SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.65 issue1Health market failures: Colombian caseCardiac rehabilitation in pediatrics: What does evidence say? author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Revista de la Facultad de Medicina

Print version ISSN 0120-0011

rev.fac.med. vol.65 no.1 Bogotá Jan./Mar. 2017

https://doi.org/10.15446/revfacmed.v65n1.56855 

Artigo de reflexão

Evolução do sistema público de saúde no Brasil frente ao estágio atual da prevenção do câncer de colo uterino em mulheres jovens e adolescentes

Evolution of the public health system in Brazil versus the current stage of cervical cancer prevention in young women and adolescents

Taís Tovani Sanches 1  

Thaliany Siqueira-Oliveira 1  

Cristina Papp-Moretti 1  

Marcos Roberto Tovani-Palone 2  

Gilberto Hishinuma 1  

1 Centro Universitário Cesumar - Curso de Medicina do Centro Universitário de Maringá - Maringá - Brasil.

2 Universidade de São Paulo - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Ribeirão Preto - Brasil.


Resumo

O câncer de colo uterino constitui-se num problema de saúde pública em nível mundial, estando em grande parte dos casos relacionado com a infecção pelo papiloma vírus humano. O exame de Papanicolau é ainda o principal instrumento para o rastreamento das lesões precursoras. Contudo, no Brasil, tal meio diagnóstico-preventivo é preconizado apenas para mulheres na faixa etária entre os 25 e 64 anos. Desse modo, este trabalho teve como objetivo realizar uma revisão/atualização crítica acerca da evolução e princípios do sistema de saúde público brasileiro diante da situação atual para a prevenção do câncer de colo uterino em mulheres jovens e adolescentes. Ressalta-se que os problemas de saúde no Brasil, que no período colonial foram marcados pelas doenças pestilenciais, passaram na atualidade a ser representados principalmente pelas doenças crônicas emergentes, a exemplo dos cânceres. Outro ponto importante é que a literatura reporta taxas preocupantes no país para a ocorrência de alterações citopatológicas cérvico-vaginais em mulheres jovens e adolescentes, com diversos agravos neste contexto. Logo, a gestão da saúde no Brasil necessita de amplos ajustes, visando principalmente uma maior inserção de mulheres e meninas de 10 a 24 anos nos programas de diagnóstico precoce do câncer de colo uterino.

Palavras-chave: Saúde pública; Gestão em saúde; Neoplasias uterinas (DeCS).

Abstract

Cervical cancer is a public health problem worldwide, which is associated, in many cases, with infection by human papilloma virus. The Papanicolau test is still the main tool for screening precursor lesions; however, in Brazil, this diagnosis and preventive means is recommended only for women aged between 25 and 64 years. This study intends to provide a critical review/update on the evolution and principles of the Brazilian public health system regarding the current situation of cervical cancer prevention in young women and adolescents.

In Brazil, health problems, which in the colonial period were mainly caused by pestilential diseases, are currently represented by emergent chronic diseases such as cancer. In addition, the scientific literature reports alarming rates in the country of cervical-vaginal cytological changes in young women and adolescents, with serious aggravations in this context. Therefore, health management in Brazil requires large adjustments, mainly aimed at greater inclusion of women and girls aged 10 to 24 in programs for early diagnosis of cervical cancer.

Keywords: Public Health; Public Health Administration; Uterine Neoplasms (MeSH).

Introdução

O câncer de colo uterino constitui-se num problema de saúde pública em nível mundial, com altas taxas de prevalência e grande potencial para prevenção e cura 1. Em média são diagnosticados aproximadamente 500 mil novos casos por ano, conjunto a ocorrência de cerca de 200 mil óbitos 2. Considerando a escala global, essa neoplasia representa o terceiro tipo de câncer com maior nível de incidência, além da quarta posição de mortalidade por cânceres em mulheres 3,4.

Por sua vez, no Brasil a partir de 1919, mediante a contínua evolução de medidas protetivas para a saúde nacional datadas progressivamente desde a época do Brasil Colônia, os cânceres passaram a abranger um problema de saúde majoritário 5. Atualmente vem ganhando destaque com amplas repercussões no âmbito médico-científico nacional, o câncer de colo uterino, o qual sem levar em conta os tumores de pele não melanoma, corresponde à neoplasia mais frequente na Região Norte do país, apresentando a segunda maior incidência nas Regiões Centro-Oeste e Nordeste, seguido respectivamente pela terceira e quarta posições nas Regiões Sudeste e Sul 6.

