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Avances en Enfermería
Print version ISSN 0121-4500
av.enferm. vol.33 no.1 Bogotá Jan./April 2015
https://doi.org/10.15446/av.enferm.v33n1.40585
http://dx.doi.org/10.15446/av.enferm.v33n1.40585
Notificação da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes por profissionais de saúde no Brasil*
Notificación de violencia intrafamiliar contra niños y adolescentes por profesionales de la salud en Brasil
Notification of domestic violence against children and teens by health professionals in Brazil
Priscila Arruda da Silva1, Valéria Lerch Lunardi2, Juliane Portella Ribeiro3, Adriane M. Netto de Oliveira4, Tânia Cristina Schäfer Vasquez5
1 Doutoranda em Enfermagem. Bolsista FAPERGS/CAPES. Rio Grande do Sul, Brasil. e-mail: patitaarruda@yahoo.com.br
2 Doutora em Enfermagem. Docente, Universidade Federal do Rio Grande. Rio Grande do Sul, Brasil.
3 Doutoranda em Enfermagem. Rio Grande do Sul, Brasil.
4 Doutora em Enfermagem. Docente, Universidade Federal do Rio Grande. Rio Grande do Sul, Brasil.
5 Doutoranda em Enfermagem. Bolsista CAPES. Rio Grande do Sul, Brasil.
* Elaborado com base na pesquisa bibliográfica resultante da tese de doutorado em andamento (SILVA, 2011-2015).
Recibido: 31/10/2013 Aprobado: 15/12/2014
Resumo
O presente estudo tem por objetivo analisar as produções científicas acerca da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes notificadas por profissionais de saúde. Trata-se de uma revisão da literatura realizada a partir de artigos, legislações, manuais do Ministério da Saúde, teses, dissertações e livros. Apoiando-se em Foucault, reconhece-se a notificação como uma manifestação de poder e resistência dos profissionais de saúde e, em especial, das enfermeiras, a um problema tão comum em nossa sociedade, causador de grande impacto social, político e econômico, e com alto potencial de comprometimento para a saúde e qualidade de vida das vítimas. As questões examinadas neste estudo podem subsidiar a reflexão dos profissionais sobre sua prática, buscando o enfrentamento da violência de forma a prevenir que o ciclo se reproduza na família.
Descritores: Enfermagem; Violência Doméstica; Defesa da Criança e do Adolescente; Notificação de Abuso (fonte: DeCS BIREME).
Resumen
El presente estudio tiene como objetivo analizar la producción científica sobre la violencia familiar contra los niños y adolescentes reportada por profesionales de la salud. Ésta es una revisión de la literatura realizada a partir de artículos, leyes, manuales del Ministerio de Salud, tesis, disertaciones y libros. Sobre la base de Foucault, se reconoce la notificación como una manifestación de la preocupación y la resistencia de los profesionales de la salud, especialmente las enfermeras, a un problema tan común en nuestra sociedad, causante de un enorme impacto social, político y económico, con alto potencial para el compromiso con la salud y la calidad de vida de las víctimas. Los temas examinados en este estudio pueden apoyar la reflexión de los profesionales sobre su práctica, tratando de hacer frente a la violencia con el fin de evitar que el evento se presente de manera cíclica en la familia.
Descriptores: Enfermería; Violencia Doméstica; Defesa del Niño; Notificación Obligatoria (fuente: DeCS BIREME).
Abstract
The present study aims to analyze the scientific production about family violence against children and adolescents reported by health professionals. This is a literature review performed from articles, laws, manuals Ministry of Health, theses, dissertations and books drawing on Foucault, recognizes the notification as a manifestation of power and strength and health professionals, especially nurses, to such a common problem in our society, causing enormous social, political and economic impact, and with high potential for commitment to the health and quality of life of the victims. The issues examined in this study can support the professionals' reflection on their practice, seeking to deal with violence in order to prevent the cycle play in the family.
Descriptors: Nursing; Domestic Violence; Child Advocacy; Mandatory Reporting (source: DeCS BIREME).
