Introdução
A profissionalização da Ciência tem origem na França no século XVII e com ela surgiram as primeiras investigações científicas em colaboração. Foi a partir deste momento que os grupos de pesquisadores organizaram-se formalmente em comunidades científicas (Beaver & Rosen, 1978). Entidades importantes como a Royal Society, que incentivou o trabalho cooperativo ainda em 1662 na Inglaterra, apoiaram a atividade científica em colaboração por vislumbrarem nesta prática uma estratégia para promover novas pesquisas (Meadows, 1999). A partir do século XX, o trabalho científico em colaboração aumentou continuamente (Maltrás Barba, 2003; Solla Price, 1976).
A mudança da pesquisa científica feita por pesquisadores isolados (Little Science) para a pesquisa feita entre equipes de pesquisadores (Big Science) aportou novos conhecimentos relacionados às redes de colaboração científica. Beaver (2001) afirma que o modelo teamwork ou colaborações gigantes surgiu com o desenvolvimento da Física de Altas Energias (FAE), e que logo passou para outras áreas como a Biologia Molecular e Biomedicina, apresentando como exemplo, o Projeto do Genoma Humano. Em áreas experimentais, o compartilhamento de infraestrutura, laboratórios e ideias é uma realidade há muitos anos (Braun, Gómez, Méndez & Schubert, 1992). No caso da FAE, a complexidade dos experimentos relacionados aos aceleradores de partículas causou uma transformação no paradigma de cooperação entre os cientistas. A estrutura dessas máquinas obrigou a construção de importantes laboratórios nacionais nos Estados Unidos, Alemanha e Japão e em especial, o European Organization for Nuclear Research (CERN), um laboratório multinacional localizado na Suíça (Chaves & Shellard, 2005). O número de autores por artigo tem aumentado significativamente, pois as pesquisas experimentais só podem ser realizadas graças ao trabalho em colaboração de grandes equipes, levando à publicação de artigos com mais de 100 autores (Kretschmer & Rousseau, 2001).
A colaboração científica pode ser definida como a interação entre dois ou mais cientistas dentro de um espaço social determinado, que permite a distribuição e o intercâmbio de tarefas com a finalidade de alcançar um objetivo previamente estabelecido (Sonnenwald, 2007; Katz & Martin, 1997). “A colaboração, portanto, envolve o empréstimo de capital material ou intelectual, sob a forma de instrumentos, técnica, espaço e credibilidade.” (Vanz & Stumpf, 2010, p. 45). Conforme Katz e Martin (1997), o fenômeno traz benefícios para os pesquisadores em termos de partilha de conhecimentos, técnicas e habilidades. Também permite a troca de ideias e pontos de vista, podendo gerar novos conhecimentos ou perspectivas.
A colaboração mobiliza os cientistas e reflete relações dentro de uma comunidade profissional hierarquicamente estratificada (Beaver & Rosen, 1979). Katz e Martin (1997) categorizam alguns níveis de colaboração: entre departamentos de uma mesma instituição, entre diferentes instituições, diferentes estados e nações, diferentes setores - quando a colaboração envolve universidades, empresas e governo. No caso da colaboração institucional, os autores acrescentam que ela pode acontecer de forma inter ou intra, ou seja, interinstitucional quando reúne pesquisadores de diferentes instituições e intrainstitucional quando ocorre entre indivíduos filiados a uma mesma instituição.
A colaboração diminui exponencialmente com a distância geográfica que separa os parceiros em uma investigação e a maioria dos cientistas colabora mais com aqueles que fazem parte do seu ambiente cotidiano (Bozeman & Lee, 2003). O modelo de colaboração intrainstitucional é bastante comum no Brasil, que publica cerca de 96 % de seus artigos em colaboração entre indivíduos. Quando o foco recai sobre a colaboração entre diferentes instituições este percentual baixa para 43 % (Vanz, 2009), o que denota alta colaboração de indivíduos filiados a mesma instituição.