A incidência desse tipo de câncer está em grande parte dos casos vinculada ao papiloma vírus humano (HPV), sendo que infecções decorrentes do HPV podem evoluir para tal neoplasia de maneira não incomum 6, devido aos altos valores de prevalências gerais para infecções de útero ocasionadas por esse vírus, cuja variação oscila entre 13.7% e 54.3% 1. Existem diversas variantes do HPV, dentre as quais treze estão relacionadas com o desenvolvimento oncogênico, sendo os sorotipos virais 16 e 18 os mais recorrentes em casos de evolução da doença 6.

Salienta-se também que embora a imunização vacinal contra o HPV seja a princípio uma medida importante a ser considerada para a prevenção do câncer de colo uterino, algumas lacunas precisam ser melhores esclarecidas no que diz respeito às bases imunológicas e imunogenicidade dessa vacina, bem como de sua eficácia em imunocomprometidos por doenças ou medicações, em homens e gupos etários com idades abaixo de 9 e acima de 26 anos 7. Para mais, controvérsias na aplicação desse método podem estar interferindo negativamente em sua adesão pela população 8.

O exame citológico de Papanicolau é ainda o principal instrumento para o rastreamento de lesões precursoras do câncer de colo uterino, e logo o mais abrangente no Brasil em nível de detecção e prevenção 6. Todavia, no país esse exame citológico tem sua indicação preconizada com foco apenas em mulheres na faixa etária entre os 25 e 64 anos 6. Por conseguinte, as mais jovens e também susceptíveis à doença deixam de ser cobertas muitas das vezes por essa importante medida diagnóstico-preventiva, visto que também estão expostas a altos riscos de contágio pelo HPV, especialmente por razão da iniciação sexual cada vez mais precoce 9.

Além disso, parece haver uma limitação na efetividade de programas de controle e vigilância epidemiológica no âmbito dessa patologia dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) para as mulheres em geral 10; sobretudo daqueles voltados para a população feminina na fase da adolescência e início da fase adulta 9.

Diante do exposto, este trabalho teve como objetivo realizar uma revisão/atualização crítica da literatura com base em delimitações da evolução histórica do sistema de saúde brasileiro e dos princípios fundamentais do SUS, de forma a encerrar uma discussão acerca da situação atual das medidas inclusivas de mulheres jovens e adolescentes dentro de programas públicos para prevenção do câncer de colo uterino no Brasil.

Evolução histórica do sistema de saúde no Brasil

Durante o período do Brasil Colônia (1500-1822), com praticamente a totalidade de poderes advindos de Portugal, os problemas de saúde nacional concentraram-se principalmente nas doenças pestilenciais e falta de assistência à saúde para a população em geral 5,11, a exemplo dos altos índices de mortalidade infantil 12 e ausência de quaisquer tipos de assistência à saúde mental 13.

Mais adiante, o período denominado de Brasil Império (1822-1889), caracterizado pelo coronelismo, abertura dos portos, surgimento do capitalismo moderno e início da industrialização; trouxe consigo um importante avanço para a saúde, a priorização de ações de vigilância sanitária 5,11.

Entre 1889 e 1930, durante a República Velha, campanhas de naturezas autoritárias foram realizadas como meio de implementação da saúde pública, com forte oposição de parte da população, políticos e líderes militares. Ocorreu então em 1904 a famosa Revolta da Vacina, frente à obrigatoriedade para a vacinação contra varíola 8,14. Seguindo-se, entre 1920 e 30 houve a vinculação dos direitos civis à posição dos indivíduos no mercado de trabalho, além da instauração do modelo de intervenção do Estado brasileiro na área social 11.

Após, na Ditadura Vargas (1930-1945) houve uma marcante expansão do sistema social 15,16 e institucionalização da saúde pública. O cenário de necessidades de saúde passou por modificações notórias, sendo os principais problemas dessa época as endemias rurais, tuberculose, sífilis e deficiências nutricionais 11.

No período seguinte, entre 1945 e 1964, o sistema de saúde passou a ser constituído por um Ministério da Saúde subfinanciado e pelo Sistema de Assistência Médica de Previdência Social, concomitantemente com a emergência de doenças modernas 5.

