Introdução
A família é um dos núcleos básicos da sociedade, sendo formada por pessoas com ancestrais em comum ou com laços afetivos que exercem um papel de grande influência na vida de seus membros (Roudinesco, 2003). Nas últimas décadas, assistimos muitas transformações no modelo tradicional de família devido às mudanças históricas e ao desenvolvimento da sociedade (Silva & Gontijo, 2016) tanto na sua estrutura quanto na maneira de interagir entre seus membros, ganhando novos contornos e alterando a composição da dinâmica familiar (Macías, Orozco, Amarís & Zambrano, 2013; Peres, 2014; Roudinesco, 2003).
A estrutura familiar considerada tradicional, na qual o pai saía para trabalhar fora e era o único provedor, mudou; as mulheres que antes eram responsáveis apenas pelo cuidado dos filhos e trabalhos domésticos passaram a trabalhar fora de casa, o que fez surgir um novo processo de adaptação (Silva & Gontijo, 2016; Valenzuela, Ferrada, Veja & Figueroa, 2016) e, por consequência, um aumento nas separações e divórcios (Jonas, 2017). Com estes processos, surgem os problemas de guarda, o relacionamento conjugal entre os pais acaba, mas o relacionamento parental continua (Jonas, 2017; Weaver & Schofield, 2015).
Quando ocorre a dissolução conjugal, estabelece-se o sistema de guardas e com isso a divisão de responsabilidades entre os cônjuges. O problema ocorre quando convivência entre os ex-cônjuges não é harmônica, o que acarreta dificuldades na vida dos filhos (Weaver & Schofield, 2015). Um dos problemas que se tornou comum nas varas judiciais nesses casos é a Alienação Parental - AP (Trindade, 2014). Nos últimos anos, as demandas relacionadas aos casos de AP cresceram consideravelmente tanto nas disputas jurídicas por custódia quanto nos consultórios de psicologia em decorrência do aumento no número de separações e divórcios. Tal fenômeno contribui para a desorganização da estrutura familiar (Andrade & Nojiri, 2016; Weaver & Schofield, 2015).
A AP pode ser definida como o ato de induzir a criança a aliar-se intensamente a um dos genitores de maneira a coagir a criança ou adolescente a rejeitar o outro genitor sem uma justificativa plausível e legítima causando prejuízo à manutenção do vínculo. É um processo que abarca um grande envolvimento emocional e pode gerar várias consequências na formação psicológica da criança envolvida, podendo causar mais danos que a própria separação, danos estes que podem perdurar por toda a vida (Darnal, 2011; Scharp, 2016; Sher, 2015). Os danos causados pela AP são muitos e se manifestam nas várias esferas da vida da vítima. É comum que tais danos afetem a vida escolar (e.g. baixo rendimento, conduta agressiva) visto que a criança e o adolescente passam grande parte de seu tempo na escola (Darnal, 2011; Paterra & Rodrigues 2014).
Cabe ressaltar que ainda não existe total consenso na literatura sobre a definição de AP. Além disso, também existem confusões conceituais entre AP e Síndrome de Alienação Parental - SAP (Scharp, 2016; Templer, Matthewson, Haines & Cox, 2016; Trindade, 2014). A SAP se refere aos sintomas apresentados pelas crianças e pelos adolescentes em decorrência de AP. Surgiu através de estudos do psiquiatra norte-americano Richard Gardner, que observou e escreveu sobre a manifestação de sintomas mais frequentes nas crianças durante as disputas de custódia e guarda judicial (Gardner, 1999; Trindade, 2014).
