INTRODUÇÃO
A consolidação do capitalismo, o avanço da tecnologia e a mudança nos padrões de consumo da sociedade moderna caminham juntas deste antes do forte processo de globalização, industrialização e difusão da internet na vida das pessoas. Três conceitos clássicos na área de inovação, empreendedorismo e marketing que guiam esta evolução e serão tópicos centrais do presente artigo são: a destruição criativa (Schumpeter, 1984), a inovação disruptiva (Christensen, 1997) e a economia compartilhada (Botsman & Rogers, 2011).
A destruição criativa tem como princípio o surgimento e consolidação de produtos e métodos capitalistas inovadores que ocupam espaço no mercado, causando o desaparecimento de produtos e métodos antigos (Schumpeter, 1961). Este processo dinamiza o mercado por meio da competitividade entre as empresas em busca do melhor posicionamento, determinando também a extinção de empresas obsoletas.
Outro conceito mais contemporâneo que também segue esta lógica é o da inovação disruptiva. Compreender quais razões levam grandes empresas à falência era o objetivo de Christensen (1997), que identificou características comuns dentre as inovações em empresas emergentes que ganhavam espaço no mercado impactando fortemente na falência das até então empresas estabelecidas. Por este motivo, encontramos muita similaridade nos conceitos de destruição criativa e inovação disruptiva.
O terceiro conceito, mais contemporâneo, que segue esta lógica conceitualmente evolutiva envolvendo a dinâmica de mercado, tecnologia e consumo é a economia compartilhada (também conhecida na literatura como “consumo colaborativo”), que é orientada por um modelo econômico fundamentado na partilha, troca, comércio e aluguel de produtos e serviços, permitindo o acesso sobre a posse (Botsman & Rogers, 2011). Esta nova dinâmica de mercado que envolve o relacionamento que as pessoas têm construído com as empresas e com outras pessoas tem reinventado o modo de operação do mercado.
Embora separadamente seja possível encontrar inúmeros trabalhos sobre os três conceitos, não foram encontradas pesquisas acadêmicas que integrem todos estes conceitos, que possuem bastante similaridade no que tange (1) a consolidação do capitalismo e dinâmica de mercado, (2) o avanço da tecnologia e (3) a mudança nos padrões de consumo da sociedade. Ainda que um conceito não seja necessariamente decorrente do outro, em outras palavras, embora os autores não se citem entre si, encontramos forte sinergia entre seus princípios e propomos como objetivo do presente artigo analisar de forma evolucionista e comparativa estes três conceitos. Desta forma, a pergunta de pesquisa do presente artigo se constitui da seguinte maneira: é possível analisar os conceitos de destruição criativa, inovação disruptiva e economia compartilhada a partir de uma perspectiva comparativa e evolucionista?
Destruição criativa
Uma das principais características do capitalismo é o dinamismo e sua constante evolução, ditada pela competitividade do mercado (Schumpeter, 1968). O que move esse dinamismo é o processo de destruição criativa que tem como protagonista a figura do empreendedor e sua incansável busca pela inovação (Oliveira, 2014).
Esse fenômeno econômico ocorre quando um conjunto de novas tecnologias encontra aplicação e viabilidade de mercado, fazendo com que as tecnologias tradicionais se tornem obsoletas e, consequentemente, sejam esquecidas (Schumpeter, 1934). Por isso o nome “destruição criativa”, pois o fenômeno de destruição de uma tecnologia é movido por outra que tem em sua composição elementos criativos, inovadores e úteis para pessoas e empresas (Napoleoni, 1979).
Na fase inicial ascendente de um ciclo econômico, as novas tecnologias distinguem os empreendedores inovadores dos que continuam utilizando as tecnologias tradicionais. Os empreendedores inovadores são recompensados com elevadas taxas de lucros e constroem fortes empresas com alto poder de competição. Na fase de instabilidade, os lucros caem naturalmente, pois a maior parte das empresas já adotou o novo conjunto de tecnologias aumentando o nível de competitividade no mercado. Finalmente, na fase descendente de um ciclo econômico, o mercado se caracteriza por um aumento da oferta em relação à demanda. As tecnologias que inauguraram o ciclo se tornam, a essa altura, tradicionais. A queda acentuada dos lucros prenuncia mais uma ruptura, que acarretará em um novo ciclo. Esse é o movimento evolucionista do mercado gerado pela destruição criativa desenvolvido pelas inovações (Martes, 2010).
