O envelhecimento populacional é um processo com repercussão nas diferentes esferas da estrutura social, econômica, política e cultural da sociedade. Os idosos, assim como os demais grupos, possuem demandas específicas para obtenção de adequadas condições de vida. Com ocorrência mundial, é avaliado como a perda progressiva da adaptabilidade de um organismo ao seu meio. Estima-se que em 2020 o Brasil tenha mais de 30 milhões de idosos, ocupando o sexto lugar mundial em relação à população idosa 1-3.
A Organização das Nações Unidas considera o período de 1975 a 2025 a era do envelhecimento, com aumento de 123% nos países em desenvolvimento e 54% nos países desenvolvidos, de 1975 a 2000. O acréscimo nos anos de vida da população brasileira gerou aumento do número de idosos. A expectativa de vida que era em torno de 33,7 anos em 1950/1955, deverá alcançar 77,08 em 2020/2025.
Com o aumento da expectativa de vida observa-se duas grandes questões. A primeira em relação a mudanças na cultura e avanços na saúde e condições de vida, com hábitos alimentares saudáveis redução da taxa de fecundidade queda da mortalidade infantil. A segunda relaciona-se com a possibilidade do idoso ser acometido por doenças degenerativas e crônicas, como perdas graduais cognitivas, que comprometem sua autonomia e demandam assim maiores cuidados 4.
Ao se tratar de idosos, Motta destaca as peculiaridades distintas, necessitando de uma avaliação de saúde que identifique os problemas que interfiram diretamente no grau de sua autonomia e independência. É uma faixa etária com maiores possibilidades de desenvolvimento de doenças crônicas e uso de medicamentos, o que demanda maior cautela nas orientações para evitar uso inadequado de medicamentos e efeitos indesejáveis. A atenção farmacêutica voltada ao idoso deve incluir uma assistência básica, através de ações educativas e de aconselhamentos 5.
O reconhecimento da atividade farmacêutica enfrentou dificuldades até alcançar importância na assistência à saúde. Inicialmente, possuía papel centrado do boticário que preparava, prescrevia e vendia seus medicamentos, bem como orientava seu uso correto, conquistando assim o reconhecimento e respeito diante a sociedade 1.
A interação do farmacêutico com a população é diretamente afetada pelo desenvolvimento das indústrias farmacêuticas, principalmente com a implementação da Lei 5.991/73, que determina que qualquer empreendedor poderia ser proprietário de um estabelecimento de farmácia. Dessa forma, as atividades farmacêuticas ganharam enfoque na obtenção de lucros, desvalorizando o farmacêutico e seu papel de agente de saúde 1.
Novaes e Oliveira, 2007 1 citam o surgimento da atenção farmacêutica nos anos 60, visando melhoria do atendimento para promoção, prevenção e restauração da saúde, através daintervenção por um profissional capacitado e habilitado. A partir deste momento, a prática da atenção farmacêutica foi se firmando 1.
Neste estudo, foi analisada a frequência do idoso nos postos de saúde e a importância da intervenção dos profissionais de saúde como garantia de maior qualidade de vida nesta fase. Assim, visamos avaliar o perfil socioeconômico destes pacientes para identificação dos problemas farmacoterapêutico relacionados a não adesão em terapia crônica medicamentosa, em uma Unidade de Atenção Primária à Saúde do município de Congonhas - MG, e proposição de intervenções que minimizem as práticas incorretas e aumentem a adesão ao tratamento.
METODOLOGIA
Realizada pesquisa de campo quantitativa, com idosos em tratamento crônico usando dois ou mais medicamentos, na faixa etária de 60 anos a 70 anos cadastrados na Unidade de Atenção Primária a Saúde da região central do município de Congonhas - MG, no período de 15 (quinze) de Setembro de 2015 a 08 (oito) de Outubro de 2015, onde foram coletados os dados. Foi estimada a participação de 131 idosos, com pretensão de alcançar 100% da população desde que incluíssem os critérios faixa etária entre 60 a 70 anos, uso crônico de medicamentos (período superior a seis meses) e concordância para participar da pesquisa, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). A pesquisa foi previamente aprovada pelo comitê de ética da Faculdade Santa Rita (protocolo 051/2015).
A coleta de dados iniciou-se com pesquisa nos prontuários médicos dos pacientes idosos, para identificação das classes/medicamentos utilizados e doença de base que levou ao tratamento crônico medicamentoso. Em seguida, foi realizada entrevista direta com a aplicação de questionários estruturados e validados de Morisky et al., 1986 6, Cipolle et al., 2004 7, com adaptações para melhor atender às especificidades deste estudo, contendo perguntas fechadas e objetivas sobre o tema em questão. Após concordância do paciente em participar do estudo, o questionário foi aplicado de maneira padronizada para facilitar o acesso às informações necessárias quanto à forma de uso dos medicamentos, os horários, e as possíveis interações que possam estar ocorrendo.
