Introdução
Autoeficácia significa as “crenças de alguém em suas capacidades de organizar e executar cursos de ação requeridas para produzir certas realizações” (Bandura, 1997, p. 3). Embora a autoeficácia possa ser analisada e mensurada de maneira geral ou global, como a crença na capacidade de lidar com uma diversidade de demandas desafiadoras (Luszczynska, Scholz, & Schwarzer, 2005), ressalta-se que sua utilização em domínios específicos garante resultados mais consistentes (Bandura 1997), motivo pelo qual tem sido estudada em várias áreas do conhecimento como educação, esportes, saúde, organizações e trabalho, considerada uma variável bastante substancial na compreensão de como e por que as pessoas desistem ou perseveram diante de obstáculos, conseguindo ou não bons resultados com seus esforços (Nunes & Oliveira, 2018). Recentemente, a autoeficácia também esteve em evidência em estudos que analisaram os impactos e desdobramentos referentes a situação de estresse e isolamento impostos pela Pandemia de Covid-19, visto que tais estudos apontam importantes contribuições da autoeficácia (Gaeta González, Gaeta González, & Guardado, 2021; Gir, Sousa, Silva, & Leoni, 2022; Herrera, Cabral, Benito, Tarqui, & Barzola, 2022).
Deste modo, as crenças de autoeficácia contribuem para compreender, analisar, discutir e intervir em diversos campos da vida dos indivíduos (Dantas & Azzi, 2015). No âmbito do trabalho, a autoeficácia é conhecida como autoeficacia ocupacional e representa a convicção de uma pessoa de que ela pode executar comportamentos relevantes para o seu trabalho (Schyns & von Collani, 2002).
Trabalhadores autoeficazes, provavelmente usarão estratégias e comportamentos positivas para lidar com os desafios relacionados ao trabalho (Siti, Panatik, O’Driscoll, & Anderson, 2011), enquanto que, aqueles com baixa autoeficácia são mais dispostos à abrigar pensamentos pessimistas sobre suas realizações futuras e desenvolvimento pessoal (Shoji et al., 2016).
A autoeficácia ocupacional se apresenta como um recurso importante para os trabalhadores, associando-se positivamente à diversos indicadores psicossociais relacionados ao trabalho, amplamente estudada em Psicologia Organizacional e do Trabalho (Gir et al., 2022; Herrera et al., 2022; Alharbi, Wilson, Woods, & Usher, 2016; Barbaranelli, Paciello, Biagioli, & Fida, 2018; Ventura, Salanova, & Llorens, 2015). Dentre as associações já reconhecidas, a autoeficácia ocupacional é vista como fator protetivo para a saúde e bem estar no trabalho (Cardoso & Baptista, 2018; Schwarzer & Hallum, 2008; Schreurs, Emmerik, Notelaers, & De Witte, 2010), além de ser um dos preditores de sucesso (Fida et., 2015; Miraglia et al., 2017; Onyishi & Ogbodo, 2012; Stajkovic & Luthans, 1998) e desempenho no trabalho (Gountas, Gountas, & Mavondo, 2014; Jungert, Koestner, Houlfort, & Schattke, 2013; Paggi & Jopp, 2015), bem como outros aspectos importantes no âmbito do trabalho como a motivação (Ventura, Salanova, & Llorens, 2015), engajamento (Molero, Pérez- Fuentes, & Gázquez, 2018), satisfação no trabalho (Berlanda et al., 2017; Jungert et al., 2013; Meseguer, Soler, & García-Izquierdo, 2014; Pedrazza et al., 2018; Simons, An, & Bonifas, 2016), intenção de sair (Chen & Scannapieco, 2010; Pedrazza et al., 2018) e na resolução de problemas (Gountas et al., 2014).