A fase inicial de cada onda de inovação é a época de ouro dos empreendedores (Schumpeter, 1934). Adaptando pioneiramente as novidades tecnológicas à produção, empreendedores ousados conquistam vastos mercados. De inexistentes a empresas de grande porte, essas inovações se tornam símbolos do seu tempo. Enquanto isso, grandes empresas baseadas em padrões tecnológicos superados entram em crise e precisam se reorientar para não desaparecerem.
A destruição criativa caracteriza-se pela introdução de novas combinações produtivas ou mudanças tecnológicas nas funções de produção. Schumpeter (1984)) classifica essas modificações da seguinte maneira: introdução de novo produto ou serviço, introdução de novo método de produção, introdução de novo mercado, conquista de uma nova fonte de oferta de matérias-primas e desenvolvimento de uma nova organização.
Primeiramente, a introdução de um novo produto ou serviço, ou de uma nova qualidade em um produto ou serviço já existente (Lazzarotti, Dalfovo, & Hoffmann, 2011). A substituição dos disquetes pelos CD, dos CD pelos pen-drives e dos pen-drives pelo armazenamento em nuvens é um exemplo de destruição criativa que substituiu rapidamente a tecnologia anterior por uma nova, no mercado de armazenamento de dados.
Em segundo lugar, a introdução de um novo método de produção, ou seja, um método ou processo produtivo ainda não utilizado que pode inovar a forma como um determinado setor é configurado. O modelo de produção em série que possibilitou a produção em massa do carro modelo Ford T a baixo custo é um clássico exemplo de destruição criativa em relação ao método de produção.
Terceiro, a abertura de um novo mercado, que caracteriza uma inovação que reconfigura ou até cria um novo mercado com novos agentes, nova regulamentação e nova orientação de demanda e oferta (Lazzarotti et. al., 2011). Os serviços oferecidos pelo Uber e os serviços oferecidos pelo Airbnb são exemplos recentes de novos mercados que foram criados e desafiaram de maneira nunca realizada antes os mercados de transporte e hotelaria. Esses casos serão resgatados posteriormente.
Em quarto lugar, a conquista de uma nova fonte de oferta de matérias-primas ou de bens semimanufaturados. A utilização de gema e clara em pó para receitas industriais por padarias, confeitarias e hotéis, além de reduzir o custo de produção, facilitar a compra e armazenagem, minimiza os problemas com vencimento de produtos e aquisição de ovos estragados e também tende a ter menos problemas com a vigilância sanitária.
Finalmente, o desenvolvimento de uma nova organização com um novo modelo de negócios, que reconfigura a dinâmica de mercado e competitividade (Cusumano, 2014). O sistema de vendas direta (porta-a-porta) utilizado pela Avon inovou o sistema de distribuição de cosméticos no Brasil. Além das empresas concorrentes terem que copiar o método de distribuição, a inovação também foi exportada para outros países com grandes extensões geográficas como o Brasil.
Esse processo de introdução e desaparecimento de inovações deixa de lado a lógica dominante da concorrência por preços, que perde força perante as ofertas baseadas na inovação da destruição criativa (Cusumano, 2014). A figura do preço composta pelos custos de produção, matéria prima, mão de obra e transporte perdem espaço; já o conceito de agregação de valor, tendência de mercado orientadas pelos desejos do consumidor e busca incansável por tecnologia, passam a regular a dinâmica de mercado.
