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Prolegómenos

versão impressa ISSN 0121-182Xversão On-line ISSN 1909-7727

Prolegómenos vol.26 no.52 Bogotá jul./dez. 2023  Epub 15-Dez-2023

https://doi.org/10.18359/prole.6240 

Artigo de investigação

Relações de trabalho no âmbito do Corredor Bioceânico com foco no Brasil*

Relaciones laborales en el ámbito del Corredor Bioceánico con enfoque en Brasil

Labor Relations within the Scope of the Bioceanic Corridor with a Focus on Brazil

Ynes da Silva Félixa 

João Victor Maciel de Almeida Aquinob 

a Doutora e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-doutora em Derechos Humanos sobre Las Generaciones de los Derechos Humanos y los Derechos Sociales na Universidade de Salamanca. Professora titular da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Professora permanente do Curso de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande/MS, Brasil. Correio eletrônico: ynesfelix@uol.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8784-6230

bMestrando em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (PPGD/UFMS). Especialista em Direito Acidentário. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Vinculado à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande/MS, Brasil. Correio eletrônico: joaoaquino.direito@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9517-8092


Resumo:

O presente trabalho tem como objetivo analisar os primeiros impactos em matéria de trabalho relativos à implementação do Corredor Bioceânico. Trata-se de um projeto de infraestrutura logística proeminente e que trará efeitos econômicos e, consequentemente, sociais, em um ambiente complexo e com a incidência de múltiplos fatores. O trajeto deste projeto atravessará regiões do Brasil, do Paraguai, da Argentina e do Chile. Far-se-á uma análise jurídica enfocada no espaço geográfico brasileiro, identificando os principais aspectos relativos ao desenvolvimento e afetação do trabalho, relacionando-os aos meios que poderão ser utilizados para a proteção das relações de trabalho. Para atingir esse objetivo, utilizou-se o método hipotético-dedutivo, que inclui a análise de um material bibliográfico diverso, além de consultas a produções técnicas e normas nacionais e internacionais. Como resultado, verificou-se a necessidade de ordenar normas internacionais, com base principalmente em direitos humanos, para viabilizar uma resposta adequada que seja capaz de mitigar os efeitos negativos em matéria de trabalho.

Palavras-chave: corredor bioceânico; trabalho; direitos humanos; integração regional

Abstract:

This work aims to analyze the initial impacts on labor related to the implementation ofthe Bioceanic Corridor. This is a prominent logistics infrastructure project that will have economic and, consequently, social effects in a complex environment influenced by multiple factors. The route of this project will traverse regions in Brazil, Paraguay, Argentina, and Chile. A legal analysis centered on the Brazilian geographic space was conducted, identifying key aspects related to labor development and impact, and linking them to the means that can be used for the protection of labor relations. To achieve this objective, the hypothetical-deductive method was employed, involving the analysis of diverse bibliographic material as well as consultations of technical productions and national and international regulations. As a result, the need to establish international standards, primarily based on human rights, was identified to enable an appropriate response capable of mitigating negative impacts on labor matters.

Keywords: Bioceanic Corridor; Labor; Human Rights; Regional Integration

Resumen:

El presente trabajo tiene como objetivo analizar los primeros impactos en cuanto a trabajo relacionados con la implementación del Corredor Bioceánico. Se trata de un proyecto de infraestructura logística prominente que tendrá efectos económicos y, por lo tanto, sociales, en un entorno complejo y con la incidencia de múltiples factores. La ruta de este proyecto atravesará regiones de Brasil, Paraguay, Argentina y Chile. Se llevará a cabo un análisis legal centrado en el espacio geográfico brasileño, identificando los principales aspectos relacionados con el desarrollo y la afectación del trabajo, y relacionándolos con los medios que se pueden utilizar para la protección de las relaciones laborales. Para lograr este objetivo, se utilizó el método hipotético-deductivo, que incluye el análisis de material bibliográfico diverso, además de consultas a producciones técnicas y normativas nacionales e internacionales. Como resultado, se encontró la necesidad de ordenar normas internacionales, basadas principalmente en los derechos humanos, para viabilizar una respuesta adecuada capaz de mitigar los efectos negativos en materia laboral.

Palabras clave: corredor bioceánico; trabajo; derechos humanos; integración regional

Introdução

O Corredor Bioceânico se mostra como um projeto desenvolvimentista singular, que abrange a construção de uma rota que integra infraestruturas do Brasil, do Paraguai, da Argentina e do Chile, com o objetivo de aproveitar as potencialidades geográficas para incrementar o comércio internacional e tornar esses países mais relevantes no cenário global. O principal objetivo é trazer a esses países algumas vantagens econômicas relacionadas à facilitação do escoamento de mercadorias relevantes para suas economias com destino a grandes consumidores de commodities, como a China.

Além de simplificar a exportação de produtos, as regiões abrangidas pelo projeto sentirão um impacto econômico muito maior com a expansão das áreas de exploração econômica, em especial aquelas relacionadas à rota em si.

O projeto ainda se revela estratégico, pois permitirá a exploração de regiões que, com exceção do Chile, encontravam-se com seu potencial econômico subutilizado e careciam de uma infraestrutura adequada pra impulsionar sua economia. Além da esfera econômica, a implantação e a utilização do Corredor impactarão consideravelmente a qualidade de vida das populações que ali se encontram, com expectativa de melhorias decorrentes do aumento da atividade econômica.

Nesse sentido, destacam-se, sobretudo, os efeitos que incorrerão sobre o mercado de trabalho, visto que se espera o crescimento de postos de trabalho na região, com a mobilização de trabalhadores em todo o espaço do Corredor. Essa situação representa um cenário inédito na região, o que, por conseguinte, terá implicações nas relações de trabalho. Essas implicações necessitarão de uma análise específica do direito, em especial, do direito do trabalho, cabendo a tutela dessas relações aos Estados integrantes do Corredor.