No Brasil, as condutas e os atos referentes à AP são tipificados e regulados por lei e são sujeitos a sanções quando ocorrem, pois são considerados uma forma abusiva de interferência no convívio com o outro genitor sendo uma forma grave de violência psicológica (Santos & Burd, 2018). Os casos de AP, no Brasil, são amparados pela Lei n° 12.318, sancionada em 2010. Os seus artigos 2 e 3 dispõem sobre o que pode configurar alienação parental, in verbis:
“(1) realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; (2) dificultar o exercício da paternidade ou maternidade; (3) dificultar o contato da criança ou adolescente com o genitor; (4) dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; (5) omitir deliberadamente ao genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; (6) apresentar falsa denúncia contra o genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; e (7) mudar o domicilio para local distante, sem justificativa, visando dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós” (Brasil, 2010).
A Lei n° 12.318 é embasada na literatura científica a qual sugere que as formas de AP ocorrem de forma similar ou idêntica às descritas na lei (Gardner, 1999; Templer et al. , 2016; Trindade, 2014). É curioso que a literatura científica tenha sido utilizada para formulação de uma lei que defina a configuração de AP (Brasil, 2010), mas até o momento ignorada no que diz respeito à necessidade de acompanhamento psicológico durante os casos de AP (Templer et al. , 2016).
Visto que a AP é uma demanda com alta prevalência (Harman, Leder-Elder & Biringen, 2016) a qual provoca consequências devastadoras na vida dos envolvidos, saber mais sobre as motivações dos pais alienadores é fundamental para que seja possível auxiliar de forma preventiva nas demandas de saúde, psicológicas, judiciais e pedagógicas com o intuito de promover um convívio familiar saudável (Harman, Leder-Elder et al. , 2016; Jonas, 2017). Tendo em vista este cenário, este estudo tem como objetivo investigar quais são os sentimentos e os traços de personalidade presentes nos genitores que podem contribuir para a realização da AP.
Método
Foi realizada uma revisão integrativa da literatura a qual tem por objetivo agrupar os resultados de pesquisas relacionadas a determinado tema sintetizando e analisando criticamente os resultados dos estudos publicados e possibilitando o surgimento de novas conclusões e direções para pesquisas futuras dentro da área pesquisada (Mendes, Silveira & Galvão, 2008).
As buscas por artigos foram realizadas em periódicos nacionais e internacionais indexados nas seguintes bases de dados: Biblioteca Virtual em Saúde (Bvs); Portal de Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC); ScientificElectronic Library Online (SciELO); US National Library of Medicine and National Institutes of Health (PubMed) e American Psychological Association database (PsycINFO).
O descritor utilizado para este estudo foi: “Parental Alienation”. Inicialmente também foram realizadas buscas cruzando outros descritores como (Parental alienation and personality and feelings or emotions), contudo, foi encontrado um número maior de artigos através da utilização apenas do termo “Parental Alienation”. Essa nova busca contemplou todos os artigos encontrados na busca anterior e adicionou novos. As buscas foram realizadas em junho de 2019 por dois avaliadores independentes.
Critérios de incluso
1) estudos empíricos em português, espanhol e inglês; 2) disponíveis na íntegra mediante a utilização do sistema OMNIS fornecido pela biblioteca da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); e 3) apresentar resultados relacionados a pelos menos uma das variáveis investigadas nessa revisão (e.g. traços de personalidade ou sentimentos).
“O OMNIS é uma ferramenta que permite buscar e acessar milhões de informações de diversas áreas do conhecimento disponíveis nos documentos do acervo da Biblioteca da PUCRS, nos artigos científicos do Portal de Periódicos da Capes, nas diversas bases de dados assinadas pela Universidade e nas coleções de documentos eletrônicos de acesso livre” (OMNIS, 2019).
Resultados
A partir da utilização do descritor e inserindo os filtros português, espanhol, inglês e textos completos, foram encontrados 59 artigos na Bvs. O único filtro utilizado na base de dados PsycINFO foi o de publication type (Peer Reviewed Journal) por meio do qual foram localizados 275 estudos. Foram localizados 05 artigos na base de dados Pepsic, 31 artigos na Scielo e 48 artigos na Pubmed. Não foram utilizados filtros nestas bases de dados devido ao baixo número de artigos encontrados e ao fato de que as bases Pepsic e Pubmed não apresentam a opção de filtro por tipo de documento. A Figura 1 descreve detalhadamente os passos realizados durante o processo de seleção dos artigos incluídos nessa revisão.