Um elemento essencial da economia da inovação que também está relacionado com o preço, é a criação de crédito. O processo de inovação nos mercados de bens e serviços coincide com a inovação no sistema capitalista com a entrada da concessão de crédito tanto para consumidores quanto para empreendedores. De acordo com Schumpeter (1968), todos esses tipos de inovações podem ser mais rapidamente implementados quando o empreendedor tem em mãos capital suficiente para além de atingir bons resultados, atingi-los com velocidade. Sem inovação no setor financeiro, não há iniciativas inovadoras e, portanto, não há riqueza e geração de emprego. Se a destruição criativa é um fato essencial para o sistema capitalista, o crédito é um fato essencial para o desenvolvimento da destruição criativa.
Para tanto, a destruição criativa deve ser desenvolvida com ênfase nos investimentos em tecnologia, ou seja, inovações radicais tendem a ser mais promissoras do que inovação incrementais no processo de introdução e desaparecimento de empresas (Nogami, Pilli, Mazzon, Vieira & Veloso et al., 2015). Isso não quer dizer que a inovação incremental é ruim ou não deve ser almejada, no entanto, são as inovações radicais que podem causar algum tipo de ruptura no mercado (Nogami et al., 2015). Ao descrever o conceito de destruição criativa, Schumpeter (1942) argumenta que a entrada de empreendedores inovadores é a força que sustenta o crescimento econômico no longo prazo, mesmo que isso destrua as empresas estabelecidas vigentes.
Inovação disruptiva
O conceito de inovação disruptiva possui muitas semelhanças com o conceito de destruição criativa. Christensen (1997) tentava responder a uma simples pergunta: “Por que grandes empresas falem? ”. A resposta que o autor encontrou está no conceito de inovação disruptiva, que tendem a apresentar soluções mais simples que as inovações com altas tecnologias. Da mesma forma que a destruição criativa, a inovação disruptiva tende a desestruturar a estabilidade dominante do mercado. Para explicar esse fenômeno, o autor separa as tecnologias em sustentadoras e disruptivas.
As tecnologias sustentadoras são as responsáveis por melhorias, radicais ou incrementais, de produtos estabelecidos, referentes ao desempenho que os consumidores convencionais nos principais mercados valorizam (Hart & Christensen, 2002). A inovação sustentadora direciona as trajetórias de melhoria de desempenho, oferecendo soluções aos clientes mais exigentes (Christensen, 2013). Essa inovação pode ser considerada mainstream (corrente dominante), que sustenta a posição líder das empresas que já estão no topo. Dificilmente uma empresa nova consegue competir com as grandes com esse tipo de inovação, por isso, o conceito de inovação disruptiva é constituído (Markides, 2012). Esse conceito está envolto a novas, emergentes e potenciais empresas que focam em inovação para mercados com necessidades diferentes que ainda não foram atendidas (Christensen, Baumann, Ruggles, & Sadtler, 2006).
As tecnologias disruptivas são as inovações em produtos, serviços e modelos de negócios que apresentam soluções e alternativas diferente ao mercado, principalmente direcionadas aos consumidores não tradicionais (Christensen & Raynor, 2003; Sandberg & Hansén, 2004). A inovação disruptiva muda as práticas sociais, modo de viver, trabalhar e se relacionar (Markides, 2006). Em outras palavras, não é a tecnologia em si que importa, mas o seu uso. Essas inovações são posicionadas inicialmente para um público diferente daquele que costumeiramente é o alvo das inovações sustentadoras (Schmidt, & Druehl, 2008).
A inovação disruptiva começa com o suprimento da necessidade de um público menos exigente e ganha força aos poucos até que passa a atender as necessidades também dos clientes mais exigentes, a partir desse momento passa a ser uma ameaça às grandes empresas que se baseiam nas inovações sustentadoras (Corsi & Di Minin, 2014). A inovação disruptiva pode se caracterizar como um novo entrante em um mercado existente, ou ainda como impulsionadora de desenvolvimento de um novo mercado (Markides, 2013).
Essas inovações são inicialmente de menor desempenho em relação aos principais atributos das tecnologias sustentadoras. Quando essas tecnologias atingem o mesmo desempenho que as tecnologias sustentadoras, elas começam o processo de disrupção incomodando e ameaçando as empresas estabelecidas no mercado. Seus principais atributos são preço baixo, simplicidade e tamanho reduzido (Nogami & Veloso, 2018).