Em face ao exposto, considera-se relevante uma proposta de pesquisa com o objetivo de mapear o construto da autoeficácia ocupacional por meio de uma revisão da literatura. A autoeficácia ocupacional é uma teoria que foi incorporada à literatura científica, a partir do construto de autoeficácia desenvolvido por Bandura (1997), tendo como base a teoria social cognitiva. Para estudá-la, além de reconhecer associações teóricas, é importante identificar correlação entre variáveis, instrumentos para mensuração e a operacionalização do construto em trabalhadores. Tais considerações nos levam ao objetivo central deste estudo, que é o de realizar uma pesquisa do tipo revisão integrativa sobre a autoeficácia ocupacional, em bases nacionais e internacionais.
Trata-se, portanto, do conhecimento científico da autoeficácia ocupacional, uma pesquisa relevante do ponto de vista científico e social. A pesquisa poderá contribuir com a atuação de psicólogos e demais profissionais que atuam no campo da saúde do trabalhador ao mostrar possibilidades para direcionar e potencializar intervenções acerca dos processos psicossociais no trabalho. Além de auxiliar profissionais, poderá subsidiar pesquisadores em seus projetos de pesquisa que visam a saúde, o bem estar e a qualidade de vida dos trabalhadores. Por fim, a pesquisa também contribuirá com o desenvolvimento da área de Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) ao abordar a autoeficácia de trabalhadores, ampliando, portanto, a produção do conhecimento em POT.
Método
Estudos que representassem o estado da arte sobre o construto da autoeficacia ocupacional foram mapeados e selecionados por meio de uma revisão integrativa da literatura, com base no modelo proposto por Botelho, Cunha e Macedo (2011). O método tem como finalidade reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre um tema ou questão delimitada, de maneira sistemática e ordenada, de modo que se alcance uma compreensão abrangente do fenômeno sob investigação (Mendes, Silveira, & Galvão, 2008), indo ao encontro do objetivo deste estudo.
O método de revisão integrativa de Botelho, Cunha e Macedo (2011) é composto por seis etapas: 1) identificação do tema e seleção da questão de pesquisa; 2) estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão; 3) identificação dos estudos pré-selecionados e selecionados; 4) categorização dos estudos selecionados; 5) análise e interpretação dos resultados; e 6) apresentação da revisão/síntese do conhecimento. Com base nessas seis etapas, serão apresentados os procedimentos referentes ao desenvolvimento deste trabalho.
A primeira fase da revisão integrativa refere-se à definição do problema e dos objetivos da pesquisa, são definidas também as estratégias de busca, os descritores utilizados e as bases de dados consultadas durante a pesquisa (Botelho, Cunha, & Macedo, 2011; Mendes, Silveira, & Galvão, 2008). Para a realização deste estudo, os artigos foram identificados por meio da estratégia de busca ((self-efficacy OR “individual effectiveness” OR “perceived individual effectiveness”) AND (labor OR labour OR work OR job) AND (workers) AND (organizational OR organisational OR organization OR organisation)) e ocorreu no mês de junho de 2021. Foram acessadas bases de dados (Web of Science, Lilacs, PubMed, Scielo, Scopus, PsycINFO, Pepsic) no intuito de reunir estudos científicos relevantes. Tais fontes de informações utilizadas permitiram construir uma visão ampla do que está sendo publicado sobre o tema, permitindo acesso à 943 estudos para a próxima etapa.
Na segunda fase foram estabelecidos os critérios de pré-seleção e seleção dos trabalhos que integraram a revisão. A partir do resultado inicial, obteve-se 593 publicações cujos descritores foram localizados nos títulos, resumos e palavraschaves, considerando todo o período de publicações (1980-2020), artigos científicos avaliados por pares e estudos nos idiomas inglês, português e espanhol. Em seguida, desenvolveu-se a leitura criteriosa dos resumos dos 593 estudos, com base na estratégia de busca definida e verificando-se a adequação dos trabalhos aos objetivos da pesquisa, nesta fase da pesquisa 547 artigos foram eliminados pois eran inelegíveis pelos critérios estabelecidos.