Além disso, cabe também considerar que, ante tais ocorrências, existe a necessidade de desenvolver um conjunto de estruturas destinadas a regular e proteger as relações de trabalho, sejam elas de natureza normativas ou não normativas. Combinando-se isto às especificidades do caso concreto e a ocorrência de uma multiplicidade de ordenamentos jurídicos no caminho do Corredor, percebem-se pontos de contato complexos entre estes sistemas normativos.

Dessa forma, é importante avaliar quais serão os efeitos da implementação do projeto do Corredor Bioceânico nas relações de trabalho e os meios pelos quais estas serão juridicamente protegidas. Isso requer a consideração de problemas materiais e normativo-formais que decorrerão da comunicação entre esses ordenamentos jurídicos, com foco na relevância dos direitos humanos no processo de resolução destes conflitos.

No que concerne à delimitação geográfica, neste primeiro momento do trabalho serão analisados os impactos que ocorrem em território brasileiro, devido à localização geográfica dos pesquisadores, mas também como um paradigma para se antever o que poderá ocorrer nos demais Estados que compõem o Corredor Bioceânico.

Este artigo foi desenvolvido a partir dos estudos realizados pelos autores no âmbito do projeto de extensão “Construção Multidisciplinar para o Corredor Bioceânico”, realizado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), que é integrante da Rede Universitária da Rota de Integração Latino-Americana (UniRila) Essa rede é formada por universidades do Brasil, do Paraguai, da Argentina e do Chile, todos países integrantes do Corredor Bioceânico.

A metodologia utilizada neste trabalho é o método de pesquisa hipotético-dedutivo, que envolve a coleta e análise de material bibliográfico diversificado, incluindo doutrinas, artigos científicos, produções acadêmicas, técnicas e jurisprudenciais, com uma abordagem qualitativa.

Projetos de integração e desenvolvimento regional: o caminho até o Corredor Bioceânico

Após a Segunda Guerra Mundial, com a criação da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), um órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), a pobreza e a fragilidade das economias latino-americanas foram evidenciadas e passou-se a pensar em alternativas que proporcionassem o desenvolvimento econômico da região.

Inicialmente, a orientação da CEPAL a estes países priorizava o desenvolvimento da indústria nacional, com a consequente substituição de importações. As discussões acerca da integração regional e de outras medidas que não estivessem diretamente relacionadas ao desenvolvimento econômico industrial foram consideradas secundárias, como atividades complementares à industrialização substitutiva.

No entanto, com a crise mundial em 1980, a propensão ao desenvolvimento nacional deixou de apresentar os resultados esperados. A industrialização por si só não bastava e era necessário buscar o aumento do nível de exportação e de investimentos, em especial aqueles que tornassem os países da região mais competitivos globalmente. Graças à experiência europeia e à difusão dos seus benefícios, as possibilidades da integração foram reconsideradas, tornando-se uma possibilidade interessante para os países sul-americanos, funcionando como uma alternativa em busca do crescimento econômico, do fomento do sistema produtivo e do aprimoramento da tecnologia.

O desenvolvimento por meio da integração regional é uma ferramenta relevante, possibilitando aos Estados o aproveitamento de suas potencialidades através de projetos que considerem as especificidades e características positivas de cada Estado. Isso promove o crescimento colaborativo entre os países, denominado de “desenvolvimento endógeno ou sustentável”, ao envolver não só fatores econômicos, mas também sociais, e inserir no planejamento econômico atores da sociedade civil.

Assim, é possível estabelecer a existência de uma dimensão humana nos projetos integracionistas e de desenvolvimento econômico, ligada ao avanço na proteção de direitos humanos e na garantia da justiça social. Essa abordagem constatou que o sistema desenvolvimentista estabelecido entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o fim da década de 80 era, por si só, excludente, prestigiando localidades específicas do continente e deixando à margem regiões ou países inteiros. Essa mudança de paradigma demandava a construção de posicionamentos que unissem o crescimento econômico aos avanços nos campos sociais.

É importante ressaltar que a abordagem da integração se dá por diversas facetas, incluindo a integração econômica, onde se privilegia a coordenação dos países para a estruturação de uma política econômica conjunta que abarque as peculiaridades regionais, bem como a integração de infraestruturas, como é o caso da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). Nos anos 90, com a criação do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), os Estados membros buscaram fortalecer o desenvolvimento sustentável em relação ao processo de integração, incorporando regulamentações de elementos que abrangiam a proteção social.

A iniciativa de estabelecimento da IIRSA foi empreendida nos anos 2000, e seus planos foram delineados na I Reunião de Presidentes da América do Sul, onde se convencionou um prazo de 10 anos para que se desenvolvesse a integração da infraestrutura dos países sul-americanos, com o objetivo de facilitar o comércio regional. O projeto tinha o plano ambicioso de implementar projetos físicos e modificar legislações, normas e regulamentos nacionais para viabilizar a integração das infraestruturas em de transporte, energia e telecomunicações (Zibechi, 2006; Sant’anna, 2013).

De acordo com Zibechi (2006, p. 19):

Trata-se de organizar o espaço geográfico com base no desenvolvimento de uma infraestrutura física de transporte terrestre, aéreo e fluvial; de oleodutos, gasodutos, hidrovias, portos marítimos e fluviais e redes elétricas e de fibra ótica, para citar os mais relevantes. Essas obras se materializam em doze eixos de integração e desenvolvimento, corredores que concentrarão os investimentos para incrementar o comércio e criar cadeias produtivas conectadas com os mercados mundiais (tradução nossa)1.

É importante ressaltar que projetos como os do Corredor Bioceânico ganham grande relevância e espaço de implantação a partir de iniciativas como o IIRSA, fazendo parte do projeto geral.

Padula (2014, p. 291) aponta que a proposta da IIRSA se baseou na concepção do regionalismo aberto e estruturou-se em investimentos privados, com o objetivo de inserir os países de forma competitiva no mercado global. Essa proposta foi acompanhada de políticas de liberalização econômica, que contrapunham as políticas protecionistas adotadas algumas décadas atrás por regimes nacionalistas e ditatoriais.