Pressupõe-se então que as inovações disruptivas primeiramente são comercializadas em mercados emergentes, pois suas características não atendem aos consumidores dos mercados tradicionais, ou das classes abastadas (Govindarajan & Trimble, 2009; Hang, Chen, & Subramian, 2010; Nogami, Vieira & Veloso, 2018). Portanto, a área de marketing possui mais responsabilidade sobre as tecnologias disruptivas do que o próprio setor de tecnologia e pesquisa e desenvolvimento (Yu, & Hang, 2010; Nogami & Veloso, 2017). Identificar necessidades não atendidas e desenvolver soluções não tradicionais aos consumidores, são responsabilidades atribuídas à área de marketing. A inovação disruptiva representa essa solução para uma necessidade não atendida.
Assim, as inovações sustentadoras são tradicionalmente encontradas em economias desenvolvidas e a inovação disruptiva e podem ser melhor exploradas em economias emergentes (Rigby, Christensen, & Johnson, 2002; Ray & Ray, 2011; Govindarajan & Trimble, 2012). Contudo, para atingir a lucratividade, a tecnologia disruptiva deve ser comercializada em grande escala, como qualquer outro mercado que trabalha com baixas margens.
O terceiro conceito a ser tratado no artigo, como subsequente dos anteriores, e consequentemente mais contemporâneo, é a economia compartilhada. Dentro de uma perspectiva histórica que envolve a dinâmica de mercado, o avanço da tecnologia e a mudança nos padrões de consumo, apontamos que a inovação disruptiva é um conceito decorrente da destruição criativa e que o conceito de economia compartilhada tem influências dos dois anteriores.
Economia compartilhada
O conceito de economia compartilhada muitas vezes se confunde na literatura, sendo tratados como sinônimo de consumo colaborativo (Silveira, Petrini, & Santos, 2016). Para nosso entendimento, são duas faces da mesma moeda que tem como objetivo descrever o mesmo fenômeno sob perspectivas diferentes. Consumo colaborativo tem como pano de fundo o consumidor e o ato de consumir, usar, compartilhar; ou seja, enfatiza o ponto de vista do indivíduo (Belk, 2010). Economia compartilhada tem como pano de fundo o sistema econômico, industrial e conjuntural, ou seja, enfatiza a tecnologia e as organizações (Scaraboto, 2015). No presente artigo optamos por usar a expressão “economia compartilhada”, pois a relação conceitual que está sendo propostas é com a destruição criativa e a inovação disruptiva, que possuem como pano de fundo o sistema econômico, a figura do capitalismo, a estrutura de mercado, as relações entre as empresas, e principalmente, o desenvolvimento da tecnologia.
Também balizado pela evolução do mercado, da tecnologia e do consumo, o conceito de economia compartilhada emerge na última década como forte determinante da relação entre as pessoas e empresas (Silveira, Petrini, & Santos, 2016). Segundo Botsman e Rogers (2010), foi a partir dos estímulos oferecidos pela internet que os indivíduos passaram a reinventar as formas de realizar trocas, satisfazendo assim suas necessidades e desejos, de forma sustentável e com menor custo. Os autores esclarecem que as pessoas não possuem o desejo de adquirir um produto em si, mas o de adquirir o que ele proporciona, em outras palavras, a posse perde significância para o uso. O exemplo clássico é a furadeira, nenhuma pessoa que não trabalhe com o produto tem interesse em possuí-lo, as pessoas têm interesse no furo que ela faz, muito por conta de ser uma necessidade pontual e não permanente.
Muitos são os artigos já publicados sobre economia compartilhada e consumo colaborativo, gerando até resultados de pesquisas bibliométricas (Silveira, Petrini, & Santos, 2016), propostas de novas tipologias (Petrini, Freitas, & Silveira, 2017) e resultados de pesquisa empírica (Arruda, Bandeira, Silva, & Rebouças, 2016; Bardhi, & Eckhardt, 2012). Da mesma forma, existem diversas afirmações acerca de sua origem, que também são difusas na literatura. No entanto, a publicação clássica que alavanca o tema como um conceito organizado e o projeto para futuros trabalhos acadêmicos e abertura de novas empresas com este perfil é o de Botsman e Rogers (2011). Para os autores, consumo colaborativo é uma prática comercial que possibilita o acesso a bens e serviços sem que haja necessariamente aquisição de um produto ou troca monetária entre as partes envolvidas neste processo. Compartilhar, emprestar, alugar e trocar substituem o ato de comprar e consumir.