Introdução
Os estudos sobre a notificação da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes têm suscitado entre os profissionais que se dedicam a sua investigação, diversas abordagens e perspectivas de interpretação, mostrando a complexidade e amplitude desse fenômeno, tão presente na sociedade. Duas linhas de pesquisa têm sido estruturadas na tentativa de analisar o processo de notificação da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes: a que a considera como um dilema ético aos profissionais, pelas suas repercussões para si e para a vítima, o que tem levado a muitos deixarem de notificar casos suspeitos de violência (1-6), e outra vertente que procura analisar a notificação a partir de seu aspecto positivo, avaliando-a como um movimento que busca interromper o ciclo de violência e como um compromisso em zelar pela proteção de crianças e adolescentes (7-10).
Grande parte dos estudos sobre essa temática, realizados por pesquisadores da enfermagem e demais profissionais de saúde, tem se orientado na primeira linha de investigação, na busca de respostas para justificar o não envolvimento de profissionais na notificação, mesmo reconhecendo que a violência pode acontecer de forma rotineira na vida das pessoas e o seu dever em notificá-la, ainda que se trate apenas de uma suspeita de violência (11, 12). Nesse estudo, será adotada a segunda linha de investigação que reconhece a notificação como uma manifestação de resistência dos profissionais a um problema tão comum em nossa sociedade, causador de grande impacto social, político e econômico, e com alto potencial de comprometimento para a saúde e qualidade de vida das vítimas.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes manifesta-se como toda ação e/ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física e psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes. É uma relação interpessoal, assimétrica e hierárquica de dominação, exploração e opressão de um adulto sobre uma criança, ou seja, uma relação em que o forte domina o fraco (13). Para Foucault, "as relações de dominação podem ser entendidas como uma relação de violência que age sobre um corpo, ela força, ela submete, ela destrói, ela fecha todas as possibilidades, não tem, portanto junto a si, outro pólo, senão aquele da passividade" (14).
A violência ocorre quando diferenças são transformadas em desigualdades, em que uma das partes assume a condição de superioridade e estabelece uma relação de dominação versus submissão. Assim, se expressa em uma condição em que o ser humano não é considerado como sujeito, mas sim como coisa, objeto (15). Foucault refere que, diferentemente, uma relação de poder "se articula sobre dois elementos que lhe são indispensáveis por ser exatamente uma relação de poder: que ‘o outro' —aquele sobre o qual ela se exerce— seja inteiramente reconhecido e mantido até o fim como sujeito de ação e que se abra diante da relação de poder, todo um campo de respostas, reações, efeitos, invenções possíveis" (14). Desse modo, o poder deve ser entendido de um modo relacional, é um modo de ação que não age direta e imediatamente sobre os outros, mas uma ação sobre a ação dos outros (14).
Aplicado a este estudo, Foucault ajuda a compreender como o poder se exerce nas relações cotidianas, ou seja, como relações de poder podem ser exercidas pelas enfermeiras e demais profissionais de saúde em relação ao agressor, mediante a notificação da violência aos órgãos de proteção.
Crianças e adolescentes comumente encontram-se em uma condição de extrema vulnerabilidade, por conviverem com um adulto que as violenta, porém a quem amam e por quem precisam ser amadas. Essa condição lhes nega o direito de liberdade, dignidade, respeito e a oportunidade de crescer e desenvolver-se de maneira saudável (16, 17). O silêncio muitas vezes se faz presente, não permitindo uma elaboração e nem o enfrentamento da situação, pois ameaças e seduções dos agressores são manifestadas em busca do silêncio das vítimas e da manutenção do ciclo de violência. Assim, na condição de dominados, crianças e adolescentes internalizam uma visão de si, a partir da visão que o sujeito dominante lhes impõe (18, 19).
Desse modo, as vítimas comumente não expõem a agressão sofrida, por medo, vergonha ou por se sentirem culpadas. Entretanto, há aqueles que manifestam, de modo verbal ou não, seu sofrimento, na expectativa de que essa confidência possa lhes abrir um caminho para a saída dessa situação. Cabe então aos profissionais assumirem a responsabilidade de proteger as vítimas e romper com o silêncio (20). Nesse sentido, as instituições de saúde são consideradas como espaços de proteção à criança e ao adolescente e de revelação da violência a que possam estar submetidas (21, 22).
Considera-se, então, que as enfermeiras e os profissionais da saúde em geral, estão em uma posição estratégica para identificar os fatores de risco para a violência e as possíveis vítimas de violência intrafamiliar, procedendo às notificações, uma vez que as famílias são os que mais buscam os serviços de saúde em decorrência de danos físicos, mentais ou emocionais causados pela violência (23, 24).