Sendo assim selecionamos 46 artigos para a próxima fase da pesquisa. Após a leitura na íntegra, dos 46 artigos selecionados, 24 foram eliminados por duplicatas e por não tratarem do fenômeno de interesse, ao final do processo se alcançou o total de 22 publicações que tratavam minimamente sobre o tema. Consideramos elegíveis (a) estudos disponíveis para leitura na íntegra e (b) investigações acerca da autoeficácia ocupacional. Após o levantamento descrito na etapa anterior, procedeuse à análise das caraterísticas dos estudos e a revisão qualitativa dos mesmos. A Figura 1 apresenta o fluxograma sobre o processo de busca e seleção e a quantidade de artigos selecionados em cada etapa.
Além desse levantamento bibliográfico sistematizado na Figura 1, literaturas específicas foram incluídas manualmente na revisão, o que é permitido em uma revisão integrativa (Botelho, Cunha, & Macedo, 2011), encontradas por meio de consultas em portais eletrônicos (Periódicos Capes, Banco de Teses e Dissertações, Scholar Google).
A quarta fase da revisão integrativa é o momento da leitura em sua totalidade dos trabalhos selecionados, com o objetivo de sumarizar e documentar as informações (Botelho, Cunha, & Macedo, 2011). Nesta fase, adotou-se o método da matriz conceitual de Klopper, Lubbe e Rugbeer (2007), agrupando-se os artigos selecionados em categorias utilizadas para análise de cada artigo. A matriz foi preenchida com informações extraídas dos artigos selecionados no que diz respeito às características do estudo: título, autores, revista publicada, ano de publicação, origem, instrumentos utilizados, contexto de estudo; a matriz foi sintetizada e é apresentada na seção seguinte.
A partir da matriz foi possível prosseguir para a quinta fase do método da revisão integrativa de Botelho, Cunha e Macedo (2011), tratando-se do momento de análise e interpretação dos resultados da revisão integrativa. Por fim, o desenvolvimento da revisão integrativa se encerra na sexta fase com a elaboração do texto que consolida a revisão desenvolvida e apresenta as conclusões alcançadas pelo autor (Botelho, Cunha, & Macedo, 2011). Os resultados dessa fase foram descritos neste estudo que apresenta ao leitor o referencial teórico que possibilitou conhecer o construto da autoeficácia ocupacional.
Resultados e Discussão
Os resultados da revisão integrativa serão apresentados em duas etapas: (1) caracterização dos estudos, conforme tabela 1, e (2) compreensão da autoeficacia ocupacional, a partir dos estudos selecionados.
Os 22 artigos recuperados foram publicados entre os anos de 2010 e 2018, dos quais seis foram publicados em 2018, ou seja, a autoeficácia ocupacional tem se constituído como um tema de maior relevância nos últimos anos. Além do interesse científico ter sido maior na última década, as pesquisas sobre autoeficacia ocupacional têm origem, sobretudo, em países europeus e são realizados com trabalhadores de diversas categorias profissionais. Com base no levantamento apresentado na Tabela 1, apenas um estudo é de natureza teórica, embora se proponha a analisar estudos realizados com trabalhadores (Shoji et al., 2016), em geral, tratam-se de estudos transversais associando o construto da autoeficacia ocupacional a outras variáveis, cujas algumas das descobertas são descritas neste estudo.
No âmbito do trabalho, a autoeficácia é conhecida originalmente como autoeficácia ocupacional. O conceito foi introduzido por Schyns e von Collani (2002) e reflete a convicção de uma pessoa de que ela pode executar comportamentos relevantes para o seu trabalho. Ainda segundos os autores, a autoeficácia ocupacional é relativamente estável, devido às suas correlações com características de personalidade. No entanto, a autoeficácia ocupacional pode ser menos estável do que a autoeficácia geral, ou seja, pode ser mais facilmente influenciada por experiencia (Schyns & von Collani, 2002).
Schyns e von Collani (2002) encontraram as primeiras evidências de autoeficácia na pesquisa e prática organizacional indicando correlação positiva entre autoeficácia ocupacional, satisfação no trabalho e comprometimento organizacional.
