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Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía
versión impresa ISSN 0121-215Xversión On-line ISSN 2256-5442
Cuad. Geogr. Rev. Colomb. Geogr. vol.22 no.1 Bogotá ene./jun. 2013
Hierofanias territorializadas: a Igreja católica em Sergipe, Brasil
Hierofanías territorializadas: la Iglesia católica en Sergipe, Brasil
Territorialized Hierophanies: The Catholic Church in Sergipe, Brazil
Solimar Guindo Messias Bonjardim*
Universidade Federal de Sergipe (NPGEO), Brasil
Maria Geralda De Almeida**
Universidade Federal de Goiás (IESA), Brasil
*Doutoranda em Geografia no Núcleo de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe (Brasil). Grupo de Pesquisa Sociedade e Cultura. Colaboradora do projeto de pesquisa do edital Pró-Cultura/2008, denominado A Dimensão territorial das festas populares e do turismo: estudo comparativo do patrimônio imaterial em Goiás, Ceará e Sergipe.
Endereço postal: Universidade Federal de Sergipe, Núcleo de Pós-Graduação em Geografia, Campus Universitário, Av. Marechal Rondon, s/n - São Cristóvão, Sergipe, Brasil.
Correio electrônico: solmessias@yahoo.com.br
**Doutora em Geografia pela Université de Bordeaux III (França). Professora colaboradora da Universidade Federal de Sergipe (Brasil), professora titular da Universidade Federal de Goiás (Brasil). Coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas das Dinâmicas Territoriais - LABOTER. Coordenadora Geral do projeto de pesquisa CAPES, do edital Pró-Cultura/2009, denominado A Dimensão territorial das festas populares e do turismo: estudo comparativo do patrimônio imaterial em Goiás, Ceará e Sergipe.
Endereço postal: Universidade Federal de Goiás (IESA), Campus II, Samambaia. Goiânia, Goiás, Brasil.
Correio electrônico: mgdealmeida@gmail.com
Recebido: 19 de outubro de 2011. Aceito: 8 de agosto de 2012.
Artigo de pesquisa sobre a expansão do território e aas redes da igreja católica em Sergipe, Brasil.
Resumo
Neste estudo busca-se analisar a territorialidade da Igreja Católica em Sergipe, Brasil, explicando a expansão do território sagrado e seu sistema de redes. A metodologia utilizada foi pesquisa teórica, consulta a documentos e bibliografias norteadoras da proposta, e a coleta de dados nas paróquias e cidades de Sergipe. Nos resultados verificou-se que, em Sergipe, o território sagrado foi construído a partir do final do século XVI, com a doação das sesmarias às ordens religiosas. Com os anos e o aumento populacional, criou-se uma rede de paróquias que foram se desmembrando e expandindo, o que culminou na atualidade em uma ampla territorialidade religiosa.
Palavras-chave: catolicismo, Igreja Católica, paróquias, territorialidade, território.
Resumen
En este estudio se busca presentar la territorialidad de la Iglesia católica en Sergipe, Brasil, explicando la expansión del territorio sagrado y su sistema de redes. La metodología utilizada fue: investigación teórica, consulta de documentos y bibliografías que guían la propuesta y la recolecta de datos en las parroquias y ciudades de Sergipe. En los resultados se verificó que en Sergipe el territorio sagrado fue construido a partir del final del siglo XVI, con una donación de las "Sesmarias" a las órdenes religiosas. Con los años y el aumento de la población se creó una red de parroquias que se fueron desmembrando y expandiendo, culminando en la actualidad en una amplia territorialidad religiosa.
Palabras clave: catolicismo, Iglesia católica, parroquias, territorialidad, territorio.
Abstract
The study presents the territoriality of the Catholic Church in Sergipe, Brazil, by explaining the expansion of sacred territory and its network system. The methods employed in this study were theoretical research, consultation of documents and other bibliographic sources guiding the research work, and the collection of data from the parishes and cities of Sergipe. Results showed that the construction of sacred territory in Sergipe dates back to the sixteenth century, when land was allotted to religious orders. The population increase over time led to the creation of a network of parishes, which later broke up and expanded, thus creating a wide religious territoriality.
Keywords: Catholicism, Catholic Church, parishes, territoriality, territory.