Embora o motivo da busca por atendimento, em geral, seja mascarado por outros problemas ou sintomas que não se configuram, isoladamente, em elementos para um diagnóstico de vítima de violência, é importante não perder de vista que, em tais ocasiões, os profissionais precisam estar atentos para não limitar sua atuação ao tratamento clínico e sintomático dos traumas e lesões resultantes desses problemas. Especialmente, é preciso ter claro que essas crianças e adolescentes, após deixarem o local de atendimento, retornam aos ambientes onde as relações, as práticas e os comportamentos permanecem agressivos (25, 26).
Considerando-se a necessidade da notificação da violência intrafamiliar pelos profissionais de saúde e de sua relevância para o enfrentamento do problema, tem-se como objetivo analisar as produções científicas disponíveis em bases de dados online sobre a violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes notificadas por profissionais de saúde.
Método
Trata-se de uma revisão da literatura realizada a partir de artigos, legislações, manuais do Ministério da Saúde, teses, dissertações e livros. Os artigos foram pesquisados nas bases de dados LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e na biblioteca virtual da SCIELO (Scientific Electronic Library Online) e BDENF (Base de Dados de Enfermagem). Para a busca de tais artigos utilizaram-se como descritores as seguintes combinações: Violência Doméstica e Enfermagem; Profissionais de Saúde e Notificação de Abuso, realizadas em 2013. Após a leitura procedeu-se a análise descritiva e de conteúdo da mesma. Foram incluídos todos os artigos que estivessem relacionados ao tema da pesquisa.
Resultados
Violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes notificadas por profissionais de saúde
Dispositivos legais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mencionam a responsabilidade dos profissionais de saúde e instituições de comunicar os casos de violência que tiverem conhecimento, prevendo, em seu Art. 245, penalidades para médicos, professores e responsáveis por estabelecimentos de saúde e educação que deixem de comunicar os casos suspeitos ou confirmados (27).
Considerada como uma das importantes conquistas para a sociedade e para crianças e adolescentes vítimas de violência, a aplicação dessa lei aponta novos mecanismos que possibilitam um maior encorajamento das vítimas para denunciarem qualquer tipo de violência por elas sofrida e até mesmo determinar a obrigatoriedade dos cidadãos de notificar aos órgãos de proteção qualquer suspeita ou confirmação de violência (27). A violência, entretanto, apresenta um forte componente cultural, dificilmente superável apenas pela aprovação de leis e normas, uma vez que envolve costumes, hábitos e atitudes, ou seja, a necessidade de uma transformação cultural (15).
A lei, para Foucault, é concebida como uma composição, organização, gestão e controle de diferentes ilegalismos, desejados, inventados, permitidos, tolerados ou proibidos: "A lei não é nem um estado de paz, nem o resultado de uma guerra ganha: ela é a própria guerra e a estratégia dessa guerra em ato, exatamente como o poder não é uma propriedade adquirida pela classe dominante, mas um exercício atual de sua estratégia" (28).
Assim, a decisão de notificar não se restringe às determinações legais, mas sim, às peculiaridades de cada caso, sendo influenciada por fatores de ordem pessoal dos profissionais, pelas especificidades do caso atendido e pelas próprias estruturas dos serviços de saúde, que, na sua maioria, são deficientes, segundo tem se destacado na literatura nacional e internacional, constituindo-se em um dos principais desafios dos trabalhadores da área da saúde para realizar a notificação (1, 7, 20, 29-32).
Destaca-se, ainda, que a problemática da violência é um grande desafio, que exige o comprometimento das instituições formadoras e qualificadoras, no preparo dos profissionais em relação a esse fenômeno, com o objetivo de responder a uma demanda que cresce a cada dia; da mesma forma, requer o comprometimento daqueles que estão nos serviços de retaguarda —Polícia Civil, Conselho Tutelar, Delegacia da Criança e do Adolescente, Juizado da Infância e da Juventude— que devem exercer o poder de proteção às vítimas, assim como da sociedade (33).
