Introdução
A assistência à saúde ainda é predominantemente fundamentada no modelo biomédico, que enfoca a abordagem na doença e que entende que a cura ocorre a partir de parâmetros biológicos, cujos determinantes psicossociais e culturais são pouco relevantes para o diagnóstico e a terapêutica 1. Contudo, observam-se tendências de mudanças nas concepções e práticas de saúde voltadas ao cuidado integral, as quais não comportam mais um olhar fragmentado e direcionado à doença.
Nesse sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS) se posicionou valorizando a denominada Medicina Tradicional e Complementar (MTC), por ser esta a responsável pelo atendimento de expressiva parcela da população mundial, desde lugares longínquos a grandes centros urbanos. Esse posicionamento tem como pressuposto a política de integração das racionalidades em saúde como complementares, mediante o desenvolvimento de programas nacionais de saúde representativos desse movimento, assim como a tríade "segurança, eficácia e qualidade", o acesso dos usuários à MTC e seu uso racional 2.
No Brasil, práticas integrativas e complementares em saúde (PICS), expressão que será utilizada neste estudo, corresponde à expressão "medicina tradicional e complementar" da OMS (2013), em que "medicina tradicional" se refere à somatória de conhecimento, habilidade e práticas baseados em teorias, crenças e experiências culturais, utilizados na manutenção da saúde, bem como na prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças físicas e mentais. Enquanto "medicina complementar" é definida como o conjunto amplo de práticas de cuidados de saúde diferentes das convencionais e que não estão totalmente integradas no sistema de saúde dominante 2.
Baseado na iniciativa da OMS de incentivar seus estados-membros a elaborarem e implementarem políticas públicas para o uso racional e integrado de Medicina Tradicional (MT) e Medicina Complementar-Alternativa (MCA), publica-se no Brasil, em 2006, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), no Sistema Único de Saúde (SUS). Inicialmente, compunham as práticas na PNPIC: acupuntura, homeopatia, medicina antroposófica, medicina tradicional chinesa, fitoterapia e crenoterapia 3. Em 2017, ampliaram-se as práticas e incluíramse: arteterapia, ayurveda, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia, naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária integrativa e yoga 4. Logo, em 2018, houve outra ampliação nas modalidades de PICS e foram acrescentadas: aromaterapia, apiterapia, bioenergética, constelação familiar, cromoterapia, geoterapia, hipnoterapia, imposição de mãos, medicina antroposófica/antroposofia aplicada à saúde, ozonioterapia, terapia de florais e termalismo social/crenoterapia 5.
Entre os objetivos da PNPIC, destacam-se a contribuição para a resolubilidade do SUS e a promoção da racionalização das ações em saúde, os quais devem ser embasados pela promoção do cuidado humanizado e integral à saúde dos indivíduos. Buscase, assim, uma prática assistencial de acolhimento do indivíduo, a qual respeite sua singularidade a partir da indissociação das dimensões biopsicossociais e espirituais, ao considerar processos de adoecimento e saúde 2.
Dessa forma, as PICS são aplicadas a diferentes modalidades de assistência à saúde, como, por exemplo, para o alívio da dor na oncologia 6 e entre parturientes 7, para a redução da ansiedade, para a melhora no humor e para o estímulo em atividades laborais de pessoas em tratamento de dependência de álcool e drogas ilícitas 8.
No entanto, entre pessoas com feridas crônicas, mediante essa perspectiva, observam-se iniciativas isoladas, mas pouca evidência há da implementação das PICS nos atendimentos e, consequentemente, de suas implicações e efetividade.
Sabe-se que feridas crônicas impactam na vida do indivíduo nas dimensões biológicas, psíquicas e sociais 8,9, o que reforça a necessidade de abordar de forma holística esses pacientes. Nesse sentido, elaborou-se a seguinte questão de pesquisa: as práticas integrativas e complementares são utilizadas no atendimento a pacientes com feridas crônicas? Assim, o objetivo deste estudo foi identificar na literatura as PICS utilizadas no tratamento de pessoas com feridas crônicas.
