Introdução
A boca pode ser acometida por diversas doenças que variam desde alterações do desenvolvimento até neoplasias malignas (1). Entretanto, a epidemiologia dessas lesões bucais na população adulta de países em desenvolvimento traz resultados discutíveis. Subnotificações, pouca qualificação profissional em diagnóstico e falhas no preenchimento de prontuários e fichas clínicas podem ser os fatores associados a esta dificuldade (2,3).
No Brasil, existem laboratórios específicos de diagnóstico oral que estão ligados a Instituições de Ensino Superior (IES). Porém há carência em toda a região norte e nordeste do país de laboratórios públicos, especializados na área. O laboratório de patologia oral da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), apesar de ser específico e especializado em diagnóstico de lesões orais, não está, todavia, cadastrado ao Serviço Único de Saúde (SUS), não sendo, portanto, referenciado institucionalmente pelas unidades de saúde da família, centros de especialidades odontológicas, hospitais da rede SUS e demais serviços credenciados no estado de Pernambuco. Recebe, portanto, na sua maioria, peças de biópsias e solicitações de exame histológico por demanda espontânea, sendo as próprias clínicas-escola da UFPE e de outras instituições de ensino os principais solicitantes dos exames histológicos (4).
A mesorregião agreste do estado de Pernambuco que possui população de 2.172.964 habitantes (5) não possui laboratórios específicos de patologia oral. Caruaru é uma das principais cidades não só dessa mesorregião, mas do estado, com aproximadamente 351.686 mil habitantes (6) e com várias cidades circunvizinhas que dependem dela. Esta lacuna favorece ao direcionamento das peças de biópsias para laboratórios privados ou não específicos, o que pode inviabilizar a realização destes exames dado o custo econômico que vem a ser repassado para o paciente/usuário.
O presente trabalho teve como objetivo analisar os diagnósticos histológicos de biópsias solicitadas por profissionais estabelecidos e serviços localizados na região do agreste meridional do estado de Pernambuco demandadas ao laboratório de patologia oral da UFPE.
Materiais e métodos
O referido trabalho foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Pernambuco (CEP), sob o número 66792417.9.0000.5208, o qual obteve aprovação para execução.
Trata-se de um estudo de pesquisa científica, retrospectivo em que foram analisadas 6000 fichas de requisição de exames anatomopatológicos e seus respectivos laudos emitidos pelo Laboratório de Patologia Oral da Universidade Federal de Pernambuco no período de 17 anos - março de 2000 a março de 2017. Os critérios de inclusão para separar fichas e laudos para o estudo foram: que as fichas de solicitação de exame histológico fossem procedentes da mesorregião do Estado de Pernambuco e que os laudos emitidos pelo respectivo laboratório contivessem diagnóstico histológico conclusivo. O critério de exclusão empregado foi a impossibilidade de identificação da procedência das solicitações. Para a coleta de dados foi elaborada uma tabela para facilitar a classificação das lesões, tabulação e posterior análise dos dados coletados. A ficha continha informações sobre o diagnóstico clínico e histopatológico, o grupo ao qual pertence a lesão, levando-se em consideração o diagnóstico histológico, o tipo de biópsia executada, o sexo, a idade e procedência do paciente. As lesões foram classificadas em 10 grupos: 1. Cistos odontogênicos, 2. Cistos do desenvolvimento, 3. Patologia Inflamatória das glândulas salivares, 4. Processos proliferativos não neoplásicos (PPNN), 5. Tumores odontogênicos, 6. Neoplasias benignas, 7. Neoplasias malignas, 8. Lesões fibro - ósseas, 9. Doenças dermatológicas, 10. Lesões cancerizáveis, 11. Outras.
Os dados foram analisados descritivamente através de frequências absolutas e percentuais, os quais foram digitados na planilha EXCEL, utilizando-se para tal o programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) na versão 21. Para avaliar a relação entre as variáreis analisadas foi utilizado o teste exato de Fisher, com um valor de p de 0,05 considerado o limiar para significância estatística.
