Introdução
O estudo, ora proposto, destina-se a analisar a dinâmica normativa que cunha a figura das parceiras públicas-privadas1, no ordenamento jurídico brasileiro, introduzida pela prescrição redacional da Lei 11.079 de 2004, a qual fora consectária da reforma da administração pública e da reforma fiscal (Nóbrega, 2011).
Nesse contexto, são desenhadas as parceiras públicas-privadas no Brasil, tendo por fundo um Estado que pleiteia uma administração gerencial em oposição à administração burocrática2, possuindo esta como característica basilar o formalismo excessivo, constituindo-se um fim em si mesmo. Em contrapartida, o ge-rencialismo foca em metas, resultados, formas de controles e padrões de eficiência, dando maleabilidade, de forma a atingir a finalidade almejada, com o melhor custo-benefício.
Doravante, pare-passo a uma reforma administrativa baseada na eficiência como axioma, torna-se necessária uma reforma fiscal, com a finalidade de equilibrar o déficit público, sendo a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101) o "divisor de águas", a qual constituiu normas sobre o gerenciamento do endividamento e a transparência nos gastos públicos (Nóbrega, 2011).
No presente estágio de desenvolvimento estatal (transição de um Estado interventor para um Estado regulador), é fato que o orçamento público não permite que a administração pública, exclusivamente, seja a responsável pelos gastos em infraestrutura3, os quais são extremamente vultosos, de capital fixo duradouro, muitos sem retorno financeiro, outros de retorno em longo prazo, tendo como objetivos a característica da imobilidade e a elevada es-pecificidade4.
Todavia, tais reformas, no que tange a essa infraestrutura5, são imprescindíveis para o crescimento e expansão do desenvolvimento no Brasil6, e consequentemente para que a constelação de direitos cunhados como fundamentais, pela Constituição de 1988, sejam implementados, desenvolvidos e continuados.
Ponderar sobre as parceiras públicas-privadas é vislumbrar uma técnica jurídica promotora desse processo de renovação das infraestruturas, podendo-se falar em "Direito da Infraestrutura"7, o qual se tornaria corolário ao direito ao desenvolvimento8, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.
Assim, as PPP's configuram uma via alternativa exequível e abrangente que, de forma paradigmática, está ao dispor do decisor público para mobilizar as capacidades de financiamento e gestão do sector privado e fomentar a contestabilidade, franqueando a operadores privados a participação na esfera da prestação pública. (Azevedo, 2008, p. 15)
As parcerias público-privadas surgem como uma tentativa de Estado e iniciativa privada dividirem os custos com a implantação de infra-estruturas, já que nenhum deles teria condições de com elas arcar individualmente: o Estado por não ter condições financeiras, e a iniciativa privada porque a tarifa seria insuficiente (ou em alguns casos até inexistente) para cobrir todos os seus custos e a legítima margem de lucro do negócio. (Aragão, 2005, p. 2)
No que tange ao argumento do uso das parceiras público-privadas como forma de socorrer o Estado, tendo em vista sua incapacidade financeira, sobreleva a crítica do professor Mello (2010):
Curiosamente, embora a concessão de serviços públicos clássica seja adotada para poupar investimentos públicos ou para acudir à carência deles, e esta última razão sempre foi a habitualmente apontada, entre nós, como justificativa para a introdução das PPPs [Parcerias Público-Privadas], a lei pressupõe que na modalidade patrocinada a contraprestação pecuniária a ser desembolsado pelo Poder Público poderá "corresponder a até 70 % da remuneração do contratado ou mais que isto, se houver autorização legislativa (art. 10, § 3°)". Logo, é possível, de direito, que alcance qualquer porcentual, desde que inferior a 100 %. Seguramente, este não é um modo de acudir à carência de recursos públicos; antes, pressupõe que existam disponíveis e implica permissão legal para que sejam despendidos: exatamente a antítese das justificativas apontadas para exaltar este novo instituto. (p. 775)
Essa contradição também não escapou ao crivo da professora Di Pietro (2012). Verificase um verdadeiro paradoxo, pois, se a Lei 11.079/2004 foi criada para alavancar, principalmente, as obras de infraestrutura em face de o Estado não possuir aportes financeiros, como esse mesmo Estado falido vai custear até 70 % da contratação e ofertar as mais diversas garantias previstas no dispositivo legal supra?
Na realidade, um dos principais objetivos declarados pelo governo e insistentemente aceito e comentado pela mídia é o que diz respeito à necessidade de realização de obras de infraestrutura, para as quais o governo não dispõe de recursos suficientes. Esse objetivo pode ser verdadeiro, mas é desmentido pelo fato de que a lei aprovada (Lei n° 11.079, de 30-12-2004) prevê duas modalidades de parceria - a concessão patrocinada e a concessão administrativa - em que a forma de remuneração abrange, total ou parcialmente, a contribuição pecuniária do poder público. [... ] Além disso, embora o particular tenha que assumir a execução da obra (quando for o caso), por sua própria conta, o poder público terá que prestar pesadas garantias previstas na lei e dividir os riscos do empreendimento com o contratado nos casos de ocorrência de áleas extraordinárias, o que permite falar em compartilhamento dos riscos e gera certo paradoxo, porque se o poder público não dispõe de recursos para realizar as obras, dificilmente disporá de recursos para garantir o parceiro privado de forma adequada. (Di Pietro, 2012, p. 147)9
É válido ressaltar que as parcerias públicas e privadas não são uma forma de privatização, mas sim fruto de um processo evolutivo, o qual teve início com as privatizações10. Estas seriam a venda dos ativos públicos a entidades privadas e, consequentemente, o afastamento da intervenção e controle do Estado, no que se refere àquele setor, alocando todos os riscos ao setor privado.