Independentemente do modelo, o aumento da colaboração estimulou a intensificação das atividades científicas brasileiras e a maior visibilidade internacional, dada a quantidade considerável de artigos e citações em revistas de alto fator de impacto (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior [CAPES], 2013). No caso da FAE, a participação em colaborações internacionais, associada à ampliação do número de programas de pósgraduação e de grupos de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) são os responsáveis pela expansão da atividade na área (Alvarez & Vanz, 2016). Chaves e Shellard (2005) expressam que, apesar das recentes participações de pesquisadores brasileiros da FAE em projetos experimentais internacionais, o Brasil ainda precisa definir políticas coerentes e consistentes que permitam a sua consolidação mundial em termos de cooperação. Tais políticas estariam vinculadas ao atendimento de várias necessidades: ao investimento contínuo exigido pela pesquisa de fronteira; à manutenção da infraestrutura de pesquisa para uso compartilhado (recursos físicos e intelectuais); à criação de Laboratórios Nacionais para a realização dos experimentos e construção dos instrumentos; à absorção de tecnologia que permita melhorar o grau de competitividade de empresas nacionais; ao apoio e ao incentivo às pesquisas e desenvolvimento da indústria que busquem a inovação tecnológica; à criação de programas que contribuam na formação de cientistas brasileiros no exterior; à aproximação entre os físicos (programas de pós-graduação) e a indústria.
Conforme Bourdieu (2004), o grau de autonomia de uma ciência depende da necessidade de recursos econômicos que ela exige para se concretizar. Dessa maneira, se deduz que, devido aos custos dos experimentos e à necessidade de financiamento externo, o grau de autonomia na FAE seja baixo e menor do que em outras áreas. A análise da colaboração entre instituições nacionais e internacionais torna-se elemento fundamental para indicar a relação e possível dependência do Brasil a outros países.
A análise da colaboração científica brasileira da FAE pode trazer elementos para ampliar a discussão sobre as políticas científicas da área. Neste sentido, este artigo tem como objetivo apresentar indicadores bibliométricos acerca da colaboração institucional em nível internacional e nacional a partir dos artigos publicados em revistas indexadas pela Web of Science (WoS) no período de 1983-2013.
Metodologia
A coleta dos dados e download dos artigos da produção científica da FAE brasileira para o período de 1983-2013 foi realizada em dezembro de 2014 no Science Citation Index (SCI) da base multidisciplinar WoS. A estratégia de busca utilizada foi a seguinte expressão: CU=(Brazil OR Brasil) AND WC=(Physics, Particles & Fields). Após a importação dos 6.350 registros bibliográficos, foi efetuada a organização das informações em um arquivo único (.txt). Na padronização dos nomes das instituições foi utilizada a Lista de Autoridades do Grupo de Pesquisa Comunicação Científica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A variável Author Address (C1) da WoS foi utilizada para analisar a colaboração institucional em nível internacional e nacional entre as diferentes instituições coautoras. Apenas 5.886 artigos apresentaram informações referentes ao endereço institucional no campo C1. Os 464 restantes não incluíram informações sobre o endereço na WoS. A parcela de trabalhos com insuficiência de dados (7,30 %) foi desconsiderada no estudo da colaboração institucional. A coautoria internacional corresponde ao percentual de artigos assinados por no mínimo uma instituição brasileira e uma estrangeira. A coautoria nacional corresponde ao percentual de artigos assinados por mais de uma instituição brasileira.
Os softwares Bibexcel (análises descritivas), UCINET (redes de colaboração) e Microsoft Excel 2007 foram utilizados no tratamento dos dados coletados. A apresentação dos indicadores bibliométricos em intervalos de dez anos propicia o estudo e a compreensão acerca da evolução da colaboração científica institucional da FAE brasileira no período abrangido. Em concordância com a estratégia utilizada por outros pesquisadores como Kretschmer e Rousseau (2001), Vanz (2009) e Bonilla-Calero (2009), este trabalho empregou a contagem total, ou seja, um artigo para cada instituição coautora.
Resultados e discussão
Dentre os 5.886 artigos da FAE brasileira analisados, 4.018 artigos, representando 68,26 %, foram publicados em coautoria entre diferentes instituições. Quando os dados são analisados por períodos, verificou-se o crescimento contínuo do percentual de publicações em coautoria interinstitucional: 1983-1992 (45,76 %), 1993-2002 (61,90 %), 2003-2013 (72,87 %).