Metodologia
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, realizada de agosto de 2016 a maio de 2018, a partir da questão norteadora "Quais práticas integrativas e complementares utilizadas no tratamento às pessoas com feridas crônicas estão descritas na literatura?"
Realizou-se a busca nas seguintes bases de dados: National Library of Medicine (Medicine-PubMed), Web of Science, Eletronic Library Online (SciELO), Cumulative Index of Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Science Direct (Elsevier), Science Direct (Scopus) e Biblioteca Virtual da Saúde (BVS). Foi incluída também a Biblioteca Virtual em Saúde em Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (BVS-MTCI), lançada em março de 2018, na qual foi realizada busca em período posterior às demais citadas (maio de 2018).
Utilizaram-se descritores controlados e não controlados (Figura 1) conforme a base de dados, a fim de obter maior abrangência de busca. Os critérios de inclusão foram artigos na língua portuguesa, espanhola e inglesa, publicados a partir de 2006, que apresentassem o uso de alguma prática diferente do tratamento convencional em pessoas com feridas crônicas (úlceras de perna e lesão por pressão). De forma independente, dois pesquisadores aplicaram testes de relevância, elaborados conforme os critérios de inclusão, aos títulos e, em seguida, aos resumos; também foram discutidas e resolvidas divergências com um terceiro pesquisador.
Excluíram-se revisões da literatura, estudos de caso, editoriais ou opiniões de especialistas, assim como estudos in vivo em modelos animais não humanos ou que envolvessem populações que não apresentassem feridas crônicas. Da mesma forma, excluíram-se estudos que não abordassem alguma modalidade de MTC no tratamento de pessoas com feridas, seja isolada, seja associada à terapia convencional. Os artigos identificados mais de uma vez na base ou entre as bases foram excluídos.
As informações extraídas dos estudos selecionados foram organizadas por meio de um formulário previamente elaborado, conforme o objetivo do estudo. Assim, realizou-se a avaliação crítica dos estudos incluídos a partir das informações coletadas. Compararam-se os achados com PICS descritas no documento da OMS 2 e na PNPIC brasileira (2, 3). Após a leitura dos artigos selecionados, agruparam-se as modalidades de PICS, a fim de facilitar o entendimento. Os estudos selecionados foram classificados por níveis de evidência 10. Por fim, elaborou-se este relatório da revisão a partir das recomendações do Prisma Statment 11.
Resultados
Foram encontradas 28691 referências das bases de dados. A seleção por título resultou em 344 artigos, dos quais 18 artigos foram incluídos, após a aplicação do teste de relevância 2 aos resumos e aos textos na íntegra. O fluxograma contido na Figura 1 apresenta os descritores utilizados na estratégia de busca bem como o processo de seleção dos artigos.
Dos 18 artigos selecionados, 14 (77,8 %) estavam disponíveis na língua inglesa, 14 (77,8 %) foram publicados entre 2010 e 2016, 5 (27,8 %) foram identificados na BVS-MTCI, base específica da BVS de estudos relacionados à MTC, 6 (33,3 %) estudos, todos com fitoterápicos, foram realizados no Brasil, 2 (11,1 %) no México e os demais, cada um, em países europeus (22,2 %), asiáticos (11,1 %), da Oceania (11,1 %) e da América do Sul (5,6 %). Predominaram autores médicos (66,6 %) entre os listados, mas também houve autores enfermeiros (16,7 %), biólogos (11,1 %) e engenheiros eletricistas (5,6 %).
Em relação às modalidades de PICS, 12 (66,7 %) artigos tratavam de fitoterápicos (12-23), 4 (22,2 %) de apiterapia (24-27) e 2 (11,1 %) de ozonioterapia (28-29). Entre os fitoterápicos, Calendula officinalis foi identificada em mais de um estudo (22,2 %), isoladamente (11,1 %) ou em associação a outros fitoterápicos (5,6 %) e terapia a laser de baixa intensidade (5,6 %).