Ao ser estudada no contexto do trabalho, embora o construto ainda não possua robusta literatura nesse meio (Cardoso & Baptista, 2018), tende a se apresentar como uma variável importante para os trabalhadores, associando-se positivamente à diversos indicadores psicossociais relacionados ao trabalho. Devido seu envolvimento com tais indicadores, tem sido amplamente estudada em Psicologia do Trabalho (Alharbi et al., 2016; Barbaranelli et al., 2018; Ventura et al., 2015).
Profissionais que confiam na sua capacidade para realizar suas tarefas de trabalho, ou seja, profissionais autoeficazes, provavelmente usarão estratégias e comportamentos positivos para lidar com os desafios relacionados ao trabalho (Siti, Panatik, O’Driscoll, & Anderson, 2011). Por outro lado, aqueles com baixa autoeficácia são mais dispostos à abrigar pensamentos pessimistas sobre suas realizações futuras e desenvolvimento pessoal (Luszczynska & Schwarzer, 2005; Shoji et al., 2016).
O construto da autoeficácia ocupacional tem recebido cada vez mais atenção como antecedente de saúde e bem estar no trabalho (Cardoso & Baptista, 2018; Schwarzer & Hallum, 2008; Schreurs, Emmerik, Notelaers, & De Witte, 2010). Com relação ao estresse ocupacional, a autoeficácia representa a confiança de que se pode empregar as habilidades necessárias para lidar com tarefas, desafios e estresse relacionados ao trabalho, bem como suas consequências e implicações (Shoji et al., 2016). Isso quer dizer que os profissionais respondem de forma adaptativa aos estressores no local de trabalho como sobrecarga, pressão rotineira ou temporária, exaustão emocional e demandas de trabalho exigentes, os quais são vistos como menos ameaçadores (Berlanda, Pedrazza, Trifiletti, & Fraizzoli, 2017; Meseguer, Soler, & García-Izquierdo, 2014; Panatik, O’Driscoll, & Anderson, 2011; Ventura eta al., 2015), também terão maior controle sobre emoções negativas, diminuindo o sofrimento psicológico que as emoções podem gerar (Meseguer, Soler, & García- Izquierdo, 2014) e utilizam mais estratégias de coping eficazes (Betoret & Artiga,2010).
A autoeficácia ocupacional também modera a relação entre a percepção do assédio no local de trabalho e a saúde, trabalhadores com altos escores de autoeficacia tendem a apresentar comportamentos positivos de enfrentamento em situações de exposição ao bullying (Betoret & Artiga, 2010; Meseguer, Soler; & García-Izquierdo, 2014).
A interação entre a autoeficácia e os resultados relacionados ao estresse forma o pano de fundo teórico para sua relação com a síndrome de burnout. As crenças de autoeficácia na gestão de emoções negativas e esgotamento no trabalho são importantes para a redução nos sintomas de burnout primeiro porque ela atua como mediadora da estabilidade emocional e, teoricamente, a baixa estabilidade emocional parece funcionar como uma espécie de vulnerabilidade ao estresse (Alessandri et al., 2018). Pesquisadores e profissionais reconhecem o papel dos fatores de proteção (Kay-Eccles, 2012; Voss Horrell, Holohan, Didion, & Vance, 2011), os quais se referem às características do ambiente de trabalho (por exemplo, estrutura organizacional, padrões de segurança) ou variáveis individuais (por exemplo, autoeficácia, idade, otimismo) que estabeleceram associações com o burnout (Lee, Seo, Hladkyj, Lowell, & Schwartzmann, 2013). Características ambientais ou individuais (tais como estruturas organizacionais ou idade) são difíceis de mudar (Voss Horrell et al., 2011), por outro lado, cognições como autoeficácia são fatores de proteção modificáveis.