No entanto, a pretensão de alcançar a integração de infraestruturas até 2010 não foi concretizada e, no mesmo ano, a IIRSA deixou de ser um projeto autônomo e se converteu em órgão técnico do Conselho de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN) da UNASUL. Contudo, conforme referido anteriormente, a UNASUL passou por um processo de esvaziamento devido à denunciação por parte de diversos países de seu tratado constitutivo, o que colocou em xeque a possibilidade de implementar, ao menos em seu quadro completo, a integração de infraestruturas.

A respeito do fracasso de implementação da proposta, Padula (2014, p. 291) elenca alguns dos motivos determinantes:

Diante de seus resultados e da ascensão de novos governos na região nos anos 2000, sofreu crescente questionamento e críticas, principalmente por implantar uma visão meramente técnica, não contribuir efetivamente para uma metodologia de seleção de projetos ou de construção de infraestrutura de caráter integracionista regional e não conseguir alavancar recursos ou fórmulas inovadoras para o financiamento.

A iniciativa, mesmo não tendo alcançado todos os seus objetivos, confirmou a necessidade de se pensar na integração latino-americana e sul-americana sob o viés da infraestrutura. Quando efetivas, essas iniciativas proporcionam um aumento de competitividade no mercado global, sendo os corredores bioceânicos parte integrante e relevante.

Padula (2014, p. 293) destaca que essa necessidade surge de uma conjunção de fatores históricos, geográficos, econômicos e políticos que estabeleceram as áreas litorâneas como os principais centros de 29 atividades econômicas e concentração populacional. Isso ocorreu em detrimento do interior, e em especial, das áreas de fronteira, que foram privadas das infraestruturas necessárias para o seu pleno desenvolvimento. O autor também esclarece:

Inexistiam, ou existiam apenas de forma muito inadequada, conexões viárias entre tais áreas. Estes fatores se relacionam à inserção colonial no sistema internacional, ao processo de independência formal - gerando coalizões internas de poder em que elites conservadoras mantiveram influência predominante nas decisões políticas internas, associadas a interesses externos - e à projeção dos países centrais, que desejavam manter uma relação econômica e política assimétrica com os países da região, tendo acesso privilegiado aos seus recursos e mercados. Influíram, também, na inserção subordinada dos países sul-americanos no sistema internacional em termos político-militares e econômicos. (Padula, 2014, p. 292)

Portanto, identifica-se a importância de se pensar em propostas que propiciem a recolocação de regiões nos eixos do mundo globalizado, com a utilização de potencialidades geográficas para sua execução. O IIRSA, por exemplo, advogava não apenas pela integração de infraestrutura rodoviária, mas também ferroviária e aquaviária. No entanto, há um destaque especial para a infraestrutura rodoviária, devido a prevalência de políticas de infraestruturas voltadas para a construção destas a partir da segunda metade do século XX em quase todos os países sul-americanos, com o objetivo de interligar de forma mais rápida e barata os interiores do continente.

Em linhas gerais, a integração regional, e sua operacionalização por meio da integração de infraestruturas, é um instrumento eficaz para a ocupação, desenvolvimento e utilização das potencialidades geográficas de áreas que muitas vezes são subutilizadas devido à ausência de políticas direcionadas à sua exploração. Outrossim, do ponto de vista geopolítico e socioeconômico, a infraestrutura desempenha um papel de promover a articulação entre os países da América do Sul, criando um mercado regional único que se utiliza das potencialidades de cada um deles para a promoção da autonomia estratégica e projeção do poder da região. (Padula, 2014).

No entanto, a ambição da IIRSA enfrentou desafios devido ao afrouxamento dos laços de integração e na ausência de vontade política. De toda forma, as propostas em infraestrutura não foram totalmente esquecidas, e algumas partes da proposta fomentaram a construção de outros projetos de integração.

Nesse contexto, um dos projetos de desenvolvimento sub-regional que ganhou proeminência foi o do Corredor Bioceânico. Esse projeto se insere no segmento de integração de infraestrutura e, em linhas gerais, visa criar uma rota que conecte os oceanos Atlântico e Pacífico, facilitando o escoamento da produção da região de forma mais célere e mais econômica.

Nota-se, contudo, que o projeto atual apresenta algumas diferenças em relação ao que se propunha durante a IIRSA, principalmente naquilo que concerne ao seu traçado, mas também abrangendo outras questões. Além disso, enquanto o projeto original de integração de infraestruturas tinha um caráter intergovernamental, com a participação principal dos governos centrais de cada país, no caso do Corredor Bioceânico investigado neste trabalho, os governos locais desempenham um papel fundamental em sua realização, como o do estado de Mato Grosso do Sul e dos municípios do Corredor, como é o caso de Porto Murtinho. O mesmo ocorre com os governos das unidades administrativas paraguaias, argentinas e chilenas, com esforços realizados pelos próprios governos junto a entidades estrangeiras e empresas chinesas.

Sobre o traçado do corredor, utiliza-se a seguinte imagem ilustrativa.

Fonte: El diario de Antofagasta

Figura 1 Mapa do Corredor Bioceânico 

Este traçado do Corredor Bioceânico teve sua delimitação estabelecida a partir da Declaração de Assunção sobre Corredores Bioceânicos, firmada em 2015. Diferente da iniciativa anterior encampada pela IIRSA, que passava pela Bolívia, o trajeto atual corta o Brasil e passa pelo norte do Paraguai e da Argentina, com fim nos portos do norte chileno.

Faz-se necessário, ainda, mencionar que é comum a utilização também da nomenclatura “Rota de Integração Latino-Americana” para se referir ao Corredor, nome este que vem sendo substituído, pois identificamos no Corredor um espaço que ultrapassa a mera concepção de uma rota, de um caminho. Isso se verifica a partir da sua potencialidade de impactar social e culturalmente as populações locais que se encontram em seu caminho.