Introdução
O Brasil é conhecido por muitos atributos, dentre eles pela fé e devoção do seu povo de maioria católica. A paisagem de muitas cidades do país lembra esta religião, para isto basta adentrar em seu espaço urbano e, também, rural. Referências ao catolicismo estão em toda parte, nas igrejas católicas, nas escolas, bairros e ruas com nomes de santos; na presença de casas paroquiais, casas de missionários (as), de santuários, de cruzes, cemitérios, etc.; em locais de destaque na própria cidade: praças, elevações, dentro de hospitais, asilos; e nas áreas rurais: nos povoados, fazendas, estradas, plantações. Nas andanças pelo interior, principalmente no nordeste, encontram-se traços dessa devoção, nas materialidades, como citado acima, e nas manifestações imateriais, como festas, quermesses, romarias, procissões, etc.
Desde modo, neste estudo pretendemos analisar a construção dos territórios sagrados por meio das paisagens simbólicas visíveis e fixas. Ou seja, a territorialidade da Igreja Católica Apostólica Romana no estado de Sergipe pela presença da hierofania, evidenciando a expansão do território sagrado. Neste artigo, optou-se pela ênfase no visível, pois o território sagrado visível e fixo é a primeira manifiesta ção da hierofania que irá marcar o centro do território sagrado, sem evidenciar a territorialidade dos fiéis, dos frequentadores deste território.
O conceito de hierofania é praticamente recente nos estudos geográficos apropriado da filosofia para o desenvolvimento da geografia da religião. Este é utilizado a partir das leituras de Eliade (1992). Segundo o autor, o ato do sagrado se manifestar pode ser chamado de hierofania. O sagrado pode ser um espaço, um território, já a manifiesta ção pode ser um objeto, um símbolo, uma ação. Na análise dos territórios sagrados, em Sergipe as hierofanias constituem-se principalmente de Igrejas. Nas cidades sergipanas, ainda hoje, tem-se a percepção que a Igreja tem um grande poder de decisão sobre a vida da sociedade, principalmente pelas hierofanias visíveis nos territórios sagrados.
Além disso, analisar concretamente o território sagrado significa entendê-lo como um produto da história da sociedade em constante modificação, espaços de poder apropriados efetiva ou afetivamente por determinado grupo social que se modifica e modifica suas práticas, mas perpetuam a hierofania do território.
Para alcançar o objetivo proposto, nossa opção metodológica foi realizar levantamento das Igrejas e capelas existentes no Estado como um todo, por meio de visitas às cidades, bairros e povoados; além de consulta aos livros de tombo da cúria metropolitana de Aracaju e das Dioceses. Nestes pesquisamos as datas de criação e desmembramentos das Igrejas antigas e para os dados atuais foi realizada observação das paisagens e levantamento por meio de trabalho de campo in loco.
A Igreja Católica e o território sagrado
A Igreja Católica, como representante terrena do catolicismo, desde a Idade Média estabeleceu-se como uma unidade político-administrativa e econômica, além de manter a função religiosa. Naquela época, a igreja era a grande senhora feudal: ela construía territórios para assegurar seu poder, dominava as terras por meio de seus vassalos e controlava as pessoas pela fé-religiosa, conforme nos relata Rosendahl (1999). Esta dominação, além de construir territórios, também construía paisagens próprias do catolicismo, claramente identificáveis.Quando os portugueses chegaram ao Brasil, o poder real estava atrelado à Igreja Católica. Assim, o novo espaço "descoberto" foi colonizado com territórios e paisagens religiosos, e pelas mãos da Companhia de Jesus, o catolicismo consolidou-se nas terras brasileiras (Abreu 1997). Nesse sentido, é possível dizer que o Brasil, consequentemente Sergipe, nasceu religioso, ou pelo menos católico, uma vez que a Igreja desempenhou forte influência no poder da monarquia portuguesa.
Bonjardim e Vargas (2010) afirmam que ao iniciar a ocupação do Brasil, além das leis e regras do rei de Portugal que acompanharam a colonização, as leis e regras da Igreja Católica também foram implantadas. Por isso, ao mesmo tempo em que foi construído o poder do Estado, foi construído o poder de 'Deus', na figura de seus representantes na terra: os padres, bispos, missionários de várias ordens distintas, criando no Brasil paisagens semelhantes com a portuguesa.
As cidades desse período eram construídas, preferencialmente, próximas aos rios, melhor meio de circulação da época. Nas partes altas da povoação estavam localizados os poderes da Igreja, do Estado e a residência dos mais abastados. Na parte baixa, localizava-se a moradia dos menos afortunados, juntamente com o comércio. Como não existia apenas uma ordem de missionários, as cidades ficavam repletas de igrejas, pois cada ordem construía a sua, além de capelas e igrejas construídas nas fazendas destinadas à família do senhor das terras, tanto para o dia-a-dia da vida quanto da morte (Bonjardim e Vargas 2010). Esse modelo de ocupação foi acompanhado de um mesmo padrão de construção, conformando uma paisagem comum à época. A organização do espaço em Sergipe enquadrou-se nesse molde, permanecendo na atualidade em cidades como Laranjeiras e São Cristóvão.