Dentre o conjunto de 5.886 artigos, 1.868 (31,74 %) foram escritos por uma única instituição, representando, possivelmente, o grupo que realiza pesquisas teóricas na área. Tal resultado não exclui, no entanto, a colaboração entre indivíduos filiados a uma mesma instituição. A taxa encontrada é superior aos 16,72 % apresentados por Bonilla-Calero (2009) para os trabalhos da Física de Partículas e Campos espanhola escritos sem coautoria no período de 2000-2005 e levemente inferior aos 33,90 % exibidos por Vanz (2009) para os artigos da Física brasileira indexados no SCI entre 2004 e 2006.
Apesar da colaboração científica entre instituições ou países em diversos campos ter aumentado consideravelmente nos últimos anos, devido a fatores como a necessidade de compartilhamento de recursos e facilidade de comunicação e deslocamento (Luukkonen, Tijssen, Persson, & Sivertsen, 1993; Glänzel & Schubert, 2004), há uma parcela de artigos de autoria única e em colaboração em níveis secundários: entre indivíduos no mesmo grupo de pesquisa ou departamento; entre departamentos na mesma instituição (Subramanyam, 1983; Katz & Martin, 1997). A Figura 1 apresenta o decréscimo consecutivo da alíquota de trabalhos sem coautoria institucional na FAE brasileira: (54,24 %) em 1983-1992, (38,10 %) em 1993-2002, (27,13 %) em 2003-2013.
Na análise dos 5.886 artigos que compõem o corpus da pesquisa foram identificadas 1.175 instituições brasileiras e estrangeiras. Dentre o conjunto, 1.021 são instituições estrangeiras (86,89 %). A elevada alíquota de instituições estrangeiras realça a existência de um volume pequeno de instituições brasileiras que atuam na pesquisa na área de FAE e também, evidencia a forte internacionalização da pesquisa brasileira na área, o que pode demonstrar a dependência de uma infraestrutura técnica e de laboratórios e ainda, a necessidade da divisão dos custos de experimentos tão onerosos (Braun et al., 1992; Bourdieu, 2004).
A análise detalhada dos artigos revela uma média de 17,05 entidades por trabalho no período de 1983- 2013 (Tabela 1). No entanto, há uma forte oscilação do número de instituições por artigo. O valor central da mediana indica que 50 % dos artigos tem menos de duas instituições e que 50 % dos artigos tem mais de duas instituições. Mais uma vez, o fato de a média apresentar uma dimensão maior do que a mediana e a moda implica uma distribuição assimétrica, o que é confirmado pelo coeficiente com valor positivo (3,42). O papel dos artigos com um grande número de instituições - os outliers, aqueles trabalhos com mais de 100 instituições de vínculo dos autores - foi determinante para o acréscimo da média.
1983-1992 | 1993-2002 | 2003-2013 | 1983-2013 | |
---|---|---|---|---|
Média de inst. por artigo | 3,74 | 6,38 | 22,91 | 17,05 |
Mediana | 1 | 2 | 2 | 2 |
Moda | 1 | 1 | 2 | 1 |
Assimetria | 4,96 | 3,21 | 2,72 | 3,42 |
N. mínimo de instituições | 1 | 1 | 1 | 1 |
N. máximo de instituições | 54 | 65 | 227 | 227 |
N. de artigos | 295 | 1.743 | 3.848 | 5.886 |
Fonte: dados da pesquisa
Na análise por série temporal comprovou-se o crescimento constante da média de instituições por artigo: 1983-1992 (3,74), 1993-2002 (6,38), 2003-2013 (22,91). Em termos comparativos, a média de 17,05 para o período de 1983-2013 se mostra superior aos 11 exibidos por Bonilla-Calero (2009) para os artigos em coautoria institucional da Física de Partículas espanhola indexados no SCI entre 2000 e 2005 e aos 3,6 apresentados por Vanz (2009) para os trabalhos em colaboração da Física brasileira no período de 2004-2006. Observa-se uma grande diferença entre o número mínimo e máximo de instituições, ocasionando intervalos altos para os três períodos (53, 64, 226).