No Paraguai, existe uma força-tarefa regional voltada à implantação do Corredor, o que envolve a realização de várias obras e projetos de infraestrutura, como no caso de obras na PY-09, conhecida como “Transchaco”, com a sua pavimentação no trecho entre Carmelo Peralta e Loma Plata, com previsão de conclusão em 2023. Além disso, existem outras obras em curso em rodovias importantes para a estrutura do Corredor, como na PY-15. Verifica-se que, no caso da ligação entre Carmelo Peralta e Loma Plata, em um dos trechos já concluídos, os primeiros benefícios já podem ser percebidos pela população, com a melhoria da infraestrutura das estradas e a facilitação da circulação de pessoas e veículos.

Na Argentina, os projetos de viabilização do Corredor envolvem a construção de estruturas para apoio às atividades no Corredor Bioceânico, especialmente com a construção de uma malha ferroviária para a facilitar a chegada de produtos até o Corredor. Além disso, há o recondicionamento de estruturas já existentes, como o recapeamento de trechos das rodovias próximas ao Paso de Jama, caminho fronteiriço existente entre a Argentina e o Chile, na cordilheira dos Andes.

No Brasil, o governo federal realizou a construção do Anel Viário de Porto Murtinho, com o objetivo de desviar o fluxo intenso do centro urbano da cidade. Outrossim, o governo brasileiro, junto à sua contraparte paraguaia, prossegue com as tratativas para a construção da ponte entre os municípios de Porto Murtinho (Brasil) e Carmelo Peralta (Paraguai), cujo financiamento partirá da Itaipu Binacional.

Estas são apenas algumas das obras em andamento. Existem muitos outros projetos a serem viabilizados a nível regional e local para a implantação do Corredor.

O projeto encaminha-se para uma implantação acelerada que, com certeza, vai promover alterações consideráveis no cenário regional, com aumento da circulação de pessoas, bens e capitais, permitindo a colocação do Brasil, em especial o Mato Grosso do Sul, e os demais países, como atores relevantes no cenário global. Isso tornará seus produtos mais competitivos e contribuirá para a integração regional, considerando o impacto das ações conjuntas de grande envergadura do Corredor Bioceânico.

Impactos nas relações de trabalho no âmbito do Corredor com foco no Brasil

O Corredor é um projeto único na dinâmica de relações de integração na América Latina, principalmente quando comparado aos demais projetos de infraestrutura já desenvolvidos no âmbito da região, como a IIRSA. Isso se deve ao fato de que o Corredor conseguiu ser efetivamente colocado em prática, superando os desafios que poderiam ter impedido sua construção. Além disso, trata-se de um projeto que envolve aspectos políticos e, devido às relações entre os países envolvidos, foi elaborado e tem sido efetivado em atenção ao desenvolvimento econômico sustentável.

Assim, as relações de trabalho que ali se desenvolverão serão, de certo, revestidas de elementos e características juridicamente inéditos ou pouco abordados na doutrina jurídica dos Estados que o compõem. A diversidade de ordenamentos legais e a multiplicidade de normas de tutela do trabalho já se identificam, a priori, como um indício da complexidade que as relações de trabalho enfrentarão em seu contexto, resultando em alterações e adaptações nas modalidades de atividades laborais.

Vale ressaltar que o Corredor ainda se encontra em seu estágio inicial de implementação, o que indica um aumento gradativo dos investimentos econômicos, tanto públicos quanto privados. Conforme os projetos de infraestrutura se consolidem ou se expandam, haverá uma progressão na exploração econômica de outros empreendimentos ligados ao Corredor, direta ou indiretamente relacionados. Isso é significativo para essas regiões que se encontram em estagnação econômica e o aumento dos postos de trabalho se identifica como um indicador interessante para o estabelecimento das tendências para o crescimento econômico.

No Brasil, a construção do Corredor Bioceânico encontrará uma região economicamente vulnerável e com características desafiadoras no mercado de trabalho, tais como: a) ausência de diversidade de áreas de exploração; b) escassez de oferta de emprego; c) redução de postos de trabalho em razão de problemas econômicos e crises; d) redução da renda per capita; e) aumento da informalidade (Aquino, 2020).

A nomenclatura “Corredor Bioceânico” em vez de “Rodovia” ou “Rota Bioceânica” mostra-se apropriada, uma vez que o projeto não se trata exclusivamente de um caminho físico representado por uma estrada. Ele engloba uma série de elementos interconectados que formarão um conjunto que ultrapassa o mero caminho físico. Citam-se elementos como a história, a cultura, a economia, o meio ambiente e os indivíduos que vivem nas regiões ao longo do Corredor. Portanto, ressalta-se a relevância desse projeto de infraestrutura para o desenvolvimento sustentável da região. Como aduz Castro (2019, p. 20): “Em face da estratégia e da governança criada no âmbito do Corredor Rodoviário Bioceânico, depreende-se que a iniciativa não se resume à implantação de uma infraestrutura viária, mas sim instituir um verdadeiro Corredor de Desenvolvimento”.

No que diz respeito ao trabalho, existe uma interdependência significativa entre os fatores de crescimento econômico e os fatores relacionados ao trabalho. O crescimento econômico quase sempre vem acompanhado do crescimento dos postos de trabalho e emprego, convertendo os investimentos em demanda por mão de obra. Ao menos, essa é uma tendência comum.

De fato, o trabalho se identifica como o motor do crescimento econômico. É amplamente reconhecido que a construção e o aprimoramento da economia se dão a partir do uso eficaz de três principais fatores produtivos: a terra, o capital e o trabalho. A relevância do trabalho reside no fato de que, sem sua utilização, a produção não subsiste, já que os demais fatores são estáticos e por si não são hábeis a produzir qualquer tipo de bem com valor econômico apreciável (Dal Rosso, 2014).

Identificar as principais áreas econômicas com possibilidade de ampliação das atividades laborais no âmbito do Corredor Bioceânico se mostra essencial para o aprimoramento e elaboração de políticas de tutela das relações de trabalho. Isso permite a identificação dos problemas e demandas padrão que podem surgir nos diferentes ramos.