Na atualidade a Igreja Católica ainda exerce grande influência cultural, tanto sobre católicos quanto não católicos, pela formação do território e paisagem baseados na tradição religiosa, material e imaterial. O sacerdote, neste cenário, ocupa o centro da gestão territorial; ele promove a união entre a população, cria simbolismos e representações próprios da Igreja, sempre aproximando e submetendo às práticas aos ritos oficiais dos romanos.
O Brasil ainda, hoje, é de maioria católica, mesmo com a separação da Religião e Estado em 1888. A religião continua presente enquanto signo em várias paisagens e territórios das cidades. Como nas paróquias, capelas, santuários, festas, quermesses, procissões, peregrinações; no nome dos estabelecimentos, de ruas, de cidades, estados; em forma de símbolos específicos (cruz, sinos, imagens, etc.) utilizados pelos fiéis; e com os colégios, seminários de formação, conventos, universidades, de propriedade das ordens religiosas católicas. Estas paisagens criam sentimentos de identidade na sociedade, o que acarreta a necessidade de reprodução destes territórios.
A reprodução começa na construção/consolidação de um novo espaço, neste a sociedade procura reproduzir a cultura vivida, ou seja, os símbolos conhecidos, que geram sentimentos identitários de pertencer. A Igreja Católica, no Brasil, é um destes símbolos, é a hierofania do território sagrado, o centro. E, por isso, encontramos em praças na área central dos povoados, bairros e cidades uma Igreja Católica, sendo que, é muito difícil existir, no Brasil, um local sem pelo menos uma Igreja. Neste contexto, a religião católica é uma manifiesta ção cultural e faz parte do enraizamento da sociedade brasileira.
Durkheim discute que não se deve tentar achar a causa da religião, mas entender seu contexto e peso numa determinada sociedade. E completa "que a religião é coisa eminentemente social" (2008, 38). O que leva a crer na intersecção da religião com a cultura, um conjunto que está contido em um todo maior. Porém, divididos em vários subgrupos. Nesta discussão, a proposta é para evidenciar o subgrupo de cultura religiosa da Igreja Católica Apostólica Romana.
A Instituição Católica pode ser entendida como uma instituição religiosa, política e cultural que, a partir de suas atuações sobre o espaço geográfico, tende, simultaneamente, à legitimação de seus territórios e ao fortalecimento de suas territorialidades, por meio da inserção nas sociedades de representações que fazem parte de sua identidade, sendo a maior representação a Igreja monumento, a hierofania que consolida e reproduz a cultura no território sagrado.
De acordo com Gil Filho (2008), o principal conceito para o estudo da geografia da religião é o sagrado e tem que ser estudado como categoria interpretativa da universalidade e da essência do fenômeno religioso. A essência neste estudo é o visível, a hierofania que marca a territorialidade, pois esta seria o centro do "sistema mundo", como na abordagem de Eliade (1992). Este autor discute que o sagrado pode ser entendido como um objeto, um símbolo, transformado em outro pela essência, pelo significado cultural dado pelas pessoas que o contemplam. Pois, o ser humano é um animal que nasce com uma caixa vazia, e diferentemente dos outros, é dotado de capacidade ilimitada de obter conhecimento, obter cultura. Geertz (1978) relata que todos os homens são geneticamente aptos para receber esse programa cultural. Por isso, todos nascem com mil possibilidades, apto a ser sociabilizado em qualquer local, entretanto, o homem é limitado pelo contexto cultural real e específico de onde nasce. O indivíduo recebe esse conhecimento da sociedade logo nos primeiros anos e este faz parte de sua bagagem cultural. Vale esclarecer que essa bagagem cultural é formada pelas tradições e paisagens vivenciadas, sendo toda enraizada em signos e representações do território vivido. A Hierofania, neste entendimento é a máxima determinante do território.
O território forma-se a partir do espaço, conforme Raffestin (1993), resultado de uma ação conduzida por um ator que realiza um programa em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator 'territorializa' o espaço; ou seja, a partir do momento que uma sociedade insere suas práticas sociais no espaço, esta já é uma apropriação e, consequentemente, um território.
