Introdução
O biofilme é definido como uma comunidade séssil de células microbianas fortemente aderidas a um substrato ou a uma superfície, composto por uma ou múltiplas espécies, embebidas em uma matriz de polímeros extracelular produzidas por elas mesmas [1]. Estes microrganismos se comunicam através de sinais emitidos a partir das células num mecanismo denominado quorum sensing (QS) [2]. Esta organização e composição do biofilme oral garantem uma estabilidade física que dificulta sua remoção e promove a resistência aos antimicrobianos [3].
O biofilme dental se estabelece primeiramente em áreas mais estáveis do elemento dental onde as bactérias são mais protegidas do acesso à remoção mecânica, tais como as regiões interproximais, superfícies oclusais e, supragengivalmente, ao longo da margem gengival [4]. As células organizadas em biofilmes possuem uma taxa metabólica mais eficiente, exibindo maior resistência às fontes de estresse, como mecanismos de defesa do hospedeiro [1].
Os gêneros e espécies predominantes na boca variam muito para cada indivíduo, sendo as bactérias do gênero Staphylococcus, um dos tipos que comumente podem ser encontrados. Staphylococcus aureus (S. aureus) é uma bactéria Gram-positiva, comumente associada a diversas infecções sistêmicas e localizadas [5], mas também tem demonstrado uma forte relação com infecções em implantes dentários [6]. Estes têm sido apontados como possíveis reservatórios desses microrganismos que são potencialmente patogênicos para causar infecções respiratórias [7].
O desequilíbrio da homeostasia e das respostas imune e inflamatória está diretamente associado a uma maior diversidade microbiana no biofilme. Quando isso ocorre, microorganismos que não compõem a microbiota oral podem se aproveitar dessa alteração para se integrarem no biofilme. Neste caso, com o biofilme dental desequilibrado, se inicia e se sustenta um processo de doença [8].
O controle regular do biofilme dentário através da escovação e uso do fio dental (método mecânico) e a complementação com compostos químicos compõem o principal fator de prevenção e tratamento dessas doenças. Em situações nas quais a remoção mecânica do biofilme é insatisfatória, seja por falta de destreza manual, incapacidade motora ou casos de internação hospitalar, o método químico de controle se torna ainda mais necessário [9].
Dentre os produtos químicos que podem ser utilizados como adjuvantes no controle do biofilme oral, estão os óleos essenciais que são substâncias voláteis que apresentam uma composição lipofílica, obtidos a partir de variados órgãos de plantas [10]. Vários estudos demonstraram a capacidade antibacteriana e antiaderente desses produtos naturais [11]. O eucalipto é uma das principais fontes de extração dos óleos essenciais cultivadas no Brasil, dentre as quais se destacam as espécies: Eucalyptus globulus (E. globulus), Eucalyptus citriodora (E. citriodora) e Eucalyptus staigeriana (E. staigeriana) [12].
Diante da possibilidade do uso de uma maior variedade de produtos naturais dentro da odontologia, da necessidade de compostos que causem menos efeitos indesejados e do potencial antiaderente e da atividade antimicrobiana dos óleos essenciais extraídos a partir do eucalipto, que podem contribuir na prevenção da formação do biofilme dentário, principalmente por bactérias da espécie S. aureus, esse estudo tornou-se justificável, tendo como objetivo a avaliação do efeito antiaderente dos óleos essenciais do Eucalyptus globulus e Eucalyptus citriodora contra Staphylococcus aureus.
METODOLOGIA
Ensaios in vitro
Substâncias-teste
Os óleos essenciais de Eucalyptus globulus e Eucalyptos citriodora foram adquiridos da Indústria Quinarí® (Pinhais-PR). Para a realização dos ensaios farmacológicos, o óleo essencial puro foi solubilizada em DMSO e diluída em água destilada. A concentração de DMSO (dimetilsulfóxido) utilizada foi inferior a 0,1 % v/v.
Espécies bacterianas e meios de cultura
Foi utilizada a bactéria de origem clínica Staphylococcus aureus (SA 101). A cepa foi mantida em meio Agar Mueller Hinton (AMH) a uma temperatura de 4 °C, sendo utilizado para os ensaios repiques de 24 horas em AMH incubado a 35 °C. No estudo da atividade antimicrobiana foi utilizado um inóculo bacteriano de aproximadamente 1,5 X 108 UFC/mL padronizado de acordo com a turbidez do tubo 0,5 da escala de McFarland [13, 14].
Determinação da concentração inibitória mínima de aderência (CIMA)
As concentrações inibitórias mínimas de aderência (CIMA) dos óleos foram determinadas na presença de sacarose a 5 %, de acordo com Albuquerque et al., (2010) [11], usando-se concentrações correspondentes ao óleo puro das espécies E. globulus e E. citriodora até a diluição 1:1024. A partir do crescimento bacteriano, a cepa de Staphylococcus aureus foi cultivada a 37 °C em caldo Mueller Hinton (DIFCO, Michigan, Estados Unidos), depois, foram distribuídos 0,9 mL do subcultivo em tubos de ensaio e, em seguida, adicionado 0,1 mL da solução correspondente às diluições dos óleos essenciais. A incubação foi feita a 37 °C por 24 horas com tubos inclinados a 30°. A leitura foi realizada através da observação do biofilme corado com corante fucsina, quando houvesse estrutura visual de aderência da bactéria às paredes do tubo, após a agitação do mesmo. O ensaio foi realizado em duplicata. O mesmo procedimento foi realizado para o controle positivo, com digluconato de clorexidina a 0,12 % (Periogard®, Colgate-Palmolive Company, Nova York, EUA). Foi considerada a CIMA a menor concentração do agente em contato com sacarose que impediu a aderência ao tubo de vidro.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados obtidos a partir desse estudo revelaram que a menor concentração do óleo essencial do Eucalyptus globulus capaz de impedir a formação do biofilme bacteriano pelo Staphylococcus aureus foi de 1:8, o que representa a eficiência desse óleo contra a aderência bacteriana às paredes do tubo, evidenciando um resultado compatível ao digluconato de clorexidina 0,12 %, que também apresentou uma inibição da formação do biofilme na concentração de 1:8.