Além de ser vista como fator de proteção individual de estresse no trabalho, é reconhecida sua importância quanto ao desempenho no local de trabalho e, portanto, é um construto altamente relevante para o ambiente organizacional, tanto no que diz respeito ao desempenho geral quanto ao comportamento proativo para realização de tarefas. Adotar visões positivas sobre a própria capacidade aumenta os resultados reais de desempenho no trabalho (Gountas, Gountas, & Mavondo, 2014; Jungert, Koestner, Houlfort, & Schattke, 2013; Paggi & Jopp, 2015). Contudo, ressalta-se que a relação entre autoeficácia e desempenho foi moderada pela complexidade da tarefa, ou seja, contribuiu para o desempenho no trabalho quando a complexidade da tarefa era baixa, não quando média ou alta porque os indivíduos são mais capazes de aplicar comportamentos autorregulatórios a tarefas menos complexas, enquanto tarefas de maior complexidade são mais afetadas por fatores distais, como traços de personalidade (Judge et al., 2007). Assim, múltiplos fatores e suas inter-relações devem ser considerados quando se examina a autoeficácia e o desempenho no trabalho.
A literatura apresenta, ainda, outros construtos que se associam a autoeficácia, entre eles a motivação (Salanova, Lorrente, Chambel, & Matinezi, 2011), engajamento no trabalho (Molero, Pérez-Fuentes, & Gázquez, 2018), satisfação no trabalho (Berlanda et al., 2017; Jungert et al., 2013; Meseguer, Soler, & García-Izquierdo, 2014; Pedrazza et al., 2018; Simons, An, & Bonifas, 2016), intenção de sair, ou seja, quanto maior autoeficácia, menor ocorrência da intenção de deixar o trabalho (Chen & Scannapieco, 2010; Pedrazza et al., 2018) e na resolução de problemas, pois trabalhadores com autoeficácia elevada tendem a usar estratégias de enfrentamento mais lógicas para a resolução de problemas, em oposição a trabalhadores que apresentam baixa autoeficácia que tendem a operar e reagir mais emocionalmente e, portanto, menos eficientemente (Gountas et al., 2014).
Estudos também demonstraram que a autoeficácia pode sofrer influência de variáveis psicossociais do trabalho. Por exemplo, o feedback positivo ao realizar uma tarefa aumenta os níveis de autoeficácia, já que desenvolve uma relação ascendente de eficácia-desempenho. Como alternativa para desenvolver essa relação, Onyishi e Ogbodo (2012) propõem que os trabalhadores possam experimentar o dominio gradativo pela prática do “aprender fazendo”, começando com pequenos empreendimentos e de baixo risco e na medida em que ganham confiança, poderiam gradualmente se empenhar em empreendimentos maiores e mais arriscados, apresentando melhores resultados. Do mesmo modo, a autoeficácia ocupacional também está ligada a formação e desenvolvimento, pois expressa as opiniões individuais dos trabalhadores sobre suas competências e habilidades para atender às exigências de seu trabalho. Nesse sentido, a autoeficácia reflete a capacidade de fazer algo ou de lidar com uma situação particular que pode exigir alguma base de conhecimento ou um conjunto específico de habilidades adquiridos previamente (MacAteer, Manktelow, & Fitzsimons, 2016).
Compreender as possíveis relações entre a autoeficácia e procesos psicossociais de trabalho fornecem insights importantes, tendo em vista que o interesse na autoeficácia permeia diversos campos de investigação e tem sido considerada em diversos estudos. Os modelos teóricos mais recentes, próximos a psicologia positiva incluem a autoeficácia no conceito de capital psicológico (Chiesa, Fazi, Guglielmi, & Mariani, 2018; Luthans, Avolio, Avey, & Norman, 2007) por ser determinante do comportamento e uma das suas principais características é o seu potencial positivo. Nesse sentido, possibilitar aos profissionais o desenvolvimento de suas crenças de autoeficácia parece ser uma alternativa para que eles se sintam mais preparados e motivados durante suas atividades (Torisu & Ferreira, 2009).