As parcerias públicas e privadas se configuram de maneira diversa. O Estado não se abstém; pelo contrário, continua a intervir, a controlar aquele setor de interesse público (Silva, 2011), todavia tem a entidade privada como parceira na construção de uma obra ou prestação de um serviço público, com maior eficiência12, em que há um compartilhamento de riscos entre a entidade governamental e o parceiro privado13.
Em que pesem as parcerias públicas e privadas, tecnicamente, não serem uma forma de privatização, não há como negar que há um processo de transferência de funções públicas para as entidades privadas. É nesses termos as palavras da professora Di Pietro (2012):
Outro objetivo das parcerias público-privadas, menos declarado, mas também verdadeiro, é o de privatizar a Administração Pública, transferindo para a iniciativa privada grande parte das funções administrativas do Estado, sejam ou não passíveis de cobrança de tarifa dos usuários. Esse objetivo é inafastável de um outro, presente em toda a Reforma do Aparelhamento Administrativo do Estado, de fuga do direito administrativo, já que, sendo as atividades prestadas por empresas privadas, muitos dos institutos próprios desse ramo do direito não precisarão ser utilizados, como a licitação, os concursos públicos para seleção de pessoal, as regras constitucionais sobre servidores públicos e sobre finanças públicas. A justificativa é a busca da eficiência que se alega ser maior no setor privado do que no setor público. (p. 146)
Da formatação das parcerias públicas e privadas segundo as disposições da Lei 11.079/2004
Âmbito de aplicação da lei
A Lei 11.079/2004 é um dispositivo redacio-nal do qual se extraem normas gerais14 sobre contratação e que possui regras específicas de licitação para o tipo de contrato em tela veiculado, bem como normas específicas destinadas ao âmbito federal.
Dessa forma, o conjunto normativo trazido pelo dispositivo legal supra não é, em sua inteireza, norma a se aplicar a todos os entes da República Federativa do Brasil e à administração indireta, como prescrito no seu artigo prefacial:
Art. 1°. Esta Lei institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Parágrafo único. Esta Lei se aplica aos órgãos da Administração Pública direta, aos fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Tratando das normas gerais, essa lei não se limita ao âmbito da União; ao contrário, tem aplicabilidade na dimensão nacional, devendo ser obedecida por todos os entes da administração direta e indireta.
É fulcral trazer à baila a crítica, não sem razão, da professora Di Pietro (2012), no que tange ao conteúdo do parágrafo único supra. Ela chama a atenção ao fato de que a administração pública indireta é criada com uma finalidade específica e constitui uma outorga de serviço público, ou seja, se, por meio da outorga, há a descentralização administrativa, havendo a criação da entidade da administração indireta, esta não é, originariamente, a titular do serviço público.
Como alguém que não é titular do serviço público, o qual fora criado especificamente para prestá-lo, pode transferir para um terceiro privado realizá-lo? Não se pode transferir aquilo que não lhe pertence.
Explicita a professora Di Pietro que a entidade da administração pública indireta só pode realizar um contrato de prestação de serviços, de execução de obra ou de fornecimento, com fulcro na Lei 8.666/1993, ou caso venha atuar como concessionária, realizar uma sub-concessão, nos ditames do artigo 26 da Lei 8.987/1995 (Di Pietro, 2012).
Doravante, ainda sobre essas normas gerais trazidas pela Lei 11.079/2004, segundo as disposições constitucionais, tal competência legislativa não se restringe à esfera da União, podendo os Estados, Municípios e Distrito Federal legislar normas complementares sobre a matéria de licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito de suas respectivas administrações públicas15.
[... ] somente as normas contempladas no texto da aludida Lei que possam ser qualificadas como gerais serão de observância compulsória para os entes federativos menores. Assim, há que se perquirir, caso a caso, quais dentre as normas da Lei n° 11.079/2004 descem de tal forma a minúcias ou detalhes, exaurindo o seu âmbito de normatividade, a ponto de perderem o status de norma geral. (Binenbojm, 2005, p. 10)
Constatam-se normas que são restritas à esfera federal e não são aplicadas aos demais entes da República Federativa do Brasil, como, por exemplo, a contida no artigo 14 da Lei das Parcerias Público-Privadas, que determina a criação de um órgão gestor de parcerias público-privadas federais, o qual definiria os serviços prioritários e os procedimentos de celebração dos contratos, autorizaria a abertura de licitação e aprovaria o edital, além de apreciar os relatórios de execução dos contratos.
Em suma, cria-se um órgão controlador e fiscalizador das parcerias público-privadas que ocorre em nível federal.
Assevera-se que as normas estaduais ou municipais promulgadas anteriormente às normas gerais contidas na Lei 11.079/2004 permanecerão válidas no que for compatível com a norma geral veiculada pela União. Naquilo que for contrário, as normas estaduais ou municipais terão sua eficácia suspensa.
Destaca-se que, em matéria de contratos de parceiras públicas e privadas, além das normas extraídas da Lei 11.079/2004, far-se-á uso, subsidiariamente, das normas gerais sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, contidos na Lei 8.987/1995, bem como das normas gerais das licitações e contratos da Administração Pública, da Lei 8.666/199316.
No que tange ao uso subsidiário da Lei 8.987/1995, a redação prefacial da Lei 11.079/2004 é expressa sobre a matéria:
Art. 3° [...]
§ 1° As concessões patrocinadas regem-se por esta Lei, aplicando-se-lhes subsidiariamente o disposto na Lei n° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e nas leis que lhe são correlatas. (Grifos nossos)
Em relação à Lei 8.666/1993, esta é referida em diversas passagens da Lei da Parceria Público-Privada17, além do mais o seu uso se dá por uma questão dialógica normativa das regras e dos princípios que compõe o sistema jurídico18.