Nos estudos que envolvem apiterapia, destaca-se o Mel Manuka (MM) (5,6 %), que, em um estudo 24, apresentou desfecho positivo e, em outro 27 (5,6 %), com amostra de 368 participantes, houve pior desempenho em relação ao grupo controle (GC) e foi, inclusive, mais oneroso. Em ambas as intervenções, em úlceras venosas, utilizaram-se o MM impregnado à cobertura primária que no estudo com melhores resultados não é descrita e, no segundo, alginato de cálcio. Em ambos, o tempo de seguimento e periodicidade de avaliação foram os mesmos, no entanto não está clara a periodicidade de troca no estudo com impregnação do MM ao alginato de cálcio.
Quanto à descrição da população estudada, predominaram pessoas com 60 anos ou mais (77,8 %); idade não informada em 1 (5,6 %) estudo e, faixa etária de 50 a 78 anos, em 1 (5,6 %) estudo. Quanto ao sexo, identificaram-se 8 (44, %) estudos com predomínio de participantes do sexo feminino e 6 (33,3 %) em que esse dado não foi apresentado. Em 17 (94,4 %) estudos, realizaram-se intervenções a pessoas com úlceras de perna e apenas 1 (5,6 %) estudo envolveu pessoas com lesões por pressão.
Dos estudos de úlceras de perna, 12 (66,7 %) abordavam úlceras venosas e 5 (27,8 %) úlceras por complicação isquémica/ neuroisquêmica decorrentes de diabetes mellitus. O número total de participantes variou de 5 a 368, predominando amostras maiores que 20 a 50 indivíduos (61,1 %) (Quadro 1).
Como desfechos, os estudos investigaram predominantemente a análise da eficácia e segurança das intervenções propostas (55,6 %). Em 4 (22,2 %), mencionam-se especificamente a cicatrização das lesões; os efeitos no controle microbiológico em dois (11,1 %); os efeitos histológicos em 1 (5,6 %); a descrição clínica das lesões associadas à intervenção conjuntamente à cicatrização em um mesmo estudo em 1 (5,6 %) e o teste de sistema indutor de cicatrização em 1 (5,6 %).
Em relação aos resultados dos estudos, considerando as intervenções propostas, predominaram efeitos positivos aos grupos experimentais identificados por epitelização completa apresentada em 7 (38,9 %) estudos, redução da área das lesões em 9 (50,0 %), tempo menor de cicatrização em 3 (16,6 %), diminuição de necrose em 2 (11,1 %), redução de carga microbiana ou sinais flogísticos em 2 (11,1 %) e melhora da dor em 1 (5,5 %).
Três (16,6 %) estudos apontaram ausência de melhora mediante diferença estatisticamente significativa. Houve, ainda, 1 (5,5 %) estudo em que o tempo de cicatrização e os custos do tratamento foram maiores entre os participantes do grupo experimental (GE) que entre os do grupo de controle (GC). Em 1 estudo (5,5 %), foi descrito arquétipo de menor complexidade entre participantes em uso de fitoterápico. O tempo de seguimento dos estudos variou de 2 a 30 semanas; em 11 (61,1 %) estudos, entre 5 e 24 semanas.
Quanto ao nível de evidência dos estudos, predominaram estudos experimentais (77,8 %) como esperado pelos critérios de inclusão estabelecidos nesta revisão. Ressaltam-se, porém, fragilidades na descrição metodológica de vários dos estudos.
Discussão
A proporção discrepante entre artigos identificados e incluídos demonstra a dificuldade de realizar estudos de revisão integrativa da literatura que respondam a questões incomuns. Bases de dados temáticas como a BVS-MTCI podem otimizar o levantamento de estudos e evitar o baixo aproveitamento final a partir do volumoso número de artigos encontrados na busca, como observado na presente revisão.
Considerando o maior número de estudos por país, o Brasil se destacou entre todos e especialmente entre os relacionados aos fitoterápicos para o tratamento de feridas. Esse fato pode ser explicado pela biodiversidade e pelos aspectos culturais desse país que favorecem a franca disponibilidade desses recursos aos pesquisadores 2, mesmo mediante as fragilidades legais dos sistemas de saúde para o aproveitamento dessa tecnologia 13.
Outros estudos também apresentaram modalidades de PICS correspondentes às regiões onde foram desenvolvidos os estudos. Nesse sentido, como pressuposto das racionalidades em saúde, as PICS devem representar também o fortalecimento de saberes e ações populares regionais, que necessitam ser permanentemente investigadas para subsidiar intervenções baseadas em evidência científica 2.