De acordo com o ator supracitado, o território, como em qualquer acepção, tem relação com o poder, tanto ao tradicional "poder político", concreto, de dominação, quanto ao poder no sentido simbólico, de apropriação - base para o entendimento do território sagrado. Almeida (2005) corrobora e ultrapassa esta definição ao afirmar que o território não se reduz a dimensão instrumental, a necessidades econômicas, políticas e sociais; ele também é objeto de operações simbólicas e é nele que os atores projetam suas concepções de mundo.
Neste estudo, o território é expresso a partir da apropriação simbólica, da representação. A representação é uma forma de construção do território; se o espaço tem signos próprios para a sociedade, o local é um território. Para a mesma autora:
- [...] são, assim, vários os níveis de análise e de escalas espaciais que permitem a compreensão do território, fato que nos possibilita cogitar que são tantos territórios quanto são os enfoques feitos sobre eles. [...] o território ele o é, para aqueles que têm uma identidade territorial com ele, o resultado de uma apropriação simbólico- expressiva do espaço, sendo portador de significados e relações simbólicas. (Almeida 2005, 108-109)
Neste sentido, os territórios formados a partir do espaço representação constituem-se por meio da identidade e mantém-se pelas redes e pelas relações de poder. A identidade é fonte de significados e experiências de um povo e pode estar relacionada, entre diversos fatores, ao poder religioso. Este poder religioso expande-se e constrói uma rede de territórios formados e mantidos principalmente pela representação identitária, que de acordo com Almeida, Vargas e Mendes (2011) dá sentido, significado ao território.
Para existir o território sagrado é necessária a construção do espaço-representação por meio dos sentimentos, dos símbolos que remetam a sociedade à identidade. Os símbolos deste território são as igrejas, capelas, conventos, casas de formação, cruzes, sinos, festas religiosas, quermesses, missas, etc., que remetem a sociedade que o vivencia ao sentimento de pertencimento. Seguindo as discussões de Almeida, Vargas e Mendes (2011), o território, neste entendimento se desdobra em territorialidades, conceito utilizado para enfatizar questões de ordem simbólica e cultural, além do sentimento de pertencimento formado pela identidade.
Haesbaert (2002, 45) afirma que territorialidade é o conjunto de múltiplas formas de apropriação (concreta e/ou simbólica) do espaço social, na interação com elementos, como o poder. Sack relata, neste seguimento que "A territorialidade, como um componente do poder, não é apenas um meio para criar e manter a ordem, mas é uma estratégia para criar e manter grande parte do contexto geográfico por meio do qual nós experimentamos o mundo e o dotamos de significado" (1986, 219). Os significados podem ser entendidos como construtores de identidade, isto é, o território sagrado construído pela Igreja Católica Apostólica Romana tem significado para a sociedade que o vivencia e isso cria a identidade com o mesmo.
É necessário esclarecer que o território sagrado, para ser analisado precisa do levantamento a partir da centralidade da formação deste território, do ápice para a construção do mesmo. No Brasil, e consequentemente em Sergipe, todo território sagrado é constituído de uma Igreja. E mesmo as manifestações que se deslocam no tempo e espaço estão relacionadas a uma hierofania fixa, perpétua, ou seja, a uma igreja. A territorialidade aqui está no espaço formado pela igreja símbolo do território, ou seja, hierofania é o símbolo do território e da territorialidade. Por conseguinte, vale afirmar que neste se reconhece a territorialidade a partir da hierofania, do visível e fixo. Então, para esta análise, a territorialidade é entendida como simbólica, o espaço sagrado onde se localiza a hierofania. Além disso, a territorialidade expande este ponto por causa das diversas manifestações religiosas que consolidam o território em diferentes tempos, contudo, esta análise expande nosso objetivo.
A territorialidade da igreja em Sergipe
O estado de Sergipe está situado entre os estados da Bahia e de Alagoas, na região nordeste do Brasil, menor estado da federação, na atualidade possui 75 municípios, em uma área total de 22.000 m². O estado conta com uma população de 2.068.031 pessoas, destas 1.579.480 declaram-se católicas apostólicas romanas de acordo com o Censo do IBGE de 2010. Este local teve uma ocupação miscigenada de nativos, portugueses e negros, todos contribuindo com a formação cultural presente. Neste cenário, o Estado é rico em hierofanias como templos e símbolos religiosos.
A paisagem das cidades sergipanas é semelhante a outras do Brasil, isto é, nas cidades do menor estado do país (em expansão territorial) encontram-se presentes aspectos modernos e também rugosidades de tempos passados. O estado começou a ser colonizado na segunda metade do século XVI, principalmente pela necessidade que se impunha aos portugueses de uma ligação por terra entre o território que hoje é o estado de Pernambuco e a antiga capital da colônia Bahia (Santana, 2003).