As análises descritivas demonstram que a colaboração interinstitucional na FAE brasileira acontece de maneira acentuada, confirmando a presença de grandes consórcios institucionais com base na porcentagem de artigos com ≥ 51 instituições, (11,64 %) do total das colaborações (Tabela 2). Em estudo da coautoria internacional na Física e subcampos por meio dos artigos indexados no SCI e Physics Briefs no período de 1981-1985, Braun et al. (1992) alegam que a ciência se tornou uma verdadeira associação de empresas e instituições acadêmicas, independentemente das fronteiras geográficas e geopolíticas.
Uma análise mais detalhada dos artigos com o maior número de instituições coautoras (227, 226) mostrou que os mesmos foram publicados nos renomados periódicos Physical Review D, Journal of High Energy Physics e European Physical Journal C pelo grupo da Colaboração ATLAS do CERN no biênio 2012-2013. Na Tabela 2, apresenta-se a distribuição dos artigos de acordo com o número de instituições coautoras (primeira coluna) por períodos.
A diminuição percentual do número de artigos com autoria institucional única se contrapõe ao aumento do número de artigos com ≥ 51 entidades: (1,36 %) em 1983-1992, (5,91 %) em 1993-2002, (15,02 %) em 2003-2013. A partir do considerável crescimento do último período, infere-se uma maior participação das instituições brasileiras nos grandes projetos multinacionais da FAE. Décadas passadas, Solla Price (1976) sustentava a ideia de que um número reduzido de laboratórios especializados como, por exemplo, o Brookhaven nos Estados Unidos, viabiliza a colaboração entre pesquisadores de diferentes instituições por meio da troca de informações e conhecimentos.
N° inst. | 1983-1992 | 1993-2002 | 2003-2013 | 1983-2013 | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N° artigos | % | N° artigos | % | N° artigos | % | N° artigos | % | |
1 inst. | 160 | 54,24 | 664 | 38,10 | 1.044 | 27,13 | 1.868 | 31,74 |
2 inst. | 61 | 20,68 | 516 | 29,60 | 1.082 | 28,12 | 1.659 | 28,19 |
3 inst. | 20 | 6,78 | 229 | 13,14 | 624 | 16,22 | 873 | 14,83 |
4 inst. | 12 | 4,07 | 77 | 4,42 | 224 | 5,82 | 313 | 5,32 |
5 a 10 inst. | 6 | 2,03 | 88 | 5,05 | 184 | 4,78 | 278 | 4,72 |
11 a 15 inst. | 28 | 9,49 | 17 | 0,98 | 39 | 1,01 | 84 | 1,43 |
16 a 20 inst. | 3 | 1,02 | 17 | 0,98 | 9 | 0,23 | 29 | 0,49 |
21 a 50 inst. | 1 | 0,34 | 32 | 1,84 | 64 | 1,66 | 97 | 1,65 |
≥ 51 inst. | 4 | 1,36 | 103 | 5,91 | 578 | 15,02 | 685 | 11,64 |
Total | 295 | 100,00 | 1.743 | 100,00 | 3.848 | 100,00 | 5.886 | 100,00 |
Fonte: dados da pesquisa
A análise detalhada dos 4.018 artigos publicados em colaboração evidencia a dimensão da colaboração com instituições estrangeiras, tendo em vista que 1.130 trabalhos (28,12 %) foram escritos em coautoria entre pesquisadores filiados somente a instituições nacionais e 2.888 (71,88 %) escritos em coautoria entre pesquisadores filiados a instituições nacionais e internacionais. Nagpaul e Sharma (1994) expressam que a Física Nuclear e a Física de Partículas ou FAE são os dois subcampos mais importantes da Física em termos de colaboração transnacional, justificando assim o alto índice de coautoria com instituições internacionais encontrado nas publicações da FAE brasileira.
Por intermédio de Análise de Redes Sociais (ARS), buscou-se aprofundar o conhecimento sobre a colaboração interinstitucional na FAE brasileira. O conjunto de dados apresentado na Figura 2 constitui a rede de colaboração correspondente às 50 instituições coautoras nacionais e internacionais mais produtivas (até 368 artigos) no período de 1983-2013.