Da diversidade de PICS elencadas pela OMS, três modalidades foram identificadas nesta revisão para o atendimento de pessoas com feridas crônicas. Encontraram-se vários estudos com outras modalidades no processo de inclusão, mas com desenho metodológico inadequado para as análises requeridas neste estudo, o que sugere algumas suposições.
Primeiramente, há de se ressaltar o possível privilégio para a inclusão de determinadas abordagens metodológicas dos estudos para indicar evidências científicas, sendo que, para algumas modalidades de PICS, a análise quantitativa é dificultada. Portanto, é preciso considerar a reflexão sobre as conduções metodológicas mais adequadas para estudos que envolvam PICS para uma apresentação mais assertiva destas, no tocante à análise de evidências.
Por outro lado, há realmente fragilidades metodológicas em alguns estudos que dificultam as análises mais profundas e implementação das técnicas em outros contextos. Mas é possível, ainda, cogitar que a compreensão da assistência a pessoas com feridas seja direcionada a intervenções tópicas. A totalidade dos desfechos dos estudos incluídos nesta revisão, os quais estão relacionados à cicatrização ou aos resultados clínicos que envolvem as condições das úlceras, evidencia essa compreensão. Assim, não foram encontradas pesquisas com PICS que abordassem o indivíduo com ferida crônica de forma mais holística.
Mesmo as modalidades de PICS identificadas nos estudos foram apresentadas dissociadas de uma abordagem mais ampla que envolvesse intervenções de dimensões para além da biofisiológica, como recomendado em documentos de consenso 30-32. A fitoterapia, predominante entre as PICS dos estudos, assim como o uso de plantas medicinais, é utilizada na abordagem antroposófica e na medicina tradicional chinesa, esta última originou outras modalidades de PICS.
Dessa forma, distancia-se a compreensão dos modelos conceituais que rompem com a racionalidade biomédica vigente, a qual tende a desconsiderar a unicidade do ser humano e a necessidade de uma abordagem integral 2. Esse achado indica a necessidade crescente de ampliar a avaliação e intervenções dessa clientela para além do tratamento tópico. A inclusão de PICS pode promover essa abordagem mais ampliada a partir da multidisciplinaridade, da interdisciplinaridade, bem como do empode-ramento da própria população com feridas crônicas 33-34. Para tanto, é imprescindível que a equipe multiprofissional se motive e se instrumentalize para essa modalidade de atenção.
Quanto à fitoterapia, observa-se maior avanço organizacional para esse atendimento em vários cenários mundiais. No Brasil, há dois grandes marcos: a PNPIC no SUS e o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos 33,35. Esses marcos foram decorrentes de movimentos internacionais anteriores, a Declaração de Alma-Ata na Conferência Internacional sobre Atenção Primária em Saúde, que recomendou aos estados-membros o desenvolvimento de políticas e regulamentações nacionais para o uso de produtos tradicionais com comprovação de eficácia e para o treinamento sobre o uso na atenção primária à saúde 37-39. Posteriormente, a OMS criou o Programa de Medicina Tradicional com o objetivo de facilitar a integração da MTC 37-40.
Assim, no Brasil, em 2006, é publicada a PNPIC e lançado o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos a fim de garantir o acesso seguro e o uso racional desses recursos. Nessa mesma direção, foram elaboradas políticas nacionais relacionadas ao uso de plantas medicinais e fitoterápicos nos países onde se identificaram estudos nesta revisão 37-39.
No México, iniciou-se o Programa Nacional de Plantas Medicinales (PRONAPLAMED) em 1999, realizado por membros da Red Mexicana de Plantas Medicinales y Aromáticas SCL (REDMEX-PLAM), da qual participam camponeses, profissionais da área da saúde, pesquisadores que desenvolvem atividades de formação e articulação política local nessa temática 40.