A Tabela 1 apresenta uma síntese dos principais dados dos 09 estudos selecionados. Os estudos foram identificados por meio de números ordinais (1, 2, 3. . .) os quais serão utilizados como referência ao longo das demais tabelas no decorrer desta revisão.
Observa-se a partir do conteúdo exposto na Tabela 1 que três dos artigos são quantitativos (33,3%), três são qualitativos (33,3%) e três são documentais (33,3%). Além disso, seis dos estudos foram realizados no Brasil (66,6%) e os outros três, no exterior (33,3%). A Figura 2 apresenta os sentimentos identificados como associados à AP e o número de artigos que menciona cada um deles.
Constata-se que, dos nove estudos analisados, todos apontaram a mãe como alienadora; apenas quatro sugeriram que o pai também foi alienador (Faccini & Ramires, 2012; Fermann et al. , 2017; Fermann & Habigzang, 2016; Harman, Biringen et al. , 2016). Um dos possíveis motivos para essa discrepância está associado ao fato de as mães alienadoras serem aceitas de forma mais positiva e menos penalizadas pela sociedade. Já o pai como alienador é visto de forma muito negativa pela sociedade e só é um pouco melhor aceito quando a mãe apresenta problemas psicológicos latentes (Harman, Biringen et al. , 2016).
Outro atenuante é o fato de que geralmente são as mães que ficam com a guarda dos filhos. Elas possuem um convívio muito maior com a criança e têm mais facilidade para influenciar o comportamento da criança ou adolescente (Fermann & Habigzang, 2016; Harman, Biringen et al. , 2016). Por outro lado, quando o pai é o alienador, normalmente ele está em um novo relacionamento amoroso (Fermann & Habigzang, 2016).
Ademais, todos os pais participantes do estudo de Damiani e Ramires (2016), os quais foram considerados alienados, apresentavam sintomas depressivos. Já as mães alienadoras possuíam histórico de dificuldades de relacionamento pregresso à separação demonstrando principalmente comportamentos imaturos e impulsivos. Destaca-se ainda que conclusões sobre possíveis diferenças de gênero na AP devem ser observadas com cautela, em especial pelo fato de que alguns autores citados utilizaram amostras compostas exclusivamente por mulheres (Carvalho et al. , 2017) ou não especificaram claramente se os sentimentos e comportamentos observados diziam respeito à mãe ou ao pai, sendo comum o uso da expressão “genitores alienadores” de forma unissex (Damiani & Rodrigues, 2016; Fermann & Habigzang, 2016; Suárez, 2011).
A partir da análise criteriosa dos resultados dos nove artigos incluídos nesta revisão, visando à melhor organização possível, foram elaboradas quatro categorias para a apresentação e discussão dos resultados. As categorias referentes às esferas de sentimentos foram constituídas levando em consideração o modelo teórico sugerido por Dalgalarrondo (2008) o qual conta com: 1) sentimentos da esfera da agressividade; 2) sentimentos da esfera da tristeza; 3) sentimentos associados ao Perigo. Por fim, foi formulada uma quarta categoria relacionada aos traços de personalidade associados à AP.
Sentimentos associados à AP da esfera da agressividade
A maioria dos estudos (n = 7) apontam a presença de sentimentos da esfera da agressividade. Principalmente a raiva e a vingança parecem contribuir para a ocorrência dos comportamentos alienantes, estando este sentimento relacionado a brigas e a conflitos durante toda a união ou a partir de seu rompimento (Damiani & Ramires, 2016; Fermann et al. , 2017).