De acordo com a classificação de Maltrás-Barba (2003), a estrutura da rede em estudo é do tipo democrática, na qual todas as instituições participam simultaneamente da divulgação das descobertas científicas por meio dos trabalhos em colaboração. Wasserman e Faust (1994) comentam que em ARS, o ambiente social é definido pelas relações estabelecidas a partir da interação entre as unidades. O tamanho e o posicionamento dos nós indicam o peso das instituições com referência ao número de artigos publicados em coautoria. Verificou-se que da totalidade de entidades do grafo, 45 possuem o mesmo nível de conexão dentro da rede da FAE: grau de centralidade - degree centrality - (0.980), proximidade -closeness - (0.987), intermediação - betweenness - (0.005), denotando a solidez dos vínculos e a participação dessas instituições nos mesmos consórcios. As cinco instituições nacionais com maior número de contribuições na série temporal analisada foram distinguidas dentro desse seleto grupo: Universidade de São Paulo (USP), Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Em termos de relacionamentos, o grafo evidencia a robustez estrutural da rede interinstitucional (coautoras nacionais e internacionais) da FAE brasileira.
A respeito da densidade da rede de coautoria, o indicador de 0.997 confirma a existência de um grande cluster de instituições altamente conectadas. Nas extremidades, visualizam-se alguns poucos nós em tamanho menor com ligações mais fracas: UNICAMP (Brasil), Univ. Stockholm e Univ. Uppsala (Suécia), Univ. Lancaster e Univ. Liverpool (Inglaterra). O nível de agrupamento institucional na FAE revela a alta concentração da pesquisa em um número reduzido de instituições, com destaque preponderante para as universidades. Alguns centros especializados de países com tradição na Física Nuclear e na FAE emergem no grafo principal: Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) e Commissariat à L’énergie Atomique (CEA) (França), Istituto Nazionale di Fisica Nucleare (INFN) (Itália), Joint Institute for Nuclear Research (JINR) e Institute for High Energy Physics (IHEP) (Rússia). O papel de laboratórios experimentais norte-americanos e europeus na constituição de parcerias institucionais, Fermilab (EUA) e CERN (Suíça), é claramente discernível. As seis entidades nacionais mais produtivas da rede de coautoria pertencem aos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. A disposição espacial das instituições brasileiras supõe pensar que o CBPF, a UFRJ e a UERJ cooperam mais entre elas no Rio de Janeiro e a USP e a UNESP mais em São Paulo, evidenciando-se que a proximidade geográfica é um dos fatores principais na colaboração (Katz, 1994).
Com relação aos parceiros da FAE no período observado, a lista das primeiras instituições que publicaram em coautoria com universidades e institutos brasileiros inclui nomes conhecidos no mundo da investigação científica. Em análise da colaboração nacional entre 1998 e 2007, Adams e King (2009) descobriram que as principais coautoras do Brasil são instituições consideradas referência na pesquisa de excelência internacional, sendo elas: Univ. Paris 6 e CNRS (França), INFN (Itália), Univ. Oxford (Inglaterra), Univ. Lund (Suécia). Com base na filiação dos autores das publicações da FAE mundial indexadas na SPIRES em 2005, Mele, Dallman, Vigen, & Yeomans (2006) realçam a importância da contribuição do INFN para a área em termos de financiamento. Vanz (2009) destaca que a Física é responsável por grande parte da colaboração brasileira com instituições estrangeiras, chegando a 89,7 % do total das colaborações que o Brasil mantém com o JINR da Rússia. Outras entidades mencionadas pela autora - IHEP (87,5 %), INFN (80 %), Univ. Lund (71,6 %) - também são claramente distinguidas no grafo principal da FAE (Figura 2). Os resultados denotam a maturidade e a qualidade da FAE brasileira, que segundo Chaves et al. (2007) refletem no número de colaborações internacionais e publicações em coautoria com centros prestigiosos.
Colaboração interinstitucional em nível nacional na FAE brasileira
A análise detalhada do conjunto de 2.998 artigos publicados exclusivamente por pesquisadores brasileiros (1.130 em coautoria interinstitucional e 1.868 em autoria institucional única) revela 154 entidades brasileiras, representando uma média de 1,49 instituições por trabalho no período de 1983-2013. Os resultados mostram um decréscimo significativo da média de instituições coautoras quando comparada à média da colaboração que envolve instituições internacionais (17,05). Tal resultado revela a baixa dispersão da pesquisa da FAE quando analisada somente a colaboração entre instituições brasileiras. Novamente, as medidas descritivas obtidas indicam uma distribuição assimétrica, o que é confirmada pelo coeficiente com valor positivo (1,56). A mediana e a moda são constantes (1), confirmando a tênue colaboração institucional quando considerados somente os artigos nacionais. O número máximo de instituições por artigo na série temporal foi registrado em cinco (Tabela 3), muito diferente do número máximo de 227 instituições envolvendo a colaboração com instituições estrangeiras (Tabela 3).