No entanto, é preciso que profissionais da saúde, trabalhadores das diversas áreas do conhecimento, pessoas da comunidade, unam-se em prol de um objetivo comum: "a luta contra a violência", participando ativamente das campanhas nacionais e internacionais, inserindo-se nos Conselhos de Saúde, ocupando espaços que possibilitem efetivar propostas contra a violência, aliando-se ao poder judiciário (34). Enfim, mostra-se necessário ocupar espaços políticos e sociais que lhes permitam criar estratégias de promoção do desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes, com redução da incidência da violência (35).
Presente na vida cotidiana, a violência é considerada um problema cujas manifestações provocam ou são provocadas por uma forte carga emocional de quem a sofre, mas também de quem a presencia (36). Os sentimentos de incerteza, raiva, projeção, ansiedade e impotência que surgem diante de uma situação que envolve violência contra crianças e adolescentes, assim como o medo de represália por parte dos agressores, falta de conhecimento sobre a notificação, ausência de mecanismos legais de proteção ao denunciante e notificação infundada são algumas dificuldades encontradas na literatura para justificar o não envolvimento dos profissionais em uma determinada situação de violência, o que parece estar relacionado a um mecanismo de defesa do ser humano, de modo a amortizar seus próprios sentimentos (37-39).
Lima et al. (31) identificaram um perfil dos profissionais que, ao vivenciarem uma situação de suspeita de violência contra crianças e adolescentes, já realizaram notificação aos órgãos de proteção, a saber: são profissionais do sexo feminino, com filhos, experiência profissional de seis anos ou mais e capacitação prévia na temática.
Um estudo desenvolvido por Silva (4), com 107 profissionais da Estratégia de Saúde da Família de Olinda, apontou que 86% dos profissionais entrevistados já suspeitaram de violência física, sexual, psicológica e negligência, mas somente 36,4% desses notificaram o caso. Apesar da subnotificação ainda ser considerada como uma limitação séria quando se trata de violência contra crianças e adolescentes, avanços têm ocorrido no sentido de mobilizar os profissionais a lidar melhor com o tema e a realizar a notificação. Assim, poderia se questionar acerca das estratégias construídas pelos profissionais que representam o percentual de 36,4%, de modo a terem alcançado êxito na notificação da violência.
O estudo revelou, também, que os mais propícios a denunciar são os profissionais com pós-graduação em Saúde Coletiva; que já sofreram, pessoalmente, alguma violência; participaram de capacitação sobre o assunto; conhecem o ECA e a obrigatoriedade de notificação. Ainda, foi constatado que profissionais que já testemunharam alguma situação de violência na comunidade apresentam oito vezes mais chances de denunciar uma agressão em relação a quem nunca vivenciou tal situação. Os profissionais que defendem a obrigatoriedade dos profissionais de saúde de notificar situações de violência o fazem 18 vezes mais do que os demais, ou seja, quanto mais conscientes acerca do papel que devem desempenhar, maiores são as chances de notificarem um caso de violência contra crianças ou adolescentes (4).
Lane e Dubowitz (1) afirmam que a experiência prática clinica é fundamental para o desenvolvimento das competências e de confiança para a realização de avaliações e, consequentemente, da notificação. Dessa forma, a capacitação dos profissionais de saúde, através de cursos de educação continuada, deve fazer parte da rotina desses trabalhadores em busca de um melhor preparo e consequentemente de mudanças de discursos, crenças e atitudes em relação à violência.
A Vigilância e Prevenção de Violências e Acidentes do Ministério da Saúde têm investido na capacitação e sensibilização dos profissionais sobre a importância desse registro. Como resultado dessas medidas, no Brasil, o número de notificações de violência contra crianças e adolescentes com até 19 anos, por profissionais de saúde, mais que triplicou em três anos, passando de 18 570 em 2009, para 67 097 em 2012 (40).
No Rio Grande do Sul, de acordo com o Disque Direitos Humanos —disque 100— (41) comparando-se o primeiro quadrimestre de 2011 com o primeiro quadrimestre de 2012, houve um aumento de 68,6% no número de denúncias de violência contra crianças e adolescentes, passando de 896 casos em 2011 para 1511 em 2012. Em Rio Grande/RS, segundo o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (creas), foram notificados, em 2009, 61 casos de violência contra crianças e adolescentes. Já, em 2010, esse número chegou a 90 casos notificados, evidenciando-se, também, um aumento significativo de registros de violência.