Da amostra total de 131 idosos convidados para o estudo, 31 não aceitaram participar e 100 permitiram consentimento para prosseguimento da pesquisa. A análise dos dados obtidos possibilitou a confecção de gráficos com frequência e média, através do programa Microsoft Office Excel 2007 (12.04518.1014), que avaliaram o perfil socioeconômico (sexo, idade, estado civil, grau de escolaridade, situação de moradia e do imóvel, situação ocupacional, faixa de renda, e composição familiar) e as dificuldades encontradas na administraçãodo medicamento (Esquecimento, descuido, interrupção quando se sente melhor ou pior, desconforto ou administração de dose além da prescrita).
RESULTADOS
Dentre os 100 idosos que participaram do estudo, 90 (90%) eram do sexo feminino, e 10 (10%) eram do sexo masculino. Com a aplicação dos questionários estruturados, obteve-se os seguintes resultados, mostrados na Tabela 1.
Questão | Sim N° (%) | Não N° (%) |
---|---|---|
1- Você alguma vez se esquece de tomar remédio?" | 57 (57) | 43 (43) |
2- Você, às vezes, é descuidado para tomar seu remédio? | 71 (71) | 29 (29) |
3- Quando você se sente melhor, às vezes você para de tomar ser remédio? | 25 (25) | 75 (75) |
4- Às vezes, se você se sente pior quando toma remédio, você para de toma-lo? | 11 (11) | 89 (89) |
5- Você sente algum desconforto ao tomar seu medicamento? | 11 (11) | 89 (89) |
6- Ao sentir que o medicamento não está tendo efeito, você toma além da dose indicada? Qual? | 6 (6) | 94 (94) |
7- Além dos medicamentos prescritos pelo seu médico, você costuma tomar outros medicamentos? Qual? | 39 (39) | 61 (61) |
Agrupando as informações obtidas na Tabela 1, pode-se demonstrar que 59% dos pacientes aderem efetivamente ao tratamento medicamentos, enquanto 41% não aderem. Quanto utilização de outros medicamentos (questão 7), há prevalência dos analgésicos, seguidos de anti-inflamatórios, vitamínicos, antidiarreicos e relaxantes musculares. Dentre desconfortos relatados (questão 5) estãonáusea, dispepsia, tontura e tosse.
Dentre as doenças base que motivaram o uso de medicação crônica estão hipertensão (78%), diabetes (10%), hipotireoidismo (6%), epilepsia (3%), arritmia cardíaca, distúrbio de comportamento (agressividade) e fibromialgia, com 1% cada. No caso de cada doença base, os medicamentos mais utilizados estão listados na Tabela 2.
Doença base (%) | Medicamentos |
---|---|
Hipertensão (78) | Hidroclorotiazida, Losatana, Clortalidona, Captopril |
Diabetes (10) | Metformina, Glibenclamida, Glimeperida, Insulina |
Hipotireoidismo (6) | Levotiroxina sódica |
Epilepsia (3) | Topiramato, Divalproato de Sódio, Fenobarbital, Fenitoína |
Arritmia cardíaca (1) | Atenolol |
Distúrbio de comportamento (agressividade) (1) | Periciazina |
Fibromialgia (1) | Tramadol |
O perfil socioeconômico mostrou prevalência naidade de 70 anos, estado civil viúvo(a), ensino fundamental completo como grau de escolaridade, morando em casas próprias, com situação ocupacional classificada como aposentados (as), faixa de renda compreendida entre um e dois salários mínimos e composição familiar com cônjuge, filhos e netos, conforme Tabela 3.
Variáveis | Categorias | Frequência (%) |
---|---|---|
Idade | 60 anos | 14 |
61 anos | 4 | |
62 anos | 4 | |
63 anos | 4 | |
64 anos | 6 | |
65 anos | 8 | |
66 anos | 4 | |
67 anos | 8 | |
68 anos | 4 | |
69 anos | 16 | |
70 anos | 28 | |
Estado civil | Casado(a) | 38 |
Separado(a) Solteiro(a) | 95 | |
Viúvo(a) | 48 | |
Escolaridade | Fundamental incompleto | 40 |
Fundamental completo | 45 | |
Médio incompleto | 6 | |
Médio completo | 9 | |
Situação econômica | Aposentado(a) | 45 |
Dona de casa | 18 | |
Pensionista | 33 | |
Aposentado(a) e trabalha | 4 | |
Faixa de renda | Entre 01 e 02 salários mínimos | 55 |
Mais que 02 salários mínimos | 45 | |
Composição familiar | Apenas cônjuge | 11 |
Cônjuge e filhos | 16 | |
Cônjuge e netos | 2 | |
Cônjuge, filhos e netos | 10 | |
Filhos e netos | 21 | |
Filhos | 21 | |
Sozinho(a) | 14 | |
Netos | 5 | |
Situação de moradia | Apartamento | 1 |
Casa | 99 | |
Situação do imóvel | Alugado | 18 |
Próprio | 82 |
DISCUSSÃO
O estudo demonstrou prevalência de pacientes do sexo feminino (90%) cadastradas na Unidade de saúde avaliada. Esse resultado é sincrônico com outros relatos da literatura, que verificaram um maior adoecimento das mulheres, de maneira geral, em relação aos homens, demandando maior frequência nos serviços de saúde. As mulheres representam 55,5% da população idosa brasileira, resultado da sua maior expectativa de vida 5,8.