Posteriormente, com o golpe militar e instauração do período de Ditadura (1964-1985), reformas governamentais impulsionaram a expansão de um sistema de saúde predominantemente privado e a ampliação de sua cobertura. Consequentemente, entre 1970 e 1974 foi instaurada a reforma e construção de hospitais privados com recursos federais, de maneira que a responsabilidade pela oferta da atenção à saúde foi incumbida também aos sindicatos e instituições filantrópicas, oferecendo assistência inclusive aos trabalhadores rurais. Passou-se também a ser descontado no imposto de renda, os subsídios diretos a empresas privadas para a oferta de assistência médica a seus empregados, gerando dessa forma uma expansão da oferta dos cuidados médicos e proliferação de planos de saúde particulares. Assim, instaurou-se uma crise de financiamento na previdência social, em decorrência de um mercado de saúde baseado em pagamentos a prestadores do setor privado segundo os serviços realizados, além de maior cobertura da previdência social 5,11.

Em meados de 1970, observou-se o crescimento de um amplo movimento social no país com pauta na necessidade pela reforma sanitária da nação, o qual defendia a saúde não apenas como um ente biológico de responsabilidade médica e sim com cunho adicional de envolvimentos social e político em nível público 17.

Alavancando essas reformas, houve a criação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde em 1976 17 e da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva em 1979 18. A partir de então, foram realizadas reuniões de técnicos e gestores municipais, sendo em 1980 constituído o Conselho Nacional de Secretários de Saúde 19. O cenário de saúde apontava uma predominância para as doenças modernas, com particularidades para as regiões Norte e Nordeste, que vivenciavam uma predominância de doenças infecciosas e parasitárias 5,11.

Avançando mais pela história, no período de transição democrática (1985-1988) tem-se em 1986 a marcante 8a. Conferência Nacional de Saúde, por meio da qual foi aprovado o conceito de saúde como um direito do cidadão, além do delineamento dos fundamentos do SUS. Por conseguinte, foi também estabelecido o alicerce para a construção desse sistema de saúde 19. Já, durante a Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988) foi finalmente aprovada a reforma sanitária 20, em contraponto de forte oposição do setor privado 5.

Por sua vez, esse período afamado pela instabilidade econômica, retração dos movimentos sociais, com ideologia neoliberal proliferante e perda do poder de compra dos trabalhadores; concebeu uma mudança nas necessidades de saúde com ganhos importantes como o da redução de mortalidade infantil e de doenças preveníveis por imunização; junto ao surgimento de outros problemas como os de epidemias de dengue, aumento de mortes por violência, Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), a persistência de doenças cardiovasculares e cánceres 5,11.

Promulgada a Constituição de 1988 e criado o SUS, fundamentado principalmente na descentralização dos serviços de saúde, universalidade de acesso, equidade e integralidade; houve até hoje importantes avanços para o acesso da população aos serviços de saúde, com impactos diretos sobre a melhoria na qualidade de vida de toda a população. Destaca-se a estabilização da prevalência de AIDS, redução da mortalidade infantil e o controle da tuberculose e hanseníase como indicadores positivos imediatos de sua implantação 5,11.

Mais especificamente, nas últimas décadas o eixo da saúde da mulher também obteve ganhos bastante representativos com impactos na redução da mortalidade feminina. Isso se deu em decorrência sobretudo do crescimento econômico experimentado pelo país, acompanhado pela redução das desigualdades sociais, melhoria na transferência de renda, reduções nas taxas de fecundidade, maior acesso à educação para a população feminina, avanços no sistema de água, saneamento, criação e maior acessibilidade a programas específicos de saúde da mulher. Entretanto, ainda é preciso avançar mais em diversos pontos assim como ocorre com a medicalização abusiva, a exemplo das altas taxas de partos cesarianos 21 e baixa adesão para práticas preventivas, podendo exemplificar-se pelo quadro situacional do câncer de colo uterino entre as mulheres mais jovens e adolescentes 9.

Na atualidade, agravos como os cânceres, epidemias relacionadas com o mosquito Aedes aegypti e mortalidades por causas externas apresentam um exponencial crescente. Logo, o SUS momento a momento vai se readequando dentro de cada realidade temporal intentando atender as necessidades da população 5, sendo modelo em muitos programas como ocorre no de distribuição do coquetel para tratamento contra a infecção pelo HIV, com reconhecimento mundial 22.

Bases dos princípios fundamentais do SUS

A Constituição Brasileira, a qual contou com expressiva participação popular, encontra-se pautada na promoção do bem de todos, sem quaisquer tipos de preconceitos/discriminação, visando acima de tudo a redução das desigualdades sociais e regionais 23.

Levando-se em conta que a democracia corresponde a um regime político, o qual pressupõe soberania popular e respeito integral aos direitos humanos 24; convém enfatizar outrossim que a cidadania é elemento chave em um Estado Democrático, com ênfase para a saúde dentre todos os direitos sociais contemplados 25.