Intervenções específicas para desenvolver a autoeficácia, ou mais amplas para aumentar o capital psicológico, mostraram um impacto benéfico para os individuos e também para as organizações como um todo (Luthans, Avey, Avolio, Norman & Combs, 2006; Luthans, Avey, & Patera, 2008). Entre algumas interações encontradas na literatura a esse respeito, foram encontrados benefícios da autoeficácia e demais dimensões do capital psicológico refletidos em resultados variados como satisfação e inovação (Etikariena, 2018), aprendizagem e criatividade (Huang & Luthans, 2015), rotatividade (Karatepe & Avci, 2017), saúde (Youssef-Morgan & Luthans, 2015), qualidade de vida no trabalho e comportamentos de cidadania (Nafei, 2015).
No que diz respeito aos instrumentos para mensuração da autoeficacia ocupacional, embora este estudo apresente uma visão geral sobre a temática sem tratar minimamente sobre as medidas para sua avaliação, encontramos diversos instrumentos que tem o objetivo de verificar a capacidade percebida pelo trabalhador em diferentes situações do seu contexto laboral. Foram identificados instrumentos desenvolvidos e validados por pesquisadores em diversos países e foi possível observar que, em geral, embora se proponham a avaliar a autoeficácia no trabalho, o que se constatou a partir de uma análise preliminar é que apresentam mais de uma dimensão e não há, necessariamente, semelhanças nas nomenclaturas dos fatores, em relação ao que é avaliado por intermédio das dimensões. Por outro lado, se assemelham por apresentarem o mesmo formato de respostas, do tipo Likert, com variações entre cinco e 10 pontos (Schyns & Von Collani, 2002; Avallone, Pepe, & Porcelli, 2007; Rigotti et al., 2008; Hennessy, & Lent, 2008; Pepe, Farnese, Avalone, & Vecchione, 2010; Reeb, Folger, Langsner, Ryan, & Crouse, 2010; Bai, & Stewart, 2010; Nunes, & Noronha, 2011; O’Sullivan, Strauser, & Wong, 2012; Cardoso & Baptista, 2014; Colombo, & Zito, 2014).
Em particular, a escala Occupational Self-Efficacy Scale - OSS (Schyns & von Collani, 2002) na sua forma original e curta - Occupational Self-Efficacy Scale - Short Form - OSS-SF (Rigotti et al., 2008) tem sido usada em todo o mundo. A versão original é derivada de diferentes avaliações de autoeficácia geral para avaliar a competência que uma pessoa sente sobre a capacidade de cumprir com êxito as tarefas no trabalho (Schyns & von Collani, 2002). Os autores propuseram, possivelmente, o primeiro estudo de investigação e desenvolvimento de uma medida específica para este construto. Já a forma curta - OSS-SF (Rigotti et al., 2008) é uma medida que investiga diretamente a percepção dos indivíduos sobre suas capacidades de trabalho. A forma curta foi adaptada e validada no Brasil por Damásio, Freitas e Koller (2014).
Algumas ferramentas para mensurar a autoeficácia no trabalho possuem estudos de adaptação e validação no Brasil. Nunes e Oliveira (2018) destacam que, em termos de instrumentos para avaliação da autoeficácia no contexto do trabalho, os estudos realizados no Brasil apresentam boas propriedades psicométricas e, tanto podem ser utilizados para fazer um diagnóstico de pessoas ou grupos, como também podem ser utilizados para avaliar os ganhos obtidos em intervenções, com a aplicação do instrumento antes e depois da conclusão delas. Contudo, os autores ressaltam que a maioria das escalas com validade para o contexto brasileiro, relacionando a autoeficácia com o trabalho, se concentra em avaliar eficácia para possíveis escolhas de carreira e não na percepção de habilidades dos indivíduos para efetivamente executar tarefas de trabalho. Ou seja, são ferramentas úteis para uso em contextos de orientação vocacional, porque permitem que o indivíduo avalie as áreas em que pode ter maior eficácia (Nunes & Oliveira, 2018).