Mais do que se preocupar com as definições e tipologias o presente artigo foca para o contexto que proporcionou a consolidações deste conceito, uma vez que foi ditado por uma nova configuração de mercado, tal qual aconteceu com a destruição criativa e a inovação disruptiva. Assim, com base em Botsman e Rogers (2010), consideramos que a origem deste conceito tem um contexto estrutural que envolve quatro principais elementos.
O primeiro elemento que marca o contexto do fortalecimento e consolidação do conceito de economia compartilhada é a crise econômica iniciada em 2008. As restrições financeiras que afetaram o cotidiano das pessoas alteram o processo de decisão de compra dos consumidores que passaram a optar por outras alternativas para satisfazerem suas necessidades (Martin, 2016; Markus e Oliveira Orsi, 2016). Como consequência, as empresas também passaram a oferecer outros tipos de soluções, muitas vezes mais baratas, para atingir o público. O caso clássico é o surgimento da companhia Airbnb (Belk, 2014).
O segundo componente compreende as preocupações com as questões ambientais (Zwickl, Disslbacher, & Stagl, 2016). Este assunto já é pauta das políticas públicas globais e organizacionais há mais tempo, mas com a evidência de soluções tecnológicas e práticas comportamentais que protegem o meio ambiente em evidência, essas questões se fortalecem. Deste modo, tanto as preocupações ambientais se beneficiam com a consolidação e difusão do conceito de economia compartilhada, quanto a economia compartilhada se beneficia com o fortalecimento das discussões ambientais (Heinrichs, 2013; Martin, 2016).
O terceiro aspecto a ser destacado é a tecnologia. A difusão de smartphones mais acessíveis para todos os segmentos em termos de preço (baixa renda, idosos, ruralistas), a facilidade do uso dos aparelhos e a forte busca dos empreendedores em desenvolver soluções por meio de aplicativos são aspectos relacionados à tecnologia que contribuíram para a consolidação da economia colaborativa. Além das empresas que surgem com seu core business voltado para os aplicativos, as empresas já existentes passaram a oferecer soluções também com o uso do dispositivo. Essa acessibilidade em termos de smartphones com a difusão da internet, bem como o interesse das organizações em estarem conectadas com seus consumidores formam uma sinergia determinante para este contexto de consolidação da economia compartilhada (Aigrain, 2012).
Como quarto elemento, destacamos o sentimento de compartilhamento entre as pessoas. Belk (2010) sugere que o compartilhamento envolve o ato e o processo de distribuir o que é nosso para os outros usarem, bem como o ato e o processo de receber algo dos outros para nosso próprio uso. Dentro de uma perspectiva mais solidária e humanitária, esta prática quando tem o incentivo de organizações, tecnologias, espaços urbanos, internet, e principalmente, de outras pessoas, passa a ganhar mais espaço dentro de uma dinâmica de mercado. A economia colaborativa se aproveita deste sentimento mais solidário onde é necessário, e também se fomenta, maior senso de justiça e confiança entre as pessoas (Möhlmann, 2015). A tecnologia e as organizações são condições necessárias para consolidação da economia colaborativa, mas não são condições suficientes.
Da mesma forma que acontece no surgimento e consolidação do conceito da destruição criativa e da inovação disruptiva, a economia compartilhada tem como elementos marcantes o contexto econômico, o avanço tecnológico e as mudanças nos padrões de comportamento e consumo da sociedade. A próxima seção discute e compara todos estes conceitos em forma de síntese com intuito de analisar suas diferenças e semelhanças.