Resultados
Foram analisados ao todo 6000 fichas clínicas, do laboratório de patologia oral da UFPE. Destas, 684 (11,4%) provieram da mesorregião do Agreste Pernambucano e continham diagnóstico histológico conclusivo no laudo. Ao analisar as 38 cidades que demandaram requisições de exame histológico, pôde-se observar que 42% destas peças foram provenientes da cidade Caruaru, localizada há 100km da capital, onde se situa o laboratório. Também se observou um número alto de envio proveniente de Limoeiro, que representou 29,4%, seguida pelas cidades de Surubim (3,2%), Brejo da Madre de Deus (2,6%) e Bom jardim (2,3%). Em contrapartida, Garanhuns, uma das principais cidades do Agreste Pernambucano, representou apenas 2,6%. (Tabela 1).
No tabela 2, observamos que o grupo de lesão mais frequente foi o de PPNN (43,9%), seguido das patologias das glândulas salivares que representaram 12%. Um achado importante foi a relevância do grupo das neoplasias malignas que somaram 5,4%. Esse dado, por se tratar de câncer, já é, por si só, alarmante, mas ao analisá-lo junto as lesões cancerizáveis que representaram 7,3%, revelam números altos para lesões graves, pois foram 87 indivíduos com diagnóstico de lesões malignas ou potencialmente malignas. Tumores odontogênicos, Cistos Odontogênicos e Neoplasias benignas foram encontrados em 1,5%, 5,8% e 1,2% da população, respectivamente.
Quanto à localização das lesões estudadas, o lábio inferior (18,8%), mucosa jugal (13,6%) e língua (12,3%) foram os mais frequentes (Tabela 3).
Ao se verificar a relação entre as variáveis, se encontrou que o lábio inferior foi a localização mais acometida no grupo de patologias inflamatórias das glândulas salivares (p=0,000) e também no grupo das lesões cancerizáveis (p=0,000).
Na análise da coerência entre hipótese diagnóstica e diagnóstico histopatológico, foi observado concordância na maioria dos casos (71,1%).
Na tabela 4 é possível inferir que, ao realizar a cirurgia para a remoção da lesão, a biópsia excisional foi a primeira escolha (65,1%) entre os profissionais na maioria dos grupos, com exceção no de neoplasias malignas (p=0,000).
Por vez, ao observar o sexo, pudemos notar que 64,7% era do sexo feminino (Tabela 4). O sexo feminino foi estatisticamente mais prevalente em todos os grupos, exceto no de neoplasias malignas (p=0,000).
Em relação à faixa etária mais prevalente, observou-se maior número de casos na 6ª década de vida. O paciente mais novo tinha 3 anos de idade e o mais velho, 100, com média de idade de 45 anos.
Discussão
Um dado importante a ser discutido frente aos resultados é o fato dos casos estudados representarem um amostra das lesões que ocorrem na mesorregião agreste de Pernambuco, podendo não ser representativa da população desta área. O laboratório não está credenciado à rede SUS, o que pode ser um fator limitador de envios de peças ao serviço especificado, dentre outros fatores como a distância. Ainda, o referido laboratório não está vinculado a nenhum hospital de referência que costuma tratar os casos de maior complexidade. Apesar disto e levando-se em conta a limitação deste estudo, há a necessidade de se pesquisar as lesões mais prevalentes em determinadas populações para incentivar e colaborar com governos que queiram implantar políticas de saúde bucal específicas para determinadas doenças.
Levando-se em consideração este aspecto, observou-se que a cidade da mesorregião agreste de Pernambuco que mais demandou exame histológico do laboratório de histopatologia oral da UFPE foi Caruaru. Esse número significativo deve-se a um convênio recente que o laboratório mantém com uma instituição de ensino superior da cidade, que por não ter laboratório específico de patologia oral, envia peças semanalmente para fins de diagnóstico. Outrossim, o fato desta cidade ser um polo importante para a região do agreste onde muitas pessoas residentes em outras áreas buscam ali serviços de saúde, tendo ainda a característica geográfica de estar situada a apenas 130km da capital do estado, onde se situa o laboratório.