O sentimento de vingança e desejo de dificultar o convívio da criança com o outro genitor costuma estar presente em relacionamentos conturbados, permeados de agressões físicas e psicológicas, com maus tratos recíprocos, em que os genitores passam a ofender-se e a desqualificar-se mutuamente. Além disso, a inconformidade em relação ao divórcio também pode gerar sentimentos de raiva e vingança (Fermann et al. , 2017).
Alguns alienadores apresentam características em comum, como sentimentos de impotência, rivalidade, vínculos afetivos frágeis e histórias de perdas/rompimentos precoces e traumáticos. Essas características podem contribuir para o surgimento dos sentimentos de ressentimento (Damiani & Ramires, 2016) e raiva frente à ansiedade de separação do filho, a qual pode prejudicar o controle de impulsos e resultar em xingamentos e ameaças contra o genitor alienado (Damiani & Ramires, 2016; Faccini & Ramires, 2012).
Observa-se assim que as genitoras com histórico de traumas durante a infância tendem a apresentar o apego inseguro, o qual contribui para o aumento da dificuldade em aceitar perdas e em romper vínculos. E comum que, em decorrência desta forma de apego, não consigam separar suas necessidades e sentimentos pessoais das necessidades e sentimentos dos filhos (Faccini & Ramires, 2012).
A campanha difamatória contra o ex-parceiro e contra a família deste é usada de diversas formas: difamações, injúrias e mentiras sem mensuração de prejuízos chegando ao ponto de incentivar o filho a acreditar que gostar do outro genitor é algo errado. As falas de que o genitor é doente e perigoso costumam estar associadas ao sentimento de raiva (Harman, Biringen et al. , 2016). Também é possível que a raiva, assim como outros sentimentos hostis, surja pelo fato de a criança conviver com outros membros da família do genitor, como tios e avós (Damiani & Ramires, 2016; Suárez, 2011). Destaca-se que o surgimento da raiva direcionada ao ex-cônjuge e à sua família é mais comum em genitores com instabilidade emocional (Suárez, 2011).
Além disso, outros autores mencionam novos relacionamentos como um dos principais motivos para prática da AP durante e após a separação. Um relacionamento novo após a separação, mesmo sem traição prévia, costuma motivar o início de uma campanha difamatória contra o ex-cônjuge sendo sugerido pelos entrevistados que essas campanhas costumam ser motivadas pela frustração (Montezuma, Pereira & Melo, 2017).
Esses comportamentos sabotadores costumam ser utilizados mais pelas mães, que exigem uma espécie de fidelidade do filho, sugerindo que quando o filho “prefere o outro” está agindo errado. Comportamentos como oferecer presentes para os filhos não saírem com o pai, marcar um compromisso no mesmo horário do passeio com o outro genitor, omitir informações escolares e médicas são comuns nos casos de AP. A genitora promove confrontos entre o filho e o ex-cônjuge empenhando-se com persistência em limitar ao máximo o contato com o outro genitor por meio da prática difamatória (Carvalho et al. , 2017).
Em linhas gerais, observa-se que, quando o casamento ou a união se extingue, muitas vezes, surgem sentimentos de frustração pelo tempo investido/perdido e alguns genitores não apresentam resiliência suficiente (i.e. , capacidade de adaptar-se às adversidades, de aprender com elas e de conseguir superá-las) para manejar tal situação. A frustração costuma manifestar-se junto à raiva e à vingança acarretando comportamentos agressivos e conflituosos que abarrotam as varas de família com processos relacionados a medidas protetivas de afastamento do ex-cônjuge, a guerra de partilhas de bens, a pensão alimentícia e inserida no cerne a AP (Montezuma et al. , 2017).