Estudos associaram a saúde ao estado civil em que se encontram, relatando que os casados apresentam melhores níveis de saúde que os demais estados civis, o que justifica a prevalência de viúvos (48%) no presente estudo. A viuvez caracteriza negativamente a condição funcional diante da influência psicológica da perda familiar 8,9.
As condições de moradias dos participantes se mostraram adequadas, sendo que 99% moram em casa e 82% possuem imóvel próprio. A renda familiar, representada por dois salários mínimos em 55% dos participantes, é destacada como um fator importante e relevante para a qualidade de vida, garantindo melhor qualidade de vida 10.
Houve prevalência da composição familiar entre aqueles que moram com filhos e netos ou somente com filhos, ambos representados por 21%. Estudo já afirmaram que idosos que moram com filhos e netos desenvolvem melhor suas capacidades funcionais, sobressaindo aos que moram sozinhos ou são separados 9.
A adesão dos pacientes ao tratamento, avaliada nas quatro primeiras perguntas, correspondem a 59% de adesão e 41% não adesão. Apesar da adesão de 59% dos pacientes à terapia medicamentosa, outros estudos publicaram anteriormente que este percentual encontra-se abaixo do recomendável, 80%. O descuido com o horário e o esquecimento foram os itens que mais contribuíram para a não adesão, corroborando com outros estudos, que caracterizam tais fatores como comportamentos involuntários e simples de serem resolvidos quando comparados a comportamentos intencionais 11,12.
Demonstraram que esses itens apresentam maior frequência de ocorrência na população: desconforto 78%, excesso de dosagem 28%, uso de outros medicamentos 22%, comparados com os dados encontrados que foram, respectivamente, 11%, 6% e 39%. Esta diferença pode estar relacionada ao maior acesso do paciente a orientação de um profissional habilitado, quanto ao uso abusivo de medicamento. O modelo de prática farmacêutica compreende valores éticos, habilidades profissionais, compromisso e corresponsabilidade na prevenção de doenças, promoção e recuperação de saúde, juntamente à equipe de saúde 12,13).
Quanto ao uso de outros medicamentos, destacam-se os analgésicos (88,33%), para alívio de dores. No Brasil, os analgésicos representam os remédios mais comercializados, cujo uso excessivo e indiscriminado gera sérios efeitos colaterais e perigosas interações medicamentosas 14.
Dentre as doenças de base apresentadas pelos pacientes verificamos predominância de hipertensos (78%), uma doença cardiovascular com grande prevalência em idosos. Estima-se que pelo menos 60% dos idosos brasileiros, com 60 anos ou mais, são hipertensos. É sabido que o aumento da pressão arterial se dá com a idade, principalmente a partir da 6a década de vida. Com a elevação isolada ou predominante da pressão sistólica, a pressão de pulso aumenta favorecendo eventos cardiovasculares. Em indivíduos jovens decorre mais frequentemente a elevação da pressão diastólica. Dentre os medicamentos anti-hipertensivos mais utilizados predominam Losartana (bloqueadores do receptor de AT1) - 37% e Hidroclorotiazida (diurético) - 32% fármacos de primeira linha para tratamento da hipertensão, com eficiência na redução da pressão arterial 15.
A administração concomitante de inúmeras classes terapêuticas não orientadas por profissional habilitado e sem acompanhamento clínico, causam os problemas relacionados ao uso de medicamentos (PRMS) e agravos na saúde do idoso. No estudo realizado, através dos prontuários médicos pode-se observar interações medicamentosas e possíveis efeitos adversos causados pelos medicamentos. Dentre elas destaca-se uso de captopril e diosmina (potencializa a ação da primeira), levotiroxina sódica e antidiabéticos (ação reduzida pelo primeiro), fenobarbital e fenitoína (o primeiro reduz a absorção da fenitoína) 16.