1983-1992 | 1993-2002 | 2003-2013 | 1983-2013 | |
---|---|---|---|---|
Media de inst. por artigo | 1,35 | 1,35 | 1,60 | 1,49 |
Mediana | 1 | 1 | 1 | 1 |
Moda | 1 | 1 | 1 | 1 |
Assimetria | 2,29 | 2,04 | 1,30 | 1,56 |
N. minimo de instituicoes | 1 | 1 | 1 | 1 |
N. maximo de instituicoes | 3 | 5 | 5 | 5 |
N. de artigos | 187 | 929 | 1.882 | 2.998 |
Fonte: dados da pesquisa
Na análise por série temporal, observou-se um moderado crescimento da média de instituições por artigo; 1983-1992 (1,15), 1993-2002 (1,35), 2003-2013 (1,60). O número máximo de entidades por registro variou de três em 1983-1992 para cinco em 2003-2013, ocasionando intervalos baixos (2, 4, 4) em relação aos dados apresentados na Tabela 1. A escassa representatividade do número de entidades nacionais (13,11 %) com relação à totalidade de instituições pode ser considerada outro indicador da forte colaboração internacional da pesquisa brasileira da FAE em termos de coautoria.
Uma análise mais detalhada dos artigos da FAE com o maior número de instituições nacionais coautoras (5) revelou que todos são resultado de pesquisas teóricas e foram publicados nos periódicos internacionais Physical Review D (2), Journal of High Energy Physics (2), Modern Physics Letters A (2), European Physical Journal C, European Physical Journal A, International Journal of Modern Physics A nos períodos 1993-2002 (3) e 2003-2013 (6). Na Tabela 4, apresenta-se a frequência de artigos publicados em colaboração interinstitucional em nível nacional e autoria única por períodos.
N° de inst. | 1983-1992 | 1993-2002 | 2003-2013 | 1983-2013 | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N° artigos | % | N° artigos | % | N° artigos | % | N° artigos | % | |
1 inst. | 160 | 85,56 | 664 | 71,47 | 1.044 | 55,47 | 1.868 | 62,31 |
2 inst. | 26 | 13,90 | 217 | 23,36 | 607 | 32,25 | 850 | 28,35 |
3 inst. | 1 | 0,53 | 40 | 4,31 | 180 | 9,56 | 221 | 7,37 |
4 inst. | ∙∙ | ∙∙ | 5 | 0,54 | 45 | 2,39 | 50 | 1,67 |
5 inst. | ∙∙ | ∙∙ | 3 | 0,32 | 6 | 0,32 | 9 | 0,30 |
Total | 187 | 100,00 | 929 | 100,00 | 1.882 | 100,00 | 2.998 | 100,00 |
Fonte: dados da pesquisa
Nota: ∙Não se aplica dado numérico.
Ao investigar a produção científica em FAE publicada exclusivamente por brasileiros no período de 1983-2013, observa-se que os 1.868 artigos escritos por uma única instituição assumem uma grande representatividade (62,31 %) dentre o conjunto de 2.998 artigos publicados exclusivamente por brasileiros. A alíquota encontrada é amplamente superior aos 31,74 % apresentados na Tabela 2, que apresentou o contexto de colaboração que envolvia instituições internacionais. Na série temporal avaliada, houve um decréscimo consecutivo da taxa de trabalhos sem coautoria nacional: (85,56 %) em 1983-1992, (71,47 %) em 1993-2002, (55,47 %) em 2003-2013.
A queda percentual do número de artigos com autoria institucional única se contrapõe ao acréscimo do número de artigos com duas entidades (13,90 %) em 1983-1992, (23,36 %) em 1993-2002, (32,25 %) em 2003-2013. O mesmo fenômeno foi observado com a taxa de trabalhos publicados por três instituições nos diferentes períodos: (0,53 %), (4,31 %) e (9,56 %) respectivamente. A respeito das publicações com quatro entidades, registrou-se um moderado crescimento entre 1993-2002 (0,54 %) e 2003-2013 (2,39 %). Nos artigos com cinco instituições, a taxa se manteve estável (0,32 %).