Limoeiro foi a segunda cidade da região a solicitar exames histológicos do laboratório. Esse número pode ser justificado pela sua proximidade (77km) à capital, pois a cidade é relativamente pequena, com uma população inferior a 60 mil habitantes (7).
Garanhuns, em contrapartida, apesar de ser uma cidade com muitos habitantes, com população de 129.408 no último censo (8) apresenta pouca demanda de análise histológica, possivelmente dado a distância da capital do estado e também por a cidade oferecer uma rede de estabelecimentos de saúde mais ampla que as demais cidades estudadas. Provavelmente, a maioria das biópsias realizadas nesta cidade são enviadas aos laboratórios credenciados, ainda que não sejam especializados em patologia oral.
No presente estudo, se observou que a maioria das lesões diagnosticadas no serviço pertenciam ao grupo do processos proliferativos não neoplásicos, o que coincide com os estudos realizados por outros autores (1,9-15). Isso pode ser justificado por fatores traumáticos, próteses mal adaptadas e má higiene oral, frequentemente observados nos pacientes, sobretudo os da zona rural (9).
Outros estudos também observaram que as patologias da glândulas salivares eram, depois dos PPNN as mais encontradas na população, sendo a mucocele a mais frequente (16). Este dado também está de acordo com esta pesquisa.
O presente estudo encontrou em 12,7% dos casos examinados diagnósticos histológicos de neoplasias malignas ou lesões cancerizáveis. Entre as neoplasias malignas diagnosticadas, o carcinoma epidermóide foi a lesão mais prevalente, responsável por 91% dos casos. Resultados que corroboram os encontrados em outros estudos similares (2,10,14,15,17-19,20). Este dado chama a atenção porque, apesar das limitações do estudo, foi possível encontrar um número significativo de casos, o que demonstra a necessidade de mais políticas públicas que atinjam o interior sobre prevenção do câncer oral e consumo de tabaco e álcool.
Em relação à localização anatômica mais acometida por lesões orais, algumas pesquisas apontam o lábio inferior como principal sítio anatômico (16,21-23). No presente estudo, o lábio inferior foi a localização anatômica com maior número de biópsias realizadas. Contudo, é importante ressaltar que, no presente estudo, ao analisar as fichas clínicas, mais de 70 requisições não vieram com a localização especificada. Isto prejudica estudos epidemiológicos e intervenções futuras específicas, pois impede que o pesquisador ao analisar estas fichas possa identificar a predominância de uma lesão em determinado sítio na população estudada.
O diagnóstico adequado é de suma importância para o tratamento e bom prognóstico para paciente. O conhecimento, por parte dos dentistas, das principais manifestações de lesões orais, pode contribuir para um diagnóstico precoce de doenças graves, melhorando assim, o prognóstico do paciente (9,23). No presente estudo, a maioria dos casos teve coerência na hipótese diagnóstica quando comparada ao diagnóstico histológico, corroborando os achados outros autores (11,24).
A maioria das biópsias realizadas foram do tipo excisional, provavelmente pelo fato de se tratarem de lesões com aspecto de benignidade e cujo tratamento indicado seria remoção cirúrgica. Porém, um dado preocupante foi que ao correlacionar a hipótese diagnóstica e tipo de biópsia, foi observado que em 29,6% dos casos de hipótese de neoplasias malignas, foi feito uma biópsia excional, portanto, fica evidente a necessidade de conhecimento dos cirurgiões dentistas em saber quando realizar o tipo adequado de biópsia (9).
Em algumas pesquisas realizadas, o sexo feminino foi o mais frequente (1,9,10,13-15,21,22,25,26), o que coincide com os resultados encontrados no presente estudo, em que o sexo feminino foi o mais prevalente em todos os grupos, excetuando-se o de neoplasias malignas.
Conclusões
A partir das análises realizadas nesta pesquisa, pudemos sugerir que a mesorregião do agreste de Pernambuco é carente de laboratórios especializados no diagnóstico histológico de lesões orais. Na amostra estudada, mulheres são as que mais demandam tais exames e o grupo de lesões classificadas como processos proliferativos não neoplásicos foram os mais prevalentes.