O Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS) desde sua criação em 1990 vem passando por mudanças, principalmente no princípio de atenção básica à saúde que passou de uma política com aspecto fortemente voltado para um modelo médico assistencialista, que tinha como objetivo a cura da doença após a sua detecção, para um modelo que visa a promoção, prevenção e reabilitação 1. Com essa reorientação o sistema de saúde e as políticas da área voltaram-se em direção ao princípio da profilaxia e não apenas do tratamento tardio, caracterizando-se, assim, o aspecto da promoção da saúde com maior foco no incentivo à pesquisa em saúde e mudança na educação, bem como na formação dos profissionais da área 2.
A partir dessa reorientação do sistema de saúde e da constante atualização dos dados epidemiológicos a partir do século XX (aumento do envelhecimento populacional, das doenças crônicas não transmissíveis, da expectativa de vida, e diminuição da participação das doenças infectocontagiosas como causa de morbidade e mortalidade), a adequação das políticas ao contexto sanitário, econômico e social do momento fez com que surgissem políticas públicas direcionadas a aspectos pontuais da sociedade brasileira, como a Politica Nacional de Promoção em Saúde (PNPS), o Programa Saúde da Família (PSF), e o Núcleo de Assistências a Saúde da Família (NASF), todas voltadas à diminuição dos altos custos de tratamentos e o incentivo a prevenção de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT's) 3,4.
Nesse contexto histórico, destaca-se que, em 1994 o Ministério da Saúde apresentou o Programa da Saúde da Família (PSF). Em um primeiro momento o programa teve como objetivo reorganizar a prática assistencial em novas bases e critérios, em substituição ao modelo assistencialista, com principio de saúde básica que tem como objetivo a melhoria da qualidade de vida, modificando o modelo tradicional, levando a saúde para perto das famílias, com proposta de ações que priorizam a prevenção, promoção e recuperação da saúde, tendo seu atendimento inicial nas unidades básicas ou nos domicílios. Sendo assim o seu papel principal seria a tentativa de modificação do modelo tradicional construindo um vínculo com a comunidade centrando as ações no paciente 5.
Já no ano de 2008, foi criado o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) cujo intuito era o de aprimorar as ações do PSF. O NASF se configura com diretrizes pautadas à atenção primária, ação interdisciplinar e intersetorial, educação permanente em saúde, participação social, promoção da saúde e humanização. É baseado em atuações de equipes multiprofissionais onde a pluralidade de formação na área da saúde possibilita uma gama de ações preventivas e de tratamento. Dentre os profissionais que estão aptos a ingressarem nas equipes do NASF está o profissional de Educação Física 6,7. A atividade física regular e a adoção de um estilo de vida ativo auxiliam para a promoção da saúde e melhoria da qualidade de vida, com isso os profissionais de Educação Física foram inseridos nos serviços de atenção básica como nos Núcleos de Apoio a Saúde da Família (NASF).
A priorização de ações voltadas à profilaxia de combate às DCNT's nos programas de atenção primária à saúde da família orienta-se também, pelos indicadores da Organização Mundial da Saúde que apresentam dados relevantes nessa área. Segundo a organização, as DCNT's são responsáveis pela morte de 41 milhões de pessoas por ano, desse montante, 17.9 milhões morrem em decorrência de doenças cardiovasculares. O sedentarismo e a consequente ausência de prática regular de atividade física, assim como o uso de álcool e tabaco, incrementam fatores de risco vinculado às DCNT's 8. Assim, a inclusão da atividade física regular orientada por profissional especializado junto à política de assistência a saúde da família, favoreceria ações primárias de prevenção.
Historicamente, a própria formação dos profissionais de Educação Física no Brasil esteve atrelada também a um viés voltado para o processo de higienização, bem como às concepções de atividade física e saúde, com uma grande expansão dos estudos da área a partir dos anos 1990 com forte viés as práticas da cultura corporal de movimento, assim como da superação do sedentarismo através do estabelecimento da atividade física regular como promoção de saúde. Estudos e pesquisas da área 9-11 indicam que a atividade física (AF) contribui com a recuperação do esforço físico, redução dos efeitos da alimentação hipercalórica e com o condicionamento corporal como efeito protetor frente as DCNT's, dentre elas as patologias cardiovasculares, diabetes e a obesidade 9-11.