Sentimentos associados à AP da esfera da tristeza
Dentre os estudos, alguns apontaram para a presença de sentimentos da esfera da tristeza (n = 3). Um dos principais é a própria tristeza, apontada como responsável pela realização dos comportamentos alienantes, devido às dificuldades de ajustamento social e de redução do senso de bem-estar após o divórcio (Johnston, 2003). Nesta mesma linha, foi observado que em alguns casos a genitora apresentava sintomas depressivos (e.g. tristeza) e fazia tratamento psiquiátrico para tentar sentir-se melhor (Fermann & Habigzang, 2016).
Foi sugerido ainda que a falta de discernimento e de recursos internos, somados a sentimentos de baixa autoestima, acabam contribuindo para o comprometimento do funcionamento psicológico no qual o genitor não dá conta das mudanças geradas pela separação. Além disso, foi possível identificar, por meio do levantamento do teste de Rorschach, desordens no pensamento, índices de depressão e de ideação suicida nos genitores. O teste evidenciou também sentimentos de ressentimento e de tristeza diante de traições e de fatos ocorridos no decorrer do casamento, assim como problemas relacionados a filhos de casamentos anteriores (Damiani & Ramires, 2016).
Sentimentos associados à AP da esfera do perigo
Um terço dos estudos selecionados apontam para sentimentos associados ao perigo (n = 3). Os pais alienadores podem apresentar sentimentos de angústia e de ansiedade diante das dificuldades e das mudanças sofridas pela separação. Tal fato pode ser observado frente à presença de indicadores de apego inseguro, o que possibilita a ocorrência de distorções dos acontecimentos acompanhados do medo de enfrentar a perda e a angústia de separação relacionada a rompimentos muito precoces com seus pais (Damiani & Ramires, 2016; Faccini & Ramires, 2012). Mediante as vulnerabilidades que emergem durante o divórcio motivadas pelas mudanças de vida e perdas, surge a ansiedade de perda do objeto. Esta, por vezes, remete a outras perdas e a separações que ocorreram durante a infância do alienador. Isso acaba por contribuir para que o alienador utilize defesas primitivas como negação, evitação, clivagem e projeção (Damiani & Ramires, 2016).
No que diz respeito à mãe que possui um único filho, observam-se sentimentos de insegurança (Faccini & Ramires, 2012), medo de perder o único filho ou ter de afastar-se dele. Esse medo de perder o filho pode contribuir para a realização de condutas de AP (e.g. alegações infundadas de que o outro genitor é perigoso ou não ama seu filho). Destaca-se que tais acusações são comumente apresentadas na frente das crianças durante os processos judiciais (Fermann & Habigzang, 2016).
Traços de personalidade associados à AP
Dois dos estudos apontaram a presença de traços narcisistas nas genitoras com características de falta de empatia, vaidade, orgulho e sentimentos hostis em relação ao ex-marido. As genitoras apresentavam ainda, ansiedade de separação pela perda do objeto atrelada a um núcleo simbiótico, assim como dificuldades de estabelecer e manter relacionamentos estáveis (Damiani & Ramires, 2016; Suárez, 2011).
Além disso, dois dos estudos também observaram a presença de traços de personalidade histriônica, em especial, valorizações, reações exageradas a acontecimentos superficiais e defesas primitivas. Durante as entrevistas, as mães com essas características não foram cooperativas nem receptivas (Fermann et al. , 2017; Suárez, 2011). Por fim, também foram apontados traços de personalidade paranoide em alguns alienadores, os quais apresentavam debilidade superegóica, comportamentos disfuncionais e comportamento manipulador ao utilizarem a criança como objeto de vingança (Damiani & Ramires, 2016; Fermann et al. , 2017; Suárez, 2011). Contudo, destaca-se que um desses estudos avaliou os laudos de processos judiciais e percebeu que, embora ocorressem menções a traçõs de personalidade histriônica e paranoide, tais afirmações foram realizadas com base em entrevistas e sem a aplicação de testes psicológicos (Fermann et al. , 2017).
