Introdução
Estudos epidemiológicos têm demonstrado que o número de indivíduos que sofre de algum transtorno mental vem aumentando progressivamente nos últimos anos. A prevalência de transtornos mentais no mundo varia bastante, atingindo 4,3% da população em cidades da China e chegando a 26,4% nos Estados Unidos (Demyttenaere et al., 2004).
O Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), foco do presente estudo, apresenta uma prevalência de 1% até 14% na população civil urbana, acometendo cerca de 40 a 80% das vítimas de traumas severos, como violência sexual ou desastre natural. Esses indivíduos apresentam memórias intrusivas e angustiantes do evento traumático, e evitação persistente de situações que lembrem o trauma (Kessler, Sonnega, Bromet, Hughes, & Nelson., 1995). Assim, o TEPT é um transtorno que envolve mecanismos de ansiedade e memória.
Desse modo, o presente artigo de revisão tem por objetivo discutir a relação entre o TEPT e os mecanismos de ansiedade e memória, destacando o desenvolvimento e manutenção do transtorno, segundo o modelo cognitivo-comportamental, o envolvimento do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA), e os processos de reconsolidação e extinção da memória.
Ansiedade e TEPT
Os transtornos de ansiedade são considerados os mais frequentes na população de praticamente todos os países, tendo prevalência de 2,4% a 18,2% (Demyttenaere et al., 2004). O sintoma comum de todos os transtornos ansiosos é a experimentação de ansiedade, que pode ser do tipo cognitiva (antecipação negativa de eventos) ou física (respostas autonômicas, como taquicardia, sudorese, entre outras) (Brunoni, 2008).
Medo e ansiedade são respostas apresentadas em situações de ameaça à integridade física do sujeito, relacionadas às reações de defesa, e nos transtornos de ansiedade, essas respostas são exacerbadas ou ocorrem em situações nas quais elas não deveriam ser apresentadas (Belzung & Griebel, 2011; Rosen & Schulkin,1988).
Embora o termo ansiedade traga uma conotação negativa, de caráter patológico e relacionada a transtornos, ela é uma resposta habitual dos indivíduos ao seu meio, sendo necessária e não patológica, pois adverte sobre a possibilidade de danos físicos, punição, separação ou ameaças à sua integridade, estimulando o organismo a tomar medidas necessárias para impedir tais ameaças ou reduzir suas consequências (Brandão, 2004; Corr, 2011). Dessa forma, a ansiedade tem importante valor adaptativo, assim como o medo.
A ansiedade é definida como um estado subjetivo de tensão difusa, que pode ser acompanhado por alterações físicas como aumento da pressão arterial e frequência cardíaca, induzida pela expectativa de perigo, enquanto o medo é uma resposta a um perigo real e presente (Brandão, 2004).
Deste modo, a ansiedade seria uma resposta apresentada em situações de perigo incerto ou ameaça potencial, quando existe um conflito entre a necessidade de aproximação e de evitação, induzindo o organismo a realizar avaliação de potenciais riscos. Já o medo ocorre em situações de perigo real, frente a qual o sujeito foge (caso uma rota de fuga seja possível), exibe intenso congelamento ou luta (Blanchard & Blanchard, 1988; McNaughton & Corr, 2004).
As respostas emocionais podem ser relacionadas à distância do estímulo aversivo, envolvendo áreas encefálicas distintas, sendo que os estímulos mais distantes ou a ameaça potencial ativam estruturas como a amídala, hipotálamo, hipocampo e córtex pré-frontal, resultando em respostas de medo e ansiedade. Já estímulos aversivos muito próximos, que colocam em risco a vida do indivíduo, ativam estruturas mais caudais mesencefálicas, como a substancia cinzenta periaquedutal (PAG), resultando em respostas de pânico e ataque defensivo (Brandão, 2004).
Assim, medo e ansiedade são respostas apresentadas em situações de ameaça à integridade física do sujeito, relacionadas às reações de defesa, e nos transtornos de ansiedade, essas respostas são exacerbadas ou ocorrem em situações nas quais elas não deveriam ser apresentadas (Belzung & Griebel, 2011; Rosen & Schulkin,1988).