Nas tabelas 1 e 2 estão representados os resultados das concentrações inibitórias mínimas de aderência dos óleos essenciais de Eucalyptus globulus e Eucalyptus citriodora contra a cepa de Staphylococcus aureus, respectivamente, além do controle digluconato de clorexidina a 0,12%.
Tabela 1 Concentração inibitória mínima de aderência em do Óleo essencial de Eucalyptus globulus e do digluconato de clorexidina 0,12 % contra cepa de Staphylococcus aureus.
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Legenda: ( - ) Sem adesão à parede do tubo ( + ) Com adesão à parede do tubo
Fonte: próprio autor (2021).
Tabela 2 Concentração inibitória mínima de aderência em do óleo essencial de Eucalyptus citriodo-ra e do digluconato de clorexidina 0,12 % contra cepa de Staphylococcus aureus.
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Legenda: ( - ) Sem adesão à parede do tubo ( + ) Com adesão à parede do tubo
Fonte: próprio autor (2021).
Com os resultados descritos na tabela 2 foi possível observar que o óleo de Eucalyptus citriodora não apresentou uma capacidade antiaderente contra a cepa de Staphylococcus aureus em qualquer concentração, o que é notável pela formação de biofilme nas paredes do tubo.
Os efeitos antimicrobianos do Eucalyptus globulus já foram evidenciados em alguns estudos como o de Mota et al. (2015) [15], que, ao avaliarem in vitro a capacidade antibacteriana deste óleo essencial através do teste de difusão em ágar, observaram que ele apresentou uma inibição superior ao controle clorexidina 0,5 % em relação ao microrganismo Staphylococcus aureus. O halo de inibição do óleo essencial chegou a 9 centímetros, enquanto o da clorexidina alcançou apenas 4 centímetros.
Já Rosa et al. (2020) [16] observou em seu estudo comparativo entre o óleo esencial e o extrato alcoólico do Eucalyptus globulus contra cepa do Staphylococcus aureus que o extrato revelou uma maior eficiência no controle da inibição do crescimento desta bactéria, com um halo de inibição de 22 milímetros frente aos 15 milímetros do óleo essencial.
Um estudo realizado por Oliveira et al. (2006) [17] investigaram a interferência de alguns óleos essenciais, entre eles, o de Eucalyptus citriodora, sobre o efeito de antibióticos utilizados na clínica. Os resultados demonstraram que o óleo essencial de E. citriodora apresentou sinergismo com os antibióticos ampicilina, cloranfenicol e tetraciclina contra o Staphylococcus epidermidis e com a tetraciclina contra o Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa.Tal estudo demonstra um moderado potencial antimicrobiano contra diversos patógenos, porém ao ser testado quanto à sua capacidade antiaderente contra Staphylococcus aureus não obteve resultado positivo em qualquer concentração.
Em concordância com o resultado da presente pesquisa, Ramalho et al. (2020) [18] ao avaliarem as concentrações inibitórias mínimas de aderência dos óleos essenciais de Eucalyptus globulus e Eucalyptus citriodora contra o microorganismo Klebsiella pneumoniae concluíram que houve uma inibição da adesão à parede do tubo na concentração de 1:8 do Eucalyptus globulus comparado ao controle digluconato de clorhexidina 0,12 % que impediu a aderência microbiana na mesma concentração. Assim como o resultado do presente estudo, o óleo essencial de Eucalyptus citriodora não apresentou atividade antiaderente em nenhuma concentração.
Um estudo conduzido por Ramalho et al. (2020) [19], onde avaliaram a capacidade antiaderente dos óleos essenciais de Eucalyptus globulus e Eucalyptus citriodora contra a cepa de Escherichia coli, corrobora em parte o presente trabalho por ter como resultado uma Concentração Inibitória Mínima de Aderência de 1:64 para ambos os óleos essenciais, significativamente superior ao digluconato de clorexidina 0,12 %, que apresentou inibição numa concentração de 1:8. Demonstrando uma eficácia destes óleos contra a capacidade de aderência de determinadas cepas bacterianas e o potencial de uso dos mesmos como alternativa terapêutica na prevenção da formação do biofilme bacteriano.
CONCLUSÃO
Pode-se concluir, a partir dos resultados obtidos, que o óleo essencial de Eucalyptus globulus possui uma capacidade antiaderente contra Staphylococcus aureus equivalente ao digluconato de clorexidina 0,12 %, o que salienta a possibilidade de seu uso como método alternativo favorecendo o emprego de produtos naturais, que tem o potencial de causar menos efeitos citotóxicos, na prática clínica. É importante, entretanto, que mais estudos sejam conduzidos com o objetivo expandir o conhecimento sobre o mecanismo de ação a fim de garantir o uso seguro destes produtos. No entanto, o óleo essencial de Eucalyptus citriodora não apresentou efeito positivo na inibição da aderência bacteriana em nenhuma das concentrações testadas para Staphylococcus aureus, apesar de revelar potencial antimicrobiano na literatura.