Assim, como apontam as pesquisas de Lee 12, e Schnohr 13, indivíduos fisicamente ativos apresentam menor risco de desenvolver determinadas doenças que indivíduos menos ativos, ou seja, a AF está associada a um fator contrário à mortalidade vinculada às DCNT's e sobretudo com mortalidade cardiovascular.
De acordo com o Ministério da Saúde 2, a inatividade física ocasiona mais de 2 milhões de óbitos no mundo por ano resultantes de DCNT. Ainda de acordo com o ministério em 1988 as DCNT's contribuíram com 60% das mortes no mundo e a previsão para 2020 é que esse total chegue em 73% 2. A partir dessa perspectiva, e da modificação estrutural do sistema SUS as políticas públicas de saúde compreendem, como uma das alternativas de ação, a vinculação de práticas de atividades físicas para promoção de saúde de maneira universal para a população como mostram os estudos de Malta et al. 14, Sá e Florindo 15.
Diante desses aspectos a pesquisa teve como objetivo traçar e analisar o perfil dos usuários dos programas oferecidos pelas Unidades Básicas de Saúde, pertencentes ao NASF/PSF em um município de pequeno porte do Brasil, verificando o nível de atividade física dos indivíduos e a incidência de DCNT's na amostra analisada.
MÉTODO
O estudo consiste em uma pesquisa descritiva tipo survey com abordagem quantitativa. A pesquisa descritiva tem como base que os problemas podem ser resolvidos como as práticas melhoradas através da descrição objetiva e completa, assim o método de pesquisa descritiva survey procura determinar práticas ou opiniões em uma população específica 16. Foram aplicados os questionários International Physical Activity Questionnary (IPAQ) versão curta, para identificar o nível de atividade física dos usuários dos NASF em uma cidade de pequeno porte (População 31.816 habitantes) no Estado do Paraná, Brasil. Para averiguar questões demográficas e epidemiológicas foram aplicados questionários fechados adaptados baseados no modelo utilizado por Loch 17.
A amostra populacional foi definida a partir da seleção amostral intencional não-probabilística 18 baseada na busca ativa realizada pelos profissionais desses programas, sendo realizado o acompanhamento das visitas domiciliares junto às equipes do PSF. Definiu-se o procedimento sistemático de acompanhamento da busca ativa de cada equipe (total de 4 equipes) por uma semana cada.
Localizado os usuários pelas equipes do PSF, após o atendimento de saúde pelos profissionais, os pesquisadores explicaram os objetivos da pesquisa informando de forma clara que a participação era voluntária. Ao aceitarem a participação na pesquisa foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para assinatura, sendo só a partir de então aplicados os questionários do estudo. Dessa forma, o estudo segue as diretrizes de pesquisa cientifica que utiliza seres humanos de acordo com o CONEP (protocolo CAAE: 86344618.7.0000.0104996842770) e Declaração de Helsinki.
Para a construção do modelo de análise empregou-se a estatística descritiva para verificar os valores absolutos e percentuais da amostra analisada. Como forma de compreender o comportamento das variáveis e sua influência no resultado final empregou-se o modelo de Regressão Logística (Rlog) na análise. De acordo com Fávero 19, regressão logística é uma técnica estatística utilizada para descrever o comportamento entre uma variável dependente binária e variáveis independentes métricas e não métricas. O nível de significancia foi estabelecido em 5% (p<0,05), sendo todas as análises feitas a partir do software SPSS 20.0.
RESULTADOS
A amostra estudada foi constituída de um N amostral global 117 pessoas, residentes em área urbana. A média etária foi de 54,3 (± 19,3) anos. Desse total, 82 (70,1%) são mulheres em idade média de 52,0 anos (± 18,5) e 35 (29,9%) são homens em idade média 59,6 anos (±20,5).
A Distribuição das variáveis demográficas, percepção de saúde, classificação IPAq e existência e tratamento prévio de doenças dispostas na Tabela 1, indicam que a composição da amostra reflete uma maioria de mulheres (70,1%), sendo o estado civil de casado (60,7%) como predominante, com perfil de renda familiar de 2 a 5 Salários Mínimos (58,1%), e com nível de escolaridade de Ensino Fundamental Incompleto (55,6%).