Segundo a quarta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-IV), fazem parte dos Transtornos de Ansiedade as Fobias, o Transtorno do Pânico, Transtorno Obsessivo-Compulsivo, Transtorno de Estresse Pós-Traumático, Transtorno de Ansiedade Generalizada e outros transtornos relacionados à ansiedade (American Psychiatric Association, 1994). A partir da quinta edição do DSM (DSM-V), lançado em 2013, o Transtorno de Estresse Pós-Traumático passou a formar uma categoria separada, a de Transtornos Relacionados a Traumas e Estresse, embora, do ponto de vista sintomatológico e terapêutico, continue mantendo estreita relação com os Transtornos de Ansiedade (American Psychiatric Association, 2013).
O TEPT pode aparecer após a vivência de uma situação estressora, como por exemplo, uma catástrofe natural, violência física, acidente ou doença grave, e se caracteriza por: revivência do trauma por meio de pensamentos, evitação de situações que lembrem o trauma e hiperexcitação persistente (Castro, Armiliato, Zancan, & Gregianin, 2016; Kaplan, Sadock, & Grebb, 1997). Indivíduos com TEPT podem apresentar níveis mais elevados de afetos negativos, como insatisfação, desgosto ou medo (Dimauro, Renshaw, & Kashdan, 2016), distorções cognitivas, crenças negativas e sentimento de culpa (Castro et al., 2016) e alterações de memória, atenção e funções executivas (Horner & Hamner, 2002; Kaplan et al, 2018; Kristensen, Parente, & Kaszniak, 2006).
O transtorno pode estar associado, também, ao desenvolvimento de depressão, ansiedade e dificuldades cognitivas (Bremner et al., 1993; Zass et al., 2017).
Estudos epidemiológicos apontam que até 90% da população será exposta a situações potencialmente traumáticas durante a vida, e embora a maioria não desenvolva o TEPT, este tem sido considerado de alta prevalência, sendo, dentre os transtornos relacionados à ansiedade, o terceiro mais frequente (Sbardelloto, Schaefer, Justo, & Kristensen, 2011).
Pesquisas têm demonstrado um aumento na estimativa do Transtorno, tendo sua prevalência variado de 1 a 3% (Kaplan et al., 1997) até 8% a 14% na população geral (Frueh et al., 2004; Machado, 2015). De acordo com Bernik, Laranjeiras & Corregiari (2003), a prevalência de TEPT na população civil urbana é de 10% em homens e 18% em mulheres, chegando a alcançar índices de 60 a 80% em populações submetidas a traumas constantes, como por exemplo, terremotos (Kapczinski & Margis, 2003) e de 51% a 98% em indivíduos internados em centros psiquiátricos (Frueh et al., 2004; Machado, 2015). Em crianças e adolescentes, o índice é de 29% em vítimas de câncer (Aldelfer, Navsaria, & Kazak, 2009; Zancan & Castro, 2013) e de 20 a 70% em crianças que sofreram abuso sexual infantil (Habigzang, Borges, Dell'Aglio, & Koller, 2010; Nurcombe, 2000).
O quadro a seguir apresenta, de forma resumida, os critérios para o diagnóstico do TEPT, segundo DSM-V (American Psychiatric Association, 2013):
A manutenção do transtorno se dá pelo condicionamento operante Skinneriano, visto que a ansiedade intensa faz com que ocorra a evitação de situações que lembrem o trauma (EC), o que geraria um alívio momentâneo.
O entendimento dos mecanismos neurobiológicos e comportamentais do TEPT, assim como de outros transtornos mentais, é decorrente, em grande parte, de estudos realizados com animais (Fries & Magalhães, 2010; Izquierdo, 2011 ; Valvassori, Arent, & Quevedo, 2011) e uso de exames de neuroimagem (Liberzon & Abelson, 2016; Grupe & Heller, 2016). Dentre os modelos animais para o estudo do TEPT, destacam-se os que fazem uso de breves sessões de choque, seguidas ou não de situações de lembrança do evento traumático (Blanco, De Souza, & Canto-de-Souza, 2017; Louvart, Maccari, Ducroq, Thomas, & Darnaudery, 2005; Pynnos, Ritzmann, Steinberg, Goenjian, & Prisecaru, 1996; Zhang et al., 2015), confronto com predador ou estímulos ligados a ele, agressão coespecífica e derrota social, ou ainda, os que fazem uso da combinação de diversos estressores em uma única sessão (Hendriksen, Olivier, & Ossting, 2014; Liberzon, Khan, & Young, 2005; Stam, 2007). Além disso, devem avaliar as respostas dos animais no paradigma de condicionamento e também em outras situações não relacionadas ao trauma (Blanco et al., 2017; Pynnos et al., 1996; Zhang et al., 2015). Assim, um modelo animal de TEPT deve fazer uso de uma combinação de diferentes paradigmas comportamentais (Siegmund & Wotjak, 2006), visando contemplar os sintomas do transtorno.