Além do âmbito do trabalho e escolha profissional, a autoeficácia pode ser estudada no contexto do retorno para o trabalho após período de afastamento do trabalhador, atribuindo ainda mais a especificidade do construto. A esse respeito, estudos investigam o impacto da autoeficácia no retorno para o trabalho, bem como ferramentas para avaliação do construto em trabalhadores em processo de retorno para o trabalho. A autoeficácia para o retorno ao trabalho é a crença dos trabalhadores na sua capacidade de se comportar/agir das formas necessárias para retomar suas atividades ocupacionais (Lagerveld et al., 2010).
As intervenções psicológicas para autoeficácia se baseiam na suposição de que os indivíduos que estão buscando ajuda têm um baixo senso de autoeficácia e o principal objetivo dessa ajuda deve ser, portanto, desenvolvê-la. Deste modo, é possível planejar intervenções para restaurar a autoeficácia voltadas a um ou mais dos elementos que constroem crenças que um indivíduo tem sobre suas habilidades: experiências vicárias e de domínio, persuasão verbal e estados fisiológicos e emocionais (Nunes & Oliveira, 2018), ou seja, as técnicas para promover a autoeficácia no contexto do trabalho tem como como base as fontes de autoeficacia proposta por Bandura (1997).
De acordo com Bandura (1997), a fonte de autoeficácia que tem maior poder preditivo é a das experiências pessoais e, neste caso, propõe-se ao indivíduo que realize atividades gradualmente mais desafiadoras e auxilie-o a interpretar adequadamente esses avanços, em termos de habilidades e/ou conquistas alcançadas (Nunes & Oliveira, 2018; van Beurden et al., 2015), pois o sucesso em uma tarefa ou comportamento fortalecerá as expectativas de autoeficácia para aquela tarefa ou comportamento (van Beurden et al., 2015). A lógica não deve ser simplesmente ajudar a pessoa a iniciar ações para reavaliar suas crenças, mas ajudá-la a reavaliar as crenças de modo contextualizado e com base em dados objetivos. Ressalta-se que em muitos casos a pessoa terá dificuldade de se avaliar positivamente por pensar que o futuro será ruim e por antecipar consequências negativas para sua vida ou pode atribuir o sucesso ao acaso etc. Nesse caso, a intervenção deverá se amparar em um contexto mais amplo de reinterpretação das situações vivenciadas (Nunes & Oliveira, 2018).
Na mesma direção, intervenções também podem ocorrer para incentivar as pessoas a pedirem feedbacks das habilidades em questão para outros significativos que consideram aptos a realizar avaliações pertinentes, investindo assim, na persuasão verbal, ou podem se voltar à aprendizagem de como lidar com sintomas de ansiedade diante de situações desafiadores (por exemplo, técnicas da terapia cognitivocomportamental, respiração diafragmática) ou para que observem colegas e conversem com eles sobre as habilidades que duvidam em si mesmos. No que se refere à aprendizagem vicária, outra fonte de autoeficácia, a pessoa pode ter uma postura ativa ao pedir que os outros que considera competentes ensinem quais os passos para desenvolver determinada habilidade, e não apenas observar de forma passiva (Nunes & Oliveira, 2018).
Com essas abordagens, espera-se que trabalhadores ganhem confiança, principalmente como consequência de suas experiências diretas e realizações profissionais. De modo geral, intervenções voltadas ao desenvolvimento da autoeficácia devem conter ações variadas e devem ser discutidas com a pessoa antes da implementação, de modo que tenham um nível de dificuldade considerado viável por ele e que consiga se motivar durante o processo. Isso significa que não há um pacote de tarefas que servirá a todos, ao contrário, propõe-se tarefas personalizadas sobre as atividades que serão realizadas, em quais contextos, qual a sequência de tarefas, com a possibilidade de revisar o plano de ação ao longo do processo (Nunes & Oliveira, 2018).
Reconhecer o papel da autoeficácia ocupacional é extremamente útil uma vez que a interação das pessoas com o trabalho é complexa, dinâmicas e multifacetadas. A autoeficácia é um recurso psicológico promissor para estudo, avaliação e intervenções no âmbito do trabalho, pois trabalhadores com autoeficácia elevada se sentem confiantes sobre suas habilidades para o trabalho e serão mais bem sucedidos e persistentes em seus esforços em comparação com seus pares com baixa autoeficácia.
