Nos últimos anos tem havido relatos publicados em jornais e televisão de substâncias nocivas e, muitas vezes, proibidas, encontradas nos alimentos consumidos cotidianamente pela população. Nesta perspectiva questionam-se as orientações dadas à população em termos de alimentação saudável, e qual o papel do nutricionista enquanto agente de saúde responsável por difundir informações aos diversos estratos da população e aumentar a segurança sobre as suas escolhas alimentares.
Atualmente observa-se o aumento das mais variadas doenças; os exames diagnósticos têm, em geral, maior sensibilidade, levando a detecção precoce do câncer, descoberta de doenças neurológicas, adição da sobrevida, em virtude de melhora tecnológica evidente. Muitos devem perguntar-se quanto dessas doenças pode ser influenciado pela alimentação atual?
Em busca realizada no PubMed foram identificados artigos que reforçam as notícias veiculadas pela imprensa, ou seja, de que há contaminação de alimentos por metais pesados, resíduos industriais e de agrotóxicos. Em Wisconsin (EUA), foi observada contaminação em imigrantes da Ásia por três metais pesados 1; a contaminação de alimentos por cádmio foi a causa relatada de câncer de mama em estudo populacional realizado com mulheres em pós-menopausa, na Suécia. O cádmio foi encontrado em alimentos marinhos, vegetais e cereais 2. Em crianças a contaminação por cádmio 3 pode afetar o desenvolvimento neurológico. Na Califórnia, foram desenvolvidos marcadores para identificar contaminantes em alimentos que pudessem causar câncer em adultos e crianças e foram identificadas 11 substancias tóxicas presentes na alimentação do grupo estudado 4.
Entre os contaminantes mais comuns foram identificados os bifosfanóis policlorados (BFP) em sexagenários com glicemia alterada e diabetes tipo 2 5. Nos alimentos marinhos, encontrou-se contaminação por mercúrio e chumbo. Foi realizado um estudo que associando à gênese da doença cardiovascular a contaminação por metil-mercúrio, em marinheiros 6. Em 2012, o Centro de Prevenção e Controle de Doenças (CDC) publicou rtório sobre a contaminação de águas e bebidas por chumbo, metal cancerígeno e que está amplamente difundido, de acordo com este relatório, entre esses alimentos, nos Estados Unidos 6.
Outro contaminante encontrado, o nitrato, que é usado como conservante de alimentos cárneos, foi relatado como causa para câncer de tireoide e para tireoidites, em Iowa (EUA). Neste caso, alta concentração de nitrato foi encontrada em vegetais 7.
O arsênico, mineral de efeito cumulativo no organismo, foi encontrado no arroz consumido nos Estados Unidos, detectada na urina de mulheres grávidas, o que torna a letalidade do mineral ainda maior 8. Hexaclorobenzeno foi detectado no leite materno de mulheres norueguesas. Esta substância é um contaminante industrial que pode afetar as células germinativas, causando a destruição dos ovários. Neste caso, a consequência seria uma geração estéril, provocada pela amamentação, que é o ato mais natural e mais saudável - até agora - da vida da mulher e do bebê recém-nascido 9.
No artigo "O que não comer?" (What's not to Eat?) 9 os autores relataram que os alimentos têm sido contaminados acidentalmente, ou não, por resíduos de pesticidas, contaminantes de embalagens, produtos usados como conservantes entre outros, o que remete a reflexão inicial, sobre o tipo de orientação dada a população e a qualidade dos alimentos consumidos.
Bjeerregaard e Mulvadao 10 constataram contaminação por mercúrio dos alimentos marinhos consumidos na Groenlândia, assim como elevado nível deste metal no sangue da população, e cientes da necessidade destes alimentos pelas quantidades elevadas de ácidos graxos ômega 3, vitamina D e selênio, o Conselho de Nutrição decidiu por medidas que diminuíssem a contaminação dos alimentos marinhos, uma vez que a alternativa anterior, que se baseava em dieta mais ocidental e rica em alimentos industrializados, estava levando os cidadãos as doenças metabólicas 10.
No entanto, será que as orientações para uma alimentação saudável realmente provocam mudança para um estilo de vida mais adequado, ou expõe a população a riscos aumentados de câncer? Neste ponto, pode-se observar que Huerta-Ribeiro 11 explica qual o papel do serviço de saúde na prevenção de doenças, ou seja "a saúde e o seu acesso aos serviços relacionados são um direito humano e uma preocupação da sociedade, que devem ser assumidas pelos órgãos competentes".