Devido às características climáticas e do solo, a Sérvia apresenta ampla diversidade de espécies de plantas medicinais por área, comparada aos outros países europeus, como observado no estudo identificado desse país 17. A regulação quanto ao uso clínico seguro, em pesquisas e no comércio de plantas medicinais, de produtos homeopáticos, assim como a outras modalidades de PICS é realizada pela CAMbrella, uma agência de regulação de países europeus e da União Europeia, gerenciada pela Norway's National Research Center in Complementary and Alternative Medicine (NAFKAM) 41.
Marcos normativos que regulamentam o uso de plantas medicinais/fitoterapia e a prática das demais modalidades de PICS têm sido revisados na Austrália. Para a China, a dinâmica da rede de assistência à saúde inclui a medicina tradicional conjuntamente à convencional, em todos os níveis de atenção 2.
Em termos conceituais, a planta medicinal representa uma espécie vegetal, cultivada ou não, utilizada com propósitos terapêuticos. A planta fresca é aquela coletada no momento de uso, e a planta seca a que foi precedida de secagem e equivale à droga vegetal 33. A fitoterapia, por sua vez, é definida como "terapia com plantas medicinais de diferentes formas farmacêuticas, sem utilização de substâncias ativas isoladas, ainda que de origem vegetal" 38.
A utilização de plantas como terapia e cura é uma prática antiga. As sociedades acumulavam informações e experiências acerca do ambiente no qual viviam, e, através disso, interagiam com este, como forma de atender às suas necessidades e como forma de sobrevivência 33-34. As plantas medicinais são aquelas que produzem princípio ativo capaz de alterar o funcionamento de órgãos e sistemas 33-34,37-38.
Dessa forma, o valor terapêutico e utilização das plantas medicinais recomendada pelos profissionais de saúde vêm se estabelecendo progressivamente de forma sistematizada. Porém, o papel do enfermeiro ante a questão ainda é deficiente pela falta de conhecimento científico e apropriação desse saber. Assim, figuras populares assumem essa função, como o raizeiro, que manipula e comercializa plantas medicinais e, consequentemente, populariza essa terapia 33-34. Isso reforça a necessidade de pesquisas clínicas para a utilização de forma segura, pois o uso inadequado, mesmo que de baixa toxicidade, pode induzir distúrbios graves desde que preexistam outros fatores de risco 33-35.
Vários fitoterápicos já são comercializados por indústrias farmacêuticas para o tratamento de feridas, como a biomembrana vegetal, desenvolvida a partir do látex da seringueira (Hevea brasiliensis), árvore comum da região norte do Brasil. Há descrito efeito de indução do processo cicatricial, principalmente no estágio inflamatório, que são confirmados resultados das lesões nos estudos incluídos que usaram esse fitoterápico 14,16.
Os extratos de Calendula officinalis e Mimosa tenuiflora demonstraram efeitos positivos para a cicatrização das lesões e foram os fitoterápicos identificados em mais de um estudo. O extrato etanólico da casca da Mimosa tenuiflora é rico em polifenóis, principalmente taninos, que possuem um poder adstringente e hemostático, ou seja, favorece que as proteínas da região lesada se precipitem, ao formar um revestimento protetor contra o crescimento de micro-organismos e promover uma ação antisséptica 42. O extrato de flores de Calendula officinalis contém como principais componentes bioativos os flavonoides, que possuem ação antioxidante e anti-inflamatória, que favorecem o processo de cicatrização 43.
Além dos fitoterápicos, destacaram-se os seguimentos da apiterapia, prática que utiliza derivados de abelhas para fins terapêuticos 2. Entre esses derivados, estão o próprio mel e o própolis, os quais foram identificados em estudos desta revisão. O uso do mel é eficaz tanto na formain natura quanto na processada e esterilizada como anti-inflamatório, na redução de edema, na quimiotaxia de macrófagos, na proliferação de angioblastos e fibroblastos e na atividade antimicrobiana; ainda, pode ser uma alternativa de baixo custo 24-27.
Além da osmolaridade e da acidez, a ação antimicrobiana do mel e do própolis é decorrente de fitoquímicos que estão em sua composição, entre os quais flavonoides, também presentes nos fitoterápicos. Mediante os resultados de apiterapia, há de se considerar a necessidade de descrição nos estudos da análise melissopalinológica, em que é analisada a pureza do mel, sendo descrita em apenas um desses. A cobertura primária a que o mel foi impregnado também configura possibilidade de interferência nos resultados dos estudos com o MM. Ainda, a própria proveniência do mel - Manuka, polifloral - e o de Ulmo - unifloral - pode contribuir para o desempenho superior deste último entre os estudos apresentados 24-25,27.