Discussão
Com base nos resultados desta revisão, é possível observar que os sentimentos e, sobretudo a falta de um freio inibitório, assim como alguns traços de personalidade, podem contribuir para que os pais exerçam a AP. Cabe salientar que ainda estamos muito longe de um desfecho mais concreto para tal assunto havendo diferentes entendimentos sobre as motivações por trás da AP (Kruk, 2016; Poustie, Matthewson & Balmer, 2018; Templer et al. , 2016).
Contudo, todos os estudos incluídos nesta revisão apontaram que os sentimentos, em suas mais diversas esferas, desempenham um papel contribuinte importante na realização da AP. Este achado vai ao encontro de estudos atuais os quais sugerem que os pais que praticam AP comumente apresentam altos níveis de estresse (Poustie et al. , 2018), assim como sentimentos de frustração, perda, medo, rejeição e desesperança (Schwartz, 2015; Kruk, 2016). Porém os resultados desta revisão sugerem outros sentimentos como mais frequentes nos pais que praticam AP (ansiedade, vingança, raiva e tristeza).
Para Kruk (2016), a rejeição costuma ser um dos sentimentos mais comuns, em situações em que um dos cônjuges não aceita bem o divórcio. Muitas vezes, esse descontentamento contribui para que um dos genitores utilize os filhos como ferramenta para atingir o ex-companheiro de maneira que ele seja rejeitado da mesma forma que o outro foi. Esse tipo de comportamento é definido por Gardner (1999) como “campanha difamatória” a qual costuma estar relacionada a sentimentos destrutivos com o intuito de atacar e de afastar o ex-cônjuge de seus filhos. Kruk (2016) destaca que essas campanhas podem estar associadas a um desejo de reatar o casamento uma vez que este luto ainda não foi bem elaborado.
Cabe ressaltar que em alguns casos os alienadores se tornam cientes de seu comportamento abusivo e chegam a buscar ajuda psicológica. Contudo, esta ajuda não costuma ser muito ofertada (Johnston, 2003; Kurk, 2016) sendo menos frequente ainda no cenário brasileiro (Montezuma et al. , 2017; Soma, Castro, Williams & Tannús, 2016). Uma das explicações para a baixa oferta de atendimento psicológico nos casos de AP está atrelada à escassez de produção científica que fundamente tal necessidade (Soma et al. , 2016; Templer et al. , 2016).
Dentro deste contexto, uma revisão de toda a literatura brasileira sobre AP encontrou apenas 13 artigos publicados sendo que nove eram estudos teóricos (Soma et al. , 2016). Contudo, tal cenário não é característico apenas do Brasil visto que uma revisão sistemática com o objetivo revisar a literatura referente à alienação parental para determinar as melhores práticas para terapeutas e profissionais do direito localizou apenas 10 estudos que propuseram alguma intervenção (psicológica ou jurídica) para a AP (Templer et al. , 2016).
Além disso, existem diferentes formas de entendimento em relação à AP por psicólogos e colaboradores do direito. Os psicólogos envolvidos no meio judiciário costumam levar em consideração as questões emocionais presentes nos casos de AP. Já os integrantes da esfera judicial costumam considerar mais as questões comportamentais e os atos propriamente ditos (Montezuma et al. , 2017). Nesse sentido, é essencial que os psicólogos pode passar a ideia de que o psicólogo não trabalha com questões comportamentais. tentem comunicar aos profissionais das áreas jurídicas os aspectos emocionais contribuindo para que busquem uma visão mais ampla dos casos de AP.
Essa distinção de entendimentos em relação ao que configura AP pode acarretar discussões dicotômicas entre a relevância das questões internas e externas que permeiam o indivíduo e toda sua família (Peres, 2014). Contudo, embora essas discussões estejam longe de um final, existem autores que apontam a importância da parceria entre Psicologia e Direito (Brauner & Cabral Júnior, 2017; Soares & Cardoso, 2016). Sendo de fundamental importância tanto a presença de um psicólogo capacitado nos contextos éticos, teóricos e técnicos dentro da esfera jurídica (Barreto & Silva, 2011; Faraj, Siqueira & Arpini, 2016; Fermann et al. , 2017) como o ensino da psicologia durante a graduação de Direito (Soares & Cardoso, 2016).