Considerações finais
Este estudo teve como objetivo analisar o estado da arte sobre a autoeficacia no contexto do trabalho, abordando as produções científicas relevantes nacionais e internacionais sobre o tema. A pesquisa de revisão integrativa possibilitou mapear a temática, reconhecer associações teóricas e identificar correlação entre variáveis, bem como identificar instrumentos para mensuração e a operacionalização do construto em trabalhadores. Portanto, os procedimentos aplicados foram suficientes para o alcance do objetivo proposto.
No que se refere aos resultados, embora o construto não possua robusta literatura, foi possível identificar correlações entre a autoeficácia ocupacional e diversos indicadores no trabalho, tais como satisfação, comprometimento, sucesso e desempenho no trabalho, além de ser considerada como fator protetivo de saúde e bem estar do trabalhador. Além disso, modelos teóricos mais recentes como a psicologia positiva, incluem a autoeficácia como uma dimensão do capital psicológico por ser determinante do comportamento e uma das suas principais características é o seu potencial positivo.
A partir dos resultados da revisão integrativa sobre o construto da autoeficacia ocupacional, foi possível identificar contribuições teóricas e empíricas desse conhecimento científico. Por exemplo, para as organizações, possibilitar aos trabalhadores o desenvolvimento de suas crenças de autoeficácia é uma alternativa para que eles se sintam mais preparados e motivados para suas atividades. Nesse sentido, intervenções específicas para desenvolver a autoeficácia, ou, ainda, para aumentar o capital psicológico, são importantes não apenas para os trabalhadores, mas também para as organizações como um todo tendo em vista os resultados de saúde, desempenho e comprometimento que, possivelmente, serão apresentados Ainda no campo prático, sendo a autoeficácia uma característica psicológica modificável, é possível melhorar a autoeficácia de uma pessoa por meio de estratégias no âmbito clínico de acordo com as fontes de autoeficácia propostas por Bandura (experiências vicárias e passadas, persuasão verbal e estados fisiológicos e emocionais), tais intervenções poderão ser conduzidas por profissionais da área da psicologia.
No Brasil, algumas ferramentas estão disponíveis e podem ser utilizadas para diagnóstico como também para avaliar ganhos obtidos por meio de intervenções. Contudo, há poucos instrumentos construídos e com propriedades psicométricas comprovadas para a mensuração do construto, sendo imprescindível o desenvolvimento de estudos, tendo em vista que medidas específicas de autoeficacia correspondem melhor ao comportamento sob investigação e tendem a ter um valor preditivo mais forte, indicando, portanto, lacunas e possibilidades a serem exploradas no cenário científico no que diz respeito a autoeficácia ocupacional. Além de impulsionar o conhecimento no âmbito dos estudos de construção/adaptação/validação estudos sobre a temática também contribuem com o desenvolvimento da Psicologia, bem como da Psicologia Organizacional e do Trabalho.
Desse modo, espera-se que pesquisadores e profissionais das áreas de psicologia, organizações e trabalho passem a se interessar por este conhecimento e fortaleçam os estudos sobre instrumentos de medidas no contexto do trabalho. De modo geral, estudos são necessários para incrementar pesquisas sobre este construto no Brasil.
Como limitação do estudo, na fase de buscas em periódicos científicos, destaca-se o fato de não ter sido considerado a Biblioteca Virtual em saúde (BVS), ao invés da LILACS, uma vez que todo material indexado na LILACS está indexado na BVS, podendo ser recuperado estudos importantes sobre o tema. Contudo, estima-se que o objetivo inicialmente proposto para este trabalho foi alcançado. Uma vez que, os resultados encontrados são considerados relevantes para orientar pesquisas futuras, principalmente, as que se encontram relacionadas a autoeficácia na área do trabalho.