Pondera-se, por outro lado, que, apesar de as condições clínicas das lesões serem mais complexas, no estudo com o mel de Ulmo, a amostra foi expressivamente menor (4,9 % e 16,7 % da população dos estudos com o MM). Mas há de se considerar a sugestão dos autores de que o uso oral da vitamina C pode potencializar a ação anti-inflamatória do mel 25.
A variabilidade dos parâmetros utilizados nos estudos para avaliar as condições de cicatrização das lesões impossibilita análises mais aprofundadas para a avaliação conjunta das tecnologias investigadas. Variações de descrição entre os próprios grupos (GE-GC), além de um estudo para outro, prejudicaram comparações. Observou-se descrição da área total da úlcera e da área média, do índice de contração da úlcera e, ainda, da média desse índice. Além disso, a não descrição dos tecidos inviabiliza avaliar o desempenho mais amplo da intervenção. Os dados sociodemográficos e clínicos também são desigualmente apresentados nos estudos, o que impossibilita analisar alguma interveniência desses aspectos sobre as PICS.
De qualquer forma, aponta-se a necessidade de mais estudos comprobatórios da eficácia dessas tecnologias para a cicatrização de feridas crônicas, com base em parâmetros clínicos, uma vez que menor complexidade das lesões, como pequenas áreas, indicam maior probabilidade de epitelização completa. A partir disso, infere-se que os estudos ainda apresentam baixo nível de evidência científica e impossibilitam a indicação das tecnologias, assim como o estabelecimento de critérios clínicos para a respectiva indicação.
Faz-se imprescindível a reflexão de que a cronicidade das feridas estudadas representa resultado de complexidade clínica importante, a qual prejudica a própria evolução positiva dos casos. Dessa forma, por diversas vezes, a cicatrização pode não ser o desfecho possível, mas outros não devem ser desconsiderados na perspectiva da abordagem holística ou integral do indivíduo. Compreende-se, assim, a necessidade de investigações dos desfechos relacionados às dimensões para além das biofisiológicas, no que diz respeito à tecnologia utilizada bem como às evidências identificadas.
Importante ressaltar que em todos os estudos, além das PICS, foram consideradas intervenções direcionadas à situação clínica etiológica das úlceras, como terapia compressiva, para as úlceras de perna de origem venosa e para o gerenciamento da mudança de decúbito nas úlceras por pressão. Isso deve ser compreendido como integralidade da assistência tanto quanto as intervenções mais abrangentes de dimensões sociopsicoemocionais.
Conclusão
As PICS identificadas na literatura para o tratamento de pessoas com feridas crônicas foram fitoterapia, apiterapia e ozonioterapia. Os desfechos clínicos envolviam a cicatrização das lesões, sem implicar dimensões humanas mais amplas dessas populações. Da mesma forma, os estudos não descreveram o uso dessas modalidades de PICS em um contexto de abordagem holística, dissociando-as dos pressupostos da MTC.
De qualquer forma, aponta-se a necessidade de mais estudos comprobatórios da eficácia dessas tecnologias para a cicatrização de feridas crônicas, a partir de parâmetros clínicos, uma vez que a menor complexidade das lesões, como pequenas áreas, indicam, isoladamente, maior probabilidade de epitelização completa.
Novos estudos, mesmo com PICS já consagradas pela literatura científica, como acupuntura, necessitam ser desenvolvidos para sustentar a indicação e respectivo estabelecimento de critérios clínicos dessas tecnologias ou, ao menos, sua descrição, direcionados à população com feridas crônicas.
As diversas modalidades de PICS identificadas nos estudos, mesmo as de tratamento tópico de feridas, reforçam o campo promissor de atuação do enfermeiro que precisa ser explorado e avançar no protagonismo. No entanto, ainda são necessárias mais pesquisas clínicas que abordem lesões mais complexas, a fim de sustentar maiores níveis de evidência.