Destaca-se que o Conselho Federal de Psicologia do Brasil (CFP) já possui legislação específica sobre a atuação do psicólogo nas varas de família apresentando de forma extensa todas as possíveis dimensões da atuação do psicólogo neste contexto, além das indicações éticas e políticas (CFP, 2010). No entanto, muito ainda precisa ser pensado e realizado para estreitar os vínculos entre Psicologia e Direito (Brauner & Cabral Júnior, 2017; Faraj et al. , 2016; Soares & Cardoso, 2016).
Outro ponto relacionado aos sentimentos, brevemente sugerido em apenas dois dos estudos analisados nesta revisão, diz respeito às falsas memórias. Foi sugerido que a ansiedade de separação pode contribuir para o surgimento de distorções dos acontecimentos (Damiani & Ramires, 2016; Faccini & Ramires, 2012). Tal hipótese é sustentada com os resultados de um estudo sobre estresse e ambiente familiar, onde foi constatado que a exposição precoce a níveis de estresse elevado estava associada a impactos na memória de trabalho e funções executivas (Piccolo, Salles, Falceto, Fernandes & Grassi-Oliveira, 2016). Outros autores também realizaram uma revisão crítica destacando o papel fundamental do estudo sobre as falsas memórias uma vez que sentimentos intensos podem contribuir para a produção ou a distorção de memórias (Santos & Stein, 2008).
Tal fato reforça a importância da presença de um psicólogo qualificado capaz de perceber a diferença entre um caso real de AP ou uma denúncia sem fundamentos (Barreto & Silva, 2011; Frances, 2010), em especial, devido ao fato de que algumas crianças podem sofrer impactos cognitivos (Potter, 2010; Thomas & Högnäs, 2015) e apresentar sentimentos da esfera da agressividade decorrentes do divórcio e por consequência mudanças em todos os âmbitos de sua vida. Isso não significa necessariamente que exista um genitor alienador visto que mudanças de comportamento são esperadas em decorrência do divórcio (Elam, Sadler, Wolchik & Tein, 2016), sendo de extrema importância o cuidado para não se diagnosticar ou denunciar algo que não existe (Elam et al. , 2016; Frances, 2010).
Esta foi uma das questões discutidas a qual acabou contribuindo para a não inclusão da AP como transtorno mental no Manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais (DSM-5), uma vez que poderia incorrer à medicalização desnecessária desta condição e as disputas jurídicas poderiam ser prolongadas por tempo indeterminado, gerando ainda mais honorários às partes (Frances, 2010; Houchin et al. , 2012).
Em relação à personalidade, foi observado que muitos alienadores apresentam traços de personalidade similares ou idênticos (Damiani & Ramires, 2016; Suárez, 2011). Além disso, Carvalho (2015) evidenciou que o traço de personalidade “amabilidade” está diretamente relacionado às práticas maternas alienantes sendo que quanto maior foi o escore de amabilidade maior foi o escore do Inventário de práticas maternas alienantes (IPMA) e quanto maior a capacidade egóica (maturidade), menor a probabilidade de a mãe realizar AP.
Ainda sobre traços de personalidade, Lass (2013) investigou a personalidade de mães alienadoras e pais alienados. Os resultados apontaram a presença de traços de personalidade paranoide, narcisista e antissocial entre as mães alienadoras. Não foram encontradas evidências destes traços nos pais alienados.