Análise comparativa e evolucionista
Em termos conjunturais e contextuais, a principal semelhança entre os três conceitos apresentados até aqui envolve a dinâmica de mercado do ponto de vista econômico e da competitividade das empresas, o avanço tecnológico do ponto de vista da busca da inovação e a mudança nos padrões de consumo e da sociedade.
Outro ponto comum entre os três conceitos é que em todos os casos a inovação se torna fator essencial para manter a competitividade do mercado, promover maior competitividade entre as empresas e desestabilizar a zona de conforto de grandes e estabelecidas empresas. Da mesma maneira que Schumpeter (1984) afirma que a destruição criativa pode derrubar monopólios e oligopólios, Christensen (1997) afirma que a inovação disruptiva pode levar as grandes e estabelecidas empresas à falência. Já Botsman e Rogers (2011) afirmam que a economia compartilhada ditará as novas configurações de mercado, as empresas que não se adequarem a esta nova dinâmica não permanecerão no mercado.
Todos estes conceitos são fortes aliados para os empreendedores que possuem uma ideia criativa e pretendem entrar em um mercado que é dominado por grandes organizações e grupos empresariais. A capacidade de rápida aceitação pelos consumidores e ameaça aos métodos e processos tradicionais vigentes nas empresas é um estímulo para novos empreendedores que pretendem inovar e ganhar espaço.
Por outro lado, vale destacar também quais são as diferenças entre destruição criativa, inovação disruptiva e a economia compartilhada. A Figura 1 a seguir mostra essas diferenças no que tange a pergunta norteadora, as características da inovação, o foco e o custo.
Schumpeter (1984) tem como objetivo averiguar se o sistema capitalista poderia sobreviver, a preocupação é mais estrutural com o olhar para o sistema econômico. Christensen (1997) tem como objetivo investigar o motivo da falência de grandes e estabelecidas empresas, com o olhar mais gerencial. A preocupação de Botsman e Rogers (2011) é apontar que é possível satisfazer as necessidades de consumo sem necessariamente existir a prática consumista.
Enquanto a destruição criativa precisa ter uma inovação radical para ser configurada, a inovação disruptiva pode ser iniciada com uma inovação incremental (Lazzarotti et. al., 2011). Por outro ladro, na economia compartilhada, a tecnologia já é acessível a todos por meio da internet e aplicativos, a ênfase está mais no modo como as pessoas se comportam e consomem. Outra forma de interpretar esta inovação é com base no conceito de game-changing (Szekely & Strebel, 2013), ou seja, a inovação que definitivamente muda a forma de configuração do mercado. Como foco principal, a destruição criativa tem a desestruturação do mercado por meio de produtos e processos inovadores; já o foco da inovação disruptiva está nas variações das exigências da demanda. Para a economia compartilhada, o foco principal é o compartilhamento e o sentimento de confiança, justiça e solidariedade.
Diante da perspectiva financeira, a destruição criativa tem altos custos, haja vista a importância que Schumpeter (1934, 1961) dá para o crédito, como dispositivo para manutenção do sistema capitalista; já a inovação disruptiva possui menos custos, promovendo menores preços e exigindo ganhos em escala. O mesmo acontece com a economia compartilhada que tem como características, negócios iniciados por pequenos empreendedores que acreditaram em suas ideias sem necessitar de grandes investimentos.
Discussões finais
O presente texto teve como objetivo analisar de forma evolucionista e comparativa os conceitos de destruição criativa, inovação disruptiva e economia compartilhada. Inicialmente apresentamos as ideias schumpiterianas a respeito do sistema capitalista e a destruição criativa como fato essencial para a manutenção e a evolução do capitalismo. Esses ideais são fundamentados em publicações mais antigas datadas da década de 1940, 1950 e 1960. Posteriormente, apresentamos os conceitos de inovação disruptiva (Christensen, 1997), que apresentam várias semelhanças com a destruição criativa em termos de inovação e uso da tecnologia. Por fim, destacamos a emergência e consolidação da economia colaborativa que tem atuado de forma mais presente no mercado nos dias de hoje.
