Introdução
A literatura geralmente relata o eixo hipotálamo-hipofisário-gonadal como o responsável pelo controle e desenvolvimento do ciclo estral, deixando de lado o próprio útero, o qual é um órgão essencial para a procriação e perpetuação das espécies. Sendo que, exerce parte essencial na modulação do ciclo estral por meio de mecanismos luteolíticos das células endometriais. Além de atuar no transporte e capacitação dos espermatozoides, bem como na implantação, desenvolvimento, alojamento, nutrição e proteção do conceito até o final da gestação (HAFEZ e HAFEZ, 2004). Possui também função especial no parto e na expulsão das membranas placentárias, para a recuperação dos tecidos com finalidade de nova gestação (ALMEIDA et a., 2013).
Em humanos, a espessura endometrial é bem definida na literatura, de forma que é possível identificar endometrite ou mesmo a sua relação com fertilidade. Diversos estudos têm sido realizados em bovinos, no intuito de avaliar o grau de maturidade sexual de fêmeas aptas à reprodução (ANDERSON et al. 1991; HOLM et al., 2009). Porém, na literatura consultada não foi encontrada a descrição de uma metodologia exata para avaliar a biometria uterina nesta espécie. Da mesma forma, a ultrassonografia tem sido empregada na avaliação da camada endometrial, com a finalidade de correlaciona-la com fertilidade (PIERSON e GINTHER, 1987; MONA et al., 2014). Ou mesmo na avaliação da involução uterina e o diagnostico de infecções uterinas em ausência de liquido (POLAT et al., 2015). Neste sentido objetivou-se no presente estudo, padronizar e descrever uma metodologia de alta acurácia por meio da obtenção e interpretação de imagens ultrassonográficas, que permita mensurar a espessura endometrial e o diâmetro dos cornos uterinos em bovinos.
Material e métodos
Local: O presente estudo foi conduzido com animais da Unidade de Ensino, Pesquisa e Extensão em Gado de Leite (UEPE-GL) do Departamento de Zootecnia (DZO) da Universidade Federal de Viçosa (UFV) localizada a -20°45`16” latitude norte e 42°52`57” longitude leste no estado de Minas Gerais. A uma altura de 660 metros acima do nível do mar, com clima tropical, chuvas durante o verão, e temperatura entre 10ºC e 23ºC, com média de 19ºC, (CARDONA et al., 2013). O presente trabalho foi executado, sob o protocolo de aprovação Nº 88/2013 da comissão de Ética no Uso de Animais-CEUA da UFV.
Animais: Foram utilizadas cinco fêmeas bovinas adultas da raça Holandesa, cíclicas e sexualmente maduras, da ordem de parto igual a quatro, as quais se encontravam clinicamente hígidas, livres de patologias nos órgãos genitais. Indicadas ao abate por critérios zootécnicos e estratégia de reposição do rebanho de acordo com o manejo de produção da UEPL do DZO-UFV. As fêmeas foram mantidas em sistemas estabulados Losing-House, em baias coletivas (12 m2/animal) de acordo com a produção leiteira, alimentadas com ração e silagem de milho fornecidos duas vezes ao dia logo após as ordenhas (7:30 e 16:30 horas). Suplemento mineral proteínado e água foram fornecidos para consumo ad-libitum. O estábulo possui sistema de ventilação para a dissipação do calor, camas individuais secas e limpas.
Espessura endometrial e diâmetro dos cornos uterinos: Para facilitar a mensuração da espessura endometrial e diâmetro dos cornos uterinos, o útero foi dividido em três regiões, modificando os segmentos preconizados por Ginther (1998). A primeira região compreendeu a zona do ápice do corno uterino. A segunda região foi considerada a partir do ápice até a curvatura maior. E finalmente, a terceira região desde a curvatura maior até o início da bifurcação interna dos cornos uterinos (ainda unidos pelo septo intercornual). Foi utilizado transdutor em frequência 7,5 MHz (Mindray® 75L50EAV) acoplado ao ultrassom Mindray® Dp2200.