Além do mais, a cidadania democrática deduz a existência da igualdade perante a lei, tanto por meio de participação política como do provimento de condições socioeconómicas a fim de garantir a dignidade humana, estando diretamente associada com a correta implementação de políticas públicas, bem como dos programas de ação do Estado 25.

O SUS, por sua vez, consiste numa política de Estado, a qual considera a saúde como um direito de cidadania e dever estatal, aproximando-se dos princípios do chamado Estado de Bem-Estar Social (Welfare State). Cabe ao Estado a responsabilidade pela formulação e implementação de políticas econômicas e sociais que tenham por finalidade a melhoria das condições de vida e saúde de todos os indivíduos da nação com foco na universalização, equidade e integralidade de ações 26.

A prática da universalização consiste em um processo pautado na eliminação de barreiras jurídicas, econômicas, culturais e sociais que se interpõem entre a população e os serviços; propiciando assim o desencadeamento de uma ampla extensão da cobertura dos serviços, de maneira a corroborar com a acessibilidade para toda a população 27,28.

Já, a equidade significa "tratar desigualmente os desiguais", de modo a favorecer condições igualitárias para os desenvolvimentos sociais, individuais e de possibilidades de sobrevivência. Sua configuração ocorre por meio do reconhecimento das desigualdades, tendo como eixo de partida a superação dessas, buscando sempre oportunizar melhores condições de vida e saúde para todos 27,28.

O outro princípio, a integralidade, caracteriza-se por propósitos que englobam desde ações sem especificidade de promoção de saúde em grupos definidos, ações de vigilância ambiental, sanitária e epidemiológica dirigidas ao controle de riscos e danos, até a assistência e recuperação de indivíduos enfermos, quer sejam ações para a detecção precoce de doenças ou de diagnóstico, tratamento e reabilitação 27-29.

A saúde portanto, direito fundamental de acordo com a Legislação do SUS, representa uma questão primordial para a cidadania; pois encontra-se relacionada com importantes questões sociais, a exemplo das condições de pobreza 30. Ademais, é responsável pela manutenção de toda a força produtiva de uma nação, posto que indivíduo sem saúde é indivíduo fora do mercado de trabalho.

Mulheres jovens e adolescentes versus a prevenção do câncer de colo uterino no Brasil

A própria literatura científica aponta taxas preocupantes para a incidência de lesões cervicais uterinas entre as mulheres jovens 31 e adolescentes 31-33 em diferentes localidades do Brasil, que embora predominantemente de baixo grau podem invariavelmente na ausência de tratamento adequado progredir para lesões com grande potencial de malignidade, em especial quando da infecção conjunta pelo HPV 34.

Complementarmente, no período da adolescência os fatores de risco para a ocorrência de câncer de colo uterino são notoriamente expressivos dados o início sexual precoce, multiplicidade de parceiros, baixa adesão para o uso de preservativos 35 e medo ou vergonha das adolescentes para realização do exame de Papanicolau 9.

A pouca escolaridade é também correlacionada como um importante fator para a ocorrência dessa patologia 36,37, assim como a baixa renda familiar (38). Além disso, as dificuldades de acesso a informações básicas de educação em saúde sobre o HPV 9,39 oriundas do despreparo ou mesmo uso de técnicas inadequadas para a faixa etária da adolescência 9, pode implicar muitas vezes na baixa procura por serviços assistenciais, favorecendo o surgimento de manifestações sintomáticas e dificuldades no tratamento 39.

Tendo em vista que as lesões cérvico-vaginais provocadas pelo HPV representam enfermidades cujas ocorrências estão relacionadas com grandes impactos psíquicos, característicos do diagnóstico de doenças sexualmente transmissíveis, e ainda com predisposição para desordens de alta gravidade; vale ressaltar que mulheres jovens e adolescentes podem então de maneira facilitada agregar considerável desestruturação na construção da sua autoimagem, bem como da sexualidade 40. Isso sem dúvidas requer uma ampliação da recomendação de alguns autores e autoridades responsáveis pelo planejamento em saúde, para além da restrição de orientação apenas quanto aos métodos contraceptivos.

Além de tudo, apesar de a vacinação contra o HPV constituirse num método preventivo a princípio altamente eficaz, até o momento importantes restrições tem dificultado sua plena implementação: previne no máximo apenas contra quatro subtipos do vírus (6, 11, 16 e 18), o que infere ausência de proteção para cerca de 30% dos casos de câncer de colo uterino causados por outros tipos virais relacionados com a ocorrência desse câncer; não elimina a necessidade de prevenção secundária por meio do rastreamento 41; está disponível na rede pública de saúde apenas para meninas de 9 a 13 anos 6,42, deixando grande parcela da população feminina sem cobertura preventiva, pois mesmo as mulheres sexualmente ativas, e possíveis portadoras de HPV, poderiam ser imunizadas contra outros subtipos presentes na vacina.