A colonização foi realizada nos moldes dos colonizadores portugueses, que mantêm, como na maior parte da Europa, o Estado atrelado à religião católica (Bonjardim e Vargas 2010). Em Sergipe, a Igreja se consolida com a construção do território sagrado no final do século XVI, na doação das sesmarias às ordens religiosas e dos terrenos urbanos para a construção de igrejas e conventos. Assim, a religiosidade presentifica-se na forte presença missionária no território.
Os primeiros missionários chegaram a Sergipe para construir o território sagrado e estabelecer um poder antes da colonização efetiva. Segundo Nunes (1989), em 1575 um pequeno grupo de jesuítas estabeleceu-se próximo onde hoje se encontra a cidade de Itaporanga d'Ajuda-SE. A segunda missão jesuítica chegou ao estado na época da ocupação, nos últimos anos do século XVI, com a doação de sesmarias para as ordens religiosas.
De acordo com Freire (1977), o clero secular recebeu sesmaria em Sergipe del Rey um ano depois de sua chegada, por volta de 1600, com doação para o vigário Padre Ferraz. Em 1602, o Padre Gaspar Fernandes, também vigário do clero secular recebia sesmarias. Os Beneditinos chegaram por volta de 1603, conforme carta de sesmaria que lhes foi dada em agosto de 1603. Os carmelitas, além da Igreja e convento em São Cristóvão, adquiriram sesmarias no sul do Estado para produção diversa. Os Franciscanos chegaram após alguns anos, em 1657, e edificaram na cidade a primeira Igreja franciscana com o convento em terreno doado pelo sargento Bernardo Correia Lima. Todas estas ordens edificaram Igreja, algumas com convento ou casa de morada, na capital da Província, São Cristóvão.
Conforme relata o Livro de Tombo da Cúria Metropolitana de Aracaju (s/d), os jesuítas também edificaram capelas e casas de morada nas suas terras nos engenhos Dira, Colégio, Comandaroba, Retiro, Moura e Camassary, onde iniciaram produções diversas, com destaque para a cana-de-açúcar. A consolidação destas fazendas contribuiu para a perpetuação dos territórios sagrados no estado, pois além de conformar uma paisagem cultural religiosa, ainda cria um sistema de redes com a Bahia e Portugal.
Além disso, por ser Portugal um país de tradição católica, os sesmeiros construíam nos locais onde estabeleciam moradias o símbolo do poder religioso, da paisagem tradicional: uma capela/igreja. Assim, os novos ocupantes construíram o território sagrado no estado, moldado pelo símbolo necessário para existir o sentimento de identidade. Atualmente existem capelas/igrejas abandonadas fruto desta ocupação, principalmente as localizadas no meio de fazendas de gado ou de engenhos de açúcar. Este tipo de construção quanto mais suntuosa mais identificava a fé e o poder da família construtora. Ou seja, demonstrava o poderio econômico e a identidade cultural da sociedade em formação. Autores como Almeida 2003; Claval 1999; Mendes e Almeida 2008, entre outros, enfatizam a força da cultura na criação de identidades, criando paisagens, representações e símbolos culturais.
As Igrejas organizavam-se em redes de dependência conforme o território sagrado crescia. A primeira Igreja do Estado a ser sede de uma Paróquia foi a Igreja Nossa Senhora das Vitórias em São Cristóvão em 1608, ficando o estado todo por quase setenta anos com uma única paróquia ligada à Bahia e também a Portugal. A formação da paróquia demonstra o poder da Igreja na localidade, e, principalmente o crescimento do território sagrado, pela afirmação da identidade com a hierofania.
No fim da década de setenta do século XVII, a diocese de Salvador elevou mais quatro Igrejas à Paróquias: Santo Antônio e Almas de Itabaiana (1675) no agreste; Santo Antônio de Neópolis (1679), no norte do estado às margens do Rio São Francisco; Nossa Senhora da Piedade de Lagarto (1679); e Santa Luzia do Itanhy na cidade de mesmo nome (1680), no sul do estado. Neste momento, cada paróquia tinha seu território sagrado delimitado, sendo subordinadas à diocese da Bahia. Este cenário se expandiu com os anos, chegando às vésperas da criação da Diocese de Aracaju com uma densa rede de desmembramentos que afirma o poder da hierofania na construção do território, conforme ilustra a figura 1.
