (r=0,40), que termina em uma superestimação da pressão arterial sistólica real (Viés 11,1 ± 25,1 mmHg). A pressão arterial média, mensurada pelo método não invasivo obteve valores similares aos da pressão arterial média mensurada pelo método invasivo (P=0,566), apresentando uma correlação moderada (r=0,57) e resultando em similaridade da pressão arterial média real (Viés 2,4 ± 20,2 mmHg). Já a pressão arterial diastólica mensurada pelo método não invasivo obteve valores similares a pressão arterial diastólica mensurada pelo método não invasivo (P=0,108), apresentando correlação moderada (r=0,63) e culminando em similaridade relacionada a pressão arterial média real (Viés -5,0 ± 17,9 mmHg).
Discussão
Embora estudos anteriores tenham relatado discrepância nos valores fornecidos das pressões arteriais em ovinos pelo método não invasivo (oscilométrico) comparado ao invasivo 4,7,9, o presente estudo conseguiu identificar similaridade entre a pressão arterial diastólica nesses animais. Em ovelhas, a pressão arterial diastólica mensurada pelo método oscilométrico obteve valores similares, com baixo viés e, desta forma, apresenta certo grau de confiabilidade. Entretanto, os valores da pressão arterial sistólica e média foram discrepantes, com o método não invasivo superestimando a pressão adquirida pelo método invasivo.
Em cabras, um estudo relatou discrepância nos valores das pressões arteriais quando obtidos pelo método oscilométrico 9, mas, nossos resultados permitiram evidenciar que a pressão arterial média é bem estimada pelo método oscilométrico, diferente da pressão sistólica que é superestimada por esse método e da pressão diastólica que, mesmo sendo similar, apresenta um grande viés que não indica sua utilização. Um estudo anterior, concluiu que o método oscilométrico produziu medidas de PA consistentes com o método invasivo em cabras adultas conscientes, de acordo com o critério estabelecido pelo Colégio Americano de Medicina Interna Veterinária (ACVIM), mas os dados obtidos na pressão sistólica não são confiáveis, segundo os pesquisadores, pois os valores encontrados foram superestimados quando relacionado à pressão invasiva 10, resultado similar e que respalda os resultados encontrados no nosso estudo.
Em felinos anestesiados, um estudo concluiu que, independente do sexo, a pressão arterial mensurada pelo método oscilométrico obteve resultados discrepantes da pressão arterial invasiva. Já quando comparado a outro método também indireto, o método Doppler, os valores estimados foram similares aos reais, recomendando utilizar este método com fator de correção, para obtenção de valores fidedignos 13. Ainda em gatos os valores obtidos pelo método não invasivo não atendem os critérios da associação para a instrumentação médica quanto a exatidão e precisão e subestimam os valores reais da pressão arterial, a acurácia varia pouco entre diferentes equipamentos oscilométricos, mas melhora se o manguito for de tamanho ideal, ou seja, correspondendo a altura deste a 40% da circunferência do membro e no posicionamento pélvico 14. Estes resultados permitem denotar que a acurácia da técnica não depende apenas do método de mensuração e sim de uma série de fatores ligados aos equipamentos, instrumentos, peso e tamanho do animal, entre outros, abrindo portas para uma série de estudos que procurem a acurácia da monitorização não invasiva nas diversas espécies animais.
Conclusões
Nas condições estudadas, é possível concluir que a mensuração da pressão arterial em pequenos ruminantes sob anestesia geral pode ser realizada mediante o método oscilométrico, pois proporciona uma estimativa fidedigna da PAM em cabras e da PAD em ovelhas. Entretanto, a PAS e PAM em ovelhas juntamente da PAS e PAD em cabras foram superestimadas, por tanto, se recomenda discrição ao utilizá-las na monitorização e talvez muito mais quando trata-se dos ovinos.