O município do Rio Grande possui uma rede de serviços, incluindo órgãos especializados, grupos e ONG's de apoio às famílias. Entretanto, identificam-se falhas nessa rede, possibilitando caracterizá-la como não suficientemente organizada, tais como, inexistência de Delegacias Especializadas da Criança e do Adolescente (DECA), de capacitação profissional para a notificação da violência, de políticas públicas como Programa de Ações Integradas Referenciais de enfrentamento da violência sexual infanto-juvenil no território brasileiro (PAIR) e, principalmente, de uma articulação entre os serviços oferecidos. Tais fragilidades propiciam um déficit na qualidade do atendimento prestado à população, inserindo a família em um ciclo de violência sem suficiente resolutividade, o que agrava ainda mais as suas consequências (33).
A falta de uma rede de atendimento organizada permite trazer à tona um problema que acontece no cotidiano de muitas vítimas, o que pode colaborar para que o silêncio se sobreponha à revelação da violência (42, 43). As famílias, muitas vezes, são ignoradas e julgadas de forma discriminada, podendo ter a veracidade das suas informações questionada, pelos policiais que as atendem, como em Delegacias de Pronto Atendimento (DPPA), que não se caracterizam por oferecer um atendimento especializado, constituindo-se, também, em locais impróprios para crianças e adolescentes.
Esses fatores têm dificultado a condução dos casos e a tomada de decisão de ações futuras, destacando-se que a desarticulação e a deficiência da rede de assistência à violência, no Brasil, tem se apresentado como um entrave no processo de notificação (3, 33, 44, 45). Desse modo, tais obstáculos encontrados pelos profissionais de saúde na execução de uma assistência eficaz a crianças e adolescentes vítimas de violência, constituem uma condição que contribui para manter a invisibilidade desse fenômeno (18).
O setor saúde, ainda, mostra-se fragilizado para lidar com essa demanda. Entende-se que os documentos oficiais relacionados à violência estão postos à sociedade, porém sem uma ampla e suficiente discussão e mobilização dos protagonistas, favorecendo a manutenção de possíveis barreiras no ato de notificar, encaminhar e acompanhar os casos (46, 47). Existe um movimento do Ministério da Saúde no sentido de aprovar leis, portarias e decretos relacionados à violência, entretanto, não basta somente sua aprovação, se a rede de proteção à violência mostra-se desarticulada, com falta de insumos e estratégias, fragilidade do conhecimento e gestão incipiente nessa esfera de combate à violência (48, 49).
Há que se destacar que, comparado a outros países, a obrigatoriedade da notificação da violência é recente no cenário brasileiro. Nos Estados Unidos, desde o final da década de 1970, todo o território americano já havia estabelecido a notificação compulsória dos casos de violência contra crianças e adolescentes, apesar dessa ação não seguir uma padronização, variando de acordo com as leis e políticas específicas de cada estado. Ainda, em diferentes países, sites específicos são disponibilizados para orientar os profissionais sobre como acessar a legislação e outros recursos de informações obrigatórias (31).
Nesse sentido, cabe ressaltar, também, que a prática de notificação ainda está desigualmente implantada no Brasil. Pouco se conhece sobre o contexto político e institucional e os padrões adotados para a sua efetiva operacionalização nos diferentes estados. Também não se conhece amplamente seus fluxos e qual a mobilização de recursos efetivamente desencadeados pela notificação compulsória realizada pelos profissionais de saúde (31, 50).
Conclusão
Inúmeros problemas são detectados na literatura acerca do tema notificação da violência. A maioria está direcionada ao relato dos profissionais em relação às dificuldades enfrentadas para proceder à notificação e aos motivos apresentados pelos profissionais de saúde para não notificar os casos de violência. Destaca-se, assim, uma lacuna na produção do conhecimento, uma vez que os estudos não contemplam suficientemente os casos exitosos de notificação e as estratégias utilizadas para o alcance desse êxito, especialmente quando a rede de atendimento não se mostra suficientemente organizada, de modo a que tais experiências de sucesso possam ser socializadas, conhecidas e reproduzidas. Assim, as notificações exitosas caracterizariam como exercício de poder dos profissionais e um ato de resistência a violência. Nesse sentido, é possível questionar: será que a não notificação é a dificuldade do exercício de poder dos profissionais?
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