O transdutor foi posicionado a 90º de inclinação, e perpendicularmente em relação ao corno de tal forma que fosse obtido a maior superfície de contato sem chegar a deformar o corno evitando erros que gerassem imagens fora do padrão comum da anatomia dos órgãos genitais. Imagens ultrassonográficas foram congeladas em cada uma das regiões estabelecidas para mensuração da biometria uterina. A espessura endometrial foi considerada como camada visualizada desde o lume uterino até a interface do miométrio (Souza et al 2011). Para maior acurácia, foi obtida através da média das mensurações da camada endometrial dorsal e ventral. Medidas discrepantes em mais de um milímetro entre as duas camadas foram refeitas. O diâmetro do corno foi obtido pela média de duas mensurações perpendiculares ao diâmetro do útero.
Mensurações in vivo : Doze horas antes do abate foram feitos exames dos órgãos genitais de cada um dos animais. As vacas foram contidas em tronco individual, em seguida, foi feita a limpeza do reto e introduzido o transdutor transretal linear. Foram obtidas e salvas imagens ultrassonográficas para posteriores mensurações da espessura endometrial e o diâmetro uterino em cada uma das três regiões uterinas estabelecidas.
Mensurações post mortem : Os animais foram abatidos no frigorifico experimental do Departamento da Zootecnia (DZO-UFV). Após o abate, foram colhidos os órgãos genitais, e refrigerados em gelo reciclável dentro de caixas isotérmicas até o Laboratório de Anatomia Animal (DVT/UFV). Posteriormente, cada peça foi colocada dentro de cubas cheias de água, para a obtenção das mensurações da biometria nas três regiões uterinas por meio de ultrassonografia. Logo, cada corno foi seccionado transversalmente em cada região proposta para identificação das camadas uterinas e interpretação das imagens ultrassonográficas.
Análise estatística: Todos os dados foram submetidos à estatística descritiva com obtenção das médias, desvios-padrão e coeficiente de variação. Os dados quantitativos foram submetidos aos testes de Lillierfors e de Cochran e Bartlett, para verificar respectivamente, a normalidade dos dados e a homogeneidade das variâncias. A análise de variância (ANOVA) foi usada para avaliações de todos os dados que atenderem às premissas da ANOVA. Os testes de Tukey ou Duncan foram empregados para comparação das médias e quando os dados não atenderam as premissas da ANOVA (normalidade dos dados e homogeneidade das variâncias), os dados foram avaliados por meio de análise não paramétrica e as médias comparadas pelos testes de Kruskall Wallis ou Wilcoxon, empregando-se 5 % de probabilidade de erro. Quando os valores de variação foram superiores a 15 %, empregou-se o teste de Duncan, no intuito de evitar o erro estatístico tipo II. Correlações simples de Pearson foram realizadas entre todas as características estudadas.
Resultados
Os valores médios obtidos a partir das imagens ultrassonográficas nos animais in vivo e posteriormente nas mensurações post mortem da espessura endometrial e do diâmetro uterino estão sumarizados na Tabela 1. Não foram observadas diferenças (p>0,05) entre as medias das espessuras endometriais e diâmetro uterino dos cornos esquerdos e direito antes e depois do abate.
Os valores médios por região para espessura endometrial e o diâmetro do corno esquerdo e direito nos animais são apresentados na Tabela 2. Observa-se que os valores da espessura endometrial e diâmetro uterino post mortem mostram-se superiores nas regiões dois e três ao se comparar com a primeira região. As medias da primeira e terceira a região para a variável espessura endometrial dos cornos uterinos são semelhantes entre elas, mas inferiores ao comparar-se com os valores da região dois.