Os desconfortos citados foram posteriormente identificados como possíveis efeitos colaterais do medicamento. Exemplos são glimeperida, clortalidona e losartana causando desconforto abdominal, captopril causando tosse e clorana, tontura (Quadro 1) Esse efeitos não devem ser tratados com outros medicamentos. A medicalização em idosos deve iniciar-se em baixas doses, com aumentos gradativos acompanhando a evolução do paciente 5.
Medicamentos | Possíveis efeitos colaterais |
---|---|
Glimepirida, Clortalidona, e Losartana | Desconforto abdominal |
Succinato de Metoprolol, Indapamida, Losartana, e Meloxicam | Náuseas |
Captopril | Tosse |
Clorana | Tontura |
A Política Nacional do Idoso, criada pela Lei 8.842 de 4 de Janeiro de 1994, visa assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Sua implementação em 1999 definiu e readequou os planos, projetos e atividades da área da saúde, almejando promoção do envelhecimento saudável, prevenção de doenças, recuperação da saúde dos que adoecem, e melhoria da capacidade funcional com reabilitações para aqueles com capacidade funcional restringida, garantindo autonomia e integração 17.
O Estatuto do Idoso (2003) é um grande avanço da legislação brasileira, abrangendo desde os direitos fundamentais dos idosos até as penas para crimes mais comuns cometidos contra estas pessoas. Garantir aos idosos a proteção à vida e à saúde diante da efetivação das políticas sociais públicas que permitem o envelhecimento saudável e com dignidade, e ainda prevê atenção integral através do Sistema Único de Saúde (SUS), meio de cadastramento, ações e serviços alternativos, que estimulem a não hospitalização e a manutenção do idoso junto a comunidades e sua família 17.
A automedicação é um hábito comum na população brasileira, com aumento considerável nos últimos anos. O consumo de medicamentos sem orientação de um médico ou farmacêutico, é cada vez mais frequente. Parte da influência está nas propagandas nos diferentes meios de comunicação. O elevado número de medicamentos utilizados pelos idosos está relacionado com a maior possibilidade de desenvolvimento de doenças crônicas, demandando prescrição de medicamentos como intervenção. O uso racional de medicamentos é fundamental para evitar gastos excessivos com vários medicamentos pelos idosos, prevenindo interações desnecessárias e assegurando boa qualidade de vida. A prática do uso racional garante doses adequadas e próprias para a situação clínica de cada indivíduo satisfazendo suas necessidades. É uma responsabilidade compartilhada entre os idosos e os profissionais de saúde. Fatores como investimentos públicos, estruturação e qualificação dos serviços, e especialmente o preparo técnico e ético dos profissionais de saúde, relacionam-se a essa questão 16,18,19.
O profissional melhor capacitado para direcionar as ações destinadas à melhoria do acesso e o uso racional de medicamentos é o farmacêutico, responsável pela organização e apoio do desenvolvimento da assistência farmacêutica, a Atenção Farmacêutica no Brasil é uma estratégia de atuação social e multidisciplinar do farmacêutico junto ao paciente e a sociedade. Deve ser orientada para a educação em saúde, dispensação, atendimento e acompanhamento farmacêutico, registro sistemático das atividades e avaliação dos resultados, visando alcançar resultados terapêuticos seguros e eficientes ao paciente. Neste sentido, o farmacêutico desempenha seu papel no acompanhamento farmacoterapêutico, adequando o uso dos vários medicamentos à realidade de cada indivíduo, através da identificação dos problemas relacionados ao uso destes, o que permite intervenções para melhor adesão ao tratamento 1,11.
Intervenções farmacoterapêuticas com equipe multiprofissional, visando esclarecer dúvidas podem minimizar as práticas incorretas e aumentar a adesão do paciente idoso ao tratamento. Dentre elas podemos citar a revisão das formas farmacêuticas, embalagens e rótulos, diante das restrições visual e motoras e da perda de memória dos idosos, elaboração de planilhas com dias e horários dos medicamentos e principalmente realizar abordagem educativa com explicação da doença, maneira correta de tratamento, formas de minimizar os desconfortos com o uso dos medicamentos (associar com alimentos ou jejum, por exemplo) e explicar possibilidade de efeitos adversos e toxicidade 5,19.
O trabalho mostrou existência da baixa adesão dos pacientes ao tratamento comparado a outros estudos, verificando-se dificuldades no uso correto do medicamento, ocasionando interrupções do tratamento. Pelo fato de se tratar de uma população idosa de escolaridade básica predominante, cabe destacar o papel do profissional de saúde na prescrição simplificada, com esclarecimento das possíveis interações medicamentosas, bem como identificar fatores ocasionam a não adesão ao tratamento, em caso de falha da terapêutica. As intervenções abordam desde educação em saúde até encaminhamento para profissional responsável, destacando assim o papel do farmacêutico na minimização das dificuldades relativas ao estado de saúde do paciente ♦