Variável | n | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 82 | 70,1 |
Masculino | 35 | 29,9 |
Estado civil | ||
Casado | 71 | 60,7 |
Solteiro | 22 | 18,8 |
Viúvo | 18 | 15,4 |
Divorciado | 6 | 5,1 |
Renda familiar | ||
1 Salário mínimo | 49 | 41,9 |
2 a 5 salários mínimos | 68 | 58,1 |
Escolaridade | ||
Ensino fundamental incompleto | 65 | 55,6 |
Ensino médio completo/superior incompleto | 19 | 16,2 |
Ensino fundamental completo/médio incompleto | 14 | 12,0 |
Nunca estudou | 13 | 11,1 |
Ensino superior completo | 6 | 5,1 |
percepção de saúde | ||
Boa | 47 | 40,2 |
Regular | 42 | 35,9 |
Ruim | 19 | 16,2 |
Ótima | 9 | 7,7 |
Classificação IPAq | ||
Irregularmente Ativo B | 40 | 34,2 |
Ativo | 39 | 33,3 |
Irregularmente Ativo A | 22 | 18,8 |
Sedentário | 11 | 9,4 |
Muito Ativo | 5 | 4,3 |
Existência e tratamento prévio de doenças | ||
Possui uma ou mais doenças | 86 | 73,5 |
Não possui | 31 | 26,5 |
Sobre os aspectos relacionados à saúde, 73,5% dos indivíduos relatavam possuir uma ou mais doenças, sendo o padrão encontrado quanto ao nível de atividade física classificados pelo IPAQ como irregularmente ativo B (34,2%) e ativo (33,3%).
Em relação as doenças auto relatadas, as DCNT's destacaram-se pelo quantitativo de incidências. A Tabela 2 mostra que o tipo de doença autorrelatadas predominante foi Hipertensão (33,3%), seguido de Problemas na Coluna (18,8%), Colesterol (15,2%) e Diabetes (12,1%).
Doenças | N | % |
---|---|---|
Hipertensão | 55 | 33,3 |
Problemas na coluna | 31 | 18,8 |
Colesterol | 25 | 15,2 |
Diabetes | 20 | 12,1 |
Depressão | 8 | 4,8 |
Outras | 8 | 4,8 |
A.V.C. | 5 | 3,0 |
Sinusite | 4 | 2,4 |
Tireóide | 3 | 1,8 |
Labirintite | 3 | 1,8 |
Artrose | 2 | 1,2 |
Asma | 1 | 0,6 |
Após análise por regressão logística binária (Tabela 3), onde foram associados a classificação do IPAq com a incidência de DCNT's, identificou-se que os indivíduos que foram classificados como Muito Ativo (OR 0,086; p=0,037; 95%IC 0,009-0,865), e Ativo (OR 0,095; p=0,045; 95%IC 0,010-0,944) apresentaram valores estatisticamente significativos. Isso indica que os sujeitos que se encontram na classificação ativo e muito ativo em relação ao nível de atividade física apresentam um fator protetivo em relação à incidência de DCNT's.
B | S.E. | Wald | Df | Sig. | Exp(B) | 95% | IC | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Classificação IPAq | ||||||||
Sedentário | 4,4 | 4 | 0,3 | |||||
Irregularmente ativo A | -22,5 | 12118,6 | 0,0 | 0,9 | 0,0 | 0,0 | ||
Irregularmente ativo B | -2,3 | 1,2 | 3,7 | 0,052 | 0,0 | 0,09 | 1,01 | |
Ativo | -2.3 | 1,1 | 4,0 | 0,04 | 0,0 | 0,01 | 0,94 | |
Muito Ativo | -2.4 | 1,1 | 4,3 | 0,03 | 0,0 | 0,09 | 0,86 | |
Constante | 1,3 | 1,1 | 1,5 | 0,2 | 4,0 |
Isso remete à compreensão de que para cada incremento no posicionamento "ativo" do IPAq há redução de -90,5% a possibilidade do indivíduo incorporar uma DCNT prévia. Sendo que, para cada incremento no posicionamento "muito ativo" do IPAq a redução é -91,4% nessa mesma probabilidade.