Apesar do aumento do número de publicações em coautoria da FAE por período analisado, nota-se a prevalência dos artigos de autoria única em nível nacional. A taxa de trabalhos em colaboração entre duas ou mais instituições (37,69 %) é pouco representativa quando comparada aos 68,26 % exibidos na Tabela 2. Infere-se a preferência pela colaboração interinstitucional em nível internacional na Física de Altas Energias brasileira por causa dos custos econômicos e pela necessidade de maior infraestrutura e da divisão do trabalho no interior dos teamworks para a realização dos experimentos com os aceleradores de partículas.
Através de ARS, procurou-se aprofundar o conhecimento sobre a colaboração interinstitucional em nível nacional da FAE brasileira. Os dados ponderados na análise corresponderam às 50 instituições coautoras brasileiras mais produtivas (até 12 artigos). Na Figura 3, apresenta-se o grafo correspondente à rede de colaboração interinstitucional em nível nacional da FAE brasileira, com destaque para os estados onde estão localizadas estas instituições.
A rede composta pelas instituições nacionais com ≥ 12 artigos totalizou 50 nós e 664 laços. O tamanho e o posicionamento dos nós indicam o peso das entidades com relação ao número de trabalhos publicados em coautoria. A baixa densidade (0.271) confirma a escassa robustez estrutural da rede de colaboração das instituições nacionais da FAE em relação à apresentada na Figura 2.
A partir de análise da estrutura da rede, verificou-se a existência de quatro clusters conforme regiões geográficas do Brasil na série temporal estudada. Esse indicador mostra que a proximidade entre dois ou mais parceiros serve como estímulo para a colaboração (Katz, 1994). As instituições com maior grau de centralidade (degree centrality), proximidade (closeness) e intermediação (betweenness) pertencem à região Sudeste (cluster azul): CBPF (0.740, 0.851, 0.068); UNESP (0.740, 0.851, 0.073); USP (0.720, 0.841, 0.078); UFRJ (0.680, 0.822, 0.063). Observa-se que a USP e a UNESP apresentam o maior grau de intermediação (0.078 e 0.073), significando que esses atores desempenham o papel de conectar os diferentes grupos existentes e de controlar as informações que circulam na rede e o trajeto que elas podem percorrer (Marteleto, 2001; Otte & Rousseau, 2002). Já a UFRJ ostenta o menor grau de proximidade dentre as quatro instituições (0.822), indicando que ela está menos relacionada com os outros nós. Verificou-se que as quatro entidades citadas são também as que detêm as primeiras posições no ranking de produtividade. Nesse agrupamento, nota-se uma supremacia de instituições (universidades públicas e centros de pesquisa) do eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Percebe-se que existe uma intensa colaboração entre esses dois tipos de entidades. Em nível estadual, notou-se uma maior desconcentração da atividade científica em São Paulo, visto que as instituições do interior contribuem substancialmente para a produtividade da FAE. Segundo a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo [FAPESP] (2011), o bom desempenho do estado é consequência de políticas públicas bem-sucedidas. A agência de fomento citada acrescenta que o mesmo dinamismo não ocorre em igual proporção em outros estados como Rio de Janeiro e Belo Horizonte, onde as pesquisas se concentram nas capitais.
O cluster marrom encontra-se representado pelas instituições da região Nordeste, dentre elas: Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). A UFPB apresenta o maior grau de centralidade do grupo (0.540). Além disso, é a quinta instituição mais produtiva, servindo de ponte para conectar as entidades periféricas da região com o cluster principal. O cluster verde é conformado por instituições da região Sul, sendo algumas delas: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Estadual de Londrina (UEL), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) e Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A UFRGS exibe o maior grau de centralidade, proximidade e intermediação dentro desse conglomerado (0.340, 0.692, 0.020). O posicionamento da entidade destacada no grafo principal denota uma preferência pela colaboração com universidades e centros de pesquisa paulistas. Em nível estadual, constatou-se uma maior descentralização da atividade científica no Rio Grande do Sul, dado que as instituições do interior - UFSM, Universidade Federal do Rio Grande (FURG), UNIPAMPA, UFPel - contribuem abertamente para a produção da FAE. O cluster vermelho exibe o conjunto de instituições do Centro-Oeste: Universidade de Brasília (UnB), Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFECT), Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), CNPq. A disposição dos nós no grafo indica uma maior colaboração com entidades das regiões Sudeste e Nordeste. Por último, na parte superior da Figura 2 distingue-se em amarelo a única entidade representante da região Norte: Universidade Federal do Pará (UFPA), demonstrando maior proximidade com as instituições do núcleo central (cluster azul) em termos de colaboração.