Em todos os conceitos é possível encontrar semelhanças em que tange (a) a importância da inovação, (b) a figura do empreendedor com características inovadoras, e (c) a desestabilização de sistemas dominantes como os monopólios, oligopólios e grandes e estabelecidas empresas, ou seja, o dinamismo do mercado.
As publicações referentes à inovação disruptiva e economia compartilhada são mais recentes. Se Schumpeter pôde conhecer a revolução industrial, a crise de 1929 e as ideias marxistas de forma mais próxima, Christensen teve contato mais próximo com a revolução tecnológica e a expansão da globalização da década de 1990 e dos anos 2000, já Botsman e Rogers (2011) estão mais imersos nas questões ambientais e nos exageros do estilo de vida provocados por um comportamento consumista.
Fazemos um destaque para a economia compartilhada não apenas ser o conceito que está presente atualmente no mercado, mas principalmente por considerarmos que pode ser encarada como uma solução para as disfunções do capitalismo. Enquanto o sistema capitalista tradicional degrada o meio ambiente, compromete financeiramente empresas e países e incentivam o espírito egoísta e individualista, a economia compartilhada tem como premissa a redução do consumismo, a desaceleração da produção exagerada e estimula a consciência do compartilhamento e trocas baseadas na confiança e no bom convívio social.
Inovações como o Uber e o Airbnb estão desestruturando o mercado de transporte e hotelaria. O Uber não tem em sua propriedade nenhum carro e o Airbnb não tem em sua propriedade nenhum imóvel para alugar. Ambos investem na economia compartilhada para reaproveitar os bens que já são existentes para serem utilizados por pessoas que precisam satisfazer alguma demanda e buscam por alternativas de melhores preços e menor produção e consumo de novos produtos. Exemplos em outras áreas como alimentação, vestuário, brinquedos, livros, escritórios virtuais e outros, envolvendo tanto produtos quanto serviços, são diversos.
Se na visão de Schumpeter (1984) o foco era principalmente na tecnologia e nos novos produtos, e na visão de Christensen (2001) o foco era na demanda e nas inovações incrementais, para os defensores da economia colaborativa (Botsman e Rogers, 2011; Andrade e Pinto, 2017), a oportunidade para empreendedores inovadores entrarem no mercado e disputarem com grandes empresas ou grupos empresariais está no compartilhamento, colaboração e redução expressiva do sistema do produção e consumo de bens duráveis.
Percebemos nos três casos que as dinâmicas de mercado, os avanços tecnológicos e as mudanças no padrão de consumo determinaram os fatores inovadores nos três conceitos estudados, conforme indica a Figura 2. Nesse sentido, seguindo essa evolução histórica, o texto se encerra com questões e reflexões para proporcionar insights para tendências futuras no contexto que envolve esses três elementos principais que influenciaram a destruição criativa, a inovação disruptiva e a economia compartilhada.
Como se configurará a dinâmica de mercado nos próximos anos? Como serão estabelecidas as relações entre o governo e as organizações? Como as relações globais serão constituídas? Há algum padrão de mudança ou estabilidade que possa ser previsto para o mercado nos próximos anos? Respostas para estas questões de mercado podem revelar como será composto o próximo ciclo tecnológicos.
Como serão as novas tecnologias? Como a internet continuará alterando a forma como as pessoas vivem? A internet das coisas irá ganhar espaço no que tange as preocupações tecnológicos das empresas? O que a nanotecnologia ainda pode contribuir para o desenvolvimento de produtos e processos? Respostas para estas questões tecnológicas podem revelar como será composto o próximo ciclo de mudança comportamental das pessoas.
O que influenciará o comportamento das pessoas futuramente? Os digital influencers sobreviverão por muito tempo? Os smartphones permanecerão tão presentes na vida das pessoas? Se sim, as relações entre as pessoas com smartphones serão as mesmas? A realidade aumentada pode se fazer mais presente no cotidiano das pessoas? O varejo físico ainda se manterá estabelecido no mercado? Respostas para estas questões comportamentais podem revelar como serão dispostas as dinâmicas de mercado no futuro. Consequentemente, todas essas respostas podem nos indicar como se constituirá a próxima onda tecnológica.