Só a título de exemplo, por mais que a Lei das Parcerias Público-Privada traga o indicativo de certas cláusulas contratuais fundamentais a ela, isso não descarta o conjunto de cláusulas que compõe o contrato administrativo previsto na Lei 8.666/1993, salvo, é claro, naquilo que forem incompatíveis. Nisso se dá o diálogo intrassistêmico.
Por que usar a parceira pública e privada?
A administração pública, como visto supra, é destinatária de diversos dispositivos legais que tratam sobre as formas que ela contratará com a entidade privada.
Far-se-á uso da modelação contratual trazida pela Lei 11.079/2004, quando do caso concreto as formas contratuais da Lei 8.666/1993 e da Lei 8.987/1995 não forem vantajosas econômica e socialmente.
Em situações nas quais deva prevalecer com exclusividade o regime público, utiliza-se a modelagem da Lei 8.666/1993. Em caso de empreendimento autossustentável, a entidade privada se responsabiliza exclusivamente pelos riscos, fazendo uso da modelagem dos contratos de concessão da Lei 8.987/1995 (Nóbrega, 2011, p. 61).
Já nos empreendimentos de valores extremamente vultosos, em que há alta complexidade em seu conjunto, cujos riscos (internos e externos) são extremamente elevados, sem falar daqueles que são desconhecidos em face de uma assimetria de informação, de um ambiente jurídico e econômico instável (Nóbrega, 2010, p. 126), a entidade privada não possui um natural interesse.
Soma-se a essa realidade a incapacidade de alocamento de recursos públicos, de forma imediata e em longo prazo. De tal modo, vem-se por socorrer dos contratos da Lei 11.079/200419.
Esse contexto justificador do uso da concessão de parceria pública e privada deve ser retratado nos fundamentos da administração pública. Não é pertinente e razoável o uso indiscriminado dessa modelagem contratual sem um plano de fundo explicitado que o legitime20.
Por isso, as duas modalidades de contratação de parcerias público-privadas (conhecidas no continente europeu também pela sigla PPP, Public-Private-Partnerships) apresentam caráter subsidiário em relação às denominadas concessões comuns. Somente parece legítima a adoção das novas modalidades quando inviável, por manifesto desinteresse dos capitais privados e insuficientes recursos de investimento do poder público, a adoção da modalidade comum de concessões de serviço, de obra ou de uso de bem público, bem como a contratação direta em regime de empreitada. (Modesto, 2005, p. 34)
No escólio de Binenbojm (2005):
[... ] Dado o caráter excepcional da PPP, em tal estudo deverá ser demonstrado que a opção por tal forma de contratação é aquela que, comparativamente às demais existentes, é a que melhor (ou mesmo a única) capaz de alavancar os investimentos necessários ao desenvolvimento de determinado projeto, propiciando, ainda, a mais otimizada maneira de dispêndio dos recursos públicos envolvidos vis-à-vis do grau de benefício econômico e social trazido para a população. Assim concebido, o contrato de PPP me parece ser uma solução legislativa que permite o alcance, conforme as circunstâncias do caso concreto, de um maior grau de concretização do princípio da eficiência administrativa (CF, art. 37, caput). (p. 7)
As razões pela opção desse tipo de concessão não só são uma premissa lógica, como também um dever legal que fora positivado pela própria Lei 11.079/2004:
Art. 10. A contratação de parceria público-privada será precedida de licitação na modalidade de concorrência, estando a abertura do processo licitatório condicionada a:
I - autorização da autoridade competente, fundamentada em estudo técnico que demonstre:
A) a conveniência e a oportunidade da contratação, mediante identificação das razões que justifiquem a opção pela forma de parceria público-privada; (Grifos nossos)
Breves apontamentos quanto às parceiras públicas e privadas no direito comparado
Reino Unido
O Reino Unido, principalmente a Inglaterra, tem-se por pioneiro quanto à abordagem conjunta do público e privado, no que tange a projetos de infraestrutura, principalmente no início da década de 1990, sendo vanguardista a respeito do assunto.
Como bem explicitam os autores Peci e Sobral (2007), a parceria público-privada, no sistema anglo-saxão, possui uma dimensão muito mais alargada do que no Brasil, tendo por base qualquer interação colaborativa entre público e privado, com o fito de atingir o resultado desejado da política pública vigente.
As PPPs inglesas se referem a qualquer colaboração estabelecida entre organizações públicas e empresas privadas. A longa trajetória de cooperação com o setor privado institucionalizou a relação público-privada e influenciou a proliferação de um conjunto de instrumentos e mecanismos que compõem o quadro das PPPs nesse país. De forma geral, as PPPs são definidas como uma relação de compartilhamento de riscos baseada numa aspiração consensual entre o setor público e o privado (incluindo o terceiro setor) de alcançar um resultado desejado de política pública. (Peci e Sobral, 2007, p. 3)
O sistema britânico adota a forma de Private Finance Initiative (PFI),21 o qual propõe o incentivo de obras e gestão de serviços públicos com sustentação no financiamento privado. Essa modalidade tem as seguintes características principais:
[...] financiamento predominantemente do sector privado; transferência da responsabilidade e dos riscos de financiamento dos investimentos de capital para o sector privado; maiores benefícios na utilização dos dinheiros públicos; e garantia de uma melhor gestão dos riscos associados. (Azevedo, 2008, p. 126)
A forma PFI constitui-se num grande gênero, o qual permite as mais diversas modelagens contratuais e financeiras, nos termos do sistema jurídico inglês (v.g., terceirizações, joint ventures, dentre outros).
É importante frisar que, na Inglaterra, as parcerias público-privadas desaguaram em inúmeros problemas: "[...] enriquecimento ilícito por meio de renegociações contratuais duvidosas, serviços de má qualidade na área da saúde e bilhetes caros e atrasos no metrô de Londres" (Queiroz, 2011, p. 543).