Sobre a diferença de gênero, embora todos os estudos tenham apontado a figura materna como principal alienadora, ressalta-se que o pai também pode ser o alienador (Fermann et al. , 2017; Fermann & Habigzang, 2016; Harman, Biringen et al. , 2016). Existem algumas falácias relacionadas à AP as quais podem comprometer as decisões jurídicas e terapêuticas. Uma delas é a crença de que os pais contribuem de forma igual para a alienação da criança (Warshak, 2015). Esta revisão reforça a ideia de que, comumente, uma das partes é a principal alienadora estando em acordo com os resultados de estudos anteriores (Clawar & Rivlin, 2013; Kelly, 2003).
Outra falácia é a ideia de que rejeitar um dos pais durante o divórcio é uma estratégia de enfrentamento (coping) saudável e comumente utilizada pela criança (Warshak, 2015). Sabe-se que é comum que um indivíduo pertencente a um grupo familiar aprenda e utilize as estratégias de enfrentamento que sua família utiliza, porém isso não significa que essas estratégias sejam sempre saudáveis (Macías et al. , 2013). Sendo assim, é fundamental que o cônjuge alienado, assim como os profissionais do Direito e da Psicologia, tenha consciência de que possíveis comportamentos de rejeição da criança devem ser observados como um sinal de alerta e tratados o mais rápido possível visando preservar a relação entre criança e cônjuge alienado (Warshak, 2015).
Da mesma forma, é importante compreender que os comportamentos hostis de um ex-cônjuge ocorrem devido a sentimentos relacionados ao divórcio (Trindade, 2014) e/ou a experiências de alienação parental durante a infância do alienador (Baker, 2006). Sendo assim, é sugerido que o cônjuge alienado busque reafirmar o vínculo com seus filhos através das experiências positivas vividas entre eles visto que a formulação ou manutenção de um vínculo afetivo amoroso servirá como um contraponto aos argumentos do genitor alienador. No momento em que o filho passa a sentir-se à vontade, amado e seguro com o genitor alienado, o ciclo da AP poderá ser rompido (Trindade, 2014).
Considerações finais
Este estudo evidenciou que os sentimentos da esfera da agressividade são os mais presentes nos genitores alienadores. Em segundo lugar, foram observados os sentimentos da esfera da tristeza e aqueles associados ao perigo. Destaca-se ainda que os alienadores, que participaram de alguns dos estudos incluídos nesta revisão, apresentavam traços de personalidade semelhantes sendo este fator um possível indicativo da relação entre tipos de personalidade e de gravidade da AP.
No entanto, é importante mencionar que foram utilizados apenas nove estudos nesta revisão. Além disso, foram incluídos artigos apenas nos idiomas inglês, português e espanhol. Destaca-se ainda que o campo da AP com foco nas motivações dos pais para realização de tal fenômeno é escasso. Apesar dessas limitações, este estudo demonstrou que não só os filhos, mas também o cônjuge alienado e até mesmo o alienador sofrem com a AP sendo de extrema relevância que esses indivíduos recebam cuidados psicológicos especiais. Contudo, sabe-se da carência de serviços especializados para acompanhamento desses casos, especialmente dentro da esfera jurídica brasileira.
Sendo assim, sugere-se a construção e implementação de políticas públicas relacionadas à inserção de psicólogos na rede pública de saúde os quais sejam capacitados para receber encaminhamentos de casos de AP tanto dos filhos como do genitor alienado e do alienante. Além disso, como forma de prevenção, recomenda-se o aprimoramento dos programas de planejamento e educação familiar para que estes abordem questões relacionadas à AP. Cabe salientar também a importância da observação precoce de casos de SAP, a qual pode ocorrer principalmente dentro do ambiente escolar por meio da inclusão e da capacitação de psicólogos, pedagogos e professores visto que a escola é o local onde crianças e adolescentes passam grande parte de seu tempo. Por fim, sugere-se a realização de mais estudos que investiguem os aspectos da personalidade dos genitores alienadores assim como a criação e implementação de políticas públicas que contribuam para a obrigatoriedade da presença de acompanhamento psicológico em todos os processos jurídicos relacionados à AP.