De acordo com o modelo cognitivo-comportamental, o desenvolvimento do TEPT ocorre por meio do condicionamento clássico Pavloviano, no qual o trauma é considerado o estímulo incondicionado (EI) capaz de evocar respostas incondicionadas (RI) de medo. Estímulos neutros (EN) presentes na situação, como, por exemplo, estímulos contextuais, tornam-se capazes de eliciar respostas de ansiedade, passando então a serem denominados de estímulos condicionados (EC), capazes de evocar respostas condicionadas de ansiedade (RC).
A manutenção do transtorno se dá pelo condicionamento operante Skinneriano, visto que a ansiedade intensa faz com que ocorra a evitação de situações que lembrem o trauma (EC), o que geraria um alívio momentâneo. Assim, a evitação dos ECs passa a ser reforçada negativamente, impedindo a extinção da associação entre o EI e EC, que normalmente ocorreria quando o EC é apresentado sem o EI (Brewin & Holmes, 2003; Knapp & Caminha, 2003; Sbardelloto, Schaefer, Lobo, Caminha, & Kristensen, 2012). Além disso, de acordo com Brewin & Holmes (2003), inúmeros estímulos presentes na situação podem adquirir a capacidade de evocar respostas de ansiedade por meio de processos de generalização e condicionamentos de ordem superior.
A etiologia e sintomatologia do TEPT sugerem o envolvimento de diversos sistemas comportamentais, como um condicionamento aversivo exagerado, dificuldade na extinção da memória traumática, sensibilização comportamental, que se caracteriza por um responder intenso frente a estímulos estressores moderados, não relacionados ao trauma (Hendriksen et al., 2014) e generalização das respostas de medo condicionado frente a estímulos não nocivos, mas que apresentem alguma característica comum com o trauma (Kaczkurkin et al., 2017). Liberzon e Abelson (2016) descrevem, ainda, déficits no processamento contextual, com exacerbação da identificação de ameaças e dificuldade na discriminação de situações de perigo real, resultando numa resposta inadequada em contextos que não são considerados ameaçadores.
Em relação à neurobiologia do transtorno, estudos têm buscado identificar as alterações nos mecanismos neurobiológicos da aprendizagem e extinção, sensibilização ao estresse e excitação, analisando, ainda, se essas alterações refletem fatores de vulnerabilidade preexistentes ou são decorrentes do trauma (Hein & Nemeroff, 2009). De acordo com uma revisão realizada por Hein e Nemeroff (2009), essas alterações envolvem o eixo HPA e a modulação de neurotransmissores e neuropeptídios, como aumento do fator de liberação de corticotropina, de adrenalina, noradrenalina e do-pamina, alterações na transmissão serotonérgica e nos sistemas gabaérgico e gluta-matérgico, níveis reduzidos de neuropeptídeo Y e ativação exacerbada do sistema de opióides endógenos.
Estudos de neuroimagem têm relacionado o TEPT a alterações estruturais e funcionais do hipocampo, amídala e córtex pré-frontal medial (Grupe & Heller, 2016; Kaplan et al, 2018), descrevendo uma deficiência da modulação da amídala pelo córtex pré-frontal ventro-medial e hipocampo (Hendriksen et al., 2014; Rauch, Shin, & Phelps, 2006), diminuição da conectividade funcional da amídala e hipocampo com o córtex pré-frontal (Zhu et al., 2017), redução do volume do hipocampo, do córtex pré-frontal medial e córtex cingulado anterior, ativação e responsividade exacerbadas da amídala (Hein & Nemeroff, 2009; Hendriksen et al., 2014; Rauch et al., 2006), além de alterações nos tratos de substância branca (Kaplan et al., 2018). Kaplan et al. (2018) e Zass et al. (2017) relatam, também, a relação do TEPT com uma neuroin-flamação crônica de baixo grau, excitotoxicidade e dano oxidativo, que resultam em morte e degeneração neuronal, lesões axonais, desregulação da coluna dendrítica e mudanças na morfologia neuronal.
Uma das respostas mais características ao estresse é a liberação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) e corticosteroides na corrente sanguínea (corticosterona em roedores e cortisol em humanos), como resultado da ativação do eixo HPA (Graeff, 2007; Guilliams & Edwards, 2010)
O TEPT envolve, ainda, hiperfunção do eixo simpato-adrenal e hipofunção do eixo HPA, com consequente diminuição dos níveis de corticosteroides circulantes (Graeff, 2003; Lucassen et al., 2014). Logo, o transtorno relaciona-se a uma alteração no funcionamento do eixo HPA e das respostas autonômicas frente ao estresse.
As respostas neuroendócrinas apresentadas em situações de perigo relacionam-se com a estimulação do sistema nervoso simpático, que prepara o organismo para fuga ou luta. Essa estimulação resulta em aumento da pressão arterial e frequência cardíaca, redistribuição do suprimento sanguíneo da pele e vísceras para os músculos e cérebro, dilatação dos brônquios e da pupila, estimulação do sistema linfático e liberação de adrenalina (Brandão, 2004; Guilliams & Edwards, 2010).
No entanto, uma das respostas mais características ao estresse é a liberação do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) e corticosteroides na corrente sanguínea (corticosterona em roedores e cortisol em humanos), como resultado da ativação do eixo HPA (Graeff, 2007; Guilliams & Edwards, 2010). De forma simplificada, frente a situações estressoras, ocorre a ativação de estruturas corticais e límbicas responsáveis pela detecção de ameaças, como por exemplo, o córtex pré-frontal e o núcleo basolateral da amídala, que enviam projeções a um grupo de neurônios do hipotálamo, o núcleo paraventricular. A estimulação desta região resulta na liberação do hormônio liberador de corticotrofina (CRH) na circulação portal, estimulando a glândula pituitária. Na pituitária anterior, o CRH estimula a secreção de ACTH, que é conduzido pela corrente sanguínea e atinge o córtex da glândula adrenal, promovendo a liberação de corticosteroides na corrente sanguínea (De Kloet, Vreugdenhil, Oitzl, & Joëls, 1998; Graeff, 2007; Juruena, Cleare, & Pariante, 2004). O estresse ativa ainda o sistema nervoso autônomo simpático, resultando na liberação de adrenalina e noradrenalina na corrente sanguínea pela medula adrenal (Graeff, 2007; Guilliams & Edwards, 2010). Desta forma, os hormônios do estresse atuam de forma coordenada, controlando ações rápidas via sistema nervoso simpático, e lentas, via eixo HPA.
Além de atuarem em diversos órgãos, os corticosteroides atuam também no próprio eixo HPA, sendo responsáveis pela retroalimentação negativa da secreção de CRH pelo hipotálamo e ACTH pela pituitária. Anormalidades na função do eixo HPA têm sido descritas em pessoas com transtornos mentais, sendo que estas parecem estar relacionadas com a capacidade dos receptores corticosteroides exercerem seu papel nas alças de retroalimentação (De Kloet et al., 1998; Hein & Nemeroff, 2009; Juruena et al., 2004; Liberzon & Alberson, 2016). De acordo com Juruena et al. (2004), a depressão melancólica, o transtorno obsessivo-compulsivo e o transtorno de pânico relacionam-se a uma ativação aumentada do eixo HPA, enquanto no transtorno de estresse pós-traumático parece existir uma hipoativação desse eixo.
Nesta linha, estudos apontam que a neurobiologia do TEPT envolveria uma falha do organismo em retornar aos níveis normais de hormônios do estresse após um evento altamente estressante, com hipoativação do eixo HPA, altos índices de CRH e níveis baixos de cortisol, provavelmente relacionados a um aumento do feedback negativo do cortisol e da sensibilidade dos receptores corticosteroides, além de níveis aumentados de catecolaminas. Uma vez que essas alterações podem ocasionar a consolidação exacerbada da memória traumática (Lucassen et al., 2014; Yehuda, 2002; 2006) o TEPT, além de configurar-se como um transtorno relacionado à ansiedade, envolve também os mecanismos de memória (Izquierdo et al., 2002; Rauch et al., 2006; Siegmund & Wotjak, 2006).
TEPT e memória
A memória emocional é definida como a memória relacionada a eventos ou experiências com carga emocional (Akgun, Keskin, & Byrne, 2012), sendo mais vívida e acurada do que as memórias relacionadas a eventos neutros (Talmi, 2013). Neste contexto, a amídala, o hipocampo e o córtex pré-frontal são estruturas importantes, relacionadas às memórias emocionais aversivas (Milad & Quirk, 2002; Phillips & LeDoux, 1992).
Os processos de aprendizagem e memória podem ser divididos em fases: aquisição, consolidação ou armazenamento e evocação da informação, além da reconsolidação e da extinção (Soares, Galvão, Moreira, & Ferreira, 2011).
Para Izquierdo (1989), a aquisição, também denominada de aprendizagem, é a fase inicial do processo de memória, quando as informações são recebidas pelas vias sensoriais. Entende-se por consolidação o processo pelo qual novas memórias são armazenadas após a aprendizagem (Tronson & Taylor, 2007). Essa terminologia foi introduzida por Georg Elias Muller e Alfons Pilzecker, em 1900, que propuseram que as memórias permanentes não se fixam imediatamente após a aprendizagem, permanecendo ainda vulneráveis por um determinado período (Lechner, Squire, & Byrne, 1999).
Assim, quando uma nova informação é adquirida, sua manutenção na memória é bastante vulnerável, passível de ser alterada ou perdida, ou então, de tornar-se mais fortalecida com o passar do tempo (Izquierdo, 2011). Embora fortalecidas, isso não significa que se tornem fixas e não possam ser mais alteradas (Cammarota, Bevilaqua, Medina, & Izquierdo, 2004).
A recuperação ou evocação consiste num retorno a consciência de memórias já estabilizadas, durante a reexposição do sujeito ao ambiente original de aprendizagem ou estímulos relacionados, podendo resultar em sua labilidade (Tronson & Taylor, 2007). Uma vez que essas memórias se tornam novamente lábeis, elas seriam passíveis de modificação, podendo então ser reconsolidadas (Nader, 2003; Nader, Schafe, & Le Doux, 2000) ou extintas (Cammarota et al., 2005). E ainda, estudos como o de Suzuki et al. (2004) e Besnard, Caboche e Laroche (2012), indicam que a duração do episódio de reexposição, a semelhança entre o contexto original e a situação de lembrança, o tempo e força da memória influenciam nesse resultado. Sessões curtas de reexposição à situação de lembrança do trauma, com breve apresentação do estímulo condicionado, na ausência do estímulo incondicionado, resultam em reconsolidação, enquanto exposições mais prolongadas e repetidas ao estímulo condicionado resultam principalmente em extinção (Besnard et al., 2012; Eisenhardt & Menzel, 2007; Lee, Milton, & Everitt, 2006; Pedreira & Maldonado, 2003). Segundo Hendriksen et al., (2014), a reconsolidação e extinção podem ocorrer numa mesma sessão de reexposição, sendo que a reconsolidação se dá inicialmente, enquanto a extinção ocorre posteriormente.
Estudos sugerem que o TEPT é caracterizado por alterações no processamento da memória, resultantes de uma consolidação excessiva da memória traumática e generalização para outras situações, além de deficiência no processo de extinção da memória (De Quervain, Aerni, Schelling, & Roozendaal, 2009; Kaplan et al., 2018; Rauch et al., 2006; Siegmund & Wotjak, 2006).
Entende-se por reconsolidação o processo pelo qual as memórias previamente consolidadas são novamente estabilizadas após a recuperação (Tronson & Taylor, 2007), com atualização ou integração de novas informações (Nader, 2003).
A extinção é um processo diferente do esquecimento, sendo que no segundo há um enfraquecimento da resposta pela passagem do tempo (Orsini & Maren, 2012), enquanto a extinção é um processo ativo, no qual se observa uma diminuição da resposta comportamental, quando o estímulo condicionado é reapresentado na ausência do estímulo incondicionado (Bouton, 1993). A diminuição da taxa de resposta não se deve ao enfraquecimento da memória antiga, mas sim a uma nova associação que se sobrepõe a associação inicial (Besnard et al., 2012; Cammarota et al., 2005; Suzuki et al., 2004). Então, do mesmo modo que a consolidação, a extinção também exige síntese de proteínas (Nader et al., 2000).
Uma vez que o processo de extinção não apaga as memórias, mas forma uma nova, que suprime a inicial, essas memórias suprimidas podem reemergir quando o estímulo condicionado é apresentado em outro contexto que não o de extinção, quando o estímulo incondicionado é apresentado inesperadamente ou após longo tempo, ou mesmo a partir de um processo de recuperação espontânea (Bouton, 2004; Monfils, Cowansage, Klann, & LeDoux, 2009). Além disso, segundo Orsini e Maren (2012), a extinção parece ser mais eficaz quando realizada na chamada "janela de reconsolidação" (período no qual as memórias estariam lábeis), enquanto o oposto é observado quando ele acontece imediatamente após o aprendizado inicial, ou seja, ela não é retida.
O TEPT apresenta um estado cognitivo bastante característico: parte da memória traumática torna-se hiperconsolidada, enquanto outras partes são um tanto obscuras, e o indivíduo apresenta, ainda, uma dificuldade para armazenar e recuperar novas informações (Van Praag, 2004). Além da hiperconsolidação da memória traumática, o TEPT envolve dificuldades na extinção dessa memória, e generalização das respostas de evitação para situações não relacionadas ao trauma (Brewin & Holmes, 2003; Hendriksen et al., 2014).
Funcionalmente, estudos sugerem que o TEPT é caracterizado por alterações no processamento da memória, resultantes de uma consolidação excessiva da memória traumática e generalização para outras situações, além de deficiência no processo de extinção da memória (De Quervain, Aerni, Schelling, & Roozendaal, 2009; Kaplan et al., 2018; Rauch et al., 2006; Siegmund & Wotjak, 2006). Estudos de neuroimagem em pacientes com TEPT demonstraram um aumento da atividade das estruturas relacionadas com a formação e expressão do medo condicionado, como a amídala e cingulado posterior, e uma atividade diminuída de áreas relacionadas à extinção, como o córtex pré-frontal, tanto durante o condicionamento quanto em resposta aos estímulos condicionados (Bremner, 2002; Hughes & Shin, 2011; Liberzon & Abelson, 2016; Siegmund & Wotjak, 2006). Possíveis explicações para esse fenômeno seriam uma alteração nos níveis de catecolaminas e corticosteroides durante o trauma, além de redução da inibição de estruturas límbicas pelo córtex pré-frontal e uma responsividade exagerada da amídala (Stevens et al., 2013; Willians et al., 2006). Além disso, como os indivíduos evitam as situações que lembram o trauma, e quando as exposições a essas situações ocorrem, elas são muito breves, as memórias traumáticas podem ser reforçadas por reconsolidação, e não extintas (Alves et al., 2009; De Quervain et al., 2009; Eisenhardt & Menzel, 2007).
Conclusão
O desenvolvimento de modelos animais para o estudo do TEPT tem contribuído para o entendimento do transtorno, suas bases neurobiológicas, a influência do ambiente e do histórico dos indivíduos nessa patologia, assim como para a avaliação e o desenvolvimento de intervenções e terapias mais eficazes. Sabe-se que o desenvolvimento do Transtorno envolve o condicionamento clássico pavloviano, no qual estímulos neutros presentes na situação traumática adquirem a função de estímulos condicionados, passando a evocar respostas condicionadas de ansiedade, e que a sua manutenção se dá por meio do condicionamento operante, visto que a evitação de situações que lembram o trauma é reforçada negativamente, evitando a ansiedade. A etiologia e sintomatologia do TEPT sugerem o envolvimento de diversos sistemas comportamentais, como um condicionamento aversivo exagerado, dificuldade na extinção da memória traumática, generalização das respostas de medo e sensibilização comportamental, que se caracteriza por um responder intenso frente a estímulos estressores moderados, não relacionados ao trauma. Estudos com animais e de neuroi-magem indicam uma redução do volume do hipocampo e córtex pré-frontal medial, uma responsividade exagerada da amídala e alteração no funcionamento do eixo HPA e das respostas autonômicas frente ao estresse. Assim, o TEPT é um transtorno que envolve mecanismos relacionados à ansiedade e memória.