Além disso, considerando o trabalho como tema especial na vida humana, sendo não apenas fonte de renda, mas também um garantidor da dignidade, a tutela desses direitos é essencial para o desenvolvimento humano e sustentável do Corredor.

Conforme antes referido, o Corredor Bioceânico ainda não se encontra em seu pleno funcionamento, já que obras, como a da ponte entre Carmelo Peralta e Porto Murtinho, precisam ser finalizadas. Contudo, é possível vislumbrar aquilo que está sendo efetivado a partir da análise das atividades em andamento e dos prognósticos construídos a partir de estudos e demais pesquisas. Além da infraestrutura física, o Corredor depende em demasia da cooperação e entendimento jurídico entre os Estados que o compõe, visto que serão necessários acordos e outros instrumentos de entendimento específicos para disciplinar as ocorrências do Corredor, especialmente nas questões aduaneiras, essenciais para a movimentação dos bens e mercadorias.

No caso brasileiro, nota-se que uma parte considerável da produção, embora circule no interior do Brasil e seja exportada a países vizinhos, sai pelos portos no oceano Atlântico, direcionando-se para mercados exportadores, como o chinês, através de navios que cruzarão o canal do Panamá e que partem dos portos da costa brasileira, em especial do Sul e Sudeste.

No caso da soja e do milho, um estudo realizado pela Embrapa verifica que as exportações desses dois produtos, que são importantes para a produção agrícola brasileira, têm seu transporte realizado principalmente por rodovias. No entanto, seus destinos finais são os portos, por onde são escoados para o mercado internacional. O Porto de Santos, em São Paulo, se destaca como o mais movimentado, com quase o dobro de exportações em comparação ao segundo porto mais movimentado, o de Paranaguá, no Paraná, com base no dado referente à safra de 2015/2016 (Embrapa, 2016).

É importante salientar que as áreas de exploração não serão necessariamente novas no contexto da região. O que será experimentado é o incremento da exploração econômica em determinadas áreas, o que terá impactos na exploração laboral. Entre as áreas afetadas, é possível mencionar o setor de transporte de cargas, o trabalho portuário, o setor de serviços e o setor de turismo.

Além disso, do ponto de vista jurídico, é mister considerar a forma pela qual os postos de trabalho no âmbito do Corredor Bioceânico irão se estabelecer, considerando a modalidade de contratação dos trabalhadores, seja ela direta ou terceirizada, autônoma ou subordinada, com vínculos formais ou informais. Isso deve ser feito reconhecendo que a área transfronteiriça é marcada pela informalidade no trabalho. O trabalho no âmbito do Corredor Bioceânico é estratégico e, portanto, o seu desenvolvimento merece a atenção devida.

Entre os problemas relativos à prestação do trabalho, é possível separá-los em efeitos normativos e efeitos fáticos. Os efeitos normativos dizem respeito a todos os conflitos resultantes do ponto de vista normativo, como a eleição da aplicação da norma ao caso concreto, a incidência de jurisdição, a possibilidade de tutela através de acordos e tratados. Isso deve ocorrer considerando os efeitos jurídicos e, consequentemente, sociais decorrentes da aplicação legislativa.

Por outro lado, também é possível a verificação de problemáticas decorrentes das situações fáticas, que decorrerão do estabelecimento de situações no âmbito do Corredor, relacionadas à consecução do trabalho e a correlação entre elementos externos e seu impacto no desenvolvimento do trabalho. Cita-se, como exemplo, a existência de problemas relacionados à jornada de trabalhadores do transporte, a verificação de condições de trabalho, em matéria de saúde e segurança, entre outros, que se desvelarão conforme o avanço da implementação do Corredor.

Uma das principais questões é identificar o sistema jurídico trabalhista que incidirá sobre as relações de trabalho no âmbito do Corredor, considerando que cada país tem sua legislação própria e que haverá uma grande circulação de trabalhadores entre os diversos países, na movimentação de mercadorias e bens.

No Direito Brasileiro, a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42) é a norma geral aplicável quando há leis estrangeiras envolvidas na apreciação fática. De acordo com essa lei, as obrigações se regem pela lei do país em que se constituem (art. 9°), seguindo o critério da territorialidade enunciado pelo brocardo lex loci executioni. Esse critério é reconhecido por meio da Convenção de Direito Internacional Privado de Havana, também conhecida como Código Bustamante, de 1928, ratificada pelo Brasil (Delgado, 2016).

Em relação às obrigações decorrentes do contrato de trabalho, o local da contratação não tem prevalência, uma vez que o princípio da territorialidade ou da lex loci executionis, também vigora, com algumas exceções voltadas à aplicação do Princípio Universal da Norma Mais Favorável. Este princípio está expressamente admitido na Lei 7.064/82, que trata das relações de trabalho dos trabalhadores contratados no Brasil ou transferidos, por empresas prestadoras de serviços de engenharia, inclusive consultoria, projetos e obras, montagens, gerenciamento e congêneres, para prestar serviços no exterior.

A referida norma dispõe, no art. 3°, que os direitos aplicáveis a esses trabalhadores são aqueles nela previstos na própria lei e os da legislação brasileira, desde que não sejam incompatíveis com suas disposições e sejam mais favoráveis do que a legislação territorial, considerando o conjunto de normas e em relação a cada matéria em particular (Félix, Silva e Maranhão, 2005, p.264).

Com o cancelamento do Enunciado 207 pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), que consagrava o princípio da territorialidade, ganha força o entendimento de aplicação do Princípio da Norma Mais Favorável, decorrente do Princípio da Proteção. De acordo com Plá Rodriguez, esse princípio “está ligado à própria razão de ser do Direito do Trabalho.” (Plá Rodriguez, 2004, p. 85). De fato, a partir do constitucionalismo social, inaugurado com a Constituição do México em 1917, praticamente todos os sistemas jurídicos passaram a consagrar o princípio da proteção e a aplicar a norma mais favorável ao trabalhador quando existe mais de uma norma dispondo sobre um direito laboral, independentemente da hierarquia e da fonte de onde emanam essas normas.