Características | IV | PM | MÉDIA |
---|---|---|---|
EECE | 10,6±4,7 | 11,5±4,9 | 10,9±4,9 |
DCE | 20,5±3,6 | 23,4±4,9 | 21,7±4,2 |
EECD | 10,5±4,6 | 11,0±4,7 | 10,6±4,6 |
DCD | 22,8±4,3 | 23,7±3,9 | 23,0±3,9 |
(P>0,05) na mesma linha, pelo teste de Tukey; IV: in vivo; PM: post mortem; EECE: Espessura endometrial corno esquerdo; DCE: Diâmetro corno esquerdo; EECD: Espessura endometrial corno esquerdo; DCD: Diâmetro corno direito. |
Características | In Vivo | Post Mortem | Média |
---|---|---|---|
Primeira região | |||
EECE | 10,0±4,6 | 9,9±5,2 | 9,6±4,8 |
DCE | 17,1±2,7 | 19,1±2,2 | 18,2±2,5 |
EECD | 9,3±4,3 | 8,9±3,7 | 8,5±3,6 |
DCD | 19,0±3,6 | 19,8±2,3 | 19,5±2,8 |
Segunda região | |||
EECE | 11,6±5,5 | 13,3±4,7 | 12,3±4,9 |
DCE | 22,9±3,7 | 26,8±4,7 | 24,2±3,9 |
EECD | 11,4±5,0 | 12,9±5,4 | 12,7±4,9 |
DCD | 25,6±3,9 | 26,8±2,7 | 25,8±3,3 |
Terceira região | |||
EECE | 10,4±4,9 | 11,7±5,4 | 10,7±5,1 |
DCE | 21,0±2,6 | 24,2±4,2 | 22,8±3,8 |
EECD | 10,8±5,2 | 11,3±4,8 | 10,6±4,8 |
DCD | 22,9±2,8 | 24,4±3,0 | 23,7±2,8 |
(P>0,05) na mesma linha, pelo teste de Tukey; EECE: Espessura endometrial corno esquerdo; DCE: Diâmetro corno esquerdo; EECD: Espessura endometrial corno esquerdo; DCD: Diâmetro corno direito. |
Os valores da Tabela 3 representam a comparação por regiões, indicando que o diâmetro dos cornos uterinos e a espessura endometrial na terceira região mostrara-se semelhante aos valores médios das outras regiões mensuradas (P>0,05). Porém, os valores médios da primeira região para o diâmetro do corno uterino esquerdo mostraram valores inferiores aos da segunda região (P<0,05).
Características | Primeira região | Segunda região | Terceira região | Média |
---|---|---|---|---|
EECE | 9,9±4,6 | 11,6±5,5 | 10,4±4,9 | 10,2±4,9 |
DCE | 17,1±2,7 B | 22,9±3,2 A | 21,0±2,6 AB | 20,5±3,6 |
EECD | 9,3±4,3 | 11,4±5,0 | 10,8±5,2 | 9,9±4,7 |
DCD | 19,0±3,6 | 25,6±3,9 | 22,9±2,8 | 22,7±4,3 |
Valores médios seguidos por letras maiúsculas diferentes na mesma linha diferem entre si (P<0,05) pelo teste de Tukey; EECE: Espessura endometrial corno esquerdo; DCE: Diâmetro corno esquerdo; EECD: Espessura endometrial corno esquerdo; DCD: Diâmetro corno direito. |
Discussão
A ultrassonografia vem sendo utilizada cada vez mais como uma ferramenta auxiliar ao exame dos órgãos genitais em bovinos (CORREDOR-CAMARGO e PAÉZ, 2012). PIERSON e GINTHER (1987) fizeram um dos primeiros relatos de ultrassonografia uterina em bovinos. Através de cortes longitudinais 15 milímetros após a cérvix os autores escanearam os cornos uterinos em sentido cranial. Porém, os mesmos relataram que nem sempre foram diferenciadas claramente as camadas uterinas nas imagens ultrassonográficas. Além disso, a técnica utilizada não permitiu o aproveitamento da imagem gerada para mensurar o diâmetro uterino.
Com o avanço dos aparelhos ultrassonográficos e sua precisão, novos estudos ultrassonográficos reportam a possibilidade de diferenciar as camadas uterinas (SOUZA et al., 2011; POLAT et al., 2015). A literatura consultada sobre ultrassonografia em bovinos, não mostra em detalhe a delimitação das camadas uterinas o que dificulta a interpretação das imagens e a relação da espessura endometrial com fertilidade ou diagnostico de patologias uterinas como endometrite em ausência de liquido no lume, como é feito em mulheres.
Dessa forma, a interpretação das imagens obtidas por ultrassonografia, só ficou esclarecida após revisão e associação com a histologia uterina relatada por DELLMANN e BROWN (1982). Assim, foi possível identificar e delimitar as camadas uterinas por meio do presente estudo (Fig. 1). Sendo que, a camada mais interna das imagens é formada pelo endométrio seguido de uma fina camada muscular transversal. Posteriormente, delimitado por um tecido frouxo ricamente vascularizado (estrato vascular que gera uma imagem anecóica) e finalmente uma camada muscular longitudinal em união ao perimétrio.