Em comparação com os dados da Figura 2, percebeu-se uma variação no ranking institucional, o CBPF e a UERJ descenderam para o terceiro e sétimo lugar respectivamente, enquanto a UNESP e a UFPB subiram para o segundo e quinto. Esses dados indicam que as duas primeiras entidades são mais representativas na rede de colaboração interinstitucional geral (que inclui a colaboração em nível internacional) e as duas últimas na rede de colaboração interinstitucional em nível nacional.
Considerações finais
Na análise dos 5.886 artigos que compõem o corpus da pesquisa foram identificadas 1.175 instituições brasileiras e estrangeiras. Dentre o conjunto, 1.021 são instituições estrangeiras (86,89 %) e 154 são instituições brasileiras (13,11 %). A elevada alíquota de instituições estrangeiras realça a existência de um volume pequeno de instituições brasileiras que atuam na pesquisa na área de FAE e evidencia a forte internacionalização da pesquisa brasileira na área. Tal resultado pode demonstrar a dependência de uma infraestrutura técnica e de laboratórios, mas sem dúvida, é um modelo normal na Física de Altas Energias devido aos altos custos dos experimentos.
A diminuição percentual do número de artigos sem coautoria institucional se contrapõe com o aumento do número de artigos com ≥ 51 entidades: (1,36 %) em 1983-1992, (5,91 %) em 1993-2002, (15,02 %) em 2003-2013. A partir do considerável crescimento do último período, infere-se uma maior participação das instituições brasileiras nos grandes projetos multinacionais da FAE como o consórcio ATLAS CERN.
A análise detalhada do conjunto de 2.998 artigos publicados exclusivamente por pesquisadores brasileiros revela uma média de 1,49 instituições por trabalho no período de 1983-2013. Os resultados mostram um decréscimo significativo da média de instituições coautoras quando comparada à média da colaboração que envolve instituições internacionais (17,05). Tal resultado revela a baixa dispersão da pesquisa da FAE quando analisada somente a colaboração entre instituições brasileiras. Os 1.868 artigos escritos por uma única instituição assumem uma grande representatividade (62,31 %) dentre o con- junto de 2.998 artigos publicados exclusivamente por brasileiros. A alíquota encontrada é amplamente superior aos 31,74 % correspondentes a este conjunto de artigos no contexto de colaboração que envolve instituições internacionais. Na série temporal avaliada, houve um decréscimo consecutivo da taxa de trabalhos sem coautoria nacional: (85,56 %) em 1983-1992, (71,47 %) em 1993-2002, (55,47 %) em 2003-2013. Apesar do aumento do número de publicações em coautoria da FAE por período analisado, nota-se a prevalência dos artigos de autoria única em nível nacional.
A análise de redes revela a existência de quatro clusters conforme regiões geográficas do Brasil, demonstrando que a proximidade entre dois ou mais parceiros serve como estímulo para a colaboração. Os dados indicam que o CBPF e a UERJ são mais representativas na rede de colaboração interinstitucional geral (que inclui a colaboração em nível internacional) e as UNESP e a UFPB na rede de colaboração interinstitucional em nível nacional.
Considera-se que estes resultados possam contribuir para maior conhecimento da FAE brasileira e fomentar políticas e investimentos em variados âmbitos científicos como cursos de pós-graduação, infraestrutura nacional, colaboração internacional e inovação tecnológica. Conjuntamente, o aumento da participação dos pesquisadores locais nas colaborações multinacionais e a intensificação das atividades científicas na subárea experimental pode conceder ao Brasil o status dos países desenvolvidos.