Estados Unidos
A figura das parceiras públicas e privadas apresenta-se como algo natural do processo de formação do Estado de bem-estar social americano, caracterizando-se não só em relação a projetos de infraestrutura, mas também a serviços sociais, em questões educacionais, de saúde, habitação, transporte, saneamento básico, dentre outros.
Um detalhe importante é a fixação de contratos com operadoras privadas que não possuem fins lucrativos, sendo esta uma parceria única, encontrada especificamente no sistema norteamericano, e que resultam em hospitais, escolas e universidades.
Portugal
O Estado português tem passado por sérios problemas de finanças públicas, tendo socorrido às parcerias público-privadas como forma de driblar o problema de gastos públicos; é o caso do êxito obtido através desse instrumento na construção da ponte "Vasco da Gama", onde vem se destacando quanto ao planejamento, capacitação e gestão dos referidos contratos.
No sistema português, destacou-se a adoção da prática do chamado "pedágio-sombra" (shadow toll), no qual não há cobrança em 1/3 do total das estradas, sendo o sistema financiado pelo pedágio em relação aos outros 2/3.
A diferença referente àquela ausência de cobrança nos 1/3 das estradas é paga pelo Estado, ao parceiro privado, de acordo com o fluxo de veículos que fazem uso da rodovia.
Entretanto, a referida prática está em vias de desaparecimento, tendo em vista a pressão para transferir o custo total da operação aos usuários, posto que, na prática, tem se constituído em um sistema de pouca viabilidade financeira.
Por fim, em Portugal, a norma geral sobre as parcerias público-privadas encontra-se disposta no Decreto-lei 86/2003. Há um decreto-lei específico, o 185/2002, para a questão dessas parcerias na área da saúde.
Modalidades de parceiras públicas e privadas
Em um trabalho realizado pela Comissão Econômica das Nações Unidas (2008) para a Europa sobre as parceiras públicas e privadas, são apresentadas diversas formas de configuração de uma parceira pública e privada, em que as responsabilidades e riscos dos parceiros são configurados diferentemente, da seguinte forma: Buy-Build-Operate (BBO); Build-Own-Operate (BOO); Build-Own-Operate-Transfer (BOOT); Build-Operate-Transfer (BOT); Build-Lease-Operate-Transfer (BLOT); Design-Build-Finance-Operate (DBFO); Finance Only; Operation & Maintenance Contract (O & M); Design-Build (DB) e Operation License.
Na forma Buy-Build-Operate, por via de contrato, a entidade pública transfere um bem para a entidade privada, a qual vai operá-lo por um tempo determinado. É pelo contrato, também, que a entidade pública controlará essa atividade; no Build-Own-Operate, a entidade privada, sendo detentora do serviço ou bem, financia a construção e operação da atividade por tempo indeterminado. Todavia, a entidade pública controlará a atividade via contrato e fiscalização da entidade regulatória; no Build-Own-Operate-Transfer, a entidade privada recebe uma franquia da entidade pública e financia, projeta, constrói e opera a atividade, sendo renumerada pelo uso. No entanto, essa exploração dar-se-á por tempo determinado, no qual transferirá a propriedade para a entidade pública; quanto ao Build-Operate-Transfer, a entidade privada projeta, financia e constrói uma nova infraestrutura, tendo um contrato de concessão de longa duração, transferindo, posteriormente, para o setor público; em relação a Build-Lease-Operate-Transfer, a entidade privada recebe uma franquia para financiar, projetar, construir e operar uma instalação alugada, pelo período de locação (paga-se um aluguel), em que se cobra pelo serviço utilizado; no Design-Build-Finance-Operate, a entidade privada projeta, financia e constrói uma nova infraestrutura sob a forma de arrendamento, o qual é em longo prazo, operando durante esse tempo. Com o fim do arredamento, a nova estrutura é transferida para o setor público; na Finance Only, uma empresa financeira privada financia o projeto diretamente ou utiliza outros mecanismos financeiros (arrendamento de longo prazo, por exemplo); quanto a Operation & Maintenance Contract, a entidade privada, por um tempo determinado, opera certo ativo de propriedade pública22; Design-Build, o setor privado projeta e constrói uma infraestrutura segundo as especificações da entidade pública23; por fim, na Operation License, a entidade privada recebe uma licença ou direito para desenvolver um serviço público, geralmente, por um tempo determinado.
O professor Nobrega (2011) identifica o modelo Build-Operate-Transfer (BOT) como aquele que mais se ajusta à formatação contratual brasileira24; nesse formato, a entidade privada projeta, financia e constrói uma nova infraestrutura, tendo um contrato de concessão de longa duração, transferindo, posteriormente, para o setor público.
A formatação da modelagem de parceiras públicas e privadas segundo as disposições da Lei 11.079/2004
As parceiras públicas e privadas, no Brasil, desenvolvem-se de duas maneiras: um contrato de concessão na sua forma patrocinada25 ou um contrato de concessão da sua forma administrativa.
Da concessão patrocinada (subsidiada, subvencionada ou receita mínima assegurada)
Neste modelo, a concessão de serviço público ou de obra pública tem como elemento distintivo o fato de o parceiro privado, além de receber o valor referente às tarifas cobradas dos usuários dos serviços, recebe uma contraprestação pecuniária feita pelo parceiro público (Art. 2°, § 1°, da Lei 11.079/2004).
A lógica por trás dessa modalidade está em atividades econômicas não autossustentáveis (Binenbojm, 2005).