Sabendo que as medidas obtidas no animal in vivo são acuradas (Tabela 1 e 2), o seguinte passo foi padronizar o local de mensuração dos cornos uterinos. A terceira região uterina apresentou valores médios e semelhantes às outras duas regiões. Dessa forma, a mesma, mostra-se representativa do útero como um todo para obter medidas da espessura endometrial e diâmetro dos cortes uterinos por meio de cortes transversais de imagens ultrassonograficas.
DESCÔTEAUX et al.(2010) coincide com BARLUND et al., (2008) ao relatar que a aparência do endométrio pode mudar de acordo à idade e fase do ciclo em que seja feita o exame. No entanto os primeiros não relataram uma metodologia para obter dita mensuração. Já os segundos utilizaram três imagens diferentes do útero, em cortes transversais para determinar a espessura endometrial, sem descrever em quais locais foram obtidas ditas imagens.
Caso parecido aconteceu com o trabalho de POLAT et al. (2015), os quais relataram a obtenção de três imagens na curvatura maior do útero para obter uma maior acurácia da espessura endometrial do corno. No entanto, de acordo com os dados obtidos no presente estudo, a curvatura maior do corno esquerdo (segunda região) não foi semelhante com espessura e diâmetro do ápice do mesmo corno (primeira região). Não representando a biometria uterina como um tudo. Contrastando com a metodologia utilizada por SOUZA et al. (2011), os quais obtiveram imagens transversais em sentido cranial à bifurcação uterina. Estes autores, não relatam o motivo da escolha desses locais. Os dados obtidos no presente estudo constatam que só a terceira região do útero seria representativa das outras regiões.
MONTEIRO et al. (2013), mensuraram a espessura endometrial de um só corno. Porém, as estruturas no ovário poderiam influenciar mais o corno ipsilateral, podendo haver uma mudança maior acima dele, de forma que a hipótese deveria ser testada em um maior numero de animais.
O diâmetro obtido dos cornos uterinos obtidos no presente trabalho, não coincidem com os valores preconizados por ANDERSON et al. (1991), onde as fêmeas maturas sexualmente aptas à reprodução com devem apresentar diâmetro de cornos uterinos superior a 30 milímetros. Por outro lado, os diâmetros uterinos obtidos neste estudo coincidem com os valores médios propostos por MIHURA e CASARO (1999), os quais modificaram os valores preconizados por ANDERSON (1991), e relataram diâmetros uterinos de 20 mm para úteros de animais maduros sexualmente. Contudo, têm que ressaltar que estes valores foram preconizados para novilhas, e no presente estudo foram utilizadas fêmeas adultas pluríparas. Para dita comparação, sugere-se a obtenção da biometria uterina em animais desde a fase peri puberal até sua maturidade sexual.
No entanto, a cavidade pélvica em novilhas normalmente é estreita o que poderia dificultar a movimentação da mão juntamente com o transdutor para gerar as imagens de cortes transversais. Indica-se então, girar o transdutor na palma da mão, ou posicionar o corno transversalmente antes de posicionar o transdutor. Erros de posicionamento e/ou pressão excessiva nos cornos são detectados na imagem gerada no ultrassom. O sucesso da metodologia mesmo se mostrando eficiente e atingindo sua finalidade, irá depender do treinamento do avaliador.
Considerando os estudos que relatam mudanças na espessura endometrial dos cornos uterinos ao longo do ciclo estral (PIERSON e GINTHER, 1987; SOUZA et al., 2011) e as correlações positivas entre o diâmetro uterino e o ganho de peso, idade e peso corporal, puberdade e maturidade sexual relatadas por MONTANHOLI et al. (2004), e ROBSON et al. (2007), indica-se o uso da presente metodologia para o estudado da biometria uterina de forma associada em diferentes faixas etárias e ao longo do ciclo estral de fêmeas bovinas.
Conclusões
Os valores médios obtidos para as diferentes áreas dos cornos uterinos, no animal in vivo e nos órgãos colhidos post mortem, indicam que a ultrassonografia transretal bovina permite identificar com alta acurácia as camadas muscular, vascular e endometrial do corno uterino, assim como seu lume. Imagens transversais obtidas na terceira região uterina, apresentaram neste estudo, valores médios e semelhantes às demais regiões do útero para a biometria uterina, sendo assim, o ponto indicado para a obtenção desses valores.