Episódios ocorridos em 2014 nas cidades de El Carmen de Bolívar, situada na Colômbia, e em Bertioga, no Brasil, ambos com grande repercussão na mídia brasileira, trouxeram ao conhecimento da população fatos impactantes nessa temática, nos quais inesperadamente grupos de garotas adolescentes em períodos imediatos pós-vacinação contra o HPV passaram bastante mal. Em contrapartida, autoridades da Colômbia emitiram o diagnóstico de reação psicogênica em massa, sendo que no Brasil também foi apontada uma reação do mesmo tipo 8. Outro dado importante relacionado é o descrito por Souayah etal. (2011) 43, que identificou 69 relatos de síndrome de Guillain-Barré após a vacinação contra o HPV nos Estados Unidos entre os anos de 2006 e 2009.

Contudo, embora reações adversas de vacinas contra o HPV sejam consideradas raras e com efeitos equiparáveis aos de outras vacinas 44,45, esses acontecimentos 8,43 subsidiam base para a desconfiança por parte considerável da população sobre tal método, colocando em xeque sua seguridade. Esse cenário vem a corroborar com o fortalecimento dos chamados movimentos antivacinas, os quais relacionam a vacinação com agravos severos à saúde dos indivíduos 42.

Fora isso, outros fatores implicam em dificuldades para a vacinação, como o medo, quer seja o da injeção principalmente nas faixas etárias mais baixas, ou mesmo aquele gerado pela rápida propagação de informações falsas e sem credibilidade científica sobre essa vacina por meio de redes sociais 42.

Para mais, no que diz respeito ao rastreamento do câncer de colo uterino, denota-se que o início prévio desse não só aumenta as chances para diagnósticos de lesões de baixo grau, que têm grande probabilidade de regressão 41, como também contribui para a redução dos casos com evolução para um futuro câncer, levando-se em conta que é possível a evolução em poucos anos de lesões de baixo grau não tratadas em adolescentes para lesões de alto grau ou mesmo um carcinoma 46.

Nesse âmbito, jovens e adolescentes com lesões cervicais uterinas com baixo potencial de malignidade instaladas precocemente, caso tenham realizado o primeiro exame preventivo apenas aos 25 anos, provavelmente já seriam diagnosticadas com lesões pré-neoplásicas ou com o câncer já evoluído. Embora o aparecimento de lesões de alto grau em mulheres abaixo de 25 anos seja menos frequente quando comparado com idades superiores, tal possibilidade representa números significativos 31, sendo extremamente importante a execução do rastreamento, considerando-se que o câncer de colo uterino é uma neoplasia com altas taxas de cura quando diagnosticado prematuramente 1.

O SUS nesta esfera assistencial não tem conseguido na prática alcançar três dos seus princípios fundamentais, a universalidade, equidade e integralidade. Isso acontece, pois além da exclusão da maior parte das adolescentes e jovens do próprio sistema de cobertura preventiva de vacinação contra o HPV, há também falta do ofertamento de atendimento e/ou assistência para a adolescente ou jovem fora das faixas etárias preconizadas pelo Ministério da Saúde 6 quando da realização de campanhas de rastreamento do câncer de colo uterino, ou mesmo busca pelo atendimento diagnóstico-curativo em unidades de saúde pública diante de suspeitas desse tipo de câncer. Há nesse sentido uma grande preocupação, uma vez que é reportada vulnerabilidade para a ocorrência de câncer de colo uterino para ambos os grupos de mulheres, acima e abaixo de 25 anos, reforçando a necessidade de ampliação da faixa etária preconizada para a realização do exame de Papanicolau 47.

Assim sendo, a gestão do SUS necessita de amplos ajustes em nível nacional, visto que até mesmo para as mulheres com idades correspondentes às diretrizes atuais dos programas de rastreamento do câncer de colo uterino, o acesso regular a esse tipo de serviço por ora implica no desprovimento adequado de assistência 48, ficando na dependência de melhorias que necessitam ser prioritariamente realizadas nessa área (Figura 1).

Fonte: Elaboração própria dos autores.

Figura 1 Melhorias prioritárias e condutas a serem implementadas acerca da prevenção do câncer de colo uterino no Brasil. 

Considerações finais

Desde o seu descobrimento até a atualidade o Brasil experimentou diversas mudanças com perspectivas de melhora na saúde pública, que em conformidade com sua história, parte de surtos pestilenciais para a emergência de doenças crônicas, com destaque para os cânceres.