Todavia, alguns dos primeiros desmembramentos não foram mantidos, isto é, certas paróquias foram criadas a partir de outras e depois extintas ou reagrupadas, como a Paróquia de Santo Amaro das Brotas1 criada em 1700 com sede na antiga Capela de São Gonçalo2. Contudo, a Paróquia foi reagrupada na Paróquia Jesus, Maria e José de Siriri3, retornando ao seu papel de paróquia somente em 1768. A Paróquia Nossa Senhora do Socorro é outro exemplo, ela foi desmembrada duas vezes: a primeira de Santo Amaro das Brotas e a segunda da Paróquia Santo Antônio4.
Deste modo, percebe-se que o território sagrado das paróquias esteve em constante mudança, no momento que uma nova paróquia era estabelecida, alguma outra perdia território. Isto por que os territórios vão sendo divididos: pelo crescimento da população, pelo aumento do número de fiéis e, principalmente, pela construção de novas capelas. Entretanto, o território não perde a territorialidade, seu símbolo, nem sua representatividade, ele cria outras.
A territorialidade da Igreja pode ser compreendida ao remeter a Gil Filho (2008); este autor afirma que a instituição mantém seu poder por meio das representações, dos discursos e do sistema simbólico. Por isso, a ação de reagrupamento das paróquias não desfaz o poder, na verdade aumenta as redes de dominação, principalmente por que a territorialidade da Igreja mantém-se, crescendo a dependência pela identidade.
A territorialidade depende da identidade que a sociedade tem com o território sagrado, que é criada, primordialmente pelas representações e sistema simbólico da Igreja. Então, o poder da instituição cria o território representado simbolicamente pela Igreja templo físico, pela construção. A sociedade ao viver o dia-a-dia da igreja, suas festas e manifestações criam a identidade com o local, com a paisagem que é familiar para a sua vida. No entanto, acima de tudo, o que vai remetê-lo diariamente à identidade, à representação das festas, das manifestações é a igreja templo físico, pois a territorialidade sagrada católica, como o território sagrado, não se estabelece sem uma hierofania, sem um centro de dominação.
A este respeito, o poder da Igreja instituição, se estabelece em Sergipe com a independência da diocese da Bahia. O Estado teve a primeira diocese em 1910, na capital Aracaju. Esta foi criada como um desmembramento da Diocese da Bahia, Diocese Primaz Principal –primeira do Brasil–, por causa do crescimento do território religioso: aumento do número de fiéis e de Igrejas no Estado de Sergipe. No momento do desmembramento Sergipe contava com vinte e nove paróquias. Isto é, em trezentos e vinte anos da criação do território que viria a ser conhecido como Estado de Sergipe, os territórios sagrados, com poder institucional somavam vinte e nove. Vale acrescentar que sem a centralidade do poder no território, a criação e expansão dos territórios e consequentes territorialidades sagradas tem crescimento lento, conforme o Livro de Tombo da Cúria Arquidiocesana (s/d). Os fiéis existiam, mas sem a hierofania, o território não se mantinha, a territorialidade era instável e móvel.
Após a criação da diocese, o número de paróquias quase duplicou, existindo cinquenta e seis paróquias quando a Diocese de Aracaju foi elevada à Arquidiocese, ou seja, em cinquenta anos de criação a Diocese procurou chegar aos fiéis, construindo igrejas nos terrenos doados para a Igreja, pedindo donativos e arrematando fiéis em comunidades ainda não formadas.
A elevação à Arquidiocese Metropolitana aconteceu em 1960, juntamente com a criação de duas dioceses sufragâneas5 Propriá e Estância. Nesta divisão, o Estado ficou com a diocese de Propriá no Norte, a diocese de Estância no Sul e a Arquidiocese de Aracaju no centro do Estado, de acordo com figura 2.
Com este desmembramento a Arquidiocese de Aracaju estabeleceu-se como a maior detentora de Paróquias –com oitenta e quatro– e, assim de territórios religiosos. Principalmente por que nesta área está concentrada a maior parte da população do Estado, as capelas rurais dos antigos engenhos, e Igrejas e conventos de ordens religiosas. No ano de 2006, os bispos de Aracaju e de Propriá instituíram a divisão das dioceses também em vicariatos, para facilitar a administração e manutenção do território.
Hoje a arquidiocese de Aracaju está dividida em quatro vicariatos, com o nome dos quatro apóstolos: São João Evangelista, São Lucas, São Mateus e São Marcos. A diocese de Propriá está dividida em três vicariatos: Imaculada Conceição, Bom Jesus dos Navegantes e Santíssima Eucaristia. Vale esclarecer que as dioceses são autônomas entre si, existindo uma relação de unidade, Estância e Propriá reconhecem a arquidiocese de Aracaju, todavia, não são dependentes de Aracaju. Os bispos das dioceses agem independentes do arcebispo. O que existe, segundo informou o Chanceler6 da Cúria Arquidiocesana, é um relacionamento de respeito, uma união pela fé e pelos princípios religiosos.