O objeto das concessões patrocinadas é, por excelência, os serviços públicos econômicos, atividades econômicas lato sensu titularizadas com exclusividade pelo Estado, suscetíveis de exploração pela iniciativa privada apenas mediante delegação, já que passíveis de exploração mediante pagamento de tarifas pelos usuários, ainda que o valor pago não seja suficiente para financiar todos os investimentos do concessionário. (Aragão, 2005, p. 7)
Da concessão administrativa
Já no caso da concessão administrativa, a entidade pública é a usuária, direta ou indiretamente, do contrato de prestação de serviços, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens (Art. 2°, § 2°, da Lei 11.079/2004).
Nesse contexto, extraem-se dois tipos de concessão administrativa: concessão administrativa de serviço público (nesta, a prestação do serviço é feita diretamente ao usuário, sem o Estado usuário indireto), e concessão administrativa de serviços ao Estado (o serviço é oferecido ao próprio Estado, diretamente) (Binenbojm, 2005).
[... ] "concessões administrativas" são contratos em que a cobrança de tarifas é inviável econômica ou socialmente, de acordo com decisão política a ser discricionária e fundamentadamente tomada pelo Estado, ou até mesmo juridicamente vedada, como a cobrança pela saúde ou educação públicas (artigos 196 e 206, IV, CF), ou ainda porque o único usuário do serviço a ser prestado é o próprio Estado. (Aragão, 2005, p. 12)
Destaca-se que a lógica fundante da concessão administrativa de serviço público está no fato de, por razões técnicas, econômicas ou políticas, a cobrança de tarifas aos usuários diretos do serviço ser inviável, sendo o este custeado pelo poder público. Assim, na concessão administrativa de serviços ao Estado, tem-se o desiderato do aumento da performance no gerenciamento de obras e serviços públicos, bem como nas despesas estatais (Binenbojm, 2005).
Afere-se que, nessa modalidade de concessão, a entidade privada não será remunerada por meio de sistema tarifário, bem como tem uma possibilidade de atuação muito maior do que a concessão patrocinada, a qual se restringe aos serviços públicos econômicos (Aragão, 2005).
Tem-se como característica distintiva, marcante, apesar de não ser a única, do contrato de concessão de parceria pública e privada a contraprestação financeira por parte da entidade pública em relação à entidade privada.
A distinção fundamental, portanto, entre a nova concessão administrativa e a concessão comum (regida pela Lei n.° 8.987/95) está na forma de remuneração do concessionário: na primeira, o Poder Público comparece com pagamentos de natureza pecuniária, complementares à tarifa; na segunda, além da cobrança da tarifa, pode o concessionário ser remunerado por receitas alternativas (Lei n° 8.987/95), desde que estas não envolvam pagamentos de natureza pecuniária feitos pela Administração Pública. (Binenbojm, 2005, p. 2)
A ausência de tal contraprestação financeira por parte da parceira pública desnatura essa modalidade de contrato administrativo e configura mero contrato de concessão comum regido pela Lei 8.987/199526, como determi- na o artigo 2°, parágrafo 3°, da lei instituidora das parcerias público-privadas:
§ 3° Não constitui parceria público-privada a concessão comum, assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei n° 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.
Em face do já explicitado, fica claro que o contrato de parceria pública e privada não é nada estranho ao ordenamento jurídico brasileiro, mas sim uma evolução do modelo contratual da concessão administrativa (Silva, 2001).
Portanto, não se cria, com essa lei, um novo tipo de contrato, não há um contrato parceria público-privada - como parte da doutrina equivocadamente afirmou. Há, sim um contrato de concessão sob o regime jurídico de parceria público-privada, ou seja, há um regime jurídico excepcional que traz novas regras e novas situações de disposição sobre contratos de concessão cuja tipologia já se encontra definida no direito administrativo brasileiro. (Queiroz, 2001, p. 550)
Do aspecto constitucional
Na época da publicação da lei instituidora das parcerias públicas e privadas, a mera possibilidade desse tipo de contratação, na qual o setor privado é subsidiado, total ou parcialmente, pelo setor público, fora motivo de uma filtragem constitucional, em que se argumentou pela sua inadequação à normativa da Constituição Federal, visto que, no artigo 17527 sobre o regime de concessão e permissão, determinou-se que a lei especificaria a política tarifária.
De tal sorte, fora feita uma interpretação restritiva no que se refere às delegações públicas, uma vez que o setor privado só poderia ser remunerado pelas tarifas pagas pelos usuários do serviço público, vedando a chamada "tarifa-zero" (remuneração exclusiva feita pelo Poder Público a ente privado).
Todavia, pode-se dar um outro viés. Interpretar de forma que a política tarifária seria uma das formas de remuneração, e não a única.
Não é possível admitir que o Constituinte tenha engessado de tal maneira o Legislador, a ponto de colocá-lo sempre atado a uma definição doutrinária tradicional de concessão, indiferente a todas as enormes mudanças sociais, econômicas e políticas verificadas após 05 de outubro de 1988. Ademais, "política tarifária" pode perfeitamente ser entendida como a política segundo a qual a tarifa deve cobrir apenas parte do custo do serviço público, sendo o restante arcado pelo Estado. (Aragão, 2005, p. 9)
Pensar diferente causaria o alijamento da administração pública, de uma importante técnica de renovação e prestação do serviço público, tornando-se um obste à busca da concretização de inúmeros direitos basilares, como a saúde, o transporte, o desenvolvimento, dentre outros.
O formato do contrato de concessão das parcerias públicas e privadas não vem por obstaculizar os valores constitucionais (Carvalho Filho, 2012), mas sim como mais uma opção de realização desses ditames. Ademais, em nenhum momento, o texto constitucional especificou a modelagem contratual das concessões e permissões públicas, deixando tal encargo ao legislador, o qual, nos limites constitucionais, pode fazer uso das mais variadas28.