O exame de Papanicolau no país tem como grupo prioritário mulheres entre 25 e 64 anos, deixando as faixas etárias inferiores carentes de medidas preventivas para o rastreamento do câncer de colo uterino.

A adolescência corresponde a um período de descoberta sexual, o qual ocorre cada vez mais de forma antecipada. É fundamental a criação e expansão de programas de educação sexual, assim como de orientação sobre a importância do exame preventivo de Papanicolau e da vacinação contra o HPV. Estudos com novas descobertas acerca das dúvidas recorrentes nessa fase e dos riscos a que se expõem as meninas que iniciam a atividade sexual precocemente, constituem-se em outra importante necessidade a ser cumprida com vistas à adequação da educação em saúde.

Além do mais, o SUS requer reestruturação dentro dessa realidade visando principalmente uma maior inserção da faixa etária de mulheres e meninas de 10 a 24 anos nos programas de diagnóstico precoce do câncer de colo uterino, podendo assim alcançar resultados mais significativos na redução dos casos desse tipo de câncer no país.

Conflitos de interesses

Nenhum declarado pelos autores.

Financiamento

Nenhum declarado pelos autores.

Agradecimentos

Nenhum declarado pelos autores.

Referências

1. Denny L. Cervical cancer: prevention and treatment. Discov Med. 2012;14(75):125-31. [ Links ]

2. Ferlay J, Soerjomataram I, Ervik M, Dikshit R, Eser S, Mathers C, et al. GLOBOCAN 2012 v1.0, cancer incidence and mortality worldwide: IARC CancerBase No. 11. Lyon: International Agency for Research on Cancer; 2013. [ Links ]

3. Jemal A, Bray F, Center MM, Ferlay J, Ward E, Forman D. Global cancer statistics. CA Cancer J Clin. 2011;61(2):69-90. http://doi.org/fh58fk. [ Links ]

4. Torre LA, Bray F, Siegel RL, Ferlay J, Lortet-Tieulent J, Jemal A. Global cancer statistics,2012. CA Cancer J Clin. 2015;65(2):87-108. http://doi.org/bkr3. [ Links ]

5. Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97. http://doi.org/fksbm2. [ Links ]

6. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2016 [cited 2017 Mar 16]. Available from: Available from: https://goo.gl/B3KLLy . [ Links ]

7. Borsatto AZ, Vidal MLB, Rocha RCNP. Vacina contra o HPV e a prevenção do câncer do colo do útero: subsídios para a prática. Rev Bras Cancerol. 2011;57(1):67-74. [ Links ]

8. Takata R, Girardi A. Controvérsias em torno das vacinas. ComCiência. 2014;(162). [ Links ]

9. Cirino FMSB, Nichiata LYI, Borges ALV. Conhecimento, atitude e práticas na prevenção do câncer de colo uterino e HPV em adolescentes. Esc Anna Nery. 2010;14(1):126-34. http://doi.org/dfmdfj. [ Links ]

10. Sadovsky ADI, Poton WL, Reis-Santos B, Barcelos MRB, Silva ICM. Índice de desenvolvimento humano e prevenção secundária de câncer de mama e colo do útero: um estudo ecológico. Cad Saúde Pública. 2015;31(7):1539-50. http://doi.org/b4f3. [ Links ]

11. Moura EC, Garcia MAA. Organizações dos serviços de saúde no Brasil: seu desenvolvimento sob o ângulo das políticas públicas setoriais. Rev Ciênc Méd PUCCAMP. 1994;3(2):37-42. [ Links ]

12. Araújo JP, Silva RMM, Collet N, Neves ET, Tos BRGO, Viera CS. História da saúde da criança: conquistas, políticas e perspectivas. Rev BrasEnferm. 2014;67(6):1000-7. http://doi.org/b4f4. [ Links ]

13. Martins ÁKL, Soares FDS, Oliveira FB, Souza ÂMA. Do ambiente manicomial aos serviços substitutivos: a evolução nas práticas em saúde mental. SANARE, Sobral. 2011;10(1):28-34. [ Links ]

14. Cunha FS. Capoeiras e a Revolta da Vacina. Rev Espaço Acadêmico. 2015;14(166):29-38. [ Links ]

15. Santos TCF, Gomes MLB, Oliveira AB, Almeida Filho AJ. ADitadura Varguista no Brasil (1937-1945) e o Primer Franquismo na Espanha (1939-1945): poder e contra-poder das enfermeiras. Rev Bras Enferm. 2012;65(2):347-52. http://doi.org/b4f8. [ Links ]