Partindo da premissa inicial, questiona-se em relação a qual norma deve ser aplicada quando há uma relação de trabalho que foge da aplicação padrão existente. Verifica-se que, no âmbito do Corredor, a subsunção do fato à norma pode variar dependendo das circunstâncias, em especial quando envolve a movimentação transfronteiriça de trabalhadores ao longo da rota.

A existência de ordenamentos jurídicos distintos frequentemente enseja em disposições que podem ser contraditórias ou restritivas, umas em relação às outras, quando se trata da análise de situações de fato sob a ótica do direito.

Portanto, tem-se na normativa internacional, em especial a relativa ao trabalho, um meio de colmatar essas lacunas, com destaque específico às normas de direitos humanos sociais.

Normas internacionais aplicáveis às relações de trabalho no âmbito do Corredor

As normas de tutela do trabalho são parte importante na estrutura de proteção das relações de trabalho no contexto do Corredor Bioceânico. A disponibilidade dessas normas identifica a capacidade das estruturas formadas pelos equipamentos jurídicos em tutelar as relações de trabalho, e o seu grau de desenvolvimento também implicará na qualidade das respostas dadas a eventuais problemas e conflitos que possam surgir a partir da sua implementação.

Nesse sentido, a análise normativa pode ser realizada tanto em nível regional quanto global, identificando as normas emanadas por organizações internacionais de caráter supranacional, como MERCOSUL, OEA e a OIT, bem como aquelas produzidas em tratados ou acordos bilaterais ou multilaterais.

Em nível regional, existe uma vantagem, uma vez que todos os países do Corredor Bioceânico são membros do MERCOSUL, sendo o Brasil, o Paraguai e a Argentina membros efetivos, enquanto o Chile permanece como membro associado. Isso possibilita que as normas sejam aplicadas às relações de trabalho do Corredor Bioceânico, ao menos em parte dos Estados, como a Declaração Sociolaboral do MERCOSUL, por exemplo.

Entre os pontos tratados pela Declaração, encontra-se a promoção do trabalho decente na região, com a formulação e implementação de políticas ativas para alcançar o pleno emprego e melhorar a qualidade de vida das populações do Estados-membros. O desenvolvimento sustentável é a pedra angular deste processo, com a promoção das chamadas “empresas sustentáveis”.

A Declaração também estabelece um conjunto de direitos individuais dos trabalhadores, destacando-se o previsto no art. 7°, que estabelece diretrizes para o tratamento dos trabalhadores migrantes e fronteiriços. Isso permite assegurar a todos os trabalhadores, independentemente de sua nacionalidade, as garantias laborais dispensadas aos nacionais. Além disso, estabelece como meta aos Estados-membros a cooperação para a criação de mecanismos que melhor tutelem o labor dos trabalhadores que atuam nas zonas fronteiriças.

A Declaração é abrangente e inclui normas e diretrizes acerca de direitos individuais, com jornada e salário, inovando ao prever a construção de mecanismos de diálogo social no âmbito dos Estados-parte e entre eles. Observa-se o que preconiza o art. 20, inciso 1:

Os Estados Partes comprometem-se a fomentar o diálogo social em âmbito nacional e regional, instituindo mecanismos efetivos de consulta permanente entre representantes dos governos, dos empregadores e dos trabalhadores, a fim de garantir, mediante o consenso social, condições favoráveis para o crescimento econômico sustentável e com justiça social na região e à melhoria das condições de vida de seus povos.

Além desses instrumentos, cabe salientar, a nível regional, os acordos bilaterais de trânsito em fronteira firmados entre os Estados, como é o caso dos denominados Acordos sobre Localidades Fronteiriças Vinculadas. No caso do Brasil, existe um acordo celebrado com a Argentina, que foi incorporado ao ordenamento jurídico em 2016, e outro com o Paraguai, firmado em 2017 e atualmente em processo de ratificação do Senado Federal.

Embora os Acordos sejam diferentes entre si, tratam de pontos importantes relacionados à dinâmica fronteiriça, principalmente questões relativas ao trânsito, à fixação de residência e ao exercício do trabalho. No âmbito laboral, esses Acordos estabelecem a não discriminação dos trabalhadores nacionais de outros países, garantindo-lhes direitos iguais aos dos nacionais do país, tanto em matéria laboral quanto de seguridade social. Além disso, preveem a criação de um documento específico para os residentes fronteiriços, cuja aplicação é regulamentada pela Lei de Migração (Lei 13.445/2017).

Dessa forma, é possível concluir que existe um arcabouço capaz de tutelar parte das relações laborais e seus efeitos sociais, que surgirão a partir do estabelecimento do Corredor Bioceânico. Contudo, essas medidas têm alcance limitado, muitas vezes aplicando-se apenas aos trabalhadores que se enquadram na categoria de residentes fronteiriços. No caso do Corredor, o trânsito de trabalhadores estrangeiros vai ocorrer por grande parte do território do país, não se limitando ao espaço de contato fronteiriço, o que também demandará a construção de ferramentas conjuntas para a compreensão das dinâmicas laborais que surgirão.

No que diz respeito às normas internacionais de caráter global, emanadas não apenas pela OIT, mas também pela ONU e outras organizações regionais, essas normas podem ser divididas em duas categorias: os tratados, que são legalmente vinculantes aos Estados membros que o ratificarem, e as declarações, que estabelecem diretrizes e princípios não vinculantes. No que tange ao trabalho, a principal fonte é a Organização Internacional do Trabalho (OIT), através de suas Convenções, que são uma espécie de tratados, e de suas Declarações. A aplicação efetiva das Convenções da OIT no ordenamento jurídico pode variar entre os Estados parte do Corredor Bioceânico.