Requisitos mínimos para a constituição do contrato no modelo de parcerias público-privadas
No artigo 2°, parágrafo 4°, da Lei 11.079/2004, são elegidas as chamadas "cláusulas de barreira" (Nóbrega, 2011, p. 90) para a constituição de um contrato administrativo de concessão, na modalidade parceria pública e privada.
Doravante, da modelagem contratual, não pode ser utilizada quando o valor transacionado estiver abaixo de R$ 20 milhões, com duração contratual inferior a cinco anos ou superior a 35 anos, tendo por objeto exclusivo o fornecimento de mão de obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.
De tal sorte, evidencia-se que o objeto das parcerias público-privadas seria a prestação de um serviço público, esta atividade de utilizada ou de comodidade material fluível pelos administrados, que pode englobar o fornecimento de mão de obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública (Mello, 2010)29.
"Não há, portanto, um conceito universal de 'concessão de serviço público' pelo qual o Constituinte teria vinculado o Legislador, razão pela qual afigura-se plenamente constitucional, face ao art. 175 da CF, a previsão legal de concessões financeiramente apoiadas pelo Estado, seja pelo pagamento direto de uma quantia a ser determinada, seja pela garantia de receita mínima ou de uma dada quantidade de usuários" (Aragão, 2005, p. 12).
"Ao impedir que, nos contratos PPP, a prestação se limitasse à execução de obras ou fornecimento de equipamentos (art. 2°, § 42, III), a Lei das PPPs fez com que a remuneração dos parceiros privado ficasse diretamente vinculada à fruição dos serviços pela Administração ou pelos administrados (art. 7°) e viabilizou
O regramento que dispõe sobre o valor mínimo de R$ 20 milhões não deve ser interpretado como uma norma geral, sob o risco de inviabilizar o uso dessa modelagem contratual aos outros entes da República Federativa do Brasil que não fosse a União30.
Diretrizes para a contração de parceria público-privada
O contrato de concessão de parceria público-privada possui as seguintes diretrizes regentes: a) eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade; b) respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução; c) indelegabilida-de das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado; d) responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias; e) transparência dos procedimentos e das decisões; f) repartição objetiva de riscos entre as partes e g) sustentabilidade financeira e vantagens socioeconómicas dos projetos de parceria (Art. 4° da Lei 11.079/2004).
No que tange à "indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado", o professor Celso António Bandeira de Mello tece críticas a esse enunciado redacional tendo em vista sua desnecessidade, pois, por óbvio, tais atividades estatais não configuram serviço público, no nosso ordenamento jurídico, ou está fora da esfera das parcerias público-privadas (Mello, 2010).
Das garantias das obrigações firmadas pela Administração Pública
Como já explicitado, o contrato de parcerias público-privadas busca uma modelagem contratual que atenda a empreendimentos vultosos, de riscos muito elevados. As garantias contratuais previstas na Lei 8.987/1995 e na Lei 8.666/1993 não estão a contento a essas especificidades.
Nesse diapasão, a Lei 11.079/2004 comtem-pla um novo feixe de garantias de forma a reduzir os riscos, tornando o empreendimento atrativo ao setor privado.
Assim dispõe o artigo 8° da lei em comento:
Art. 8°. As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em contrato de parceria público-privada poderão ser garantidas mediante:
- vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal;
- instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei;
- contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público;
- garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público;
- garantias prestadas por fundo garan-tidor ou empresa estatal criada para essa finalidade;
- outros mecanismos admitidos em lei.
Esse artigo, prefacialmente, já dá ensejo a uma discussão sobre sua constitucionalidade, tendo em vista aparente afronta ao artigo 163, IV da Constituição Federal31, o qual dispõe que só por lei complementar se disporá sobre a concessão de garantias pelas entidades públicas.
Ter-se-ia uma inconstitucionalidade formal, em que uma lei ordinária, a Lei 11.079/2004, veicularia matéria de lei complementar.
Os defensores da constitucionalidade do artigo supra trazem à baila os seguintes argumentos: "[...] sustenta ter a Lei n° 11.079/2004 apenas regulamentado a Lei Complementar n° 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), com o que estaria satisfeita a exigência constitucional[...]"; "[...] o art. 8° não trata da concessão de garantias por entidades públicas (referidas no caput do art. 163 da Constituição), mas sim por uma entidade privada, que é o Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas (FGP)" (Binenbojm, 2005, p. 12).
A questão da constitucionalidade sobre o fundo garantidor de parcerias público-privadas (FGP)
Como acima prescrito, no texto legal, uma das hipóteses de garantia das obrigações pecuniárias do poder público perante o setor privado seria as garantias prestadas por fundo garantidor.
Esse fundo garantidor de parcerias público-privadas teria natureza privada, sendo constituídos pela União seus fundos especiais, suas autarquias, suas fundações públicas e suas empresas estatais dependentes autorizadas a participar, as quais teriam um limite de R$ 6 bilhões, o que garantiria as obrigações pecuniárias dos parceiros públicos federais, distritais, estaduais e municipais (Art. 16 da Lei 11.079/2004).
Essa modalidade de garantia é extremamente inovadora e atende aos reclames dos parceiros privados, vindo a diminuir os riscos e a desconfiança que as entidades privadas têm em favor do poder público.
É sabido que, em uma operação contratual normal, com a administração pública, esta desagua em uma demanda judicial, a qual é naturalmente demorada em face das prerrogativas da fazenda em juízo32.
Não bastando, quando do trânsito em julgado da sentença desfavorável à Fazenda, o contratado privado tem que submeter o seu crédito ao regime cronológico de pagamento dos precatórios, o qual é de conhecimento notório, que, a depender da entidade da República Federativa do Brasil devedora, pode ultrapassar década33.