É responsabilidade governamental a implementação de legislação mais rígida para o uso de pesticidas em alimentos, e na industrialização dos mesmos, com troca do tipo de embalagem, que poderia evitar a contaminação da água dos rios e mares, como solução para um futuro mais saudável. Quando se orienta o consumo de hortaliças e frutas nas refeições há o pressuposto de que o benefício será maior do que o prejuízo. Semelhante ao que aconteceu na Groenlândia 10 é fundamental que a população e os profissionais de saúde exijam que a legislação para a produção de alimentos seja respeitada e fiscalizada pelos órgãos governamentais desde o seu plantio, ao invés de mudar as orientações.
No Brasil a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, órgão do governo federal, tem como função garantir que os alimentos que chegam à população sejam seguros, independentes das inovações tecnológicas que sofram. Antes de aprovar um produto, ou alimento para consumo, a ANVISA verifica os riscos potenciais e, só após essa comprovação, é liberado para consumo. Entre outras atribuições avalia, a longo prazo, os riscos do novo produto ou alimento, para a população 12.
Há poucos estudos realizados no Brasil sobre contaminação de alimentos por metais pesados e agrotóxicos. Alguns relatam contaminação, como por exemplo, por mercúrio, nos peixes e produtos marinhos; e de antibiótico, no leite de vaca. No entanto, esses mesmos estudos também apontam a dificuldade de se quantificar a contaminação existente nos alimentos. Observa-se também uma diminuição na contaminação de alimentos por microrganismos e a substituição, não desejável, por resíduos de agrotóxicos e metais pesados, prejudiciais à saúde 13.
No entanto, após um alimento ou produto ser liberado, a fiscalização da produção, não é efetiva e depende da idoneidade do fabricante ou do produtor. Recentemente, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva - ABRASCO, publicou um dossiê sobre a contaminação de alimentos por resíduos de agrotóxicos, e destacou também a falta de fiscalização governamental para substâncias que são usadas como fertilizantes no Brasil e que já foram proibidas nos países industrializados. Outros dados publicados incluem a utilização de quantidades maiores do que o permitido ou de substâncias não permitidas para a cultura analisada. De acordo com esse dossiê, um terço das culturas brasileiras não era adequada as orientações para manutenção da saúde 14.
As culturas de pimentão, cenoura e alface, em ordem decrescente, são as com maior quantidade de substâncias proibidas e de fertilizantes, segundo o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos - para, da ANVISA 15. Entre as frutas, os principais problemas foram identificados nas culturas de abacaxi, morango e pepino. Os resíduos inadequados podem provocar doenças neurológicas, câncer, doenças endócrinas, malformações congênitas, que podem demorar anos para aparecer pelo efeito cumulativo dessas substâncias no organismo 14,16,17.
Outro problema que envolve as culturas agrárias no Brasil é a polêmica sobre a liberação de alimentos transgênicos. De acordo com o Conselho Federal de Nutrição (CFN), esses alimentos necessitam de maiores estudos antes de ocorrer sua liberação para o consumo da população, pois há indícios de que as mudanças genéticas nos mesmos podem ter efeito sobre o genoma humano 18.
Paralelamente, no site no Ministério da Saúde, na página do Departamento de Atenção Básica (DAB), na área de Promoção da Saúde e da Alimentação Adequada Saudável (PAAS), há uma introdução sobre a importância da alimentação segura para a população. Ora, o que seria uma alimentação segura? Deveria ser aquela livre de contaminantes, de qualquer espécie. A PAAS tem por objetivo possibilitar "pleno potencial de crescimento e desenvolvimento humano, com qualidade de vida e cidadania. (...) reflete a preocupação com a prevenção e com o cuidado integral dos agravos relacionados à alimentação e nutrição como a prevenção das carências nutricionais específicas, desnutrição e contribui para a redução da prevalência do sobrepeso e obesidade e das doenças crônicas não transmissíveis, além de contemplar necessidades alimentares especiais tais como doença falciforme, hipertensão, diabetes, câncer, doença celíaca, entre outras" 19.
Esses objetivos estão contemplados na Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), mas sem haver menção aos contaminantes presentes nos alimentos, e que deveriam fazer parte de um plano estratégico governamental que prevenisse doenças tão graves como a epidemia de obesidade que está assolando o mundo. Não há nenhum alerta para alimentos com maior ou menor resíduos de agrotóxicos e também não há alerta para os contaminantes dos rios e mares. Esse panorama faz parecer que os interesses econômicos estão à frente da saúde da população 20.
Nesta perspectiva, qual o caminho para a mudança? O acesso ampliado à informação e a divulgação dos efeitos desses contaminantes na saúde. É importante que o consumidor passe a questionar o que consome e modifique seus hábitos, na medida do possível, para uma alimentação saudável, com alimentos orgânicos, hortas caseiras e alimentos feitos com produtos minimamente processados, voltando às raízes ancestrais e alimentando o corpo e o espírito com saúde e prazer