O Brasil, por exemplo, ratificou 97 das Convenções da OIT, a Argentina, 81 Convenções, o Chile 63 Convenções e o Paraguai 39. Elas formam um arcabouço normativo complexo e, quando ratificadas por todos os Estados ou por parte deles, podem oferecer disposições mais específicas e vinculantes para abordar ou mitigar os efeitos das eventuais problemáticas advindas da operacionalização do Corredor Bioceânico.

Outrossim, é importante mencionar algumas outras declarações relevantes no âmbito da OIT, como a Declaração da Filadélfia de 1944 sobre os fins e objetivos da OIT, bem como a Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 1998.

Além disso, existem instrumentos hábeis que podem ser elencados como aplicáveis às relações de trabalho do Corredor Bioceânico, tais como declarações, pactos, protocolos e outros tratados que integram o sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos, entre eles a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), a Declaração Americana de Direitos e Obrigações do Homem (1948), a Carta Interamericana de Garantias Sociais (1947), a Carta da Organização dos Estados Americanos (1948) e o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, conhecido como Protocolo de San Salvador (1988).

Todos estes instrumentos, sejam eles estatais, não estatais ou normativos, têm em comum a finalidade na tutela das relações de trabalho, seja pelo estabelecimento de padrões e garantias mínimas formais, seja desempenhando um papel direto na implementação dos contratos de trabalho. Nesse sentido, é possível que esses equipamentos, em especial os normativos, sejam hábeis para apresentar respostas às lacunas que existirão nas relações de trabalho desenvolvidas no Corredor Bioceânico.

Por exemplo, diante das dificuldades relacionadas à aplicação territorial da norma nacional de cada país, os equipamentos normativos internacionais podem apresentar uma maneira de promover a tutela, por meio de suas diretrizes e garantias, ante a ausência de instrumentos específicos. Pode haver dúvidas quanto a determinadas disposições legais que vão, inevitavelmente, variar entre os Estados, mas o cerne das garantias estará disposto nessas normativas. Isso é evidenciado, por exemplo, nas Convenções da OIT, que estabelecem garantias e parâmetros mínimos como forma de efetivação dos direitos humanos sociais de caráter laboral.

Vislumbra-se a possibilidade de se construir, ao menos de forma provisória, um arcabouço de tutela das relações de trabalho a partir desses equipamentos normativos. No entanto, deve-se salientar que não se propugna a aplicação dessas normativas como se fossem legislações nacionais. É evidente que existem diferenças que impedem sua colocação nesse sentido. Portanto, é importante ressaltar que sua utilização não ultrapassa seu papel como instrumento integrativo, limitando-se ao exame de seus princípios fundamentais e atributos alusivos para construir as ferramentas necessárias para a tutela sumária das relações de trabalho.

Contudo, nem mesmo essa abordagem, por mais simples e proveitosa que possa parecer, está isenta de objeções. Exemplificativamente, partindo de normas, como as convenções da OIT e demais tratados, surge a limitação de que a oposição a uma norma internacional só pode ser aventada se os países forem signatários dela, o que não necessariamente será observado. Além disso, o número de Convenções ratificadas pelos países do Corredor Bioceânico é variante, o que torna sua aplicação, ao menos de forma isolada, um arcabouço teórico-normativo complexo. Do mesmo modo, os equipamentos existentes no âmbito do MERCOSUL não são plenamente aplicáveis, já que o Chile não faz parte do bloco como Estado-membro, mas apenas um Estado associado.

Independentemente de todas essas possibilidades, é importante frisar que as relações de trabalho no âmbito do Corredor Bioceânico serão plenamente tuteladas por meio da utilização de todos os equipamentos jurídicos de forma coordenada, uma vez que cada qual possui uma competência específica que, quando somada às demais, permite a proteção dos direitos do trabalhador, do tomador de serviços e a valorização do trabalho.

Uma característica comum a esses instrumentos é a afirmação dos direitos humanos e dos direitos sociais. Alguns deles foram elaborados com o objetivo de tutelar as relações de trabalho, seja pelo estabelecimento de padrões e garantias mínimas formais, seja atuando de forma direta durante a consecução material do contrato de trabalho. Por todas essas razões, entende-se que estes instrumentos, aliados aos princípios inerentes aos sistemas jurídicos, sejam hábeis para apresentar respostas às lacunas que surgirão nas relações de trabalho desenvolvidas no Corredor Bioceânico.

Isso é muito importante, visto que a articulação desses instrumentos, juntamente com todo o arcabouço normativo dos direitos humanos, vai ser uma forma de estabelecer patamares mínimos e aplicáveis às possíveis externalidades negativas do projeto do Corredor Bioceânico.

É importante destacar que, quando discutimos a operacionalização de projetos como o Corredor Bioceânico sob um viés de direitos humanos, é necessário compreender que seu desenvolvimento deve ser sustentável e indissociável em aspectos econômicos e sociais. Ainda que se tenha avançado significativamente em relação ao século XX na compreensão dos indicadores de desenvolvimento, que não se limitam a aspectos econômicos, ainda encontramos desafios para a efetivação desse conceito. No campo do Corredor Bioceânico, é evidente a falta de discussões a respeito dos aspectos sociais e culturais afetados pelos Estados. Esse papel tem cabido majoritariamente a órgãos não governamentais ou instituições de ensino, como é o caso da Rede Universitária da Rota de Integração Latino-Americana (Unirila), que inclui as seguintes universidades brasileiras: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS),

Universidade Católicas Dom Bosco (UCDB), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), a Universidade Anhanguera/Uniderp e o Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS).

À medida que os efeitos do projeto do Corredor se tornam mais evidentes, torna-se cada vez mais necessária a expansão do debate acerca dos direitos humanos nesse contexto. Sabe-se que o processo de efetivação de um direito humano não se limita à ratificação de um determinado tratado ou instrumento sobre a matéria. A busca pela consecução e aprimoramento desses direitos é constante, e a sua aplicação precisa ser ampliada e incutida nos processos.