16. Silva RP. Resenha de: Bastos, Pedro Paulo Z. & Fonseca, Pedro Cezar D. (orgs). A Era Vargas: desenvolvimentismo, economia e sociedade. São Paulo: Editora Unesp, 2012. Rev Debate Econ. 2013;1(1):124-9. [ Links ]

17. Sophia DC. Notas de participação do Cebes na organização da 8a Conferência Nacional de Saúde: o papel da revista Saúde em Debate. Saúde Debate. 2012;36(95):554-61. http://doi.org/b4f9. [ Links ]

18. Ianni AMZ, Cristiane S, Barboza R, Alves OSF, Viana SDL, Rocha AT. Os Congressos Brasileiros de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco: um campo científico em disputa. Ciênc Saúde Colet. 2015;20(2):503-13. http://doi.org/b4gc. [ Links ]

19. Pinheiro TXA. Uma visão do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva. Hist Ciênc Saúde-Manguinhos. 2009;16(4):1045-56. http://doi.org/fcxj8j. [ Links ]

20. Brasil. Assembléia Nacional Constituinte. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília D.F.: Diário Oficial da União 194; octubro 5 de 1988 [cited 2017 Mar 16]. Available from: Available from: https://goo.gl/uE0QXe . [ Links ]

21. Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet. 2011;377(9780):1863-76. http://doi.org/fwj29r. [ Links ]

22. Sousa AM, Lyra A, Araújo CCF, Pontes JL, Freire RC, Pontes TL. A política da AIDS no Brasil: uma revisão da literatura. JManag Prim Health Care. 2012;3(1):62-6. [ Links ]

23. Júnior JC. Comentários à Constituição brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1998. [ Links ]

24. Sousa Santos B, Chaui M. Direitos humanos, democracia e desenvolvimento. São Paulo: Cortez Editora; 2013. [ Links ]

25. Soares MVMB. Cidadania e direitos humanos. Cad Pesqui. 1998;(104):39-46. [ Links ]

26. Paim JS. A Constituição Cidadã e os 25 anos do Sistema Único de Saúde (SUS). CadSaudePública. 2013;29(10):1927-36. http://doi.org/b4gd. [ Links ]

27. Teixeira C. Os princípios do sistema único de saúde. Texto de apoio elaborado para subsidiar o debate nas Conferências Municipal e Estadual de Saúde. Salvador, Bahia; 2011. [ Links ]

28. Vianna NG, Cavalcanti MLT, Acioli MD. Princípios de universalidade, integralidade e equidade em um serviço de atenção à saúde auditiva. Cien Saude Colet. 2014;19(7):2179-88. http://doi.org/b4gf. [ Links ]

29. Bonfada D, Cavalcante JRLP, Araujo DP, Guimarães J. A integralidade da atenção à saúde como eixo da organização tecnológica nos serviços. Cien Saude Colet. 2012;17(2):555-60. http://doi.org/fzk9cn. [ Links ]

30. Brasil. Lei n° 8080 de 19 de Setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990 set 20; Seção I: 18055-9. [ Links ]

31. Dell'Agnolo CM, Rocha-Brischiliari SC, Gravena AAF, Lopes TCR, Saldan G, Pelloso SM. Avaliação dos exames citológicos de papanico-lau em usuárias do sistema único de saúde. Rev Baiana Saúde Pública. 2014;38(4):854-64. http://doi.org/b4gg. [ Links ]

32. Silva JMC, Santos MB, Matos GT, Dias JMG. Prevalência de lesões epiteliais do trato genital inferior em adolescentes em Aracaju/Sergipe. Interfaces Científicas. 2014;3(1):57-66. http://doi.org/b4gh. [ Links ]

33. Ribeiro AA, Pereira TJ. Incidência de lesões intraepiteliais do colo uterino em adolescentes de Dourados/MS no período de 2011 a 2012. Rev Saúde. 2014;8(3-4):7-15. [ Links ]

34. Walboomers JM, Jacobs MV, Manos MM, Bosch FX, Kummer JA, Shah KV, et al. Human papillomavirus is a necessary cause of invasive cervical cancer wordwide. J Pathol. 1999;189(1):12-9. http://doi.org/djpf64. [ Links ]

35. Cruz DE, Pereira D. Adolescência e Papanicolau: conhecimento e prática. Adolesc Saúde. 2013;10(Supl 1):34-42. [ Links ]

36. Thuler LCS, Bergmann A, Casado L. Perfil das pacientes com câncer do colo do útero no Brasil, 2000-2009: estudo de base secundária. Rev Bras Cancerol. 2012;58(3):351-7. [ Links ]