DISCUSSÃO
Do perfil dos avaliados prevaleceu o gênero feminino que também foi identificado no estudo de Loch 17, assim como em outros estudos 20-22. Isso pode ocorrer devido às questões de trabalho, dificuldade de acesso aos serviços, e da falta de programas direcionados à saúde do homem, assim como o imaginário social que possui a visão que o homem é invulnerável e isso acaba colaborando para que cuidem menos e se exponham a situações de risco e a baixa procura aos programas de saúde 23. De acordo com essa baixa procura dos homens aos serviços de saúde fez se necessário a criação de uma política específica para eles, sendo assim, o Ministério da Saúde criou a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, que tem como objetivo desenvolver uma maior conscientização desse grupo e ressaltar a importancia do cuidado com a saúde 24.
Em relação a autopercepção de saúde, a maioria relatou como boa (40,2%), em seguida como regular (35,9%). De acordo com Agostinho 25, que fez utilização de autopercepção de saúde para explicar as relações de saúde e doença, mostrando que esta autopercepção varia de acordo com características subjetivas, que podem ser influenciadas pela cultura, expectativas, visão de mundo e pela personalidade dos indivíduos. Em um estudo realizado com adultos e idosos das regiões Sul e Nordeste 26, foi relatado que a maior parte dos sujeitos observados apresentou uma percepção positiva da saúde, sendo que na maioria essa percepção positiva estava relacionada a sujeitos fisicamente ativos.
No que tange ao nível de atividade física dos usuários, os resultados indicam que há necessidade de ampliação das ações nessa área, tendo em vista a irregularidade de frequência e duração conforme preconiza a Organização Mundial de Saúde 8. Dentro da classificação do IPAQ. a maioria dos avaliados se encontra no status irregularmente ativo B (34,2%), ou seja, indivíduos que não atingiram nenhum dos critérios da recomendação o que nos remete um fator de alerta. De acordo com as diretrizes da ACSM 27, adultos saudáveis entre 18 e 65 anos de idade devem participar de atividade aeróbica de intensidade moderada por no mínimo 30 minutos e 5 dias por semana, ou de intensidade vigorosa por no mínimo de 20 minutos em 3 dias na semana, isso remete à necessidade das políticas de atenção à saúde da família promover, dentre as suas ações, programas que visem estimular a pratica regular de atividade física das pessoas.
O alcance mínimo desses níveis de atividade física acarreta a não incidência de vários tipos de DCNT's, sendo o sedentarismo uns dos principais fatores decorrentes de acidente vascular cerebral, doenças cardiovasculares, osteoporose, diabetes melito tipo 2, síndrome metabólica, obesidade, câncer de cólon, câncer de mama e depressão 27.
Foi possível observar evidências com relação a atividade física (AF) e a incidência de doenças, sendo significativo o fator protetivo da AF assim como também mostram os estudos de Moura 28).
A atividade Física é fator primordial para a manutenção de um estilo de vida saudável e para prevenção de doenças 29. Assim, com base nos dados apresentados no estudo, cabe ressaltar sobre estratégias e caminhos pensando o controle e diminuição destas doenças.
Como uma das estratégias estaria a implementação sistematizada e organizada de programas de atividades físicas com supervisão de um profissional adequado, a inclusão do profissional de Educação Física nas equipes multiprofissionais do NASF poderia contribuir para essa política, favorecendo a interlocução com a prevenção por meio da sistematização de ações voltadas para a atividade física de populações especiais, bem como, para com o estímulo a um estilo de vida ativo e não sedentário favorecendo a melhoria dos indicadores de saúde populacionais. Nesse sentido, o profissional deve ser sensível ao ponto de pensar estratégias levando em conta cada contexto e individuo, bem como também construir junto às equipes multiprofissionais as melhores estratégias de abordagem e ação.
No que diz sentido sobre o perfil dos usuários desses programas no Brasil todo ainda pouco se sabe, o que torna necessário compreender quem é essa população e como ela utiliza de forma objetiva as políticas de assistência à saúde da família. Dessa forma, para amenizar as questões relacionadas às melhorias em saúde, estratégias elaboradas a partir de soluções de baixo custo, como o incentivo a prática de atividade física 27, tornam-se importantes ações para a modificação em médio e longo prazo do panorama de incidência de DCNT's na população brasileira.
O presente estudo indica caminhos para a construção de uma proposta efetiva de incorporação da atividade física como estratégia de baixo custo nas políticas de assistência à saúde da família e com resultados positivos em relação ao combate às DCNT's. Como política pública de saúde, tais medidas poderiam corroborar com a visão sistêmica do SUS na perspectiva da prevenção e minimização de riscos *