Em face dessa realidade, desse risco de "calote" por parte do poder público, a Lei 11.079/2004 autoriza a criação de um fundo, a partir de receitas e bens públicos (estes desafetados), o que garantiria as obrigações pecuniárias do Poder Público assumido perante a parceira privada.
Dessa forma, tem-se património público convertido em privado, para garantir os investimentos do parceiro privado, desembaraçando-o do suplício do sistema de execução judicial precatorial, sem falar da demora não razoável dos processos em que a Fazenda Pública é parte.
Não há como negar, em termos operacionais, que tal instituto de garantia é admirável ao renovar a confiança entre os parceiros34e35, permitindo que tal modelação de contrato seja interessante ao parceiro privado, pois há uma diminuição, sensível, do risco de inadimplemento por parte do poder público, pois não terá que fazer uso da longa fila dos precatórios públicos.
Em outra senda, a jurídica, esse dispositivo da Lei 11.079/2004 pode sofrer do flagelo da inconstitucionalidade, por burlar os preceitos constitucionais no que tange à execução das dívidas do poder público via sistema de precatórios36.
Essa perspectiva é defendida pelo professor Harada (2005), em célebre parecer:
Não há, portanto, possibilidade jurídica de a receita pública em geral garantir obrigações pecuniárias contraídas pelo poder público em face deste ou daquele particular. Do contrário violados restariam os princípios da impessoalidade e da moralidade, insertos no art. 37 da CF e que são de observância impositiva, nos precisos termos do art. 100 caput da Carta Política [... ]
Absolutamente inconstitucional o inciso I do art. 8° da Lei n° 11.079/04, que permite a vinculação de receitas públicas, para garantia das obrigações pecuniárias genéricas contraídas pelo Poder Público perante os particulares. Isso é uma verdadeira inversão da ordem pública, que afronta os princípios da moralidade e da impessoalidade, insertos no art. 37 da Constituição Federal, de observância impositiva na forma do seu art. 100, caput. Ironicamente, esse art. 8° atenta, como vimos, contra o art. 167, IV da CF, que ele próprio manda observar em seu inciso I, in fine.
Acresce a esses argumentos, a violação ao princípio da igualdade, da impessoalidade e da moralidade, como assevera o professor Mello (2010):
De resto, a utilização de tais fundos em benefício de parceiros privados ou de seus financiadores, se não estivesse constitucionalmente obstada pela razão exposta, estaria embargada por outro obstáculo constitucional. É que, ao privilegiá-los no confronto com todos os restantes credores do Poder Público, ficariam agredidos, à força aberta, o princípio da igualdade, consagrado no art. 5°, caput, bem como os princípios da impessoalidade e da moralidade, impostos pelo art. 37 da Constituição. Com efeito, se o despautério suposto no art. 8°, II, da Lei 11.079 fosse utilizável, ali estaria consagrada uma escandalosa e inconstitucional ofensa ao princípio da igualdade. É que todos os demais credores, inclusive os que se encontram na interminável fila de aguardo dos pagamentos de precatórios atrasados, seriam preteridos em favor de megaempresários, os superprotegidos "parceiros" e seus financiadores. (p. 789)
Na perspectiva do professor Binenbojm (2005), não se vislumbra contrariedade à norma constitucional37 a partir dos seguintes argumentos:
A uma, porque seria legítimo ao Poder Público desafetar determinado bem imóvel de seu património e dá-lo em garantia de um contrato. A desafetação do bem importa a possibilidade de disposição do bem, o que se pode fazer mediante as formas contratuais admitidas pelo direito. A constituição de uma hipoteca, por exemplo, seria uma forma válida de garantir um contrato de que o Poder Público fosse parte.
A duas, porque a fórmula da constituição de uma entidade de direito privado para funcionar como fundo garantidor é absolutamente legítima e respaldada pelo art. 173, § 1°, inciso II, da Carta da República. Nada impede, de fato, que o Poder Público constitua uma empresa pública ou uma sociedade de economia mista (ou uma subsidiária dessas entidades) cujo objeto social seja o de garantir determinados projetos, concebidos no formato de PPP. Trata-se de um aspecto da atividade de fomento, que pode ser desempenhada por pessoas estatais de direito privado. (p. 14)
Na defesa pela constitucionalidade, também são os argumentos do professor Aragão (2005):
[...] que o art. 165, § 9°, II, CF, impõe é que as condições para a instituição e funcionamento de fundos sejam genericamente disciplinadas por lei complementar, não que a criação de cada fundo específico o seja. Essa lei complementar (lei-quadro) já existe; é a Lei n.° 4.320/64, cujos arts. 71 a 74 se referem apenas à "lei", portanto lei ordinária, para instituir o fundo.
Quanto ao ponto nodal da violação do art. 100, CF, se considerássemos a criação de qualquer entidade privada da Administração Indireta como desvio de poder legislativo para exclusão do regime de Direito Público de atividade que, constitucionalmente, incumbem primariamente à União, todas elas poderiam ser consideradas inconstitucionais. (p. 26)
Da possibilidade do uso da arbitragem como meio de solução de conflitos no seio das parceiras públicas e privadas
Uma outra inovação trazida ao bojo contratual entre o poder público e o setor privado, no âmbito das parcerias público-privadas, é a possibilidade de solucionar os conflitos via arbitragem, como dispõe o inciso III do artigo 11 da Lei 11.079/2004:
III - o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei n° 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.
É outro fato notório nas práxis dos contratos com o Poder Público a alta probabilidade de que tal negócio jurídico tenha suas cláusulas apreciadas pelo Poder Judiciário, tendo em vista o descumprimento delas por algum dos partícipes, vindo a solução judicial se "prolongar pela eternidade", em face de toda uma conjuntura sistêmica, o que não é objeto deste trabalho.