Assim, apesar de esses instrumentos terem sua aplicação prevista e encaminhada em nível internacional, cada Estado torna-se responsável por recepcionar e positivar os instrumentos de direitos humanos em seu ordenamento jurídico interno. No caso do Corredor, será demandada uma coordenação entre os envolvidos no projeto, para garantir, em todo o trajeto do Corredor, a observância dos direitos humanos em suas mais diversas dimensões. Embora se destaque nesse trabalho o aspecto laboral, a transversalidade dos direitos humanos implica em uma amplitude de situações-chave em que os direitos humanos, sob a forma de normas, serão utilizados como fundamento jurídico ou mesmo como guia para a resolução das externalidades.

Os direitos humanos têm características que os tornam uma ferramenta relevante, seja em objeto ou como guia para a elaboração de instrumentos que, partindo de seus elementos determinantes, são desenvolvidos internamente pelos países. Ao analisar o sistema global de proteção dos direitos humanos, encontramos um conjunto de normas que, mesmo não emanando da mesma fonte, complementam-se e formam um conjunto que, sistematicamente, tutelam o desenvolvimento, expansão e observação dos direitos humanos.

Conclusão

É importante notar que a integração não segue um processo padronizado ou se desenvolve de maneira estandardizada, sendo, em verdade, influenciada pelas condições sociais, econômicas, políticas, históricas, ambientais e geográficas. Isso acaba dificultando a criação de parâmetros uniformes entre as iniciativas. Alguns projetos limitam-se ao aspecto econômico, sem considerar ou construir respostas a áreas diversas, enquanto outros têm uma abordagem mais ampla. No entanto, isso não significa que essas questões sejam negligenciadas; a diferença localiza-se na forma como os atores envolvidos no processo integrativo tratam essas externalidades.

No caso do Corredor, contudo, observar-se-á a circunscrição de aspectos que ultrapassam a construção de uma infraestrutura para facilitar o escoamento e a comercialização de produtos. Estes irão influir em aspectos que ultrapassam os limites do capital, não obedecem às regras do mercado e são regidos por outros critérios. Em projetos como o do Corredor, a confluência de interesses, realidades, povos e culturas é um desafio adicional que pode comportar conflitos e gerar problemas.

É fundamental voltar-se para essas questões urgentes, pois afetarão diretamente a vida das pessoas que estão localizadas nas regiões abrangidas pelo Corredor. Quando se aduziu anteriormente a indicação da nomenclatura Corredor Bioceânico como a mais acertada, essa escolha refletiu a interação entre os aspectos econômicos e estruturais com os aspectos humanos, incluindo elementos sociais e culturais das populações atendidas pelo projeto.

Na esfera trabalhista, a demanda de ação revela-se latente. Juridicamente, as lacunas podem ser colmatadas em duas esferas: nacionalmente, por meio de medidas nos ordenamentos jurídicos de cada Estado envolvido no Corredor, e internacionalmente, por meio da cooperação entre os Estados e na construção conjunta de mecanismos hábeis para tutelar as relações de trabalho, levando em consideração as características regionais que decorrem da atividade no projeto. Essa ação conjunta também é necessária no âmbito executivo, com a criação de políticas públicas nacionais e ferramentas que fomentem a cooperação internacional para facilitar a vida dos indivíduos que são afetados pelas externalidades negativas do Corredor.

Na esteira do desenvolvimento sustentável, é importante salientar o relevo das contribuições relacionadas ao sistema internacional de proteção do trabalho, que tem base primária na estrutura de proteção dos direitos humanos de ordem social, incluindo os de caráter laboral. Fazem parte desse sistema, em suas mais diversas instâncias, as organizações internacionais como a OIT e os demais blocos econômicos, Organizações Não Governamentais (ONGs) e outros atores sociais internacionais que, direta ou indiretamente, contribuem para promoção do trabalho digno.

Portanto, é necessário desenvolver instrumentos jurídicos normativos que sejam adequados às especificidades das relações de trabalho desenvolvidas ao longo do Corredor. Essa construção deverá ocorrer de forma conjunta, com vistas a atender as realidades de cada país e região envolvidos. Quando se levantou os impactos relacionadas ao trabalho, considerou-se exclusivamente a realidade jurídica e social da região sul-mato-grossense e do Brasil. A construção deverá, ainda, possuir chancela do MERCOSUL e das demais organizações internacionais capazes de contribuir para o desenvolvimento de propostas adequadas. É importante ressaltar que, nesse processo, a participação ativa dos atores sociais e institucionais, incluindo os equipamentos estatais e não estatais, bem como dos governos locais, estrangeiros e nacionais, como o governo do Estado do Mato Grosso do Sul e os municípios que integram o Corredor Bioceânico, será fundamental nesse processo.

Além disso, a criação de uma cooperação internacional para a uniformização de políticas públicas e da tutela das relações também se revela como necessária. Não se trata de limitar a soberania ou competência de cada Estado, mas sim de uma atuação conjunta para a proteção dos atores das relações laborais, fomentando o desenvolvimento do trabalho decente no Corredor Bioceânico, sendo este um meio estratégico para a promoção do desenvolvimento sustentável e garantia do sucesso econômico e social da empreitada.

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*Artigo de investigação.

1 Se trata de organizar el espacio geográfico en base al desarrollo de una infraestructura física de transporte terrestre, aéreo y fluvial; de oleoductos, gasoductos, hidrovías, puertos marítimos y fluviales y tendidos eléctricos y de fibra óptica, entre los más destacados. Esas obras se materializarán en doce ejes de integración y desarrollo, corredores que concentrarán las inversiones para incrementar el comercio y crear cadenas productivas conectadas con los mercados mundiales.

Cómo citar: Maciel de Almeida Aquino, J. V., & Da Silva Félix, Y. Relações de trabalho no âmbito do Corredor Bioceânico com foco no Brasil: Análise da proteçãojurídica internacional e primeiros impactos. Prolegómenos, 26(52), 131-144. https://doi.org/10.18359/prole.6240

Recebido: 30 de Abril de 2022; Aceito: 30 de Junho de 2023; Publicado: 15 de Dezembro de 2023

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