37. Silva DSM, Silva AMN, Brito LMO, Gomes SRL, Nascimento MDSB, Chein MBC. Rastreamento do câncer do colo do útero no Estado do Maranhão, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(4):1163-70. http://doi.org/b4gj. [ Links ]

38. Cesar AJ, Horta BL, Gomes G, Houlthause RS, Willrich RM, Kaercher A, et al. Fatores associados a não realização de exame cito-patológico de colo uterino no extremo sul do Brasil. Cad Saude Publica. 2003;19(5):1365-72. http://doi.org/d2kvfc. [ Links ]

39. Silva MGP, Santos JF, Rocha FCG, Morais TKL, Nogueira LAAS, Viana LVM. Papiloma Vírus Humano (HPV) entre mulheres com idade fértil em um centro de saúde. Rev Interdisciplinar. 2015;8(2):35-42. [ Links ]

40. Cazarolli E, Beck CLC, Machado CHF, Coelho APF, Ambrós SE. Sentimentos de adolescentes com câncer: um estudo qualitativo. Rev Contexto & Saúde. 2011;11(20):1365-70. [ Links ]

41. Ministério da Saúde. Cadernos de Atenção Básica: Controle dos cânceres do colo do útero e da mama [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2013 [cited 2017 Mar 16]. Available from: Available from: https://goo.gl/wiuPX2 . [ Links ]

42. Roitman B. HPV: uma nova vacina na rede pública. Bol Cient Pediatr. 2015;4(1):3-4. [ Links ]

43. Souayah N, Michas-Martin PA, Nasar A, Krivitskaya N, Yacoub HA, Khan H, et al. Guillain-Barré syndrome after Gardasil vaccination: data from vaccine adverse event reporting system 2006-2009. Vaccine. 2011;29(5):886-9. http://doi.org/fvqj5q. [ Links ]

44. Slade BA, Leidel L, Vellozzi C, Woo EJ, Hua W, Sutherland A, et al. Postlicensure safety surveillance for quadrivalent human papillomavirus recombinant vaccine. Jama. 2009;302(7):750-7. http://doi.org/fr8pxj. [ Links ]

45. Ojha RP, Jackson BE, Tota JE, Offutt-Powell TN, Singh KP, Bae S. Guillain-Barre syndrome following quadrivalent human papillomavirus vaccination among vaccine-eligible individuals in the United States. Hum Vaccin Immunother. 2014;10(1):232-7. http://doi.org/b4gm. [ Links ]

46. Wright JD, Davila RM, Pinto KR, Merritt DF, Gibb RK, Rader JS, et al. Cervical dysplasia in adolescents. ObstetGynecol. 2005;106(1):115-20. http://doi.org/fdwndn. [ Links ]

47. Silva BL, Santos RNLC, Ribeiro FF, Anjos UU, Ribeiro KSQS. Prevenção do câncer de colo uterino e a ampliação da faixa etária de risco. Rev Enferm UFPE. 2014;8(6):1482-90. [ Links ]

48. Rodrigues JF, Moreira BA, Alves TGS, Guimarães EAA. Rastreamento do câncer do colo do útero na região ampliada oeste de Minas Gerais. Rev Enferm Cent-Oeste Min. 2016;6(2):2156-2168. http://doi.org/b4gn. [ Links ]

1Sanches TT, Siqueira-Oliveira T, Papp-Moretti C, Tovani-Palone MR, Hishinuma G. Evolução do sistema público de saúde no Brasil frente ao estágio atual da prevenção do câncer de colo uterino em mulheres jovens e adolescentes. Rev. Fac. Med. 2017;65(1): 115-20. Portuguese. doi: http://dx.doi.org/10.15446/revfacmed.v65n1.56855.

2Sanches TT, Siqueira-Oliveira T, Papp-Moretti C, Tovani-Palone MR, Hishinuma G. [Evolution of the public health system in Brazil versus the current stage of cervical cancer prevention in young women and adolescents]. Rev. Fac. Med. 2017;65(1): 115-20. Portuguese. doi: http://dx.doi.org/10.15446/revfacmed.v65n1.56855.

Recebido: 05 de Abril de 2016; Aceito: 08 de Junho de 2016

Correspondência para: Taís Tovani Sanches. Centro Universitário Cesumar. Av. Guedner, 1610, Zona 8, CEP 87050-900. Telefone: +55 44 30276360. Maringá. Brasil. Correio eletrônico: tais.sanches1@gmail.com.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons