1. Introdução: Os jornais da Província do Piauí e a Guerra do Paraguai em 1865
No início de 1865, a guerra contra a República do Paraguai era uma realidade esperada em muitas províncias do Império1; na Província do Piauí, não poderia ser diferente, pois os jornais possuíam um respeitável poder de mobilização2. Tanto que serviam de instrumento de divulgação e interesse das decisões do governo provincial e, naquele momento, representavam os interesses do Estado imperial, tendo-se em vista que o partido da situação era o Liberal.
Desde as intervenções no Prata, que culminaram com a derrubada de Juan Manuel Rosas em 1852, passando pela questão Christie em 1863, até a intervenção no Uruguai em 1864, os jornais tiveram grande desempenho no fortalecimento do Estado Imperial. Em 1864, com a declaração de guerra feita pelo Paraguai, a invasão da Província do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul, o papel desempenhado nos jornais, a fim de convencer a opinião pública, foi bastante significativo nas províncias do Império, bem como na Província do Piauí.
Na cidade de Teresina, as notícias provocavam, de certa maneira, uma tempestade de expectativas sobre a atuação da política do governo imperial na região do Prata3. A divulgação das operações militares realizadas no Uruguai, já preparava a população para uma maior mobilização, posto que outro ator político havia aparecido, o Paraguai4.
O apoio proporcionado pelos jornais traria um fator de grande importância naquele momento, pois a divulgação da política do Império com a possibilidade de desdobramento maior da campanha militar que já acontecia no Uruguai, possibilitou a ampliação do contingente do Exército que, naquele momento, ainda era pequeno, pouco mais de 17.000 homens. Com a guerra contra o Paraguai, fez-se necessária a mobilização da população para engrossar o Exército5.
Ainda em fins de 1864, em relatório oficial, o então Ministro dos Negócios da Guerra, Visconde de Camamu, ressaltou a grande afluência de voluntários que se alistaram no Exército, pois, «de todos os pontos do Império, concorrem os cidadãos, oferecendo-se para marchar em corpos de Voluntários ou Guardas Nacionaes; um só ainda se não recusou ao sacrifício que a nação exige [...]»6.
Esse grande afluxo se explica pela crença de que a guerra seria rápida, e as vantagens seriam muitas, tornando o serviço militar atraente, principalmente a população mais pobre, e que, de alguma forma, se viu arrebatada pelo discurso propalado nos jornais que circulavam pela cidade. Por outro lado, Doratioto afirma que «outros, porém, delas abriram mão, e comprovaram o caráter realmente voluntário de sua ida para a guerra»7. Esse caráter nasceu de um sentimento sincero, pois ainda, segundo Doratioto, «na verdade, a apresentação de voluntários correspondeu ao clima de indignação contra a agressão paraguaia»8. Tais interpretações são corroboradas por uma historiografia mais recente sobre a luta que nos apresenta uma infinidade de possibilidades para compreender a dimensão real e simbólica da guerra através da leitura e reinterpretação de documentos diversos dentre os quais os jornais. A presença de novos atores que antes não tinham vez e nem voz, com um notável grau de protagonismo, homens simples, libertos e mulheres se fazem representar nos trabalhos de Baratta, Johansson, Richard; Capdevila; Capucine, Squinelo, e Whigham9, e aliam-se a tantos outros pesquisadores que discutem a guerra a partir de diversas questões, e novos olhares sobre os múltiplos atores, desde os grandes comandantes aos mais simples combatentes, que nos trazem o relato das complexidades de uma sociedade envolta em um conflito pela construção dos estados nacionais na América do Sul. A personagem Jovita igualmente pode ser compreendida como um fio condutor de análise a partir da proposição metodológica trabalhada por Carlo Ginzburg, segundo o qual, «A análise micro-histórica (...) movendo-se numa escala reduzida, permite em muitos casos uma reconstituição do vivido impensável noutros tipos de historiografia»10.
Quanto a narrativa da guerra, quando a campanha no Uruguai tomou um termo em dezembro de 1864, o confronto contra o Paraguai ia começar, foi emitido pelo então Conselheiro Francisco Furtado, no início de 1865, o decreto 3.371 dos Voluntários da Pátria e os jornais tiveram uma importância crucial na construção da ideia da guerra e do voluntariado, divulgando-o em janeiro de 186511.
Ao iniciar o conflito com o Paraguai, graças ao apoio de grande parte da imprensa, o Império brasileiro passou a conduzir a opinião pública, por meio de intensa propaganda da guerra, consistindo em uma verdadeira preparação psicológica de corações e mentes. Em todas as províncias, do Norte ao Sul, eram divulgadas as notícias da situação política no Prata, as decisões do governo, e a própria opinião dos editores faziam-se presentes na escrita dos jornais.
Na capital da Província do Piauí, os jornais em grande medida eram representativos de suas agremiações políticas e faziam intensa divulgação da guerra, quais sejam, o Jornal Liga e Progresso, que representava os interesses da liga progressista e tinha como principal editor o jornalista Deolindo Moura; o Jornal A imprensa, que era órgão representativo do partido liberal, fundado pelo mesmo Deolindo Moura, que era o seu editor e tinha como um dos principais redatores David Caldas; e o Jornal O Piauhy, que representava os interesses do partido conservador. Seu fundador e principal articulador era o jornalista Antônio Coelho Rodrigues12.
Esses jornalistas e seus periódicos foram exemplos de dedicação da empresa jornalística na mobilização da Província do Piauí a causa da mobilização para a guerra. De acordo com Anísio Brito, «no início da guerra, [...] o partido liberal, que, pela Imprensa, incontestavelmente era o melhor órgão de publicidade do Piauí de então, fez a propaganda em prol da guerra, despertando as energias cívicas da comunhão social»13.
Em 1865, O Jornal Liga e Progresso divulgava a notícia do início da conflagração entre o Paraguai e o Brasil. Em sua página 2, dava ciência dos acontecimentos propalados pelo governo da República do Paraguai, como por exemplo, ao tomar o navio Marquês de Olinda, que viajava em direção à Província do Mato Grosso14.
No período de 1865 a 1869, esses jornais reproduziam os discursos das camadas dirigentes e beneficiavam-se dessa proximidade, no que diz respeito aos seus interesses mercantis. Os periódicos consolidaram-se como voz do governo imperial e provincial e, como tal, é possível avaliar a sua importância como aparelho de propagação do discurso do Estado com fins de promover a propaganda de guerra15.
A divulgação da guerra e a propaganda para instituir o alistamento foram amplamente disseminadas pelo Governo Provincial; um dos exemplos de propaganda refere-se à construção da imagem de grande patriota de uma Voluntária da Província do Piauí: -Jovita Alves Feitosa. Essa ideia foi exaustivamente trabalhada pela mídia, à época, estabelecendo um estereótipo ideal de heroína nacional, como veremos adiante.
Os referidos jornais foram instrumentos de fortalecimento ao governo imperial, sendo vozes de apoio a causa da Guerra do Paraguai no Piauí, insuflando, de forma considerável, o voluntariado através da propaganda da guerra. Os editoriais apoiavam a Monarquia e seu representante, o Imperador D. Pedro II, fortalecendo o regime monárquico em uma província que, desde o período colonial, foi uma região de relativa importância econômica, por ser produtora de carne e algodão16.
2. O presidente Franklin Dória e a promoção da Guerra do Paraguai
Governava a Província do Piauí Franklin Américo de Meneses Dória, que pode ser considerado um típico membro da elite imperial, cuja formação foi influenciada pelo sentido pedagógico e pelo percepção da história que orientaram sua ação política, o que não difere dos muitos e perspicazes servidores do Estado Imperial Brasileiro17.
A administração de Dória foi marcada pelo intenso esforço para organizar tropas do Piauí para a guerra, e transcendeu as expectativas, ao fazer uso da propaganda e ao utilizar para isso um ícone, uma figura tornada digna representante da causa militar, a jovem Jovita Alves Feitosa. A manipulação dos meios de comunicação representava então um ônus de comando político, cujas consequências somente seriam divididas com os acontecimentos vindouros, ou seja, com a responsabilidade na condução do voluntariado e do alistamento para a guerra.
A presidência de Dória representou, um marco no tocante à forma de condução de uma campanha, marcada pela propaganda e pelo forte apelo de sentimento nacionalista, que serviu, de certo modo, como modelo de campanha, como também representou o exemplo adotado pelo governo imperial na sua ampla mobilização pela causa da guerra.
Jovita apareceu para o presidente da Província do Piauí em um momento-chave, exatamente quando começou a ocorrer um leve declínio na apresentação de voluntários, principalmente guardas nacionais, que não se viam totalmente atraídos pelo discurso da guerra. Compunham uma camada agregada aos fazendeiros locais, muitos guardas temiam perder a proteção de seus senhores e deixar suas famílias, até quando foram designados e iniciaram um processo de resistência18.
Sobre a composição dos voluntários, Doratioto afirma que, «em 1865, a maior parte dos soldados brasileiros que foi para o teatro de guerra vinha das províncias do Norte e do Nordeste do Império. Essa tropa sofreu com a mudança rápida de temperatura de um ambiente quente para o frio intenso [do] inverno no rio da Prata [...]»19. Tais condições fizeram com adoecessem, além de que, de acordo com Pereira da Costa «[...] a qualidade da alimentação, sendo quase sempre carne fresca, e o uso da água d'aquelles rios, foram causas muito poderosas para apparecerem taes enfermidades»20. A divulgação dessa dura realidade chegava às províncias, e certamente começou a enfraquecer a vontade dos candidatos a «voluntários» do Exército Imperial.
O plano de invasão do Paraguai, elaborado pelo então Marquês de Caxias, por solicitação do Ministro da Guerra, Beaurepaire Rohan, exigia uma força de 50.000 soldados21. Portanto, um número muito superior ao que já havia sido mobilizado. Isso fez com que houvesse uma pressão maior, tanto para o voluntariado, quanto para a designação de Guardas Nacionais, e para reativar o recrutamento indiscriminado22.
Em agosto de 1865, quando Jovita partiu com o 2° Corpo de Voluntários, a ofensiva paraguaia estava começando a declinar ou dava sinais que iria fracassar. Em 11 de junho, a esquadra brasileira havia destruído o grosso da esquadra paraguaia na batalha de Riachuelo. O ataque do Exército paraguaio ao Rio Grande do Sul até resultou na captura de Uruguaiana, em 5 de agosto, mas em 17 de agosto, aconteceu a batalha de Yatai em solo argentino, com vitória aliada, e o Exército brasileiro cercou as forças paraguaias do General Estigarribia em Uruguaiana; e, em 18 de setembro, ocorreu a rendição dos paraguaios ao Exército imperial, na presença do Imperador D. Pedro II, o voluntário número um23. Esse era o quadro da guerra. A população oscilava entre a indignação pela invasão do território e a incerteza do futuro da guerra, pois, de acordo com o tratado da Tríplice Aliança, o Paraguai deveria ser invadido24.
Na Província do Piauí os jornais se juntariam a outros periódicos das cidades de São Luís, Fortaleza, Recife, Salvador, e da Corte, a fim de promover a causa do alistamento para a guerra, tomando como referência a voluntária Jovita Alves Feitosa. Seus lugares de fala não estavam tão distantes, e alguns de seus redatores e editores ocupariam espaços comuns como Antônio Coelho Rodrigues que havia dirigido O Piauhy, e mais tarde iria para o importante periódico da Corte, o Jornal do Commercio.
Durante a Guerra do Paraguai, o processo de difusão da notícia foi de grande importância para a publicidade da guerra. Levando-se em consideração que parte da sociedade da província era analfabeta25, e boa parte da ampliação das notícias se constituía nas conversas dos diversos sujeitos que viviam na urbe, nos cochichos das ruas, dos boatos, comuns, em um momento no qual a oralidade era muito forte e se complementava pela escrita das informações trazidas pelos jornais que circulavam na província, mesmo que alguém não soubesse ler, havia os circuitos de comunicação «que incluem formas de sociabilidades e indica a transmissão de uma informação a outro e a outros, numa rede infinita de transmissão oral»26.
A mensagem partia de um leitor que era ávido por notícias de jornais, e ele, o leitor, as expandia por meio de leitura nas rodas de conversa; isso acabou contribuindo para acelerar a vontade dos piauienses em relação ao conflito, o seu apoio à causa e aos desígnios do Império e de sua «missão civilizadora»27.
Jovita não imaginava que seria objeto da propaganda jornalística e de seu poder de mobilização. Franklin Dória soube se apropriar de sua atitude perante a situação de guerra em que o país estava, e em um momento no qual os homens começavam a recusar o serviço militar, algo que era de domínio masculino. E uma mulher se alistava para a guerra. Deste modo, ao fazê-lo, era inserida simbolicamente em um mundo que era dos homens; logo, deveria servir como exemplo e inspirar os demais a servir ao país.
3. «O anjo dos Voluntários do Norte»: a ação dos jornais na fabricação da imagem de Jovita Alves Feitosa
Com a guerra contra o Paraguai iniciada, os jornais da Província do Piauí começaram a divulgar o surgimento de voluntários, quando não acontecia sua própria apresentação à sociedade, como forma de incentivar o discurso de mobilização. Foi assim que, no dia 08 de julho de 1865, aquela que seria uma das maiores causas de propaganda jornalística, naqueles dias de mobilização, apareceu. Trata-se da Voluntária Jovita Alves Feitosa, que ia seguir viagem para a guerra com os 460 Praças do 2° Corpo de Voluntários do Piauí, futuro 39° Corpo de Voluntários da Pátria.
Jovita Alves Feitosa, dezessete anos, era uma jovem cearense de família simples. Vestida de homem, cortou os cabelos e apresentou-se, incógnita, no Piauí, alistando-se, mas foi logo descoberta. Na feira, uma cabocla observou que o rapaz do Ceará tinha as orelhas furadas; curiosa, apalpou-a; e saiu gritando que aquele rapaz era mulher. Prenderam-na, e o Chefe de Polícia José Manoel de Freitas a interrogou28.
Chamava-se na verdade Antônia Alves Feitosa e tinha por apelido Jovita. Sua história chegou aos jornais e está virou notícia. Ela havia sido engajada pelo então Presidente da Província do Piauí, Franklin Américo de Meneses Dória, que, certamente, lembrara-se de Maria Quitéria, na Guerra de Independência.
São desconhecidas as razões de Jovita ter-se alistado, mas é certo que a divulgação sobre a guerra chegou até ela, e o seu desejo por ir lutar no Paraguai nos remete a compreensão do estereotipo apontada por Walnice Nogueira da donzela-guerreira, que acreditamos que a personifica, cuja acepção define as seguintes características a tais figuras, «filha de pai sem concurso de mãe»29, cujo destino «é assexuado, não pode ter amante, nem filho»30. Quase sempre é filha única ou mais velha, por vezes a mais nova, de pai sem filhos varões. Ela corta os cabelos, usa vestimentas masculinas, aperta os seios e os quadris, abandona as fraquezas femininas, não é faceira, é esquiva, e procura escapar as intimidades com homens.
O ato de cortar os cabelos, evidencia sua integração ao universo masculino. E de acordo com Nogueira, a donzela-guerreira se destacaria ainda pela pureza e fragilidade intrínseca a sua meninice à qual se associam a ela a força moral e a agressividade de um guerreiro. Sua predisposição a luta tem como fruto uma vingança pessoal que a induz a agir a favor do seu grupo. Jovita é carregada de uma rudeza intrínseca ao um mundo violento do sertão, estes são elementos poderosos que constituíram o seu universo.
Jovita pode ser comparada a guerreira medieval Joana d'Arc, a já citada Maria Quitéria, e a Anita Garibaldi, cujas narrativas haviam produzido um forte legado de inspiração nacionalista, a infortunada Jovita Feitosa seria um exemplo concreto de inspiração ao Brasil do século XIX, assim como Joana d'Arc havia sido na França da guerra dos cem anos, a própria Jovita chegou a ser chamada de Joana d'Arc brasileira.
O seu lugar na historiografia das heroínas nacionais pode ser comparado a personagens coevas como Maria Francisca da Conceição, conhecida como «Maria Curupaiti» que acompanhou o marido até o campo de batalha e durante a campanha se envolveu nos combates, bem como a Ana Nery que se dedicou a organizar os serviços de saúde na retaguarda das forças aliadas. A Ludovina Portocarrero, esposa do comandante do Forte de Coimbra, que resistiu a investida do exército Paraguaio até sucumbir em 1865. A Dona Senhorinha, companheira do Guia Lopes, do episódio da retirada da Laguna31. Mas para além do Brasil nos demais países envolvidos, também se encontram exemplos que precisam ser estudados32.
No Brasil, o feito de Jovita acabou sendo extensamente trabalhado pelos jornais, tornando-se comentário de diversos observadores:
Apresentou-se nesta cidade uma interessante rapariga de 18 anos de idade, de tipo índio, natural de Inhamuns, vinda de Jaicós, desta Província, trajando vestes de homem rude, e ofereceu-se ao Exmo. Presidente como 'voluntário da pátria'. Aceito como tal, é, pouco depois, na rua ou na casa do mercado, descoberto o seu sexo; é levado à polícia e interrogado. Confessa o seu disfarce, e envergonhada - chora, porque teme não poder mais seguir o seu intento, e pede encarecidamente que a aceitem como voluntário. Seu maior desejo, diz ela, é bater-se com os monstros que tantas ofensas tem feito às suas irmãs de Mato Grosso; é vingar-lhes as injurias ou morrer nas mãos desses tigres sedentos. (...) a vimos de saiote e farda com as insígnias de 1° Sargento. Mostrar-se satisfeita e resoluta33.
Desde o momento em que deixou Teresina, em 10 de agosto de 1865, e iniciou sua jornada, Jovita foi seguida diuturnamente pela imprensa das cidades por onde passava. O 2° Corpo de Voluntários do Piauí iria partir de São Luís direto para o Rio de Janeiro; e, com a chegada de Jovita a São Luís, a cidade ficou em festa, conforme foi noticiado pelo Jornal A Imprensa. «Com os oficiais que desembarcaram, veio também a cidadã Voluntária, que tem sido objeto da maior curiosidade pública, desde que desembarcou. [...] Na rampa do Palácio, a multidão que ali se havia aglomerado a cercou por tal forma que mal a deixou caminhar»34. Também na Corte, o Jornal Diário do Rio de Janeiro publicou sobre a recepção de Jovita em São Luís do Maranhão.
Os maranhenses fizeram a essa patriota, que mais tarde será uma heroína, as maiores ovações. Na sua chegada ali [São Luis], ia ser hospedada em casa do Dr. Juiz de Direito (...), onde se hospedou o comandante, porém o ajudante de ordens da presidência (...) a levou para o seio de sua exma. família, onde recebeu a heroica menina distinto agasalho e foi cumprimentada por inúmeras pessoas35.
A presença de Jovita foi acompanhada ainda por série de apresentações artísticas, desde a encenação de peça teatral até recitação de poemas em sua homenagem, financiado por conta dos comerciantes da cidade.
Teve ontem lugar o espetáculo dado em honra da voluntária Jovita. Esteve esta, acompanhada de alguns oficiais piauienses, num camarote, que lhe fora oferecido pelo empresário do teatro do qual pendia estendida uma bandeira brasileira. Para ela convergiam todos os olhares. É uma jovem de 17 anos, robusta e esbelta. Tem os cabelos cortados rente, e feições simpáticas e animadas. Trajava calças brancas, saiote encarnado, e a fardeta e boné de voluntario da pátria, tendo no braço a divisa de 2° sargento [...]36.
A sua imagem foi sendo gradualmente lapidada pela imprensa, enaltecendo a sua figura, e a província do Piauí ao qual se alistara. Tal processo pode ser observado nas notas do jornal O Paiz, de São Luís do Maranhão, que noticiou sobre a sua recepção.
Bravos do Piauí! Orgulhai-vos. Sois dos mais bravos batalhões do Império. Sois dos mais valorosos, sois dos mais heroicos. Acompanha-vos uma heroína. (...) Sim piauienses, esta passagem, virgem nos anais de um povo novo, seja um estímulo para vós. Vede que o sexo frágil vos acompanha. E' a visão de nosso Exército. E' o anjo dos Voluntários do Norte37.
Quando o vapor Tocantins chegou a Paraíba, Jovita recebeu de uma Comissão, formada por eméritos notáveis, a «[...] offerta de um custoso annél de brilhantes, como recordação de seus patrícios Parahybanos [...]»38. Em Pernambuco, houve um grande espetáculo, sendo ela convidada de honra do Presidente da Província «dando-lhe um lugar distincto» em seu camarote. Em Salvador, a festa não foi menor, e mais uma vez a imprensa estava lá para divulgar:
A maior novidade que há por aqui é a presença da célebre Jovita Alves Feitosa. (...) Aqui chegando o Tocantins, o sr Tenente-Coronel José Lustosa saltou em terra e com ele, mas não sem acanhamento saltou também essa interessante rapariga, que na sedutora idade dos dezoito anos se apresenta ao país inteiro com a única celebridade de seus heroicos sentimentos, Hospedando-se no palácio da Presidência, onde foi recebida com admiração devida a singularidade de seu patriotismo (...) foi por largas horas objeto de imensa espectação publica: a praça do palácio converteu-se num grande anfiteatro, e a nova Hermes, em espetáculo para uma multidão de curiosos, apresentando-se de quando em quando nas varandas do paço39.
O ponto alto da exploração midiática de Jovita ocorreu mesmo no Rio de Janeiro, onde causou grande agitação. Havia manifestações por parte de artistas, de comerciantes. Muitos foram os que tiveram sua opinião publicada nos principais jornais da cidade. «Patriotismo. Por toda parte onde soa um hino de guerra (...) alistou-se a heroína Jovita, que, a exemplo de seus antepassados, quer também libertar a pátria ou morrer por ela»40. Os jornais da cidade divulgaram bastante acerca do grande espetáculo montado em sua homenagem:
Teatro de São Pedro de Alcântara. Hoje. Terça-feira. 12 de setembro de 1865. Grande espetáculo em aplauso à chegada do segundo corpo de voluntários do Piauí, onde vem incorporada a jovem heroína brasileira Jovita Alves Feitosa. Hino Nacional- pela orquestra. A atriz Ismênia em caráter militar, e toda a companhia em trajes de voluntários, cantarão o novo hino 'A Espartana do Piauí'. Drama militar- Recordações da guerra peninsular pela atriz D. Loduvina em caráter de guerreira, será recitada uma poesia alegórica ao ato. O Exmo. Comandante, oficialidade e a jovem heroína dignam-se assistir em camarotes a este espetáculo41.
Não apenas o Diário do Rio de Janeiro fez divulgações, mas outros jornais, como o Jornal do Commercio e o Correio Mercantil, também o fizeram. Havia grande preocupação com a relativa queda do apoio à guerra que a sociedade no Rio de Janeiro estava apresentando. O espetáculo então serviria para a já consagrada campanha de conclamação do povo, cuja percepção de alguns dos responsáveis pela mobilização ajudaria na conscientização da importância daquela causa para o país, a conduta de Jovita servia de exemplo real de voluntariado. Logo após o espetáculo, as primeiras manifestações se fizeram presentes nos jornais, conforme atesta o artigo seguinte.
Em saudação à voluntária (...) Jovita, realizou-se anteontem no teatro São Pedro uma récita. Grande foi a concorrência do povo ao espetáculo. Depois cantado um hino dedicado a jovem voluntária, e de recitadas diversas poesias ela foi conduzida à cena no meio de flores que lhe atiravam de todas as partes, e aí recebeu uma coroa de louros, que conservou na fronte durante a noite. Nos intervalos do espetáculo foi (...) continuamente visitada em seu camarote por grande número de cavalheiros e damas, que disputavam quem apertaria a mão a tão intrépida (e) modesta menina42.
Se havia toda essa grande admiração pelo feito de alistamento voluntário de Jovita, igualmente existia no próprio seio da coletividade um forte sentimento de rejeição a tal feito, fato consagrado por outras tantas manifestações de uma parcela da sociedade, que julgava ser a atitude da voluntária motivada por interesse pessoal.
4. Críticas ao alistamento de Jovita e a sua dispensa
Durante a jornada de Jovita surgiram muitas críticas que ganharam projeção nas páginas dos jornais, muitos de seus críticos afirmavam que, como mulher, não poderia realizar trabalhos próprio dos homens. Desta forma, muitos se posicionaram contrários a seu oferecimento para ir à luta no Paraguai.
Muitas notas eram discordantes, questionavam suas razões para ir à guerra, suspeitando de suas reais motivações e de seu patriotismo, tido como falso. Algumas pessoas chegaram a afirmar que talvez suas razões estivessem relacionadas a um homem que se alistara e havia seguido para a guerra. No Jornal do Commercio, do mesmo dia 14 de setembro de 1865, saiu a seguinte nota de um leitor insatisfeito:
A heroína brasileira. A ofensa mais grave à dignidade dos homens que se prezam e à daqueles que militam é sem dúvida a presença da jovem Jovita Alves Feitosa nas fileiras do 2° batalhão de voluntários do Piauí. Custa crer, porém esse fato infelizmente deu-se, e na atualidade houve m presidente de Província que aceitou semelhante oferecimento dessa senhora; e ainda mais, para galardoá-la mandou dar-lhe o posto de sargento. Desejávamos que o presidente do Piauí nos dissesse em que se firmou para fazer semelhante aceitação e conferir-lhe o posto que mencionamos43.
A preocupação do leitor se relacionava tanto à questão da presença de Jovita nas forças armadas, quanto ao fato de ter recebido o posto de sargento, algo que já era relativamente difícil para militares do sexo masculino, que precisavam cumprir um bom tempo de serviço militar para alcançar tal posto. No entanto, a opinião do leitor fazia uma ressalva que mesmo a presença feminina poderia ter alguma utilidade. Havia um hábito, de longa tradição no Exército brasileiro, amplamente consagrado em outras operações militares, que era de se permitir que mulheres dos combatentes seguissem com seus companheiros para os campos de batalha, o que, de certa forma, demonstra um grau de aceitabilidade da permanência de famílias inteiras em zonas de combate:
Nos exércitos em campanha, muitas mulheres, quer de soldados ou não acompanham e prestam, reunidas a eles, serviços úteis como sejam lavar, cozinhar e engomar (...). A mulher poderá servir quando muito para fornecer um ou outro cartucho, um ou outro cantil de água em ocasião de fogo, ao soldado que peleja; mas não poderá jamais lançar mão de um sabre e bater-se quando se apresentarem ocasiões44.
Um dos mais severos críticos do engajamento de Jovita ao Exército foi Alfredo d'Escragnolle Taunay, sua reação negativa ao oferecimento da voluntária é uma demonstração de parte importante do meio intelectual brasileiro. Conforme Taunay:
Chegaram os retratos do Viegas, o meu antigo inspetor, e da interessante Jovita que me pareceu muito engraçada nos seus trajes de primeira Sargenta (...) O papel de enfermeira para a mulher que queira dedicar-se é o mais elevado e nobre possível; concilia a dedicação e a conveniência, a abnegação e a dignidade. A piauiense devia considerar tudo isso e em lugar de seus instintos belicosos, lembrar-se de que para uma mulher é mais nobre sanar feridas do que as abrir45.
No Piauí, o Jornal A Imprensa rebateu uma crítica que havia sido feita por um leitor a Dória, por haver aceitado uma mulher como voluntária:
Alguém censurou S. Excia. o Sr. Doria por ter aceitado uma mulher como Voluntário da Pátria, por te-la feito jurar a bandeira como soldado. Entretanto assim não foi. S. Excia. não fez mais do que dar apreço a um rasgo de patriotismo (...) Dirigindo-se ao Governo S. Excia. disse que essa rapariga, animada como se mostrava do desejo de prestar a sua terra um serviço qualquer, nas atuais circunstâncias, poderia ser aproveitada como enfermeira nos hospitais de sangue, [...]46.
Na edição seguinte o editor do jornal procurou defender o presidente da província justificando a razão pela qual a incorporou. E afirmou:
[...] a presidência permitiu que Jovita fosse incorporada ao S.° corpo de voluntários da pátria menos com destino á guerra do que aos hospitais-de sangue, para os quais mais de uma pessoa do sexo feminino tem sido aceita por outros presidentes. Esta explicação, que é selada por peças oficiais, basta para mostrar que o ato do Sr. presidente não tem nada de censurável47.
Nos jornais do Rio de Janeiro o mesmo aconteceu. A opinião de alguns leitores que viam com bons olhos a possibilidade de Jovita seguir aos campos de batalha era expressa por meio de notas nos jornais ou artigos. Sempre havia quem escrevesse em seu favor. Muitos desses artigos eram rebate às críticas, como um leitor do Jornal do Commercio.
[...] ontem apareceu um pequeno artigo em que se censura o procedimento do ilustrado presidente do Piauí por ter aceitado como voluntário da pátria a jovem heroína brasileira Jovita Alves Feitosa (...). O censurante deseja saber em que S. Ex. se afirmou para fazer semelhante aceitação, (...). Recorra à história e verá o presidente justificado. Nada mais simples. E demais, que mal veem à terra em que se aceite para a guerra a uma casta e interessante jovem que outro impulso não teve em seu coração senão o amor pátrio? [...]48.
Essas respostas esclarecem-nos sobre o papel de Jovita para a causa da guerra, qual seja: servir de exemplo pedagógico e instrumento de propaganda que, de certa forma, teve duração efêmera, como se imaginava que também a guerra seria breve. Outros leitores também responderam às críticas.
[...] Vê pois sr. redator, que Jovita não se acha nas fileiras de nosso exército porque seja preciso, mas sim para deixa-la provar que é Brasileira, e que, muito embora mulher, não deixa por isso de ser patriota e de querer também erguer seu braço contra o malvado do Paraguai. Julgo que não deve ser esse o motivo para ser censurado o governo, porque quando na Europa chegar a notícia de que no Brasil uma mulher marchou para os campos de batalha, deverá chegar também a de que essa mulher foi, não porque faltassem brasileiros para defender a pátria, mas sim porque ela pediu para que lhe deixassem descarregar um golpe, ao menos contra aquele que insultou a sua nação. [...]49.
Apesar de toda a campanha de divulgação e os embates nos jornais dos que eram a favor e contra o alistamento de Jovita, uma decisão foi tomada em setembro de 1865 na Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra. A ordem foi baixada, direcionada ao Comandante do Corpo, o Tenente Coronel José Lustosa da Cunha, cujo teor dizia:
Ilmo. Sr. Não havendo disposição alguma nas Leis e Regulamentos militares que permita a mulheres terem praça nos Corpos do Exército, nem nos da Guarda Nacional, ou de Voluntários da Pátria, não pode acompanhar o corpo sob o comando de V. S. com o qual veio da Província do Piauí a voluntária Jovita Alves Feitosa na qualidade de praça (...), mas sim como qualquer outra mulher das que se admitem a prestar junto aos corpos em campanha os serviços compatíveis com a natureza do seu sexo, serviços cuja importância podem tornar a referida voluntária tão digna de consideração, como de louvores o tem sido pelo seu patriótico oferecimento [...]50.
Mesmo com a intensa campanha de propaganda em torno do alistamento de Jovita, a sua admissão no Exército foi recusada por tal ato, sendo publicado em ordem baixada pela Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, no dia 16 de setembro de 1865. De certa forma, não se negou a ida de Jovita à guerra. A determinação do Secretário de Estado dos Negócios da Guerra apenas negou o seu alistamento como combatente, talvez daí é que se tenha passado a ideia de que ela, de fato, tivesse seguido para o conflito e servido como enfermeira, nos hospitais de sangue. No entanto, não foi isso o que ocorreu, tal como atestaram os acontecimentos posteriores.
A despeito de já estar consagrada como um ícone, um exemplo a ser seguido naqueles dias para o esforço de alistamento, tal como ficou evidente nas manifestações de solidariedade e apoio à sua iniciativa, não foram suficientes para que o seu apelo fosse ouvido. Mesmo após ser recebida pelo Imperador Pedro II, em 18 de setembro de 1865, junto ao comandante e os demais oficiais do Corpo de Voluntários da Pátria do Piauí, a decisão de não a incorporar foi mantida.
A fim de amenizar o impacto de sua decisão, o Ministro e Secretário dos Negócios da Guerra ainda lhe escreveu uma carta, cujo ato foi explicar-lhe em «[...] termos os mais dóceis e convincentes [...]»51, reafirmando o preceito da lei. Na dita carta, revelava o seu pesar e dizia que a sua compleição e o seu sexo eram «[...] a razão para não poder suportar as fadigas de uma campanha»52. Apreciava e louvava a prova do seu patriotismo e terminava oferecendo os meios necessários para retornar ao seio de sua família.
No presente caso de engajamento de Jovita junto às tropas da Província do Piauí, a atuação de Franklin Américo de Meneses Dória foi bem clara e objetiva. Graças ao seu empenho e determinação, transformou o improvável e exótico alistamento de uma moça do interior do Piauí em uma alegoria exemplar, fornecendo ao país bem mais do que os homens para lutar na guerra, deu ao Brasil um exemplo a ser seguido.
Se quando alistou Jovita, não lhe era dado prever o desfecho dos acontecimentos que culminaram com seu trágico destino, para o Presidente da Província, os momentos iniciais da campanha, pelo contrário, possibilitaram ótimos resultados, em decorrência da jornada gloriosa da Sargento Jovita até o Rio de Janeiro.
As escalas feitas pelo vapor Tocantins pelas capitais de Províncias do Norte eram sempre acompanhadas por autoridades locais, além de jornalistas e empresários de entretenimento, perfazendo um verdadeiro circo. A elite do Estado imperial, representada pela figura dos quatro presidentes de Província por onde passou o vapor Tocantins, soube tirar proveito da presença de Jovita, se não como atuantes promotores -performance relegada a Dória- mas como coadjuvantes do imenso espetáculo montado, cujo objetivo maior se traduzia na promoção do alistamento militar.
O caso de Jovita foi um dos exemplos que fizeram com que populações dispersas de uma perspectiva nacional, unidas tão somente por laços de lealdade e solidariedade locais, passassem a se sentir mais integradas a uma comunidade social chamada Brasil.
A participação da imprensa no episódio pode ser considerada como máxima, ao que se refere à construção e à popularização da personagem, bem como a distribuição da imagem escrita e idealizada de heroína nacional, para consumo do público. De julho de 1865, quando se apresentou em Teresina, até o dia de sua dispensa no Quartel do Campo da Aclamação, no Rio de Janeiro, em setembro do mesmo ano, Jovita esteve sempre cercada por jornalistas. A dimensão nacional do fenômeno construído somente foi possível graças ao alcance da imprensa, por meio da transmissão das notícias do Norte, por meio da reprodução em órgãos da imprensa na Corte e no Sul.
No Rio de Janeiro, depois de muito festejada, tal como em outras cidades, nos teatros, nos passeios públicos, a autoridade Militar julgou que devia dispensá-la como combatente53. Alfredo d'Escragnolle Taunay elogiou o Ajudante-General do Exército, Marechal de Campo Polidoro da Fonseca Quintanilha Jordão, por sua decisão, afirmando que ele era «[...] um homem de muito juízo e bom senso, fez muito bem não consentindo na partida daquela patriota como soldado»54.
No Rio de Janeiro, com a sua recusa por parte do Exército, lentamente desaparecia o interesse da mídia por ela. Ainda houve quem escrevesse aos jornais convocando o público a comparecer a um espetáculo, que seria encenado pela empresa artística administradora do teatro Ginásio, em benefício de Jovita. Enquanto isso, em Teresina, a imprensa, precisamente a ligada ao partido Conservador, tratou de desmistificar o mito criado por Dória, ao consentir o engajamento de Jovita como voluntária55.
Jovita ainda retornou ao Piauí, porém sua volta não teve o mesmo glamour de sua viagem de ida à Corte, pois passou, praticamente, despercebida pelos portos em que havia estado. Franklin Dória também já havia sido avisado pelo Conselheiro José Antonio Saraiva que ela retornaria ao Piauí56. Ao chegar em Teresina, ficou hospedada na casa de uma família, a pedido do Presidente da Província, enquanto levantava recursos para viajar até a Vila de Jaicós no Sul do Piauí. Quando conseguiu, ao chegar lá, seu pai a recebeu muito mal. Desgostosa, ela regressou à Corte, com os parcos recursos que ainda tinha, para cair no anonimato57.
5. O epilogo de uma história: a morte de Jovita
Em fins de 1865, a guerra completou um ano sem haver acontecido uma batalha decisiva que a pusesse a termo. A perspectiva de uma campanha rápida e vitoriosa estava frustrada. Em abril de 1866, os aliados invadiram o Paraguai, aumentando a necessidade de envio de mais contingente para o teatro de operações. Ao mesmo tempo, tomava corpo junto à opinião pública um sentimento de repúdio e negação, pelo modo como era conduzido o alistamento de homens para o conflito. A imprensa, sobretudo a de oposição, passou a tratar o assunto de forma mais crítica, estendendo sua observação às ações do governo em relação à condução militar do conflito.
Quanto à Jovita, sua história acabou se encerrando num trágico episódio, levado a termo por seu suicídio por questões passionais, dois anos depois de todo o percurso que havia feito e divulgado pela mesma imprensa que antes a havia exaltado.
No Piauí, a informação foi publicada nas colunas do Jornal A Imprensa, do dia 16 de novembro de 1867, que transcreveu a notícia a partir de outros jornais que, certamente, possuíam como fontes as muitas testemunhas que conviveram com Jovita na Corte. Assim foi dado um destaque completo sobre a história.
Suicidou-se, anteontem, à tarde, na casa da praia do Russel, n° 43, Jovita Alves Feitosa, (...) a mesma que viera para esta Corte com o posto de Sargento em um batalhão de Voluntários da Pátria do Piauí (...). A respeito desse trágico acontecimento e dos motivos que levaram aquela infeliz a dar fim aos seus dias, comunicou-nos a autoridade competente o seguinte: Jovita entretinha, há muito tempo, relações com Guilherme Noot, engenheiro da Companhia City Improvement, morador com outro engenheiro da mesma Companhia da casa acima. Tendo finalizado o tempo do contrato que Noot tinha com a Companhia, e devendo ele partir anteontem para a Inglaterra, escreveu no domingo à Jovita um bilhete em inglês, no qual despediu-se, participando aquela sua intenção [...]58.
Diferentes jornais do Rio de Janeiro, como o Diário do Rio de Janeiro, o Correio Mercantil e o Jornal do Commercio, discorreram sobre sua morte. No Diário do Rio de Janeiro, de 11 de outubro de 1867, saiu a notícia de que, na tarde do dia 9, uma moça se dirigira à casa número 43, da Praia do Russel, procurando pelo engenheiro William Noot, que ali residia. Informada por uma criada que o referido engenheiro partira para a Europa, a moça solicitou que lhe fosse permitido o acesso ao quarto do rapaz, para que pudesse escrever uma carta. Algum tempo depois, preocupada com a demora da moça, a criada foi ao quarto para ver o que acontecia. Ao entrar no recinto encontrou a jovem estirada sobre a cama, com um punhal fincado no peito. A suicida deixara um bilhete de despedida, em que declarava cometer aquele ato de desespero por não poder resistir à separação. Quando da chegada da Polícia, a jovem foi identificada como a voluntária da Pátria que viera do Piauí havia dois anos59.
Por sua vez, o Correio Mercantil informou que a casa da Praia do Russel, número 43, pertencia ao Tenente-Coronel João Frederico Russel, que a alugara para o inglês Howard, e que este dispusera de um cômodo para alojar o engenheiro Noot em sua estada na Corte. Fora o proprietário do imóvel, João Russel, quem chamara a Polícia. Para lá acorreram o subdelegado da Glória, Dr. Peçanha, acompanhado pelo médico atestador de óbitos, Dr. Goulart, por um escrivão e testemunhas que reconheceram Jovita Alves Feitosa. Foram ouvidas as duas únicas pessoas que estavam na casa no momento do suicídio, um criado e uma escrava de aluguel, que trabalhavam para Howard. Estes declararam que Jovita mantinha há algum tempo relações amorosas com Noot. Disseram também que, ao chegar à residência e confirmar a partida de seu amante, Jovita procurou o quarto do rapaz, pedindo material para escrever-lhe uma carta. Com a Polícia no local, os primeiros exames no corpo revelaram que, nos bolsos do vestido de sarja preta que a jovem usava, estavam o bilhete de despedida da suicida e duas fotografias, alguns escritos, poemas e uma carta do engenheiro, na qual participava a Jovita sua partida a Europa. O bilhete de Jovita dizia apenas: «Não culpem a minha morte a pessoa alguma. Fui eu quem me matei. A causa só Deus o sabe»60.
No mesmo 11 de outubro, o Jornal do Commercio confirmava as demais matérias dos jornais, enfatizando que a carta de Noot fora escrita em inglês e que a jovem não tomara conhecimento do seu conteúdo até ser visitada em sua casa, na rua das mangueiras, por uma pessoa que lhe contou ter seu amante embarcado no paquete Oneida, com destino à Inglaterra. Tal informação causou-lhe surpresa e desassossego, segundo uma mulher com quem a moça dividia a casa. Percebendo a aflição de Jovita, tentou, sem sucesso, tranquilizá-la. Às 14h do dia 9 Jovita tomou um carro de aluguel e dirigiu-se à Praia do Russel, com a intenção de não mais voltar, pois se despedira de sua companheira, com quem dividia a casa, dizendo «adeus, até nunca mais»61.
No dia 10 de outubro de 1867, Jovita foi enterrada no Cemitério do Caju. O Jornal Diário do Rio de Janeiro, do dia 12, publicou uma nota mostrando as condições do enterro, revelando que a situação de Jovita na capital do Império era de abandono.
Essa moça que tanto entusiasmo causou a Província do Piauí e aqui na Corte, que tanto dinheiro deu a ganhar aos fotógrafos que com ela se empenharam para tirar-lhe o retrato e expô-lo à venda, ela que foi vitoriada no teatro São Pedro de Alcântara, em uma noite quando apareceu em um dos camarotes vestida de vivandeira, seria ontem atirada na vala do Cemitério do Caju, se uma mão benfazeja e caridosa não se estendesse a diversas pessoas implorando uma esmola para dar-lhe um enterro pobre em cova separada62.
Os jornais do Rio de Janeiro anunciaram que foram encomendadas duas missas de sétimo dia pela alma de Jovita. Logo após a morte de Jovita, por aproximadamente dois meses consecutivos, foi anunciada, nos jornais do Rio de Janeiro, a venda de um livro que narrava a vida da patriota. Tratava-se de um romance de aproximadamente 92 páginas, impresso em papel de muito boa qualidade, cujo título, Jovita, ou a voluntária da Morte. Havia sido um trabalho escrito às pressas, cuja pretensão seria descrever os «traços morais» de Jovita. Custava 1$000, a renda obtida com a venda do livro deveria ser aplicada em favor da sepultura da voluntária63.
6. Conclusão
A responsabilidade pelo abandono de Jovita, de certa forma, pode ser atribuída à imprensa e ao Estado. Após ser recusada pelo Exército, sua imagem que havia adquirido dimensão nacional, graças ao alcance dos jornais, pois as notícias provenientes do Norte sobre sua passagem foram reproduzidas nos órgãos de informação da Corte e do Sul do Brasil, foi esquecida por quase dois anos, voltando a ser protagonista dos periódicos da forma mais triste possível, para regozijo dos leitores ávidos por tramas e tragédias.
Não só fotógrafos, empresários do meio artístico, jornais do Piauí, de outras Províncias e da Corte ganharam muito à custa do sacrifício patriótico de Jovita, sobretudo o governo provincial e imperial. Lucraram tanto quanto puderam ao gerar a imensa mobilização nacional com a propaganda de uma voluntária. Alguns protagonistas diretos tiveram a sua própria imagem pessoal projetada, nesse caso, o então Presidente Franklin Américo de Meneses Dória, ao ser reconhecido como um eficiente Presidente de Província. A relação estabelecida entre Dória e as necessidades comerciais da imprensa na Província reafirmou a convergência de interesses de ambos.
É possível afirmar que a romântica e melancólica história de Jovita Alves Feitosa se tornou um exemplo para mostrar como a fusão de interesses entre público e o privado, representado pela mídia, pôde manipular a opinião pública da sociedade, o que reforça a importância dos estudos que privilegiam os temas políticos e sua conexão com o mundo da mídia jornalística, no caso em questão das relações do Império com a imprensa64.
A atitude de Jovita em 1865 pode ter sido uma resposta ao clima de confronto que tomou conta da Província; e, certamente, sua atitude frente à agressão paraguaia (com a sua oferta de alistamento) comprova essa ideia, e muito mais a de que muitos homens atenderam ao chamado da guerra nos dias seguintes ao seu embarque para a Corte, influenciados por seu exemplo.