Com relação à subordinação, cada vicariato é subordinado a sua diocese. Vicariato é uma forma encontrada para facilitar a administração paroquial e sua criação é uma decisão bispal. Na ocorrência de muitas paróquias, o vicariato é uma opção. O vicário episcopal, na área pré-estabelecida, faz às vezes do bispo resolvendo os problemas das paróquias. Ele acompanha e suaviza o trabalho do bispo/arcebispo, ajudando nas necessidades e realizações para a condução da diocese. Os vicariatos ajudam a criar unidade entre os padres e o bispo e destes com a população.
A subdivisão territorial aumentou a rede de subordinação. As capelas são dependentes de uma paróquia. Esta, por sua vez, é subordinada a um vicariato, este a diocese/arquidiocese, que é dependente direto de Roma. Sergipe é uma província eclesiástica e essa é formada por uma arquidiocese e várias dioceses, todavia, sem vinculo de prestação de contas. A subordinação é direta com Roma, como apresentado na figura 3 abaixo.
Todavia, existe no Brasil o território regional que agrupa as diocese/arquidioceses para os diálogos, congressos, seminários, encontros regionais, etc. Sergipe faz parte da região NE03 (nordeste três), formada por Bahia e Sergipe. Os bispos têm encontros e discutem as diretrizes norteadoras. Eles podem tomar decisões conjuntas e existir certa união; porém, são livres para tomar decisões, seguindo apenas as diretrizes romanas. Deste modo, o bispo tem sua diocese, sem interferir em outras dioceses ou arquidioceses.
No momento, Sergipe conta com um denso território sagrado, em torno de mil trezentas e doze Igrejas7. Destas, cento e vinte e nove são Igrejas paroquiais, com oitenta e quatro na arquidiocese de Aracaju, vinte e cinco na diocese de Propriá e vinte na diocese de Estância. As outras são formadas por capelas e comunidades em formação8. Além destas, existem os seminários, casas de formação, colégios de formação básica e superior, santuários, casas de repouso, casas paroquiais, institutos de vida consagrada e sociedades apostólicas. A figura 4 apresenta a distribuição destas Igrejas/hierofanias por município.
Além disso, é preciso esclarecer que, quando falamos que o estado tem mil trezentas e doze Igrejas, estamos afirmando que o estado tem o mesmo número de festas, de manifestações com temporalidade definidas. No levantamento e observação do território sagrado, constatamos que a ocorrência de festas católicas não relacionada a uma hierofania é quase nula, elas acontecem em comunidades em formação que estão lutando para a construção de sua hierofania, que marca e estabelece como será a territorialidade.
Na figura 4, evidencia-se a distribuição destes territórios, sendo que a capital do Estado é o município com maior número delas. Em Aracaju, foram identificados cento e dezenove territórios sagrados, cinquenta e sete em Nossa Senhora do Socorro, cinquenta e cinco em São Cristóvão e quarenta e quatro em Poço Redondo. É necessário esclarecer que algumas destas territorialidades estão em processo de formação, constituindo-se, sobretudo da celebração da festa de padroeiro, realizada anualmente. A festa do padroeiro é o ápice da manifiesta ção simbólica, e é neste momento que se verifica a devoção dos fiéis, além do território sagrado, invisível no dia-a-dia, mas cheio de significado para a sociedade católica. Segundo Claval (2001), ideia corroborada por Almeida (2005) são estes sentimentos de identidade, os criadores das territorialidades.
No Estado de Sergipe, nas pesquisas de campo, identificamos que a Igreja Católica vem se expandindo juntamente com o crescimento populacional, criação de novos bairros e comunidades, sempre tendo como centro a hierofania. No levantamento realizado, constatou-se que no momento temos oitenta e uma comunidades em formação, isto é, que realizam a festa de padroeiro, ou estão com a Igreja em construção ou aguardando a doação de um terreno para realizar a construção. E este número reflete a identidade da população residente, que forma os grupos religiosos, procura a paróquia mais próxima, interage, marca missas com o padre, etc. Estes dados evidenciam a construção do território e a necessidade da construção do símbolo para marcar, estabelecer a territorialidade. A apropriação simbólica e afetiva, construtora da territorialidade, nem sempre vem antes. Nas igrejas antigas, primeiro é estabelecido o local da hierofania e depois vem o sentimento de pertencer, da população identificar-se.