O fato é que, pela alta probabilidade do conflito entre os contratantes e da demora em sua solução pela via judicial, tem o custo social e económico do contrato sobrelevado38, o que gera prejuízo a todos os partícipes, seja o poder público, que não tem a obra do hospital acabada, o serviço público prestado; seja a entidade privada, que pela simples demanda judicial já tem o seu custo e, com a demora da solução, pode levar tempo para receber a sua devida contraprestação.
Daí a figura da arbitragem, ou seja, a possibilidade de uma solução ao conflito de forma mais rápida feita por um juiz arbitral de conhecimento técnico específico das nuances dessa espécie contratual.
É bom advertir que o magistrado, provavelmente, não terá o conhecimento multidisciplinar para entender toda a complexidade de um contrato administrativo e, principalmente, se o contrato for de uma parceria público-privada. No âmbito do juízo arbitral, ter-se-á um árbitro que atenda a essas especificidades da demanda.39
A figura da arbitragem, nessa seara de contratos administrativos, constitui outro fator de diminuição de risco e custo ao contrato40.
Não se perfilha com a corrente que não concebe o instituto da arbitragem para a composição de litígios, no que refere a contratos administrativos, sob a tese de que violaria a pedra angular do princípio da indisponibilidade do interesse público41.
Nas palavras do professor Justen Filho (2013), esse argumento não procede, tendo em vista que geraria uma séria contradição, pois, se a figura da arbitragem comprometeria a normatividade do princípio da indisponibilidade do interesse público, de tal sorte, não se poderia admitir a figura dos contratos administrativos.
Logo, o argumento de que a arbitragem nos contratos administrativos é inadmissível porque o interesse público é indisponível conduz a um impasse insuperável. Se o interesse público é indisponível ao ponto de excluir a arbitragem, então seria indisponível igualmente para o efeito de produzir contratação administrativa. Assim como a Administração Pública não disporia de competência para criar a obrigação vinculante relativamente ao modo de composição do litígio, também não seria investido do poder para criar qualquer obrigação vinculante por meio consensual. (Justen Filho, 2013, p. 822)
Deve-se lembrar que a figura dos princípios não pode ser interpretada de forma absoluta. Assim, não se procede a ilação de que toda a atividade da administração pública se trata de bens e direitos indisponíveis42.
Das parceiras públicas e privadas desenvolvidas pela União
Conforme informado no sítio do Ministério do Planejamento43, há no Brasil, em âmbito federal, 15 projetos de parcerias público-privadas, em estudo ou execução, e descontinuados pela União:
Complexo Datacenter;
Colégio Militar de Manaus. Construção e manutenção do novo Colégio Militar em Manaus-AM;
Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes (Cefan);
Parques Nacionais de Jericoacoara, Serra das Confusões, Sete Cidades e Ubajara;
Vila Naval de Itaguaí - Módulo I;
Abastecimento e Gerenciamento de Frota (Agefrot);
Parques Nacionais de Brasília, da Chapada dos Veadeiros e das Emas;
Arsenal da Marinha;
Fuzil-Imbel;
Pontal de Irrigação;
Esplanada Sustentável;
Satélite Geoestacionário Brasileiro;
Rede de TV Pública Digital (RTVDB);
BR 116-324;
Ferrovia Norte-Sul.
Não se adentrará na análise de nenhum caso específico ou estudo de caso, todavia estes são citados para ter uma dimensão do porte que essas parcerias têm no seio da administração pública federal.
Destaca-se, ainda, que a figura das parceiras públicas e privadas deve obter um novo fólego, posto que pode se constituir em um dos instrumentos da base do novo Governo Federal com o fito de proporcionar maior eficiência com menor custo, alavancando, assim, o Brasil da maior crise financeira de sua história44.
Conclusões
No bojo do conteúdo apresentado, afere-se que as parcerias públicas e privadas, em sua execução perfeita, promoveriam a diminuição das falhas de mercado e das falhas governamentais (Nóbrega, 2011), constituindo-se um misto do melhor da coisa pública com o melhor do setor privado.
Assim, as parcerias públicas e privadas surgem em razão de obras e serviços públicos gratuitos ou quase gratuitos, para os usuários, em que o setor privado constrói e gerencia, tendo a sua despesa amortizada ou remunerada pelo setor público (Aragão, 2005).
Tal modelagem contratual, pelas suas peculiaridades inovadoras, ante um direito administrativo clássico, gera as mais diversas controvérsias, bem como a necessidade do aprofundamento em seu estudo.
Nesse plexo de características distintivas, que possui essa formatação de contrato administrativo, sobreleva uma modalidade de delegação, na qual a entidade pública remunera total ou parcialmente a entidade privada exploradora da atividade; constitui um sistema de compartilhamento dos riscos, não sendo mais essa suportada, tão somente, pela parceira privada; forma-se um feixe de garantias aos investimentos da entidade privada, com destaque à criação de um fundo garantidor, o qual tem personalidade privada, por meio da desafetação de bens públicos, com o fito de evitar o sistema de pagamento via precatórios; possibilita-se a solução de conflitos entre os parceiros por meio do uso da arbitragem, o que permite uma solução à lide de forma mais célere e dada por alguém com expertise na matéria; por fim, direciona-se para uma modelagem contratual, em que as obrigações constituídas sejam feitas com responsabilidade fiscal e sustentabilidade financeira.
É certo que, se esse instrumento for manejado dentro dos termos éticos, se terá um contrato capaz de propiciar a resolução de conflitos e absorção de choques externos (Nóbrega, 2010).
Destarte, contratos com esses atributos constituiriam uma poderosa ferramenta para a renovação do complexo de infraestrutura do Brasil e a consequente expansão do desenvolvimento económico, granjeando, assim, a efetivação de diversos direitos fundamentais do carente cidadão brasileiro.