Assim, nas pesquisas constatamos que a identidade simbólica da igreja possui uma grande representatividade no estado, sendo perceptível inicialmente pelo visível, o material, isto é, pela grande quantidade de igrejas e a hierarquia do poder existente.
Nos últimos anos, de acordo com a arquidiocese, aconteceu uma "explosão" no número de Igrejas Católicas comparado com a lentidão dos últimos noventa anos, tanto que o número de paróquias nos últimos dez anos duplicou. O território religioso ganhou uma proporção significativa no menor Estado do Brasil, construído a partir de 1600 com a chegada das ordens religiosas. E o aumento no número de territórios da igreja aconteceu juntamente com o crescimento da população e a elevação de algumas igrejas/capelas a Paróquias, o que propiciou maior proximidade entre os representantes da igreja e a sociedade.
Considerações finais
Portanto, percebe-se que na atualidade o território católico do estado de Sergipe é muito extenso e forma uma paisagem homogênea no local, repleta de hierofanias que deixam esta territorialidade marcada e delimitada, perceptiva e representativa, interagindo com o dia-a-dia da população. O território sagrado do estado criou uma rede de paróquias, vicariatos, dioceses/ arquidioceses independentes e, ao mesmo tempo, interligadas pelas diretrizes de um denominador comum: Roma. Este território sagrado com foco na hierofania é, também, a maneira encontrada pela igreja de estabelecer a ordem e manter o poder.
Neste sentido, todo o território religioso da Igreja Católica veio de uma matriz comum: São Cristóvão, a primeira capital. Com expansão ordenada para as localidades de maior desenvolvimento econômico. A fragmentação dos territórios levou o estado a ter espaços- representação, pois quando se fala de Paróquias remete-se às igrejas estruturadas e representativas que gerenciam o território sagrado, estabelecendo territorialidades.
No que diz respeito à territorialidade da Igreja Católica constata-se que sua expansão deu-se em cadeia, ou seja, de acordo com o crescimento das povoações. Em Sergipe, a expansão aconteceu com uma forte presença religiosa em todo o território, um território com crescente representatividade católica. Todavia, uma expansão sem dependência, pois uma Paróquia desmembrada torna-se soberana, com suas próprias diretrizes que se somam às estabelecidas pela arquidiocese/diocese.
Destarte, o grau de dependência do território religioso é direcionado completamente para a sede romana. É esta que dita regras e normas, estabelece diretrizes e proibições, deixando algumas decisões livres para o Arcebispo/Bispo decidir sobre a condução das arquidioceses/dioceses e, também, decisões para os párocos, mas, todas regidas por Roma.
Enfim, pode-se afirmar, sobre o território do sagrado no estado de Sergipe, que este se desenvolveu a partir da doação de sesmarias às ordens religiosas e a colonização efetiva, consolidando-se pelo sentimento de identidade que os habitantes tinham com a Igreja Católica Apostólica Romana. Sendo a hierofania o ápice da manifiesta ção, o ponto central do território sagrado, o visível e fixo que marca e delimita. Na contemporaneidade, a identidade destes habitantes continua criando territorialidades, propiciando o crescimento do território sagrado. A identidade cria territorialidades ao reconhecer no território religioso o simbolismo a igreja como formadora de sua identidade, além do sentimento de pertencimento a este território.
Note
1Criada como Paróquia Nossa Senhora das Grotas.2Na atualidade esta capela desapareceu. Os documentos dizem que a partir do momento em que ela perde o status de paróquia, é abandonada e alguns anos depois entra em ruína.
3Nos documentos pesquisados encontramos a Paróquia Jesus Maria e José como sendo do Pé do Banco, antigo nome de Siriri. Isso acontece não somente em Siriri, mas com várias localidades que tiveram seu nome alterado. Neste artigo trataremos todas pelo nome atual.
4Esta paróquia foi criada em 1915 na cidade de Aracaju. No ato da criação desta a Igreja de Nossa Senhora do Socorro passou a integrá-la.
5Termo utilizado pela Igreja Católica Apostólica Romana para designar as dioceses pertencentes à província eclesiástica metropolitana.
6Chanceler da cúria é um padre que ajuda na administração da arquidiocese/diocese.
7Capelas, igrejas, sedes paroquiais, cúrias diocesanas/arquidiocesana, igrejas desativadas, igrejas particulares, e as abandonadas, que inclui também as arruinadas que mantém a fachada. Dados de agosto 2011.
8Comunidades que ainda estão construindo o templo, mas já tem a festa de padroeiro.
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